Fanfic: Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.) | Tema: Série Divergente
– Agora sim. Você está parecendo uma molenga tocadora de banjo – diz Anahí.
– É mesmo?
– Não. Na verdade, não. Só... deixa eu dar um jeito, está bem?
Ela vasculha sua bolsa por alguns segundos e encontra uma caixinha. Dentro dela há tubos e potes de tamanhos diferentes, que reconheço como maquiagem, mas que eu não saberia usar.
Estamos na casa dos meus pais. Foi o único lugar em que consegui pensar em vir para me aprontar. Anahí não faz a menor cerimônia em bisbilhotar. Ela já descobriu dois livros didáticos escondidos entre a cômoda e a parede. Evidências
da inclinação de Caleb para a Erudição.
– Eu entendi bem? Você deixou o complexo da Audácia para se preparar para a guerra... mas trouxe maquiagem?
– Isso mesmo. Imaginei que seria mais difícil alguém querer atirar em mim se visse o quão devastadoramente bonita eu sou – diz ela, erguendo uma sobrancelha. – Fique parada.
Ela tira a tampa de um tubo preto mais ou menos do tamanho de um dedo, revelando um bastão vermelho. É batom, é claro. Ela o encosta na minha boca e pincela até meus lábios ficarem cobertos de cor. Consigo ver a cor quando faço um biquinho.
– Alguém já falou para você dos milagres que uma pinça é capaz de fazer em
uma sobrancelha? – pergunta ela, segurando uma.
– Mantenha isso longe de mim.
– Está bem. – Ela suspira. – Eu usaria o blush também, mas certamente não será a cor certa para você.
– Isso é chocante, já que os tons da nossa pele são tão parecidos.
– Rá, rá.
Quando deixamos a casa, estou usando batom vermelho, meus cílios estão curvados e visto um vestido vermelho. Além disso, há uma faca presa à parte interna do meu joelho. Tudo isso faz muito sentido.
– Onde é que Víctor, o Destruidor de Vidas, vai nos encontrar? – pergunta
Anahí. Ela está usando o amarelo da Amizade, não vermelho, e a cor brilha em contraste com sua pele.
Solto uma risada.
– Atrás da sede da Abnegação.
Descemos a calçada no escuro. Todos os outros devem estar jantando agora. Eu me certifiquei disso. Mas, caso encontremos alguém, estamos usando jaquetas pretas para esconder a maior parte das roupas da Amizade. Salto sobre uma rachadura na calçada por puro hábito.
– Aonde vocês duas estão indo? – diz a voz de Peter. Olho para trás. Ele está parado na calçada, atrás de nós. Há quanto tempo será que está ali?
– Por que você não está jantando com seu grupo de ataque? – pergunto.
– Não tenho um grupo. – Ele toca o braço no qual atirei. – Estou ferido.
– Ah, é. Até parece! – diz Anahí.
– Bem, não quero lutar ao lado de um bando sem-facção – explica ele, com os olhos verdes cintilando. – Por isso, vou ficar aqui.
– Como um covarde – diz Anahí, com os lábios retorcidos de repulsa. – Vai deixar que outras pessoas limpem a sujeira para você.
– Aham! – concorda ele, com certa alegria maliciosa. Ele bate palmas. – Divirtam-se morrendo.
Ele atravessa a rua assobiando e caminha na direção oposta.
– Bem, pelo menos o distraímos – diz ela. – Ele não voltou a perguntar para onde estávamos indo.
– É. Que bom. – Limpo a garganta. – Mas esse plano é meio idiota, não é?
– Não é... idiota.
– Claro que é. É idiotice confiar em Víctor. É idiotice tentar passar pelos soldados da Audácia na cerca. É idiotice ir contra a Audácia e os sem-facção. Tudo isso junto resulta... em um tipo de idiotice inédita na história da humanidade.
– Infelizmente, também é o melhor plano que temos agora. Se quisermos que todos saibam a verdade.
Confiei em Anahí para assumir essa missão quando pensava que ia morrer, então não faria sentido não confiar nela agora. Temia que ela não quisesse vir comigo, mas havia me esquecido da sua facção de origem: a Franqueza, na qual a busca pela verdade é mais importante do que qualquer outra coisa. Ela pode ser da Audácia agora, mas, se há uma coisa que aprendi com tudo isso, é que nunca deixamos nossas antigas facções para trás.
– Então, foi aqui que você cresceu. Você gostava daqui? – Ela franze a testa. – Imagino que não, se você decidiu ir embora.
O sol movimenta-se lentamente em direção ao horizonte enquanto caminhamos.
Eu costumava não gostar da luz da tardinha, porque ela tornava tudo no setor da Abnegação ainda mais monocromático, mas agora acho a onipresença do cinza reconfortante.
– Eu gostava de algumas coisas e odiava outras. E há algumas coisas que eu não sabia que tinha, até perder.
Chegamos à sede da Abnegação. Adoraria entrar na sala de reuniões e respirar o perfume de madeira antiga, mas não temos tempo. Entramos no beco ao lado do prédio e caminhamos até os fundos, onde Víctor me disse que estaria esperando.
Uma caminhonete azul-clara nos espera lá, com o motor ligado. Víctor está ao volante. Deixo que Anahí entre primeiro, para que ela se sente no meio. Se possível, prefiro não sentar ao lado dele. Sinto como se odiá-lo enquanto agimos juntos de alguma forma diminuísse minha traição a Christopher.
Você não tem escolha, digo a mim mesma. Não há opção.
Com isso em mente, fecho a porta e procuro o cinto de segurança. Encontro apenas a ponta esfiapada de um cinto e uma fivela quebrada.
– Onde você encontrou esta lata velha? – pergunta Anahí.
– Roubei-a dos sem-facção. Eles as consertam. Não foi fácil fazê-la pegar. É melhor se livrarem destas jaquetas, meninas.
Enrolo nossas jaquetas e jogo-as para fora da janela semiaberta. Víctor engata a marcha da caminhonete, e o motor range. Começo a duvidar de que sairemos do lugar quando ele pisar no acelerador, mas o automóvel funciona.
Pelo que lembro, o trajeto de automóvel entre o setor da Abnegação e a sede da Amizade dura cerca de uma hora, e a viagem exige um motorista experiente.
Víctor entra em uma das vias principais e pisa mais forte no acelerador. O automóvel dá um tranco para a frente, e quase passamos por cima de um enorme buraco no asfalto. Agarro o painel para me equilibrar.
– Relaxe, Dulce – diz Víctor. – Já dirigi antes.
– Já fiz muitas coisas na vida, mas isso não significa que sou boa nelas!
Víctor sorri e vira a caminhonete para a esquerda repentinamente, para desviar
de um semáforo caído. Anahí solta gritinhos ao desviarmos de outro destroço, como se estivesse se divertindo horrores.
– Um tipo de idiotice diferente, certo? – diz ela, alto o bastante para fazer ouvir sua voz em meio ao uivo do vento que atravessa a cabine.
Agarro o banco e tento não pensar no que comi no jantar.
+++
Quando chegamos à cerca, vemos os soldados da Audácia em pé diante dos nossos faróis, bloqueando o portão. As faixas azuis em seus braços chamam atenção.
Tento manter uma expressão agradável. Não conseguirei convencê-los de que sou
da Amizade com uma expressão preocupada.
Um homem de pele escura com uma arma na mão se aproxima da janela de
Víctor. Ele aponta uma lanterna primeiro para Víctor, depois para Anahí e por último para mim. Semicerro os olhos para me proteger da luz e forço um sorriso, como se não me importasse nem um pouco com luzes ofuscantes na minha cara e uma arma apontada para minha cabeça.
Os membros da Amizade devem ser malucos, se é assim mesmo que encaram o mundo. Ou então andam comendo demais aquele pão.
– Então, me diga – diz o homem. – O que um membro da Abnegação está fazendo em uma caminhonete com duas meninas da Amizade?
– Estas duas meninas se ofereceram para trazer provisões para a cidade, e eu me ofereci para levá-las de volta em segurança.
– Além disso, não sabemos dirigir – diz Anahí, sorrindo. – Meu pai tentou me ensinar há anos, mas eu sempre confundia o acelerador e o freio; dá para imaginar que desastre! De qualquer maneira, Joshua foi muito gentil em se oferecer para nos levar, porque senão teria demorado muito, e as caixas eram tão pesadas...
O soldado da Audácia ergue a mão.
– Tudo bem, já entendi.
– Ah, claro. Desculpe. – Anahí solta uma risadinha. – Só achei melhor explicar, porque você parecia estar confuso, o que é compreensível, afinal não é muito comum encontrar esta...
– Certo – diz o homem. – E quando você pretende voltar para a cidade?
– Não tão cedo – diz Víctor.
– Tudo bem. Siga adiante, então. – Ele acena para os outros guardas da Audácia que estão perto do portão. Um deles digita uma série de números no teclado e o portão se abre, liberando nossa passagem. Víctor acena para o guarda que permitiu nossa passagem e segue pela estrada gasta que leva à sede da Amizade.
Os faróis da caminhonete revelam marcas de pneus, grama da pradaria e insetos passando de um lado para outro à nossa frente. Na escuridão à minha direita, vejo vaga-lumes acendendo em um ritmo parecido com o bater de um coração.
Depois de alguns segundos, Víctor olha para Anahí.
– O que diabos foi aquilo?
– Não há nada que os membros da Audácia odeiem mais do que um membro animado da Amizade falando pelos cotovelos – diz Anahí, erguendo um ombro.
– Pensei que, se ele ficasse irritado, se distrairia e nos deixaria passar.
Abro um grande sorriso.
– Você é um gênio! – falo.
– Eu sei. – Ela joga a cabeça para o lado como se estivesse jogando o cabelo por cima do ombro, mas ela não tem cabelo suficiente para isso.
– O problema – diz Víctor – é que Joshua não é um nome da Abnegação.
– Ah, fala sério. Até parece que alguém repara nisso.
Vejo o brilho da sede da Amizade adiante e o aglomerado familiar de construções de madeira com uma estufa no centro. Passamos pelo pomar de macieiras. O ar cheira a terra morna.
Mais uma vez, lembro-me da minha mãe esticando o braço para catar uma maçã neste pomar, há anos, quando viemos ajudar a Amizade com a colheita. Sinto uma pontada no peito, mas a memória não me arrasa da mesma maneira que fazia há algumas semanas. Talvez seja porque estou em uma missão para honrá-la. Ou talvez seja porque estou apreensiva demais a respeito do que está por vir para sofrer direito. Mas algo mudou.
Víctor estaciona a caminhonete atrás das cabines de dormitórios. Só agora noto
que não há uma chave na ignição.
– Como você conseguiu ligar a caminhonete?
– Meu pai me ensinou muitas coisas a respeito de mecânica e computação.
Passei esse conhecimento para meu próprio filho. Você não achou que ele tinha aprendido aquilo tudo sozinho, não é?
– Na verdade, pensei sim. – Abro a porta e saio da caminhonete. A grama roça
os dedos dos meus pés e minhas panturrilhas. Anahí fica parada à minha direita, inclinando a cabeça para trás.
– É tudo tão diferente aqui – diz ela. – Quase dá para esquecer o que está acontecendo lá dentro.
Ela aponta para a cidade.
– As pessoas aqui realmente costumam esquecer.
– Mas elas sabem o que há além da cidade, não sabem? – pergunta ela.
– Elas sabem tanto quanto os patrulheiros da Audácia – diz Víctor. – Que o mundo lá fora é desconhecido e potencialmente perigoso.
– Como você sabe o que elas sabem? – pergunto.
– Porque é o que dissemos a elas. – Ele começa a caminhar em direção à estufa.
Troco olhares com Anahí. Depois, corremos para alcançá-lo.
– O que você quer dizer com isso?
– Quando você recebe toda a informação, precisa decidir o quanto dela as outras pessoas devem saber – explica Víctor. – Os líderes da Abnegação revelaram o que era preciso ser revelado. Agora, vamos esperar que Johanna mantenha seus hábitos. Geralmente, no começo da noite, ela está na estufa.
Ele abre a porta da estufa. O ar é tão denso quanto da outra vez que estive aqui, mas agora também está enevoado. A umidade esfria minhas bochechas.
– Nossa! – diz Anahí.
O ambiente é iluminado pela lua e, portanto, é difícil diferenciar o que é planta, o que é árvore e o que foi construído pelo homem. Folhas roçam o meu rosto enquanto caminho pelo canto da estufa. De repente, vejo Johanna, agachada ao lado de um arbusto, com um pote na mão, catando o que parecem ser framboesas.
Seu cabelo está preso, e consigo ver sua cicatriz.
– Não pensei que veria você aqui de novo, srta. Saviñón.
– Porque eu deveria estar morta?
– Sempre espero que as pessoas que vivem pelas armas acabem morrendo por elas. Muitas vezes fico agradavelmente surpresa. – Ela equilibra o pote no joelho e olha para mim. – Mas também não acredito que você tenha voltado porque gosta daqui.
– Não. Viemos por outro motivo.
– Tudo bem – diz ela, levantando-se. – Vamos conversar sobre isso, então.
Ela carrega o pote até o centro da sala, onde as reuniões da Amizade ocorrem.
Nós a seguimos até as raízes da árvore, onde ela se senta e me oferece o pote de framboesas. Pego um pequeno punhado e passo o pote a Anahó.
– Johanna, esta é Anahí – diz Víctor. – Ela é da Audácia, mas nasceu na
Franqueza.
– Seja bem-vinda à sede da Amizade, Anahí – sorri Johanna de modo significativo. É estranho que duas pessoas nascidas na Franqueza possam parar em lugares tão diferentes: Audácia e Amizade.
– Diga-me, Víctor – diz Johanna. – A que devo esta visita?
– Acho que Dulce deveria responder isso. Sou apenas o responsável pelo transporte.
Ela desvia o olhar para mim sem questioná-lo, mas noto, pela sua expressão preocupada, que ela preferiria conversar com Víctor. Ela negaria isso se eu perguntasse, mas tenho quase certeza de que Johanna Reyes me odeia.
– É... – Começo a dizer. Não foi a introdução mais brilhante da minha vida.
Enxugo as palmas das mãos na minha camisa. – As coisas ficaram feias.
As palavras começam a jorrar, sem qualquer sutileza ou sofisticação. Explico que a Audácia se aliou aos sem-facção e que eles planejam destruir toda a Erudição, deixando-nos sem uma das duas facções essenciais. Digo a ela que há uma informação especialmente importante dentro do complexo da Erudição, além de todo o conhecimento que eles detêm, que precisa ser recuperada. Quando termino, percebo que não falei nada a respeito do que ela e sua facção têm a ver com isso, mas não sei como dizê-lo.
– Estou confusa,Dulce. O que exatamente você deseja de nós?
– Não vim aqui pedir sua ajuda – digo. – Mas achei que você deveria saber que muitas pessoas vão morrer em breve. E sei que você não quer ficar aqui, sem fazer nada, enquanto isso acontece, mesmo que uma parte da sua facção queira.
Ela olha para baixo, contorcendo a boca de uma maneira que indica que estou
certa.
– Também queria perguntar se seria possível conversar com os membros da Erudição refugiados aqui – digo. – Sei que eles estão escondidos, mas preciso ter acesso a eles.
– E o que você pretende fazer?
– Atirar neles – digo com ironia, revirando os olhos.
– Isso não tem graça.
Eu suspiro.
– Desculpe. Preciso de informações. Só isso.
– Bem, você precisará esperar até amanhã – diz Johanna. – Vocês podem dormir aqui.
+++
Durmo assim que encosto a cabeça no travesseiro, mas acordo mais cedo do que o planejado. Pelo brilho perto do horizonte, dá para perceber que o sol está prestes a nascer.
Do outro lado do espaço que separa nossas camas, encontra-se Anahí, com a cara enfiada no colchão e o travesseiro sobre a cabeça. Há uma cômoda com uma lâmpada entre nós. As tábuas corridas do chão rangem, independente de onde piso. Na parede esquerda há um espelho preso de maneira casual. Todas as facções, menos a Abnegação, consideram espelhos coisas normais. Ainda fico um pouco chocada sempre que vejo um exposto dessa maneira.
Visto-me sem me preocupar em fazer silêncio. Nem quinhentos membros barulhentos da Audácia conseguem acordar Anahí quando ela está dormindo pesado, embora talvez um sussurro de alguém da Erudição consiga. Ela tem essa particularidade.
Saio ao ar livre quando o sol começa a aparecer em meio aos galhos das árvores e vejo um pequeno grupo de membros da Amizade reunido perto do pomar. Eu me aproximo para ver o que eles estão fazendo.
Eles formam uma roda com as mãos dadas. Metade deles está no começo da adolescência, e a outra metade é de adultos. A mais velha entre eles, uma mulher de cabelo grisalho e trançado, fala:
– Acreditamos em um Deus que oferece a paz e a estima. Portanto, oferecemos paz uns aos outros, e a esti mamos.
Não percebi que isso era uma deixa, mas os membros da Amizade, sim. Todos começam a se mover ao mesmo tempo, encontrando alguém do outro lado do círculo e lhe dando as mãos. Quando todos já arrumaram um par, eles ficam parados por vários segundos, encarando-se. Alguns murmuram uma frase, outros sorriem, e outros ainda ficam parados, em silêncio. Depois, eles se afastam e encontram outra pessoa, repetindo a mesma série de ações.
É a primeira vez que vejo uma cerimônia religiosa da Amizade. Só conheço a religião da facção dos meus pais, que parte de mim ainda guarda, e outra parte rejeita, considerando-a tola. As preces antes do jantar, os encontros semanais, os atos de servidão, os poemas sobre um Deus altruísta. Isso é algo diferente, algo misterioso.
– Venha. Junte-se a nós – diz a mulher de cabelo grisalho. Demoro alguns segundos para perceber que ela está falando comigo. Ela acena para mim, sorrindo.
– Ah, não – respondo. – Só estou...
– Venha – diz ela novamente, e sinto que não tenho opção senão caminhar até
lá e me juntar a eles.
Ela é a primeira a se aproximar de mim, segurando minha mão. Seus dedos são secos e ásperos, e seu olhar procura o meu, insistentemente, embora eu ache estranho encará-la.
Quando finalmente a encaro, o efeito é imediato e peculiar. Fico imóvel, e cada parte de mim está imóvel, como se pesasse mais do que antes, mas o peso não é desagradável. Seus olhos são castanhos, inteiramente do mesmo tom, e não se movem.
– Que a paz de Deus esteja com você – diz ela, com a voz baixa –, mesmo em meio a dificuldades.
– Por que ela estaria? – indago baixinho, para que ninguém mais ouça. – Depois de tudo o que fiz...
– A questão não é você. É uma dádiva. Você não pode merecê-la, ou ela deixará de ser uma dádiva.
Ela solta minha mão e se direciona a outra pessoa, mas permaneço com a mão estendida, sozinha. Alguém se move para pegar minha mão, mas eu me afasto do grupo, primeiro andando, depois correndo.
Corro para o meio das árvores o mais rápido possível e só paro quando meus pulmões parecem arder em chamas.
Encosto a testa no tronco mais próximo, apesar de ele arranhar minha pele, e reprimo as lágrimas.
+++
Mais tarde, mas ainda de manhã, caminho debaixo de uma chuva rala até a estufa central. Johanna convocou uma reunião de emergência.
Permaneço o mais escondida possível, no canto da estufa, entre duas grandes plantas suspensas em solução mineral. Demoro alguns minutos para localizar Anahí, vestida com a cor amarela da Amizade, no lado direito da estufa, mas é fácil localizar Víctor, que está em pé em meio às raízes da árvore gigante, com Johanna.
Johanna está com as mãos juntas na frente do corpo e o cabelo amarrado. A ferida que causou sua cicatriz também danificou seu olho. A pupila é tão dilatada que cobre toda a íris, e o olho esquerdo não se move junto com o direito quando ela olha para os membros da Amizade à sua frente.
Mas não há apenas membros da Amizade. Há pessoas com cabelos bem raspados e coques bem amarrados que devem ser da Abnegação e algumas fileiras de pessoas de óculos que devem pertencer à Erudição. Cara está entre eles.
– Recebi uma mensagem da cidade – diz Johanna, quando todos se calam. – E gostaria de comunicá-la a vocês.
Ela puxa a barra da camisa, depois junta as mãos novamente na frente do corpo.
Parece estar nervosa.
– A Audácia aliou-se aos sem-facção. Eles pretendem atacar a Erudição dentro de dois dias. A batalha não será travada contra um exército misto da Erudição e da Audácia, mas contra inocentes da Erudição e o conhecimento que eles trabalharam tanto para acumular.
Ela olha para baixo, respira fundo e prossegue:
– Sei que não reconhecemos nenhum líder e, portanto, não tenho o direito de me direcionar a vocês como tal. Mas espero que me perdoem por, apenas desta vez, pedir para reconsiderarmos nossa decisão de não nos envol vermos.
Ouço murmúrios. Murmúrios muito diferentes dos da Audácia, mas delicados, como o som de pássaros voando de galho em galho.
– Independente da relação que temos com a Erudição, sabemos melhor do que qualquer facção o papel fundamental que ela exerce na sociedade. Eles precisam ser protegidos de uma chacina desnecessária, não apenas por serem seres humanos, mas também porque não podemos sobreviver sem eles. Proponho que entremos na cidade como mediadores pacíficos e imparciais, para evitar de qualquer maneira a violência extrema que com certeza ocorrerá. Por favor, discutam isso.
A chuva respinga sobre os painéis de vidro acima de nossas cabeças. Johanna senta-se em uma das raízes da árvore para esperar, mas os membros da Amizade não começam a conversar instantaneamente, como fizeram da última vez que estive aqui. Sussurros, quase indistinguíveis do som da chuva, transformam-se em conversas normais, e ouço algumas vozes erguendo-se acima das outras, quase gritando, mas não exatamente.
Cada voz mais alta causa um calafrio em meu corpo. Já presenciei muitas discussões na minha vida, a maioria delas nos últimos dois meses, mas nenhuma me assustou dessa maneira. As pessoas da Amizade não deveriam discutir.
Decido não esperar mais. Caminho pelo limite do espaço de reunião, espremendo-me entre os membros da Amizade que estão em pé e saltando sobre mãos e pernas esticadas. Alguns deles me encaram. Posso estar usando uma camisa vermelha, mas as tatuagens na minha clavícula estão plenamente visíveis, mesmo a distância.
Paro ao lado da fileira de membros da Erudição. Cara levanta-se quando me aproximo, com os braços cruzados.
– O que você está fazendo aqui?
– Vim avisar a Johanna o que está acontecendo. E pedir a sua ajuda.
– A minha ajuda? Por que...
– Não a sua ajuda – respondo. Tento esquecer o que ela disse a respeito do meu nariz, mas é difícil. – A ajuda de todos vocês. Tenho um plano para salvar parte dos dados da sua facção, mas preciso da sua ajuda.
– Na verdade – diz Anahí, surgindo ao lado do meu ombro esquerdo –, nós temos um plano.
Cara olha para Anahí, depois me encara novamente.
– Você quer ajudar a Erudição? Estou confusa.
– Você queria ajudar a Audácia – digo. – Você acha que é a única que não segue cegamente o que sua facção manda?
– Realmente, combina com seu padrão de comportamento – diz Cara. – Atirar em quem se mete no seu caminho é uma característica da Audácia, afinal de contas.
Sinto uma pontada no fundo da garganta. Ela parece muito com o irmão, com a ruga entre as sobrancelhas e as mechas escuras nos cabelos loiros.
– Cara – intervém Anahí. – Você vai nos ajudar ou não?
Cara suspira.
– É claro que vou. E tenho certeza de que os outros também ajudarão.
Encontrem-nos no dormitório da Erudição depois da reunião e contem-nos o plano.
+++
A reunião dura mais uma hora. Até lá a chuva já parou, embora ainda haja gotas de água nos painéis das paredes e do teto. Eu e Anahí estamos sentadas, encostadas em uma das paredes, jogando um jogo no qual uma tenta prender o polegar da outra. Ela sempre vence.
Finalmente, Johanna e os outros que se apresentaram como líderes da discussão ficam parados em uma fileira em meio às raízes da árvore. Agora, o cabelo de Johanna está solto, cobrindo seu rosto abaixado. Ela deve nos informar sobre o resultado da conversa, mas fica apenas parada, com os braços cruzados e os dedos batendo nos cotovelos.
– O que está acontecendo? – pergunta Anahí.
Finalmente, Johanna levanta a cabeça.
– Claramente, não foi fácil chegarmos a um consenso. Mas a maioria de vocês prefere manter nossa política de não envolvimento.
Para mim, não faz diferença se a Amizade decide entrar na cidade ou não. Mas eu havia começado a esperar que eles não fossem todos covardes, e considero essa decisão bastante covarde. Eu me encosto na janela.
– Não desejo encorajar uma divisão dentro da comunidade que já me ofereceu tantas coisas – diz Johanna. – Mas minha consciência me obriga a ir contra essa decisão. Qualquer um que também seja impulsionado pela consciência em direção à cidade está convidado a juntar-se a mim.
A princípio, como todos os outros, não entendo exatamente o que ela quer dizer.
Johanna inclina a cabeça, fazendo com que sua cicatriz fique novamente visível, e
diz:
– Se isso significar que não posso mais fazer parte da Amizade, eu entenderei. –
Ela funga. – Mas, por favor, saibam que, se eu for obrigada a deixá-los, partirei com amor no coração, e não malícia.
Johanna faz uma reverência para os presentes, prende o cabelo atrás das orelhas e caminha em direção à saída. Alguns dos membros da Amizade levantam-se, apressadamente, depois outros, e logo todos estão de pé, e alguns deles, embora não muitos, seguem-na.
– Isso não é o que eu esperava – diz Anahí.
manoellaaguiar_: Continuando linda continue comentando bjss
Comentem!!!!
Autor(a): Fer Linhares
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O dormitório da Erudição é um dos maiores da sede da Amizade. Há doze camas ao todo: uma fileira de oito, apertadas contra a parede dos fundos, e duas coladas em cada lado, deixando um espaço enorme no centro. Uma grande mesa ocupa esse espaço, coberta por ferramentas, pedaços de metal, engrenagens, pe&cc ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 13
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manoellaaguiar_ Postado em 09/10/2016 - 14:43:04
Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 06/10/2016 - 22:22:23
Continua ❤️
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manoellaaguiar_ Postado em 04/10/2016 - 18:30:16
Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 21:14:21
Brigadaaa! Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 15:53:35
Continuaaa! Faz maratonaaa!
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manoellaaguiar_ Postado em 02/10/2016 - 14:43:08
Eu nunca li o livro convergente pq eu N TO preparada pra aquele negocio que acontece hahahah! Já comprei a quase um ano e ainda tá guardado lá, um dia eu pego ele!
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manoellaaguiar_ Postado em 01/10/2016 - 19:20:24
Tá maravilhosaaa! Já vi esse filme e adorei! E tô amando a adaptação agora
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manoellaaguiar_ Postado em 28/09/2016 - 22:35:16
Cnttt
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manoellaaguiar_ Postado em 27/09/2016 - 20:38:10
Continuaaa
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Postado em 25/09/2016 - 21:24:21
Aaai deusss! Continuaaa