Fanfic: Só com o olhar (Terminada)

Assim que o celular tocou pela quarta vez,
Poncho xingou de novo e afastou-se, sentindo-se um voyeur ensandecido. E
atendeu.

-
O que você quer?

-
Oh, vejo que a depressão já pegou você em ape­nas duas semanas. Está perdendo o
jeito, Herrera.

Poncho rosnou. Não estava perdendo o
jeito. Só a pa­ciência com o parceiro, que ligava todo dia. Também se sentia
frustrado quanto ao caso, que não chegava ao fim. O fato de uma esplêndida
beleza mudar-se para a casa em frente quebrou a monotonia de modo espetacular
mas, em vez de aliviar-lhe o estresse, isso o fez ansiar por uma sedução impossível.

Foi até a cozinha e agarrou o último rocambole.

-
Alguma vez lhe ocorreu que me ligar poderia interromper um trabalho importante
da polícia?

-
É quase meio-dia. Chavez saiu para o almoço no restaurante, tenho certeza.

-
Talvez Chavez não seja tudo o que vigio.

Pensou
na nova vizinha. Espessos cabelos loiros em
um rabo-de-cavalo. Uma compleição ligeiramen­te atlética, um corpo não pequeno, mas
feminino, com todas aquelas curvas saborosas - feitas para ca­ber na palma da
mão de um homem. Esfregou o suor, e o açúcar, dos dedos na camisa, e concluiu
que era completamente patético.

Poncho jamais tivera um alto nível de atenção - o que
sempre o deixava em apuros. Associadas a sau­dável libido masculina, confusão e
mulheres geralmente vinham em um pacote promocional.

Mas ainda assim... flertou com a moça.

Jake do outro lado da linha lembrou-lhe
que tinha assuntos mais urgentes para cuidar.

- É melhor que Chavez seja a única pessoa
que está vigiando, ou Mendez vai oferecer seu traseiro
para a comissão de assuntos internos, junto com mi­nha cabeça. Consegui colocar
você de volta na ativa, Poncho. É melhor não estragar tudo.

-
Sim, sim. Mas acho que eu não posso fazer Chavez cometer um lapso e dar uma cambalhota
para a minha câmera e assim provarmos que está fingindo.

- Se eu pudesse fazer isso, seria o
queridinho da tenente em vez de você. Nada ainda, hein?

-
O sujeito é bom, tenho de reconhecer. Final­mente, ontem à noite, puxei uma conversa.
Parece que torce pelos Buccaneers.

-
Isso certamente provaria que as lesões não jus­tificam uma indenização de dois
milhões de dólares...

Poncho amuou. O fato do departamento, ou
mais exatamente, da companhia de seguros do departa­mento precisar pagar enorme
quantia para um trapaceiro, irritou mais Poncho do que o tempo que passou sobre
uma motocicleta, ainda recruta, fazendo patru­lha dez anos atrás. Quando Christian Chavez
foi der­rubado por um policial que fazia uma perseguição a pé, processou-os por
deficiência, risco ilegal e uma pletora de outras acusações fictícias, e
ninguém acre­ditou que o sujeito chegaria à Corte, muito menos ga­nharia uma
indenização multimilionária.

Contudo, o novo prefeito não gostou do fato, sem
mencionar a péssima imagem pública. Instruiu o de­partamento a provar que as
lesões não foram tão sé­rias quanto Chavez alegou. Poncho, designado para o
serviço burocrático por disparar a arma durante a captura de um suspeito de
assassinato, sugeriu uma investida confidencial. Afinal, era um dos melhores
detetives que tinham. Por que desperdiçar o talento em um escritório? Jake, o
parceiro com o relatório de conduta ilibado, fez a proposta oficial ao coman­dante.

Lançar uma bola de futebol americano com um
gê­nio da trapaça como Christian não era a missão mais atraente, mas Poncho
faria qualquer coisa para não preencher mais formulários.

- Estou trabalhando nele - continuou Poncho. - Ao menos, tolerou minha presença dessa vez. O su­jeito
é incrivelmente desconfiado.

- Eu também seria, se arquitetasse uma fraude tão imensa. Só não entendo por que não pegou o di­nheiro
e fugiu.

Poncho achou que o velho Chávez não só era um escroque,
mas tinha um ego inacreditável. Queria esfregar a vitória na cara dos tiras por
um tempo. Até o restau­rante que frequentava atendia os oficiais que patru­lhavam
o centro da cidade.

- Não, Chávez vai ser um osso duro de roer.

- Maluco não seria a
palavra-chave?

- Não, ele é esperto.

- Soa como se estivesse de mãos cheias.

Mais em outros sentidos do que nesse. Não só pre­cisava
solucionar logo o caso, como devia fazê-lo en­quanto tentava manter a mente e
as mãos - droga, o corpo todo - longe da vizinha sedutora.

- Soa mesmo - respondeu Poncho.

- Seu tipo de caso, hein?

Poncho riu. É, exatamente o meu
tipo. O
tipo que ninguém queria, já que capturá-lo parecia impossí­vel. Nesse caso, Poncho
nem ansiava prendê-lo. Desde que saiu do serviço ativo, apenas coletava
evidências legais para provar em juízo que Chávez fingiu as lesões ou
exagerou-as. A acusação por fraude viria depois, quando Poncho partisse em outra
investigação.