Fanfics Brasil - Capítulo 7 (2ª Temporada) Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.)

Fanfic: Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.) | Tema: Série Divergente


Capítulo: Capítulo 7 (2ª Temporada)

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O efeito do soro passa cinco horas depois, quando o sol está se pondo. Christopher manteve-me trancada em meu quarto durante todo o dia, fazendo visitas de hora em hora para ver como eu estava. Dessa vez, quando ele entra, estou sentada na cama, encarando a parede.
– Graças a Deus – diz ele, encostando a testa na porta. – Estava começando a acreditar que o efeito nunca passaria e que eu seria obrigado a deixar você aqui... cheirando flores, ou seja lá o que você ia querer fazer sob o efeito desse treco.
– Eu vou matá-los. Eu vou matá-los.
– Não precisa. Vamos embora em poucos dias. – Ele fecha a porta e retira o disco rígido do bolso. – Pensei em esconder isso atrás da sua cômoda.
– É exatamente onde estava.
– Eu sei. Por isso mesmo o Peter não vai procurar lá de novo. – Christopher afasta a cômoda da parede com uma das mãos e enfia o disco rígido atrás dela com a outra.
– Por que será que não consegui combater o soro da paz? Se o meu cérebro é estranho o bastante para resistir ao soro da simulação, por que não resistiu também a este?
– Para ser sincero, não sei. – Ele desaba ao meu lado na cama, empurrando o colchão. – Talvez, para resistir ao efeito de um soro, você precise realmente querer.
– Mas é claro que eu queria – digo, frustrada, mas sem muita convicção. Será
que eu realmente queria? Ou será que foi agradável esquecer a raiva, a dor, esquecer tudo por algumas horas?
– Às vezes – diz ele, deslizando os braços ao redor dos meus ombros –, as pessoas só querem ser felizes, mesmo que seja de uma maneira irreal.
Ele tem razão. Mesmo agora, esta paz entre nós vem de não falarmos sobre as
coisas, sobre Afonso, sobre os meus pais, sobre eu quase ter atirado na cabeça dele ou sobre Víctor. Mas não ouso interromper este momento com a verdade, porque estou ocupada demais me apoiando nele.
– Talvez você tenha razão – concordo baixinho.
– Você está cedendo? – exclama ele, abrindo a boca com ar debochado de surpresa. – Parece que esse soro até fez bem a você...
Eu o empurro com o máximo de força que consigo.
– Retire o que disse. Retire o que disse agora.
– Está bem, está bem! – Ele levanta a mão. – É só que... eu também não sou muito legal, sabe? Por isso é que gosto tanto de você...
– Saia! – grito, apontando para a porta.
Rindo sozinho, Christopher beija a minha bochecha e vai embora.


 


 


 


 


 


                                                      +++


 


 


 


 


 


À noite, estou envergonhada demais pelo que aconteceu para ir jantar, então passo o tempo agarrada aos galhos de uma macieira, nos limites do pomar, catando maçãs maduras. Subo o mais alto que minha coragem permite para alcançá-las, e meus músculos ardem. Descobri que, quando fico parada, deixo pequenas frestas abertas por onde a tristeza consegue entrar, por isso me mantenho ocupada.
Estou enxugando a testa com a barra da minha camiseta, em pé sobre um dos galhos, quando ouço o barulho. A princípio, ele é fraco e mistura-se ao zunir das cigarras. Fico parada para ouvir melhor e, depois de alguns instantes, consigo identificar o som: carros.
A Amizade conta com cerca de uma dúzia de caminhonetes, usadas para
transportar produtos, mas eles só fazem isso durante os finais de semana. Sinto um arrepio na nuca. Se o som não vem de automóveis da Amizade, provavelmente vem de carros da Erudição. Mas preciso ter certeza.
Agarro o galho acima de mim com as duas mãos, mas me ergo apenas com o braço esquerdo. Não sabia que ainda conseguia fazer isso. Fico agachada, com galhos e folhas enrolados nos cabelos. Algumas maçãs caem no chão quando desloco o meu peso. As macieiras não são muito altas; talvez eu não consiga ver longe o bastante.
Uso os galhos próximos como degraus, equilibrando-me com as mãos e me contorcendo e abaixando para me esgueirar em meio ao labirinto de galhos da árvore. Lembro-me da vez que escalei a roda-gigante no píer, com as mãos tremendo e os músculos pulsando. Dessa vez estou ferida, mas também mais forte, e a escalada é mais fácil.
Os galhos tornam-se mais delgados e fracos. Molho os lábios e encaro o galho seguinte. Preciso escalar o mais alto possível, mas o galho que escolhi é curto e parece flexível. Apoio um pé sobre ele, testando sua resistência. Ele enverga, mas aguenta. Começo a levantar o corpo para apoiar o outro pé, e o galho rompe.
Arquejo enquanto meu corpo desaba para trás, agarrando-me ao tronco da
árvore no último segundo. Esta altura terá que ser suficiente. Fico na ponta dos pés e me esforço para olhar na direção do som.
A princípio, não vejo nada além de terras cultivadas, um trecho de terra desmatada, uma cerca, campos e os primeiros prédios a distância. Mas vejo alguns pontos se aproximando da cerca, que ficam prateados ao rebater a luz. Carros com teto preto e painel solar, o que só pode significar uma coisa: a Erudição.
Solto o ar dos meus pulmões, chiando, entre os dentes cerrados. Não paro para pensar; apenas abaixo um pé após o outro, tão rápido que a casca da árvore solta dos galhos, desabando para o chão. Assim que meus pés tocam o solo, começo a correr.
Conto as fileiras de árvores enquanto passo por elas. Sete, oito. Os galhos estendem-se para baixo, e eu passo imediatamente abaixo deles. Nove, dez.
Seguro o meu braço direito junto ao corpo e começo a correr mais rápido, e a ferida de bala no meu ombro dói a cada passo. Onze, doze.
Quando alcanço a décima terceira fileira, jogo o corpo para o lado, descendo por uma delas. As árvores da décima terceira fileira são próximas umas das outras.
Seus galhos se entrecruzam, criando um labirinto de folhas, galhos e maçãs.
Meus pulmões doem, clamando por oxigênio, mas estou perto do final do pomar.
O suor molha as minhas sobrancelhas. Alcanço o refeitório e abro a porta com força, abrindo caminho entre um grupo de homens da Amizade, e então o vejo; Christopher está sentado em um dos cantos do salão, com Peter, Caleb e Susan. Quase não consigo enxergá-los por trás dos pontos que ofuscam a minha visão, mas Christopher toca o meu ombro.
– Erudição. – É tudo o que consigo dizer.
– Vindo para cá?
Assinto com a cabeça.
– Dá tempo de fugir?
Não tenho certeza.
A essa altura, os membros da Abnegação sentados na outra ponta da mesa estão prestando atenção. Eles reúnem-se ao nosso redor.
– Por que precisamos fugir? – pergunta Susan. – A Amizade transformou este lugar em um refúgio. Conflitos não são permitidos.
– A Amizade terá dificuldade em fazer cumprir essa política – diz Víctor. – Como
impedir o conflito sem criar mais conflito?
Susan acena com a cabeça.
– Mas não podemos ir embora – diz Peter. – Não temos tempo. Eles nos veriam.
– A Dul tem uma arma – diz Christopher. – Podemos tentar fugir na marra.
Ele segue em direção ao dormitório.
– Espere – chamo-o. – Tenho uma ideia.
Olho para os membros da Abnegação ao redor.
– Disfarces. A Erudição não tem certeza de que ainda estamos aqui. Podemos fingir ser da Amizade.
– Então, todos de nós que não estiverem vestidos como membros da Amizade devem ir para os dormitórios – diz Víctor. – Quanto aos outros, soltem o cabelo; tentem imitar o comportamento deles.
Todos os membros da Abnegação vestidos de cinza deixam o refeitório em grupo e atravessam o pátio até o dormitório de hóspedes. Ao chegar lá, corro até o meu quarto, fico de quatro e enfio a mão sob o colchão, à procura da arma.
Demoro um pouco para encontrá-la e, quando encontro, minha garganta aperta e não consigo engolir. Não quero tocar a arma. Não quero tocá-la novamente.
Vamos, Dul. Enfio a arma sob a cintura da minha calça vermelha. Ainda bem que ela está tão folgada. Encontro os frascos de pomada curativa e analgésicos sobre a mesa de cabeceira e enfio-os no meu bolso, para o caso de conseguirmos escapar.
Em seguida, pego o disco rígido atrás da cômoda.
Se a Erudição nos pegar, o que é bastante provável, eles vão nos revistar, e não quero simplesmente entregar a simulação de ataque novamente. Mas esse disco rígido também contém as imagens de segurança do ataque. O registro das nossas perdas. Da morte dos meus pais. A única parte deles que me restou. E, como os membros da Abnegação não tiram fotos, é também o único registro da aparência deles que tenho.
No futuro, quando a minha memória começar a falhar, o que terei para me lembrar de como eles eram? Seus rostos vão mudar na minha memória. Nunca mais vou vê-los novamente.
Não seja idiota. Isso não é importante.
Aperto o disco rígido com tanta força que minha mão dói.
Então, por que eu sinto que é tão importante?
– Não seja idiota – digo em voz alta. Cerro os dentes e agarro o abajur da minha mesa de cabeceira. Tiro o fio da tomada, jogo a pantalha sobre a cama e me
agacho sobre o disco rígido. Piscando para afastar as lágrimas, bato com a base do abajur contra o disco rígido, amassando-o.
Bato outra vez, e outra, e outra, até o disco rígido quebrar, espalhando pedaços pelo chão. Em seguida, chuto os pedaços para debaixo da cômoda, coloco o abajur de volta no lugar e sigo para o corredor, enxugando os olhos com as costas da mão.
Alguns minutos depois, um pequeno grupo de homens e mulheres vestindo cinza surge no corredor, junto com Peter, remexendo pilhas de roupas.
– Dul – diz Caleb. – Você ainda está vestida de cinza.
Seguro a camisa do meu pai e hesito.
– É do papai – explico. Se eu trocar de roupa, terei que deixá-la para trás. Mordo o lábio para que a dor me fortaleça. Preciso me livrar dela. É apenas uma camisa.
Só isso.
– Vou vesti-la sob a minha – diz Caleb. – Eles não vão perceber.
Aceno com a cabeça e agarro uma camisa vermelha da pilha de roupas. Ela é grande o bastante para ocultar o volume da arma. Entro no quarto mais próximo para me trocar e entrego a camisa cinza para Caleb ao voltar para o corredor. Há uma porta aberta e, por trás dela, vejo Christopher enfiando roupas da Abnegação no lixo.
– Você acha que os membros da Amizade vão mentir por nós? – pergunto a ele, apoiando-me no batente da porta.
– Para evitar um conflito? – Christopher acena com a cabeça. – Com certeza.
Ele está usando uma camisa vermelha de colarinho e uma calça jeans rasgada no joelho. Fica ridículo com essas roupas.
– Bela camisa – comento.
Ele torce o nariz para mim.
– Era a única coisa que cobria a minha tatuagem, está bem?
Dou um sorriso nervoso. Havia me esquecido das minhas tatuagens, mas a camisa as esconde bem.
Os carros da Erudição chegam ao complexo. Há cinco deles, todos prateados, com teto preto. Os motores parecem ronronar enquanto as rodas atravessam o terreno irregular. Entro um pouco para dentro do edifício, deixando a porta aberta atrás de mim, e Christopher mantém-se ocupado com o fecho da lata de lixo.
Todos os carros estacionam e as portas se abrem, revelando pelo menos cinco homens e mulheres vestindo o azul da Erudição.
E cerca de outros quinze vestindo o preto da Audácia.
Quando os membros da Audácia se aproximam, vejo tiras de tecido azul enroladas em seus braços, o que só pode significar que eles se aliaram à Erudição.
A facção que escravizou as suas mentes.
Christopher segura a minha mão e me guia para dentro do dormitório.
– Não pensei que a nossa facção seria tão idiota – diz ele. – Você está com a arma, certo?
– Estou. Mas não posso garantir que conseguirei atirar muito bem com a mão
esquerda.
– Você deveria treinar isso – aconselha ele. Sempre um instrutor.
– Vou treinar – respondo, e começo a tremer um pouco ao completar: – se sobrevivermos.
Suas mãos acariciam meus braços nus.
– É só saltitar um pouco enquanto anda – instrui, beijando a minha testa –, fingir que você tem medo das armas deles – outro beijo, entre as minhas sobrancelhas –, agir como a flor amedrontada que você nunca será – um beijo na minha bochecha –, e você ficará bem.
– Está bem. – Minhas mãos tremem enquanto eu agarro o colarinho da sua camisa. Puxo a sua boca para junto da minha.
Um sino toca uma, duas, três vezes. É um chamado para o refeitório, onde os membros da Amizade costumam se reunir para ocasiões menos formais do que o encontro do outro dia. Nos juntamos ao grupo de membros da Abnegação
fantasiados de Amizade.
Retiro os grampos do cabelo de Susan. Seu estilo de cabelo é severo demais para a Amizade. Ela me oferece um pequeno sorriso de gratidão, enquanto o cabelo cai sobre os ombros. É a primeira vez que vejo seu cabelo dessa maneira.
Suaviza seu queixo quadrado.
Eu deveria ser mais corajosa do que os membros da Abnegação, mas eles não parecem estar tão preocupados quanto eu. Sorriem uns para os outros e caminham em silêncio. Silêncio demais. Abro caminho entre eles e cutuco o ombro de uma das mulheres mais velhas.
– Fale para as crianças brincarem de pique-pega – peço a ela.
– Pique-pega?
– Elas estão agindo de maneira muito respeitável e... Careta – explico, contorcendo o rosto ao falar a palavra que se tornou o meu apelido dentro da Audácia. – Crianças da Amizade estariam fazendo uma arruaça. Apenas faça o que eu disse, está bem?
A mulher toca o ombro de uma das crianças da Abnegação e sussurra algo em seu ouvido, e alguns segundos depois um grupo de crianças está correndo, desviando dos pés dos membros da Amizade e gritando:
– Peguei você! É a sua vez!
– Não, você só tocou na manga da minha camisa!
Caleb se dá conta do que estamos fazendo e começa a cutucar a costela de Susan, que cai na gargalhada. Tento relaxar, saltitando ao andar, como Christopher sugeriu, e balançando os braços ao dobrar os corredores. É impressionante como fingir ser de uma facção diferente muda tudo, até o meu modo de caminhar. Deve ser por isso que é tão estranho eu poder facilmente pertencer a três delas.
Alcançamos os membros da Amizade à nossa frente enquanto atravessamos o pátio em direção ao refeitório e nos misturamos a eles. Mantenho Christopher dentro do meu campo de visão, porque não quero me distanciar muito dele. Os membros da Amizade não questionam nossa atitude; eles apenas permitem que nos misturemos à sua facção.
Uma dupla de traidores da Audácia está em pé ao lado da porta do refeitório, segurando armas, e meu corpo enrijece. De repente me dou conta da realidade: estou sendo levada para dentro de um prédio cercado por membros da Erudição e da Audácia. Se me descobrirem, não terei para onde correr. Eles me matarão na hora.
Penso em fugir. Mas para onde poderia ir, sem que eles conseguissem me pegar?
Tento respirar normalmente. Estou quase passando por eles. Não olhe, não olhe.
Estou a alguns passos de distância. Desvie os olhos, desvie os olhos.
Susan me dá o braço.
– Estou contando uma piada – diz ela – que você acha muito engraçada.
Cubro a boca com a mão e forço uma risadinha, que soa aguda e estranha, mas, pelo sorriso de Susan, parece que foi convincente. Agarramos uma à outra da mesma maneira que as meninas da Amizade fazem, olhando de soslaio para os membros da Audácia e rindo novamente. Fico impressionada com a minha capacidade de agir assim, mesmo com este peso no meu peito.
– Obrigada – sussurro, depois que entramos no refeitório.
– De nada.
Christopher senta-se à minha frente a uma das mesas longas, e Susan, ao meu lado.
Os outros membros da Abnegação se espalham pelo salão, enquanto Caleb e Peter sentam-se a algumas cadeiras de distância de nós.
Batuco os dedos na minha perna enquanto esperamos alguma coisa acontecer.
Ficamos sentados ali durante um longo tempo, e eu finjo prestar atenção à história que uma menina da Amizade está contando. Mas, de vez em quando, olho para Christopher, e ele me encara de volta, como se estivéssemos compartilhando o medo.
Finalmente, Johanna entra no refeitório com a mulher da Erudição. Sua camisa azul parece brilhar em contraste com a sua pele, que é marrom-escura. Ela vasculha o salão enquanto conversa com Johanna. Prendo a respiração quando seus olhos me encontram, depois a solto quando ela segue vasculhando o salão,sem hesitar. Ela não me reconheceu.
Pelo menos, não por enquanto.
Alguém bate com a mão na mesa e o refeitório fica em silêncio. Está na hora. É agora que ela nos entregará, ou não.
– Nossos amigos da Erudição e da Audácia estão procurando algumas pessoas – diz Johanna. – Vários membros da Abnegação, três membros da Audácia e um ex-iniciando da Erudição. – Ela sorri. – Para cooperar inteiramente com eles, disse que as pessoas que procuram estiveram, de fato, aqui, mas já foram embora. Eles estão pedindo permissão para revistar as nossas dependências, e isso significa que precisamos votar. Alguém é contra a revista?
A tensão em sua voz sugere que, caso alguém realmente seja contra, é melhor ficar de boca calada. Não sei se os membros da Amizade captam esse tipo de mensagem, mas ninguém fala nada. Johanna acena com a cabeça para a mulher da Erudição.
– Três de vocês ficam aqui – fala a mulher para o grupo de guardas da Audácia posicionado ao lado da entrada. – Os outros, vasculhem os edifícios e me avisem se encontrarem alguma coisa. Podem ir.
Há tantas coisas que eles poderiam encontrar. Os pedaços do disco rígido.
Roupas que eu posso ter me esquecido de jogar fora. Uma ausência suspeita de objetos pessoais e de decoração nos nossos aposentos. Sinto o meu batimento cardíaco atrás dos olhos enquanto os três soldados da Audácia que ficaram para trás caminham para cima e para baixo, entre as fileiras de mesas.
Sinto um arrepio na nuca quando um deles caminha atrás de mim, com passos pesados e barulhentos. Não é a primeira vez que fico feliz em ser pequena e de aparência comum. Não chamo a atenção das pessoas.
Mas Christopher chama. Ele entrega o seu orgulho em sua postura, e na maneira como seus olhos apoderam-se de tudo o que veem. Isso não é um traço da Amizade. Só pode ser da Audácia.
A mulher da Audácia que caminha em sua direção olha imediatamente para ele.
Seus olhos se estreitam enquanto se aproxima, e ela para diretamente atrás dele.
Queria que o colarinho de sua camisa fosse maior. Queria que ele não tivesse tantas tatuagens. Queria...
– Seu cabelo é bastante curto para alguém da Amizade – comenta ela.
... que ele não cortasse o cabelo como alguém da Abnegação.
– Está quente.
A desculpa até poderia ter colado se ele soubesse dizê-la do jeito certo, mas seu
tom é ríspido.
Ela estende a mão e, com o dedo indicador, abaixa o colarinho da camisa de
Christopher, revelando a sua tatuagem.
E Christopher entra em ação.
Ele agarra o punho da mulher, puxando-a para a frente e fazendo com que perca o equilíbrio. Ela bate com a cabeça na quina da mesa e desaba. Do outro lado do salão, uma arma dispara, alguém grita, e todos mergulham sob as mesas ou se escondem atrás dos bancos.
Todos, menos eu. Continuo sentada onde estava antes do disparo, agarrada à
quina da mesa. Sei onde estou, mas não consigo mais enxergar o refeitório. Vejo o corredor por onde fugi depois que minha mãe morreu. Encaro a arma na minha
mão e a pele macia entre as sobrancelhas de Afonso.
Solto um gemido gorgolejante. Seria um grito se meus dentes não estivessem travados. O feixe de memória desaparece, mas continuo paralisada.
Christopher agarra a nuca da mulher da Audácia e a obriga a se levantar. Ele está segurando a arma dela e a usa como escudo humano, enquanto atira por cima do seu ombro contra o soldado da Audácia que se encontra do outro lado do salão.
– Dul! – grita ele. – Você poderia me ajudar aqui?
Levanto a camisa apenas o bastante para conseguir agarrar o punho da arma, e meus dedos tocam o metal. Está tão frio que as pontas dos meus dedos doem, mas isso é impossível; o refeitório está muito quente. Um homem da Audácia na ponta da fileira de mesas aponta o revólver em minha direção. O ponto escuro na ponta do cano da arma cresce ao meu redor, e a única coisa que consigo ouvir é o meu próprio batimento cardíaco.
Caleb salta em minha direção e agarra a minha arma. Ele a segura com as duas mãos e dispara contra o joelho do homem da Audácia que está em pé a poucos metros dele.
O homem da Audácia grita e desaba, agarrando a perna e dando a Christopher a oportunidade de disparar contra a sua cabeça. Sua dor é momentânea.
Todo o meu corpo treme, e eu não consigo parar. Christopher ainda segura a mulher da Audácia pela garganta, mas, desta vez, aponta a arma para a mulher da
Erudição.
– Mais uma palavra – diz Christopher – e eu mato você.
A boca da mulher da Erudição está aberta, mas ela não fala nada.
– Quem estiver conosco é melhor começar a correr – avisa Christopher, enchendo o
salão com a sua voz.
De repente, os membros da Abnegação erguem-se de seus lugares sob as mesas e bancos e seguem em direção à porta. Caleb me puxa do banco. Começo a andar em direção à porta.
De repente, vejo algo. Uma contração, uma centelha de movimento. A mulher da Erudição ergue uma pequena arma e aponta-a para uma pessoa de amarelo na minha frente. O instinto, e não a consciência, leva-me a mergulhar. Minhas mãos se chocam contra a pessoa e o disparo atinge a parede e não ela, ou eu.
– Abaixe a arma – diz Christopher, apontando seu revólver para a mulher da Erudição.
– Minha mira é muito boa, e aposto que a sua não é.
Pisco algumas vezes para clarear minha visão. Peter me encara. Acabei de salvar a sua vida. Ele não me agradece, e eu o ignoro.
A mulher da Erudição solta a arma. Juntos, eu e Peter seguimos para a porta.
Christopher nos segue, caminhando de costas, para manter a arma apontada para a mulher da Erudição. Assim que sai do salão, ele bate a porta entre os dois.
E todos nós corremos.
Corremos juntos pelo corredor central do pomar, ofegantes. O ar noturno está pesado como um cobertor e cheira a chuva. Ouço gritos atrás de nós. Depois, ouço o som de portas de carro batendo. Corro o mais rápido possível, como se estivesse respirando adrenalina, e não ar. O ruído dos motores me segue até o meio das árvores. Christopher agarra a minha mão.
Corremos juntos por um milharal em uma longa fila. A esta altura, os carros já nos alcançaram. Seus faróis atravessam os talos altos, iluminando algumas folhas e espigas de milho.
– Espalhem-se! – grita alguém. Parece ter sido o Víctor.
Nós nos dividimos e nos espalhamos pelo campo, como água sendo derramada.
Agarro o braço de Caleb. Ouço Susan arfar atrás dele.
Atropelamos pés de milho pelo caminho. As folhas pesadas cortam minhas bochechas e braços. Encaro o ponto entre as omoplatas de Christopher enquanto corro.
Ouço um ruído surdo e pesado e solto um grito. Ouço gritos por todos os lados, à
minha direita e à minha esquerda. Tiros. Os membros da Abnegação estão
morrendo mais uma vez, como ocorreu quando fingi estar sob o efeito da simulação. E tudo o que eu estou fazendo é correr.
Finalmente, alcançamos a cerca. Christopher segue por ela, empurrando-a com a mão, até que encontra um buraco. Ele segura a grade para que eu, Caleb e Susan possamos atravessar. Antes de começarmos a correr novamente, paro e olho o milharal que deixamos para trás. Vejo os faróis brilhando, distantes. Mas não ouço mais nada.
– Onde estão os outros? – sussurra Susan.
– Eles se foram – respondo.
Susan soluça. Christopher me puxa com força para o seu lado e segue em frente. Meu rosto arde com os cortes superficiais das folhas de milho e meus olhos estão secos.
A morte dos membros da Abnegação é apenas mais um peso que não consigo deixar para trás.
Evitamos a estrada de terra que os carros da Erudição e da Audácia usaram para chegar ao complexo da Amizade, seguindo a linha de trem até a cidade. Não há onde nos escondermos aqui, nenhuma árvore ou prédio para nos proteger, mas não importa. Os carros da Erudição não conseguem atravessar a grade, e vai demorar um pouco até que eles consigam alcançar o portão.
– Preciso... parar... – diz Susan, de algum lugar na escuridão atrás de mim.
Paramos. Susan desaba no chão, chorando, e Caleb se agacha ao seu lado.
Christopher e eu olhamos para a cidade, onde as luzes ainda estão acesas, porque ainda não é meia-noite. Quero sentir alguma coisa. Medo, raiva, mágoa. Mas não sinto. Só sinto vontade de continuar a me movimentar.
Christopher vira-se para mim.
– O que foi aquilo, Dul?
– O quê? – respondo, e sinto vergonha de o quão fraca minha voz soa. Não sei se ele está falando do Peter, do que aconteceu antes ou de alguma outra coisa.
– Você congelou! Alguém estava prestes a matá-la, e você não fez nada! – Agora
ele está gritando: – Pensei que pudesse contar com você, pelo menos para salvar a sua própria pele!
– Ei! – diz Caleb. – Deixe-a em paz, está bem?
– Não – diz Christopher, me encarando. – Ela não precisa ser deixada em paz. –
Suaviza a voz: – O que aconteceu?
Ele ainda acredita que sou forte. Forte o bastante para não precisar da sua compaixão. Eu costumava achar que ele tinha razão, mas agora não tenho tanta certeza. Limpo a garganta.
– Eu entrei em pânico. Isso não acontecerá nova mente.
Ele levanta uma sobrancelha.
– Não acontecerá – repito, mais alto.
– Tudo bem. – Pareço tê-lo convencido. – Precisamos chegar a algum lugar mais seguro. Eles vão se reagrupar e começar a procurar por nós.
– Você acha que eles se preocupam tanto conosco? – pergunto.
– Conosco, sim. Éramos nós que eles realmente estavam procurando, e Víctor, que deve estar morto.
Não sei como eu esperava que ele dissesse isso. Talvez com alívio, porque
Víctor, seu pai e a maior ameaça à sua vida, finalmente se foi. Ou com dor e tristeza, porque seu pai talvez esteja morto, e às vezes a tristeza não faz muito sentido. Mas ele disse isso como se fosse apenas um fato, como a direção na qual estamos seguindo ou a hora atual.
– Christopher... – Começo a dizer, mas não sei como completar a frase.
– Precisamos ir – diz Christopher, olhando para trás.
Caleb ajuda Susan a se levantar. Ela só consegue se mover com o apoio do braço
dele em suas costas, empurrando-a em frente.
Não havia percebido até aquele momento que a iniciação da Audácia havia me
ensinado uma lição importante: como seguir em frente.




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Autor(a): Fer Linhares

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Decidimos seguir os trilhos do trem até a cidade, porque nenhum de nós é bom com direções. Caminho de dormente em dormente, Christopher se equilibra sobre um dos trilhos, oscilando apenas de vez em quando, e Caleb e Susan nos seguem. Contraio o corpo cada vez que ouço um som que não consigo identificar, e s&oacu ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 13



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  • manoellaaguiar_ Postado em 09/10/2016 - 14:43:04

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 06/10/2016 - 22:22:23

    Continua ❤️

  • manoellaaguiar_ Postado em 04/10/2016 - 18:30:16

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 21:14:21

    Brigadaaa! Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 15:53:35

    Continuaaa! Faz maratonaaa!

  • manoellaaguiar_ Postado em 02/10/2016 - 14:43:08

    Eu nunca li o livro convergente pq eu N TO preparada pra aquele negocio que acontece hahahah! Já comprei a quase um ano e ainda tá guardado lá, um dia eu pego ele!

  • manoellaaguiar_ Postado em 01/10/2016 - 19:20:24

    Tá maravilhosaaa! Já vi esse filme e adorei! E tô amando a adaptação agora

  • manoellaaguiar_ Postado em 28/09/2016 - 22:35:16

    Cnttt

  • manoellaaguiar_ Postado em 27/09/2016 - 20:38:10

    Continuaaa

  • Postado em 25/09/2016 - 21:24:21

    Aaai deusss! Continuaaa


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