Fanfics Brasil - Sangue Azul Aoi Chi (Sangue Azul)

Fanfic: Aoi Chi (Sangue Azul) | Tema: Digimon


Capítulo: Sangue Azul

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Aoi Chi


Sangue Azul


By Misako Ishida


 


Já passava das três da manhã. Podia ouvir ao longe as risadas, conversas e brindes. Tudo o que precisava no momento era ir embora. Mas não podia.


- Você é a melhor de todas, Sora-chan. – ouviu como o homem embriagado falava com dificuldade.


Era um homem de meia idade. Aparência comum. Idiota. Estúpido. Nojento. Malicioso. Assim como todos os outros. O cheiro forte de bebida que exalava dele deixava seu estômago embrulhado.


Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e sorriu com inocência e meiguice. Havia se tornado uma excelente atriz.


- Ora, Yamamoto-san. – disse delicadamente enquanto pegava a garrafa de sake e completava o copo dele. – Apenas faço o melhor que posso.


O homem riu alto e com vontade. Colocou a mão no ombro de Sora e a outra colocou em cima do joelho dela. Aproximou o rosto lentamente da face da menina.


- Mas, bem que você poderia se esforçar um pouco mais. O que acha? – perguntou num tom sugestivo carregado de malicia.


Aquilo foi o máximo que ela pode aguentar. Estava com vontade de vomitar. Aquele homem tinha a idade para ser pai dela! Como era possível que existissem homens assim? Reprimiu toda a sua vontade de lhe dar um soco no rosto e um chute entre as pernas. Respirou fundo e novamente atuou. Sorriu inocentemente e retirou as mãos daquele homem de cima dela.


- Sinto muito, Yamamoto-san. Mas o máximo que posso fazer por você hoje é chamar um táxi para levá-lo para casa. – disse se levantando e se afastando dali.


Andou até o bar e virou num corredor comprido. Abriu a última porta, revelando uma espécie de sala de espera, e caiu sentada num dos sofás de couro. Estava com tontura. Precisava relaxar e se acalmar. Encostou-se ao sofá e fechou os olhos.


Ouviu como a porta se abriu. Passos pesados encaminharam-se até próximo a ela.


- Você deve estar exausta hoje. Mas, se deu bem. Yamamoto-san costuma ser bem generoso e parece que ele gostou muito de você. – disse um homem jovem de cabelos castanhos. – Pegue. Seu pagamento de hoje. – disse estendendo um pequeno maço de notas enrolado.


Sora abriu os olhos e pegou o dinheiro. Pegou a bolsa e o casaco que estavam ao lado e se levantou. Ela tinha que sair dali. Encaminhou-se à saída em silêncio.


- Você voltará amanhã? – perguntou o rapaz esperançoso fazendo com que a garota parasse no meio do caminho. – Como é noite de sábado, muitos clientes virão apenas para te ver.


A ruiva não respondeu nada. Apenas continuou seu caminho, deixando-o frustrado sem uma resposta. Como sempre fazia. Ele sorriu para si mesmo. Ela voltaria. Sempre voltava.


XxXxX


Caminhava lentamente pelas ruas sem se preocupar com nada. Olhou para o dinheiro que ainda estava em sua mão. Suspirou profundamente e o contou. ‘Droga’ pensou aborrecida. Definitivamente, aquele dinheiro não era suficiente. Ela teria que dar um jeito. E esse jeito seria voltar na noite seguinte. Guardou o envelope dentro da bolsa e seguiu adiante.


Sora Takenouchi, aos 17 anos, era uma bela garota. Apesar de seu corpo ainda em desenvolvimento, possuía curvas que deixavam os homens em geral encantados. Ela era considerada acima da média. Era a mais bonita, a mais gentil, a mais engraçada, a mais inteligente. Os clientes faziam fila para ter sua companhia. E ela sempre os atendia com um sorriso brilhante no rosto.


Mas, por dentro sentia-se enjoada. Sentia-se um lixo. Se autorrecriminava por fazer o que fazia. Não tinha ideia do que detestava mais: ser uma hostess, sua vida ou ela própria. Era uma disputa acirrada.


Havia mais de um ano que trabalhava como hostess. Para ser exato: um ano, três meses e 17 dias. Poderia até mesmo contar as horas, minutos e segundos que havia passado dentro daquele lugar.


Fechou os olhos, encostou-se à parede e sentou-se no chão. Estava cansada. Tanto física quanto emocionalmente. Queria pegar um táxi para voltar para casa, mas não podia. Teria que pegar o metrô. Resolveu se apressar se queria chegar antes do amanhecer.


O trem estava praticamente vazio, apenas umas poucas pessoas estavam ali. Manteve os olhos abertos e atentos, com medo de adormecer ali e perder a estação. De lado via como algumas pessoas lhe olhavam dos pés à cabeça.


Sora usava uma sandália de salto alto fino dourada, um vestido tomara que caia preto e justo, brincos pequenos e brilhantes. O cabelo estava perfeitamente intacto, solto e ondulado. Costumava usar o cabelo curto, na altura do ombro, mas acabou deixando-o crescer. Ajudava a manter a aparência de uma jovem um pouco mais velha. Sua maquiagem era suave e apenas ressaltava a beleza dos traços femininos que possuía. Ela nunca fora uma menina vaidosa. E no final das contas, era considerada a mais bela hostess de onde trabalhava. Irônico.


Se pensasse bem, para ela tudo era uma enorme ironia do destino. A vida gostava de brincar com ela, mas a brincadeira era perigosa e dura. Eram tantos problemas que se perguntava por que ainda estava ali. Não que pensasse em tirar sua própria vida. Isso seria estupidez. Seria uma fraqueza. E ela não era fraca. Ela precisava mostrar o quanto era forte, que podia suportar o que viesse. Apenas queria fugir de tudo aquilo. De ir para bem longe.


Ela sempre recebia presentes dos clientes. Joias, roupas, bolsas, sapatos, perfumes. Já havia até mesmo ganhado um carro e uma casa, mas os recusou. Não trocaria sua liberdade por dinheiro.


Mas se pensasse melhor, era exatamente isso o que fazia. Trocava suas noites de sono para estar com homens velhos, ricos, ébrios, inoportunos e safados em troca de dinheiro. Porém, sempre dizia a si mesma que eram coisas diferentes. Não fazia aquilo porque gostava ou queria, mas porque precisava.


Quando chegou ao seu destino, Sora se dirigiu à porta para sair do trem. Ainda teria que caminhar mais um pouco. Suspirou resignada. Caminhava pelas ruas estreitas e estranhas daquele bairro. Sua casa ficava num prédio pequeno, cuja fachada era deplorável. Subiu as escadas e chegou à porta de seu lar. Entrou sem fazer muito barulho. Estava tudo escuro. Acendeu a luz da sala e observou o lugar à sua volta. Um nó se formou em sua garganta.


Estava tudo uma completa desordem. Coisas jogadas ao chão, um porta-retratos quebrado e um bilhete em cima da mesa. Podia ter uma ideia do que havia acontecido ali. Pegou o pequeno papel e o leu.


Sora-san,


Sua mãe teve outra crise esta noite. Quase não pude contê-la. Dei-lhe o último comprimido do frasco.


Makino-san.”


Sora respirou fundo e se deixou cair no chão. ‘E agora? O que eu faço?’. Não demorou muito para que uma lágrima teimosa e rebelde surgisse em seus olhos. Os surtos de sua mãe começavam a ser cada vez mais frequentes. E lhe custavam ainda mais.


Levantou-se e foi para o quarto. Viu que Toshiko dormia tranquilamente e se acalmou um pouco. Correu para a sala novamente e sentou-se à mesa. Começou a fazer suas contas. Pegou um papel e um lápis.


Tinha que pagar o aluguel. Tinha que comprar os remédios de sua mãe. Tinha que pagar as despesas da casa. Tinha que pagar o convênio médico. E ainda precisava pagar Makino-san. Somou tudo. 320 mil ienes.


- Droga! – resmungou baixo. Ainda faltava. E muito! Começou a fazer contas desesperada.


Sora, além de trabalhar no hostess club, ainda trabalhava meio período no mercado dos Inoue. E fazia horas extras nos finais de semana e feriados. Era uma loucura. Geralmente, ela só ia para o club três vezes na semana. Mas ultimamente sua presença era constante.


Tinha o dinheiro para o aluguel, os remédios e Makino-san. E, então, ficou mais aliviada. Deixaria as despesas da casa para a próxima semana. Esses três eram sua prioridade. Prometera a si mesmo que jamais atrasaria novamente o pagamento do aluguel e de Makino-san.


Os proprietários do prédio eram um casal de meia idade. A Sra. Fujiko-san era uma mulher mal humorada e que detestava Sora. Ela fazia questão de dizer a todo o momento que a vida que a garota levava não era digna. Que ela era uma menina impura e suja. O Sr. Fujiko-san, por outro lado, era amável até demais. Houve uma época em que sua mãe precisou ser internada e Sora passou por um momento difícil. E fora ele quem deixou que ela atrasasse o aluguel e não cobrou juros ainda por cima. Mas, Sora não queria depender mais da ‘bondade’ dele. O Sr. Fujiko-san demonstrava descaradamente seu interesse por ela e, uma vez, até lhe fez uma proposta indiretamente.


A vontade de Sora era de sair daquele lugar. Contudo, não conseguiria um lugar tão barato e com uma localização boa. Não que ali fosse excelente, mas até que facilitava o acesso de Sora ao transporte. Era um bairro considerado pobre de Tóquio. E era o que podia manter nas suas atuais condições.


Makino-san era a vizinha de Sora. Uma senhora de idade, também mal humorada. Vivia atormentando a cabeça da ruiva quanto aos cuidados com sua mãe. Seu hobbie preferido era dar conselhos para a menina. Se não fosse porque não encontraria ninguém disposto a tomar conta de sua mãe, já teria mandado a velha para o quinto dos infernos.


Sora era mal vista por todos os que moravam no prédio. Quer dizer, por todas as mulheres que moravam no prédio. Os homens, como esperado, sempre tinham um ‘carinho’ a mais pela moça. Isso a enojava ainda mais. Tinha repugnância, nojo, ódio, raiva...


Estava tão concentrada que apenas percebeu que o dia já havia amanhecido quando ouviu baterem à porta. Levantou-se e pelo olho mágico viu que era o Sr. Fujiko-san. Respirou profundamente em busca de paciência. Abriu a porta.


- Bom dia, Sora-chan! – disse animadamente o senhor de cabelos grisalhos.


- Bom dia. – respondeu friamente a menina. Antes mesmo que o homem pudesse falar algo, notou como os olhos escuros percorriam seu corpo e lembrou-se que não havia trocado de roupa. O sangue subiu para o seu rosto. Como podiam ser tão descarados? – O senhor veio receber o aluguel? – perguntou com um tom de irritação.


- Ahhhh... Sim. – disse o homem em tom abobalhado.


- Só um minuto. – disse áspera e entrou.


Um minuto depois voltou com o dinheiro nas mãos e entregou ao homem. Este demorou um pouco mais para retirar as notas e aproveitou para ‘disfarçadamente’ acariciar suavemente a mão da garota.


Sora simplesmente retirou a mão com rapidez e se despediu do senhor fechando a porta em seu rosto. Hoje não estava com humor para aguentar as cantadas baratas e furadas de um velho nojento que tentava se aproveitar da vida patética que ela tinha.


Foi até a cozinha e começou a preparar o café da manhã. Logo sua mãe acordaria e ela precisava se arrumar para ir trabalhar no mercado. Passou-se quarenta minutos, já estava arrumada e terminava de colocar a mesa quando Toshiko entrou no recinto.


Ela parecia meio perdida. O olhar distante e perdido. A expressão cabisbaixa. Olhava atentamente para o lugar. Sora já havia arrumado a maioria das coisas e o ambiente não estava mais desordenado. Ao chegar seu olhar em sua direção, Sora sorriu docemente. Era um dos poucos momentos em que a ruiva costumava ser doce: quando estava ao lado de sua mãe.


- Bom dia. Sente-se. O café já está pronto. – disse sorrindo.


Toshiko foi até a mesa e sentou-se. Observou tudo atentamente. E Sora parecia não perder nenhum detalhe.


- Você está bem, mamãe? – perguntou Sora preocupada.


A mulher apenas assentiu com um leve sorriso no rosto. Sora lhe entregou um copo com suco e foi em direção ao sofá para pegar sua bolsa.


- Estarei de volta mais tarde. Já deixei o almoço pronto. Mais tarde Makino-san virá lhe ajudar e ver se está tudo bem. – encaminhou-se até a porta. – Se precisar de algo é só me ligar.


A mulher voltou a assentir suavemente e Sora saiu. Queria ficar mais tempo com sua mãe, mas estava atrasada.


XxXxX


Chegou devagarzinho até o balcão sem fazer barulho. Observou que a garota estava cochilando. Estava com o cotovelo apoiado na bancada e o rosto apoiado em sua mão. A expressão no seu rosto apesar de serena era de um cansaço extremo. Balançou a cabeça de forma negativa ao observar a cena. Colocou a mão na cintura e com a outra empurrou levemente a testa de Sora.


Esta por sua vez acordou assustada.


- Desculpa! – disse apressadamente sem olhar quem estava à sua frente.


Miyako riu. E Sora ao ver que era ela ficou com uma expressão séria.


- Você me assustou! – reclamou zangada.


- Desculpa. Não foi minha intenção. Você está bem? – perguntou num tom de preocupação.


- Sim. Não se preocupe. Apenas não dormi essa noite. – respondeu a ruiva bocejando.


Miyako a olhou atentamente. Foi para trás do balcão e sentou-se no banco ao lado dela.


- Você foi para o Paradise ontem? – questionou curiosa.


Sora assentiu com a cabeça. Não estava muito disposta a falar sobre isso e nem pensar no assunto. E Miyako percebera, pois havia mudado bruscamente o rumo da conversa. Falaram sobre trivialidades por um bom tempo, parando para atender um cliente ou outro. Sora estava a ponto de dormir sentada quando Miyako chamou sua atenção.


- Que horas você chegou em casa? – perguntou de forma direta.


- Já estava quase amanhecendo. – respondeu a garota deitando a cabeça sobre o balcão.


- Que tal dormir mais cedo hoje? – perguntou animada como se tivesse arrumado a solução para o problema de sua amiga.


- Adoraria. Mas não vai dar.


- Você vai para o clube hoje? – perguntou Miyako perplexa.


Sora levantou a cabeça enquanto bocejava.


- Sim. Hoje é sábado. Tem mais movimento. – respondeu colocando as mãos no colo. – Quem sabe eu consiga um encontro para amanhã. – disse pensando em voz alta.


- Encontro?


- Sim. – olhou para a amiga. – Você sabe. Eu saio com o cara e depois ele tem que pagar o dohan.


- Sora, cuidado. Você sabe que eu morro de medo quando você sai nesses encontros. – falou a menina de óculos praticamente implorando à amiga. – Além do mais, por que você quer um encontro? – questionou.


- Porque eu preciso de dinheiro. – respondeu simplesmente.


- E quem não precisa? – disse num tom brincalhão e divertido, tentando amenizar a tensão do assunto. Conseguiu arrancar alguns risos da ruiva.


- Eu sei. Mas... – fez uma pausa e suspirou. – Eu preciso desesperadamente de dinheiro. Os remédios da minha mãe acabaram e tenho que comprá-los novamente. Além do mais, eu preciso pagar o plano de saúde que está mais que atrasado essa semana. E minha mãe ainda tem outra consulta no final da semana. – respondeu desanimada.


Inoue olhou para a amiga. Como admirava aquela garota. Mesmo com tantos problemas, mesmo com a vida que levava, sempre era forte. Queria um dia poder ser tão determinada e corajosa quanto ela.


- Gomen, ne. Infelizmente não posso te ajudar. Esse mês estou falida. – disse tristemente.


- Tudo bem. Não se preocupe. Eu vou conseguir dar um jeito. – disse Sora sorrindo.


- Então, que tal a senhorita ir embora para casa dormir? Eu posso ficar aqui. – sugeriu.


- Tudo bem. Só faltam algumas horas para acabar aqui.


Miyako olhou fixamente para a ruiva.


- Você não está aguentando ficar com os olhos abertos. Como espera conseguir um encontro com o rosto cheio de olheiras? Anda, vai para casa. – disse autoritária.


Sora mordeu o lábio inferior.


- Tem mesmo certeza que posso ir? – perguntou timidamente.


- Sim. – assentiu Inoue sorrindo.


- Arigatou.


Sora levantou-se e pegou suas coisas. Saiu apressadamente do recinto enquanto acenava para sua amiga. Realmente, precisava de algumas horas de sono.


XxXxX


Chegou em casa e viu sua mãe sentada no sofá olhando um álbum de fotografias. Era o álbum de quando Sora havia nascido. Sentou-se ao lado da mulher sorrindo e lhe deu um beijo no rosto.


- Tadaima. – disse a garota.


- Okaeri. – respondeu a mulher sorrindo de felicidade. – Finalmente estou te vendo hoje. Já estava com saudades.


Sora franziu a testa confusa.


- Mas você me viu hoje de manhã, mamãe. – contestou.


Toshiko abraçou Sora e beijou o cabelo da menina.


- Mas foi tão rápido que para mim foi como se praticamente eu não a tivesse visto. – respondeu pausadamente.


Sora sorriu. Deitou no colo de sua mãe e ficaram conversando um pouco. Logo adormeceu.


Toshiko ficou ali acariciando os longos fios de cabelo de sua menina. Olhava para cada detalhe de seu rosto. Parecia perdida em pensamentos.


XxXxX


Estava satisfeita. Assim como esperava havia conseguido arrumar um encontro para o dia seguinte. Ou melhor, dois encontros.


Um jovem rapaz otaku havia sido arrastado para o clube naquela noite pelos amigos. Era seu aniversário de 21 anos e pelo que Sora viu o garoto jamais havia ficado tão perto de uma garota, muito menos os amigos dele. Sorte dela. O rapaz, Kouta, lhe pedira para que saísse com ele na parte da manhã, para supostamente ajudá-lo a comprar roupas. E Sora realmente suspeitava que eles fossem fazer exatamente isso: comprar roupas.


O segundo era Katou-kun. O jovem de 26 anos aparecia por ali de vez em quando. Na maioria das vezes era justamente para pedir um encontro com Sora. O motivo era simples: ele precisava ir para a casa da família num vilarejo e precisava de uma ‘namorada’. Isso se devia a que ele não queria que seus pais descobrissem que ele era gay. Sora havia ido com ele para o vilarejo muitas vezes e até o momento ninguém jamais desconfiou que aquilo tudo era mentira. Eles partiriam no domingo a tarde e voltariam na segunda pela manhã. Isso daria uma excelente comissão para ela.


Estava de certa forma feliz. Agradecia que seus encontros eram ‘inocentes’. Bom... Sim, eram. Se comparados com aqueles que já tivera com homens mais velhos que só estavam interessados numa coisa: a virgindade de Sora.


A ruiva achava que na verdade sua fama dentro daquele lugar se devia a isso: a que era virgem. O que era algo extremamente raro naquele lugar. Ela definitivamente era a única exceção. Apesar de contatos íntimos com os clientes serem proibidos, a maioria dos hostess acabava se encontrando com os clientes sem que ninguém soubesse. Esses encontros custavam muito caro e Sora era a menina que não aceitava nenhuma proposta.


Quando souberam de sua condição, a notícia se espalhou com o vento. E logo, todos os homens que frequentavam assiduamente o local queriam levá-la para cama. E então, ela tinha que aguentar os flertes, cantadas e propostas baratas e sujas todos os dias praticamente. Por outro lado, até que conseguia certa atenção e isso aumentava o seu ganho. Para se manter forte sempre pensava que aquilo era um meio para um fim. E nada mais.


Estava tomando sua água tranquilamente num canto escondido do balcão, quando o encarregado foi buscá-la.


- Um cliente está procurando por você.


Terminou de beber o liquido transparente e olhou-se no espelho ao lado. Estava com o cabelo preso num coque meio desarrumado, uma maquiagem leve e um vestido vermelho longo e justo. Levantou-se e se encaminhou até a mesa indicada.


XxXxX


Desceu do carro e olhou para a fachada luxuosa do clube noturno. Seus amigos pararam ao seu lado esperando que fizesse algo. Sorriu para si.


- Por que um hostess club? – perguntou entediado um rapaz de óculos.


- Porque é legal. Você escolhe umas garotas. Elas te tratam bem. Você as paga e não mais as vê novamente. Isso é perfeito! Ninguém fica grudando no seu pé. – respondeu com empolgação um rapaz de cabelos castanhos.


- Por pegar no pé você com certeza está falando de Mimi-chan. – provocou Joe.


Taichi fechou o punho e o mostrou para Kido. O loiro que estava no meio apenas deu de ombros e começou a caminhar. Estava animado, como uma criança que ia ao parque de diversões pela primeira vez.


- Vamos, Joe. Dê uma oportunidade. E além do mais, hoje estamos comemorando a minha formatura! Eu nunca mais terei que pisar os pés naquela universidade novamente. – disse Yamato.


- Esse é o espírito! – gritou Taichi e correu para a entrada.


Joe suspirou e os seguiu.


Ao entrarem, foram levados para uma mesa bem no centro do bar. Pediram algumas bebidas e logo vieram cinco garotas para a mesa. Começaram a conversar animadamente, enquanto elas serviam seus copos e procuravam o jeito certo de agradá-los. Yamato olhava ao redor procurando por algo que não sabia o que era. Mas sabia que tinha que encontrar. Foi quando a viu. Uma garota que parecia ser bem nova. Usava um vestido vermelho chamativo.


O loiro acompanhou a garota com o olhar e ficou observando-a sem praticamente piscar para não perder nenhum detalhe. Observava criteriosamente cada gesto, cada expressão e cada ação dela. Estava intrigado com ela. Precisava fazer algo.


Subitamente, se levantou e pediu uma mesa apenas para ele. Quando sentou-se pediu que mandassem a garota do vestido vermelho. Continuou olhando para ela e assim que ela começou a caminhar em sua direção teve certeza de que havia valido a pena se deixar arrastar pelo seu amigo Yagami até ali. Ele iria se divertir ao seu modo.


XxXxX


Quando viu o rapaz que havia chamado-a, percebeu que provavelmente deveria se tratar de um cliente novo, pois nunca o tinha visto por ali. Pelo menos tinha uma boa aparência. Mas tinha uma expressão zombeteira e seu olhar era frio, calculista e misterioso. Sim, essa era a palavra certa para aquele homem: misterioso. Um sorriso cínico estava em seu rosto quando ela chegou até a mesa.


Antes que pudesse abrir a boca para falar algo, ele indicou que se sentasse ao lado dele batendo a mão no sofá. Aquilo a deixou meio surpresa e um tanto indignada. Mas como diria seu chefe “você não está aqui para achar nada, está aqui apenas para agradá-los”.  Sentou-se obedientemente no lugar que o loiro lhe indicou.


Agora que o observava de perto percebia que o azul de seus olhos eram profundos e pareciam engoli-la para profundezas das quais jamais escaparia. A camisa de tecido fino com os primeiros botões abertos deixava transparecer o corpo musculoso e forte. Seu perfume era másculo e envolvente. Parecia que tudo naquele homem era perfeito. Talvez, por isso fosse tão arrogante. Mas, ela não se deixava levar por um rostinho bonito.


Sem falar nada, pegou a garrafa à sua frente e começou a preparar um drinque para seu acompanhante.


- Você não irá perguntar como eu quero o meu drinque? – questionou Yamato curioso. Estava pouco se importando com o modo em que ela o faria.


- Não. – respondeu diretamente a ruiva.


Yamato ficou observando e para seu espanto ela havia preparado a bebida da forma exata em que ele fazia. Aquilo lhe surpreendeu um bocado. Pegou o copo que ela lhe estendia com um sorriso e bebeu. E ainda por cima, parecia melhor do que a que ele preparava.


- Como você sabia? – questionou novamente com suma admiração.


- Sabia o que? – perguntou inocente.


Ishida apontou para o copo. – Que eu gosto da bebida desse jeito.


Sora encarou-o por um segundo a mais do que necessário.


- Apenas sabendo. Intuição. – disse.


Com o tempo ela havia aprendido a decifrar as pessoas. Quase sempre acertava em cheio. Os homens diziam que esse era mais um dos encantos da pequena Takenouchi.


- Não foi a toa que você chamou tanto a minha atenção. – disse mais para si mesmo do que para a garota. – Qual seu nome?


- Sora.


- Sora... Sora... Sora-chan?! – olhou para a menina e sorriu. – Acho que meu copo está meio vazio*, Sora... – disse meio ironicamente.


Não estava acreditando no que estava ouvindo. ‘Esse cara... Definitivamente... Argggg’ pensou irritada. Ele estava conseguindo tirar sua paciência. Em menos de cinco minutos ela parecia já odiá-lo. Resolveu não dar importância. Fingiu que ele não havia falado nada e continuou a olhar para frente, buscando algo interessante que merecesse sua atenção.


E naquele momento, qualquer coisa era mais interessante do que aquele homem desagradável. Isso que ele nem tinha começado com as cantadas e indiretas.


O loiro ao ver a expressão da garota começou a rir. Descontroladamente. Estava gargalhando. O que fez com que Sora ficasse ainda mais zangada. Estava se levantando dali, quando a mão forte a puxou de volta para o assento.


- Não tão rápido. Ainda estamos nos conhecendo. Prazer em conhecê-la, Sora-chan. – ainda segurando sua mão, levou-a até seus lábios e a beijou suavemente.


Sora fez menção de tirá-la, mas ele a impediu, segurando-a com mais força, porém sem machucá-la.


- Você foi a garota mais interessante que eu vi aqui hoje. – falou suavemente. ‘Sabia! Agora começa a conversa furada’. – Toda essa beleza e juventude... Um sorriso falso que esconde a raiva de estar aqui... Uma risada sutil que impede que alguém perceba o qual desagradável está sendo tudo isso... Um olhar meigo para disfarçar a tortura de ficar ao lado de um velho que provavelmente está te comendo com os olhos...


A cada palavra do loiro, a ruiva abria os olhos exageradamente. Como ele poderia ter enxergado tudo isso? Como podia descrevê-la com perfeição em tão pouco tempo. Já não estava mais com raiva. Não. Estava desconfortável. Queria sair de perto daquele homem assustador.


- O que você quer? – perguntou a garota com voz trêmula.


Ishida balançou o copo e sorriu. Soltou a mão da garota e encostou-se confortavelmente no sofá.


- Uma bebida. – respondeu simplesmente.


A ruiva lhe fitou por uns instantes. Depois pegou o copo da mão dele e preparou outro drinque. Estava incomodada com tudo aquilo. Preparou o drinque um pouco mais forte, queria que ele ficasse bêbado logo e, assim, pudesse sair dali depressa.


Em seu intimo rezava para que alguém lhe chamasse. Queria sair daquela mesa. Queria que aqueles olhos parassem de analisá-la a todo instante. Estava começando a se sentir como um animal de zoológico sendo observado.


Entregou o copo para o rapaz, que o bebeu rapidamente. O restante do tempo ele permaneceu em silêncio. Por um milagre dos céus, suas preces haviam sido atendidas e dois rapazes se aproximaram da mesa.


- Vamos, Ishida... A noite é uma criança! Ainda temos que ir para outros lugares. – disse um rapaz de cabelos castanhos enquanto se jogava ao lado do loiro no sofá. Este apenas negou com a cabeça e depositou o copo sobre a mesa.


Os dois se levantaram e o trio começou a partir, não sem antes o loiro se despedir.


- Nos vemos na próxima! – e piscou o olho.


Sora suspirou resignada. “Ainda bem que acabou...” pensou aliviada. Estava quase na hora de ir embora. Precisava descansar. Na saída, o gerente do lugar, Sasuke-kun, lhe esperava com dois envelopes e com um sorriso brilhante nos lábios.


- Sora-chan, aqui está seu pagamento... – lhe entregou um envelope – E aqui está a ‘gorjeta’ que o seu último cliente deixou especialmente só para você... – e lhe entregou o outro envelope. – Muito bom trabalho, menina. É assim que se faz. – disse alegremente enquanto se afastava da menina.


Confusão e dúvida era o que permeavam ao redor da garota. Lentamente, abriu o último envelope que havia sido lhe entregue. Quase caiu para trás. Não conseguiu acreditar no que estava vendo. Pegou nota por nota e as contou.


Cem mil ienes.


- Quem é esse cara afinal de contas? – sussurrou espantada.


XxXxX


Era segunda-feira. E estava voltando de viagem com Katou-kun. Havia corrido tudo bem. a vovó até havia lhe dado vários doces para comer no trajeto de volta. E o encontro com Kouta-kun no dia anterior também havia sido tranquilo.


Assim como imaginara, eles realmente foram comprar roupas. A inocência e a inexperiência do garoto eram de certa forma fofas para Sora. Começou a rir ao lembrar-se da cara do rapaz toda vez que ela sorria para ele.


Havia decidido que não trabalharia no clube naquela noite. Havia conseguido o dinheiro suficiente para colocar as contas em dia. Descansaria e aproveitaria o tempo com sua mãe. Era tudo o que precisava: por pelo menos uma noite achar que tudo estava bem e normal.


XxXxX


Na sexta-feira à noite decidiu ir ao hostess club Paradise. Chegando lá, imediatamente lhe mandaram para uma mesa. Um cliente esperava ansiosamente por ela.


Foi quando o avistou de longe. E se negou. Não queria acompanhá-lo novamente. Não podia nem acreditar que ele havia voltado e que estava esperando por ela.


- Não irei! Me mande para qualquer outra mesa, menos para lá. – disse para Sasuke.


Sasuke suspirou. Se Sora tinha um defeito, este era a ignorância. Quando ela implicava com algum cliente não havia jeito de fazê-la mudar de opinião. Alguns poucos homens que haviam passado do limite com a ruiva, deixando-a com raiva e irritada, jamais tiveram o prazer de sua companhia novamente. Mas não podia deixar que isso acontecesse com aquele cliente. Em hipótese nenhuma.


- Escute, garota! Vou te dizer apenas uma vez. – apontou com o dedo na direção do individuo em questão. – Aquele homem comprou a garrafa mais cara da casa e pediu exclusivamente por você. Portanto, não me venha com as suas rebeldias. Você irá para aquela mesa sem reclamar, irá sorrir, ser agradável e deixá-lo feliz. Entendeu? – perguntou com dureza.


Takenouchi apenas assentiu com a cabeça. Sasuke havia feito muito por ela. Ele estava arriscando o próprio pescoço para que ela estivesse ali. Por ser menor de idade, ele não queria contratá-la, mas por muita insistência e por achar que ela poderia ser útil, acabou deixando-a entrar. E se havia algo que jamais poderia fazer no mundo era dar as costas para ele.


- Mas você fica me devendo uma! – disse resignada e desanimada.


Sasuke sorriu para ela. – Pelo que esse cara está gastando aqui te devo todas que você quiser.


Sora riu. E foi para a mesa. Parecia que estava indo para o matadouro. Parou ao lado do sofá e ficou olhando para o loiro que esperava pacientemente.


Yamato a olhou dos pés à cabeça e sorriu com em sinal de aprovação. Ela usava um vestido verde escuro curto, com o corpo justo e a saia rodada. Por baixo da saia havia uma camada de tule. Um tecido fino e transparente cobria o corpete e se estendia até os punhos, formando uma manga comprida e uma gola alta. O cabelo estava preso num coque perfeitamente arrumado com pequenas presilhas brilhantes. O sapato preto com um salto não muito alto completava o conjunto. O rosto da garota era tão natural e belo, que parecia que era ela quem embelezava a maquiagem e não ao contrario. Em resumo, ela parecia uma fada saindo de dentro de um livro de contos de fada.


- Sente-se. – disse ele amigavelmente. A garota obedeceu. Em seguida, ela pegou a garrafa de champagne e serviu uma taça para o rapaz. – Por que você não me conta porque trabalha aqui sendo que não quer estar aqui? – sugeriu com suma curiosidade.


A garota, sem olhar para ele, pegou um hashi. E então pegou uma uva e a colocou na boca do rapaz. Era um sinal de que não queria conversa.


- Entendi. – disse o loiro. – Nada de confidências por enquanto. – e riu.


Sora não aguentou mais e disparou.


- Por que você está aqui?


- Para beber e aproveitar uma boa companhia. – disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.


- Existem muitas outras garotas aqui. Por que você me escolheu? – perguntou cansada.


- Você é diferente de todas elas. Eu apenas quero descobrir quem é realmente você.


Não conseguia acreditar em uma única palavra. Aquilo parecia besteira.


- E para que você iria querer descobrir quem eu sou? Parece uma total perda de tempo. – disse com voz baixa. Expressava um misto de indignação, raiva e frustração.


- Porque eu sou um jogador. E você parece um enigma difícil de ser decifrado. E eu adoro desafios. – disse sorrindo com sarcasmo e cinismo.


Sora travou seus olhos nele. Tinha uma postura altiva e parecia estar realmente falando a verdade. Não sabia o que pensar ou que deveria sentir em relação a esse jogo que ele estava sugerindo.


Pegara um morango dessa vez. E estava prestes a colocar dentro do copo quando uma moça apareceu na mesa. Sua expressão era meio nervosa e apavorada.


- Desculpa interromper, mas... Sora-chan, telefone para você. É urgente. – disse rapidamente.


O coração da menina subitamente disparou. Para receber chamadas urgentes no clube só poderia se tratar de uma pessoa. Levantou-se apressada e foi até o telefone. As palavras que ouviu a deixaram pálida. Parecia que suas pernas cederiam num instante. Saiu correndo deixando todos preocupados com sua reação.


Yamato que observava desde a mesa, foi atrás da garota. Quando chegou ao lado de fora, vira como ela subia desesperadamente num táxi. “E isso fica cada vez mais interessante” foi o seu pensamento.


XxXxX


Correu para o balcão de informações. Sua mente estava nublada. Seu coração queria sair pela boca. Seus pés pareciam andar sozinhos, sem precisarem de comandos.


- Por favor, Takenouchi Toshiko. – disse desesperada.


A recepcionista lhe deu a referência e ela saiu rapidamente. Os corredores brancos pareciam se mover, apertando-a cada vez mais. Chegou até a emergência e pediu informações. Foi orientada por uma enfermeira a esperar na sala de espera.


Passados vinte minutos, uma outra enfermeira chamou por ela. Esta a encaminhou até um leito, onde sua mãe estava dormindo pacificamente.


- O que aconteceu? – perguntou assustada ao ver a cabeça da mulher enfaixada.


- Ela teve um surto e durante a crise começou a bater a cabeça contra parede até quase perder os sentidos. Por sorte a ambulância chegou a tempo. Sua vizinha foi quem ligou pedindo o resgate. O estado dela no momento é estável. Logo Kido-sensei virá aqui conversar com a senhorita.


Aquilo lhe surpreendeu.


- Kido-sensei? Mas o médico responsável pela minha mãe é Nakano-sensei. – disse confusa.


Nakano-sensei era o psiquiatra de sua mãe. Todas as vezes em que ela tinha uma crise ele era acionado. Achava esquisito que Kido-sensei quisesse falar com ela. Ele era um respeitável neurologista. Inicialmente, quando sua mãe começara a ficar doente havia se consultado com ele. Fora ele quem lhe encaminhara para Nakano-sensei.


- Kido-sensei lhe explicará tudo em detalhes. Com licença. – e com isso a moça deixou Sora a sós com a mãe.


A garota sentou-se na cadeira ao lado da cama e ficou a olhar para a mãe. Acariciava seu cabelo e pegou com força sua mão. As crises de Toshiko estavam cada vez mais constantes e mais violentas. Era preocupante.


A porta se abriu e Sora viu Kido-sensei adentrar. Ele acenou com a cabeça para a garota. Sora levantou-se e o cumprimentou adequadamente.


- Podemos conversar? – perguntou amigavelmente o senhor.


- Sim. – respondeu timidamente.


O médico lhe indicou que fossem até o seu consultório. Aquilo não lhe agradou. Consultórios resultavam em noticias desagradáveis.


Sora sentou-se e esperou. Não perguntou e nem falou nada. Apenas aguardou.


- Creio que uma das enfermeiras já tenha lhe dito o que aconteceu. – viu a garota assentir. – Pois bem... Sora, precisaremos fazer uma ressonância para verificar se está tudo bem com sua mãe. Precisamos nos assegurar que ela não teve nenhuma lesão, por menor que seja.


O mundo de repente pareceu cair sobre seus ombros. Fechou os olhos e teve a sensação de que iria desabar.


- Sensei... Você poderia esperar até a amanhã a noite? – perguntou temerosa.


O médico suspirou. – Sora, precisamos ser rápidos. Não podemos esperar tanto tempo. – disse pacientemente.


Sora mordeu o canto da boca. – Então, pelo menos até amanhã de manhã? Por favor? – suplicou.


Kido respirou profundamente. Não havia outra escolha. – Até amanhã de manhã, entendeu? – disse.


- Sim. Obrigado. Muito obrigado, Kido-sensei. – disse Sora agradecida. Saiu do consultório e foi dar uma olhada em sua mãe novamente. – Desculpa, mamãe. Voltarei logo. – beijou-lhe a testa e saiu.


Pegou um taxi e se dirigiu novamente para o Paradise. Precisava de dinheiro. Urgentemente.


XxXxX


Ela era uma garota orgulhava. Não gostava de pedir favores às pessoas e muito menos pedir dinheiro, mesmo que fosse emprestado. Podia não se orgulhar da forma em que conseguia a maior parte de seu dinheiro, mas sabia que havia ganhado por si mesma.


Havia ficado a noite toda naquele lugar que tanto lhe trazia sensações negativas. Nunca se vira tão desesperada assim. Havia feito vários clientes comprarem garrafas caras. Somando o bônus que havia ganhado com isso juntamente com a nova ‘gorjeta’ generosa do loiro irritante (50 mil ienes) havia conseguido a quantia que precisava para pagar os exames.


Sua sorte maior foi que havia conseguido pagar o convênio médico, caso contrário, estaria em grandes apuros. Estava ali ao lado da cama, esperando que sua mãe acordasse e esperando os resultados dos exames. O sono estava lhe consumindo, por isso resolveu ir pegar um copo de café.


Retornava tranquilamente pelo corredor comprido quando Kido-sensei apareceu, com uma expressão não muito boa, e pediu que ela o acompanhasse. O resultado dos exames já havia saído.


A mesma tensão de sempre. Mas dessa vez parecia ainda pior. A expressão no rosto do médico já lhe avisava que o que ela ouviria não seria bom.


- Kido-sensei? – iniciou meio assustada com todo aquele silêncio desagradável.


- Sora-san, eu realmente queria que alguém da família, um adulto, estivesse aqui para pegar os resultados.


Sora encarou o médico com determinação.


- Sinto muito, sensei. Mas isso não será possível. Qualquer que seja o resultado eu sou a única responsável pela minha mãe. – disse num tom desafiador carregado de ressentimento.


O senhor suspirou resignado. – Sendo assim... Sora, por acaso você tem notado algo de estranho em sua mãe recentemente? Digo, além de algum possível delírio ou alucinação?


Sora pareceu pensar uns instantes. Geralmente não ficava em casa tempo suficiente para perceber algo de ‘anormal’.


- Hum, acho que não... – e então algo veio à sua mente. – Tirando o fato de que ultimamente ela anda muito distraída e vaga, não tenho visto nada de diferente nela.


O médico virou a tela do monitor para que Sora olhasse.


- Quero que veja uma coisa. Esta é a imagem do exame da sua mãe. Está vendo essa parte aqui. – indicou uma área cheia de manchas que a menina não entendia. Apenas assentiu. Então, ele mostrou outra imagem. – Essa é uma imagem normal. Consegue notar a diferença?


Apesar de sutil, Sora conseguia notar certa diferença. Aquilo começou a alarmá-la. O que estava acontecendo? Tinha medo de perguntar. Esperou impacientemente pela resposta do médico à sua pergunta silenciosa.


- Sora, eu não sei como dizer isto a você... – começou o médico tristemente. – Mas, sua mãe... Sua mãe tem a doença de Alzheimer.


E nesse momento seu coração parecia ter parado de bater e seu cérebro funcionava numa única frequência, repetindo a última frase do médico inúmeras vezes.


XxXxX


Estava ‘escondida’ na sala de espera, sentada na última fileira, próximo à parede. Ainda custava a acreditar. Kido-sensei havia lhe explicado tudo. Falou sobre os sintomas, sobre a doença, sobre o tratamento, sobre o prognóstico, sobre o acompanhamento clínico. E mesmo assim aquilo tudo parecia surreal. Se negava a acreditar naquela situação.


Sentiu uma mão em seu ombro e virou-se. Encontrou com uma garota sorridente.


- Miyako-chan.


- Ei. Vim ver como sua mãe estava e te trouxe algo para comer. – disse levantando um pequeno bento embrulhado com esmero.


Sora sorriu agradecida.


- Obrigado. Mamãe já está melhor. Ela já acordou e o médico dará alta logo mais. Estou apenas esperando ela sair.


Miyako sorriu sem graça. Sora havia ligado para a casa dos Inoue mais cedo para avisar que não poderia ir trabalhar e explicou a situação. Acabou contando para a matriarca da família tudo o que o médico havia lhe dito. Esperava que ao contar para alguém aquilo pudesse tornar mais real, mais plausível, mais palpável. Mas não foi assim.


Miyako suspirou e olhou para a amiga. Agora sim a batalha começaria. E de repente, a garota sentiu dentro de si uma fúria gigantesca. Como poderia uma menina de 17 anos suportar tudo aquilo sozinha? Não havia ninguém ao lado de Sora. Ninguém para confortá-la, para protegê-la, para ajudá-la. Miyako e sua família faziam tudo o que podiam para dar suporte, mas no fundo ela sabia que não era o bastante. E se sentiu frustrada. Queria ter uma varinha mágica que pudesse mudar tudo aquilo. Não queria mais ver sua amiga tentando ser forte na frente das pessoas. Não queria mais vê-la trabalhando naquele clube (não que tivesse visto realmente). Queria que ela pudesse ser uma adolescente normal, que pudesse ter uma vida normal e com experiências normais para as meninas de sua idade.


Sora era uma grande companheira. Uma amiga perfeita. Mesmo com todos os seus problemas de gente grande, ainda tinha tempo para ouvir os dramas adolescentes de Miyako. E nesses momentos, em seu interior, a garota de cabelos violetas se sentia patética. Vendo a ruiva encostada naquela parede tentando não chorar lhe mostrava como aquilo que considerava ‘grandes problemas existenciais’ de sua vidinha ordinária de adolescente em crise não eram absolutamente nada. Suspirou.


- Sora... – chamou a garota que a olhou. – Você não acha que talvez pudesse pedir ajudar para o seu... – mas foi bruscamente cortada por Sora.


- Não. – disse rapidamente sem deixá-la terminar aquela frase.


Subitamente seu sangue ferveu. Seu rosto ficou vermelho de raiva. Seus olhos soltavam faíscas. Definitivamente não pediria ajuda a ninguém, muito menos para ele.


- E se... Sei lá... Você... – começou meio receosa. Sabia qual seria a reação da garota. – Você ligasse para...


- De jeito nenhum. – falou decididamente. – Isso é algo que eu lidarei sozinha.


- Mas, Sora... Você não vai conseguir. É muito para você sozinha.


- Não importa. – disse friamente. – Eu tenho que conseguir. E eu vou conseguir. – acrescentou com fúria e determinação.


Miyako suspirou novamente. O orgulho de Sora era uma de suas características mais notáveis e, talvez, pelo menos naquela situação, era seu pior defeito.


- Tudo bem. Desculpa... Sei que não deveria ter tocado nesse assunto. – murmurou a garota arrependida.


- Não, tudo bem. Sinto muito por ter sido meio grossa. – se desculpou a ruiva com um sorriso triste.


Miyako negou com a cabeça. Ambas ficaram em silêncio. Havia tanta coisa a ser pensada. Sora pensava em como aceitar a nova condição de sua mãe. E Miyako pensava em como Sora faria para dar conta de administrar tudo aquilo.


XxXxX


A noite havia caído e Toshiko havia sido liberada do hospital. Sora a levou para casa. Colocou-a na cama e esperou que dormisse. Dirigiu-se para a sala e encolheu-se no sofá.


Apenas aquela noite. Por apenas uma noite se permitiria ser fraca. E chorou. Chorou tudo o que estava preso dentro de seu peito. Todos os sentimentos guardados. Não se lembrava da última vez em que havia derramado lágrimas. Mas, esvaziou-se.


XxXxX


Decidira que iria para o clube todas as noites a partir do dia em que vira o custo que teria com os medicamentos novos e com as consultas que precisariam ser mais constantes. Sabia que estava a ponto de entrar em colapso. Tinha que ir para a escola, tinha que ir para o mercado dos Inoue depois das aulas e a noite para o Paradise. As contas nunca acabavam. E ela também não poderia se acabar. Tinha que ser forte, tinha que dar conta de tudo. Era seu dever e sua obrigação.


Naquela noite de sábado havia se arrumado com esmero, não em demasia, mas um pouco mais caprichado do que de costume. Era o último sábado do mês. E sabia o que isso significava. Tinha que estar radiante e perfeita.  


Ao chegar naquele ambiente agitado e empolgado soube que ele já havia chegado. Sato Takano. Ele era o cliente VIP do lugar. Aparecia somente no último sábado do mês e costumava gastar uma fortuna ali. Era um homem de meia idade. Tinha os cabelos grisalhos e um porte masculino atraente para sua idade. Além de seu charme, seu modo de tratar as pessoas chamava ainda mais atenção. Era carismático. Impossível não gostar dele.


E ele era fascinado com Sora... Takano costuma chegar bem cedo e se divertia com praticamente todas as meninas do clube. Os risos eram altos e o clima festivo era o estopim. Mas quando Sora chegava, sua atenção era somente dela. E de ninguém mais. Assim como a atenção de Sora era somente dele e de nenhum cliente mais.


- Boa noite, Takano-san. – disse polidamente a ruiva.


Sato Takano parou de conversar com as meninas ao seu redor para prestar atenção à jovem parada à sua frente. Olhou-a com um sorriso gigantesco a imagem imaculada da garota perfeita que também sorria. Levantou-se e galantemente parou em frente à menina, beijando-lhe a mão de forma cortês. Segurando-a ainda pela mão conduziu-a até que se sentasse.


As outras pessoas em volta já sabiam o procedimento e todos, sem exceção, saíram da mesa, deixando o charmoso senhor acompanhado apenas pela adolescente.


- Você está cada dia mais deslumbrante, doce menina. – elogiou.


- Obrigado, Takano-san.


Sora gostava da forma em que ele a cortejava. Era educado acima de tudo. O modo como ele falava lhe dava a sensação de que não era apenas uma hostess que estava ali para acompanhá-lo. Nessas horas, ela achava que era apenas uma garota ‘normal’ de família.


Conversavam de tudo. Ele era um intelectual genuíno e instigava Sora a conversas filosóficas sobre diversos assuntos. Inspirava a menina aos clássicos da literatura, da música e da arte. Graças a ele, ela havia conhecido e desbravado grandes desses nomes. E ele parecia sempre desafiá-la a adquirir conhecimento e cultura. E ela, satisfeita e contente, aceitava cada um deles.


Havia apenas uma falha naquele homem. Ele estava interessado em mais uma coisa: em sua virgindade. E a deixava saber disso todas as vezes, não de uma forma rude ou grotesca. Era sutil, mas direto. E mesmo com isso, a garota ainda o respeitava e o admirava. Poderia dizer que Sato Takano era um dos pouquíssimos homens que Sora ‘confiava’ e gostava.


- Creio que você se eu fizer outra proposta a você, minha pequena, você a rejeitará. – disse.


Sora sorriu envergonhada e abaixou o olhar. – Sim.


- Mesmo se dessa vez lhe oferecesse, digamos 500 mil iene? – questionou.


- Sim. Sinto muito, Takano-san. Mas, mantenho a minha palavra. Não estou interessada nessa oferta.


Takano apenas bebeu mais um pouco do liquido âmbar que estava em seu copo e olhou desiludido para a garota. Suas palavras eram ditas num tom calmo e baixo, mas seu olhar expressava a determinação e certeza delas. Não havia o que mais se discutir. Mudou de assunto rapidamente e continuaram desfrutando da companhia um do outro.


XxXxX


Estava cansada. Queria ir para casa. Takano acabara de ir embora e ela queria fazer o mesmo. Mas, algo lhe impediu.


- Quê?! Mas, Sasuke-san... São três horas da manhã! – exclamou indisposta.


- Sim, minha querida. Eu sei que são três horas da manhã! Mas, esse cliente esperou pacientemente por você a noite inteira. Portanto, vamos, vamos, vamos. Arraste esse corpinho de sereia direto para a mesa dele. – exigiu Sasuke.


Sora foi, literalmente, arrastando seu corpo até onde ele indicara. Estava sem forças e perdeu totalmente o pouco ânimo que lhe restava ao ver quem estava lhe esperando. O loiro arrogante, como havia lhe apelidado.


Ele sorriu com graça ao vê-la. Novamente, analisou-a dos pés a cabeça sorrindo em aprovação. Ela sem muita paciência para perder, sentou-se imediatamente e logo começou a servir a bebida no copo.


- E valeu cada segundo de espera. Você está deslumbrante! – murmurou o rapaz.


Ela continuou em silêncio. Encostou-se ao sofá com os braços cruzados. Olhava para todos os lados do salão, menos para seu acompanhante. E Yamato sorriu com malicia.


- Hoje, eu descobri mais um dos seus charmes. – disse de forma descontraída. – Não me admira que você faça tanto sucesso. – riu sutilmente e prosseguiu. – O que você diria se eu dobrasse a proposta daquele homem? – perguntou casualmente.


A ruiva arregalou os olhos e descruzou os braços, encarando o loiro como se fosse um ser de outro mundo. Sua expressão dizia claramente que não estava entendendo sobre o que ele estava falando.


- O dobro não?! Ok... Que tal o triplo? – acrescentou maliciosamente.


Sora então compreendeu do que ele estava falando e aquilo aumentou ainda mais sua raiva.


- Você não passa de um doente pervertido. – sussurrou e levantou-se.


Antes que pudesse dar um passo adiante o homem estava parado em pé atrás dela segurando seu braço.


- Pense bem na minha proposta. – sussurrou de forma provocante no ouvido da garota.


Esta se virou bruscamente, olhando-a de forma repreensiva.


- Não preciso pensar para dizer não a sua proposta. – disse furiosa e soltou-se.


Saiu com passos firmes e decididos, deixando Yamato olhando sua figura se afastar rapidamente.


XxXxX


Havia saído da escola e passado na farmácia para comprar os medicamentos de sua mãe que haviam acabado. Pela primeira vez em dias conseguia caminhar pelas ruas sem pensar em nada. Isso acabava lhe trazendo certa paz. Estava a caminho de casa.


Ao chegar à porta de seu apartamento avistou alguém e imediatamente sua expressão se endureceu.


- O que você está fazendo aqui? – sua voz era tão fria que parecia congelar todo o corredor.


O homem parado olhou na direção dela e respondeu.


- Eu... Eu te vi saindo do hospital semanas atrás e... E... Pensei em passar por aqui e ver se estava tudo bem com vocês.


Sora respirou fundo e se aproximou. Olhou dentro dos olhos do homem e o desprezo parecia adquirir vida entre eles.


- É melhor você ir embora daqui imediatamente. Antes que minha mãe te veja. – disse.


- Sora... – começou o homem.


- Eu disse para ir embora! – falou alterada. – Agora! – completou com um tom de voz mais alto.


O homem suspirou e estava disposto a sair quando a porta se abriu. Sora se congelou. Isso era tudo o que não queria. Fechou os olhos e sacudiu a cabeça.


- Querida, o que foi que... – Toshiko parou no meio da oração quando percebeu a presença de um homem no lugar. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela sorriu satisfeita. – Shinji... – murmurou emocionada. Aproximou-se do homem e passou a mão por seu rosto. – É você mesmo Shinji...


O homem pareceu ficar desconfortável com a proximidade e com o estado emocional de Toshiko. E Sora estava a ponto de desabar.


- Mamãe... Vamos entrar? – disse suavemente tentando tirar a mulher de cima de Shinji Matsuda.


Toshiko foi ficando agitada. – Shinji, por favor... Não me deixe aqui sozinha... Me leve junto com você...


Shinji segurou as mãos de Toshiko e olhou-a nos olhos.


- Querida, que tal entrarmos primeiro? – a mulher assentiu e o puxou para dentro da casa.


Sora ficou com raiva e entrou em seguida.


- Shinji... Nem posso acreditar que você voltou! Estou tão feliz... – dizia a mulher feliz e com lágrimas escorrendo por seu rosto. Abraçou fortemente o corpo masculino em busca de afeto.


Shinji permaneceu imóvel. Sua expressão dizia claramente que não queria aquela mulher por perto. Para Sora era o suficiente.


- Vá embora! Saia dessa casa imediatamente. – falou alto.


Toshiko ficou ainda mais nervosa e se colocou na frente dele, como se o estivesse defendendo de um possível ataque.


- Ele não sairá daqui... Não vou permitir que ninguém fale assim com o meu Shinji.


Sora suspirou. Chegou mais perto e segurou as mãos de Toshiko.


- Mamãe... – mas ela a interrompeu.


- Me solte! Sua menina insolente... – gritou Toshiko empurrando Sora.


A garota estava em choque. Sua mãe começara a agir violentamente. Notou como ela ficava mais e mais agitada.


- Por favor, mamãe. Se acalme. – dizia com cautela.


Toshiko se alterou a tal ponto que logo começou a gritar com Sora. Dizia coisas incoerentes e Shinji olhava aquilo tudo com surpresa e medo. Sora tentava segurá-la e cada vez que se aproximava, Toshiko era mais e mais agressiva.


A situação foi piorando. E enquanto Toshiko começou a ter outro de seus surtos.


- Saia daqui, sua viborazinha... Eu sei o que você quer. Você quer o Shinji para você... Mas ele é meu. Você não vai roubá-lo de mim! – gritava desesperada enquanto jogava o que estivesse à sua frente na menina.


Quando Sora não aguentava mais, segurou sua mãe com todas as forças. Colocou os braços da mulher para trás e a fez se ajoelhar aos poucos. Olhou para Shinji com raiva e gritou.


- Vai embora! Saia daqui agora... – ao ver que o homem não se mexia gritou novamente. – O que está esperando? Suma daqui!


Shinji reagiu e começou a caminhar para a porta. Toshiko entrou em pânico e se debatia, tentando se soltar a todo custo.


- Shinji, não me deixe aqui com ela... Shinji, por favor querido... SHINJI... SHINJI... SHINJI... – gritava cada vez mais alto e com mais sofrimento.


Sora começou a chorar depois que o homem saiu e tentava fazer com que sua mãe tentasse se acalmar. Não podia soltá-la.


- Mamãe... Mamãe, por favor...


Mas não havia jeito, ela não estava em seu juízo mais. E só havia uma coisa a ser feita. Com muita dificuldade, Sora conseguiu chamar uma ambulância. Demorou cerca de vinte minutos para que conseguisse pegar o celular em seu bolso, mas enfim, havia conseguido.


XxXxX


Estava novamente ‘escondida’ na sala de espera. Seus braços doíam tanto que parecia que havia carregado toneladas de pedras. Tinha um ou outro arranhão pelo corpo que conseguira quando tentava conter Toshiko. Mas isso não era nada comparada à dor que sentia em seu coração.


Vê-la naquela situação lhe abria cicatrizes profundas que pareciam não querer se fechar jamais. Por que ele tinha que ter aparecido? Elas estavam bem. Estava tudo correndo bem. E agora sua mãe estava ali, naquele estado, por culpa dele. Novamente.


Tinha vontade de matá-lo, bem lentamente, para que sofresse. Queria que ele perecesse de toda a dor que ela sentia junto com toda a dor que a sua mãe também perecia. Ele merecia uma passagem direta para o inferno, sem direito a volta.


Seus pensamentos foram interrompidos por uma enfermeira, pedindo que fosse para o consultório de Nakano-sensei. Sora suspirou. Odiava consultórios.


O que mais gostava no médico era a sua abordagem direta, sem rodeios. Mas naquele momento, não queria que tivesse sido assim.


- Como? – sussurrou debilmente.


- Sinto muito, Sora. Não há outra opção.


- Mas, Nakano-sensei... Ela estava bem... Essa crise deve ser apenas...


- Takenouchi-san. As crises de Toshiko-san estão começando a ser mais frequentes. E cada vez piores. Não posso permitir que isso continue assim. Ela precisa de atenção. E não há outro meio. Nós teremos que internar sua mãe.


Sora se negava a aceitar.


- Nakano-sensei... – mas o olhar do médico lhe dizia que não haveria outro jeito. – Quanto tempo ela teria que ficar internada? – perguntou angustiada.


- Não sei. Sora, o estado de sua mãe se tornou ainda mais delicado. Além dos sintomas da esquizofrenia estar se agravando aos poucos, os sintomas do Alzheimer também estão avançando. Lentamente, mas é preocupante deixá-la sem o acompanhamento necessário.


Sora fechou os olhos e respirou profundamente. Naquele exato momento amaldiçoava todos os céus e deuses que existiam, ao mesmo tempo em que pedia pela ajuda deles.


- Tudo bem. – disse resignada, sabendo que não havia outra escolha.


XxXxX


Seus dias de frequentar o hostess clube diariamente voltaram mais cedo do que esperava. E a presença de certo loiro arrogante, também. Não queria atender nenhum cliente, muito menos ele. Não queria sorrir quando na verdade estava à beira das lágrimas.


Sentia-se em outro mundo. Só conseguia pensar em como conseguiria dinheiro para pagar pela internação de Toshiko. Precisaria de muito dinheiro. E foi quando se lembrou. Lembrou-se de algo que poderia fazer. E sua mente rejeitou na hora. Não se submeteria a isso. Mas quanto mais pensava numa solução, mais apavorada ficava.


E então, aqueles olhos azuis profundos pareciam tê-la sugado. Ao ver que estava sendo completamente ignorado pela ruiva, resolveu usar outra técnica. Não teria como se divertir se ela simplesmente o ignorasse. A graça estava em como ficava nervosa, em como reagia.


- Você pensou na minha proposta? – e como se ele estivesse lendo seus pensamentos, o assunto havia sido trago a tona. – Aquele valor não é suficiente?- ao não obter resposta provocou a garota novamente. – E que tal quatro vezes o valor? Seria tentador para você? Dois milhões... – cantarolou sussurrando no ouvido da garota.


Sora congelou. De repente seu corpo tremeu discretamente e um frio recorreu sua coluna. Tudo indicava que era sua única saída. Tudo parecia dizer que teria que seguir os jogos daquele homem. Estava atordoada, não estava pensando direito. Precisa fazer algo. E decidiu-se afogar de uma vez naquele azul intenso.


Se desprezaria pelo resto da vida por fazer isso, mas era a vida de sua mãe que estava em jogo. Precisava cuidar dela. Precisava pagar a conta do hospital. Precisava ser forte. Se parasse para pensar bem, aquilo não seria grande coisa. Havia perdido a dignidade no minuto em que havia entrado por aquelas portas pela primeira vez. Havia perdido sua reputação no instante em que a viram arrumada pela primeira vez. Havia perdido a vergonha no momento em que servira o primeiro drinque para um homem. O que valia mais? Seus valores morais (que praticamente não valiam mais nada) ou a conta hospitalar paga?


A resposta era indiscutível. Precisava fazer o que precisava ser feito. E se seria por aquele preço, então o faria até com certo alivio. Estaria se vendendo por um bom preço. Bem caro. Tinha que valorizar a única coisa que ninguém havia tomado dela ainda. Porque de resto, não lhe sobrava nada de útil.


E, por um instante, pensou que era sortuda por ter um homem tão atraente e bonito. Era um pensamento mesquinho, que durou menos de um minuto. Contudo, não podia negar que preferia o loiro bonito a um homem nojento qualquer.


O loiro aguardava uma reação. Esperava que ela dissesse alguma coisa de forma rude ou que simplesmente tentasse ir embora. Mas, o que saiu da boca da garota o deixou espantado. Não conseguia acreditar. E quando finalmente entendeu o significado daquela frase, um sorriso se formou em seu rosto. Havia conseguido. Ganhara parte daquele jogo. Ela havia se rendido finalmente. Duas palavras tão simples que tinham um peso tão grande.


- Eu aceito.


 


CONTINUA...


 


*No japonês, ‘sora’, além de céu também significa vazio.



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Autor(a): Misako Ishida

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Capítulo 2 Akai no Tamashii (Alma Vermelha) By Misako Ishida   Estava distraída. Seus pensamentos estavam consumidos e absorvidos por um único olhar de surpresa e satisfação. E seu coração ardia. Sua mente enlouquecia. Seu corpo pulsava. De ira. De ódio. De frustração. Como ela podia ser tã ...



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