Fanfic: Anjo Sedutor (Terminada)

Entretanto, não podia se esquecer de quem era aquela
mulher. Nem o fato de que estava tendo a chance de, enfim, fazer algo decente
em sua vida. Desde que não estragasse tudo com pensamentos lascivos!, tratou de
lembrar a si mesmo.

Reunindo forças, soltou-lhe a pequena mão. Voltou a pegar
sua caneca e bebeu o restante do chá de um só gole.

- Ao que parece, tirei você do seu quarto. Se me arranjar
um lençol, dormirei bem no sofá.

- Não há necessidade. Há uma cama extra no quarto de Emily,
que fica no andar de cima. Estou dormindo muito bem lá. Gostaria de mais chá?

- Não. Não, obrigado. - Recolhendo a louça da mesa, ele
foi mancando até a pia. Ficou tenso quando Anahí se deteve ao seu lado e abriu
a torneira.

- Deixe que eu lavo os pratos.

- Bem, já é tarde - disse ele, um tanto áspero, dando um
passo atrás. - Se vou ser de alguma utilidade para você amanhã, é melhor eu me
recolher.

Anahí fechou a torneira. O súbito silêncio prolongou-se,
tornando-se quase palpável.

- Herrera...

Ele se preveniu para o que viria, certo de que, de alguma
forma, deixara transparecer seus pensamentos proibidos e, portanto, seria
informado que sua presença não era mais bem-vinda ali.

- O que foi?

- Não exija demais de si mesmo - aconselhou-o ela,
pousando a mão gentil em seu braço forte. - Você esteve muito doente.

Para Alfonso, aquele toque suave e inocente era mais
abrasador do que uma fogueira. O que, afinal, estaria lhe acontecendo?

- Se já posso comer, também posso trabalhar - argumentou,
afastando-se depressa da pia, subitamente desesperado para sair dali antes que
pudesse fazer algo de que viesse a se arrepender. - Eu devo a você... lembra?
Quanto antes começar a trabalhar, mais rápido pagarei minha dívida.

Sem lhe dar chance de resposta, ele saiu para o corredor
em direção ao quarto, onde fechou a porta com firmeza atrás de si.

Quando Anahí desceu do quarto de Emily, na manhã
seguinte, encontrou Herrera já de pé, de banho tomado, e com o café pronto a
sua espera. Do rádio ecoava uma canção coun-try, evidenciando que ele
mudara da costumeira estação de música pop para outra de sua predileção.
Perplexa com aquela escolha... canções do campo que falavam, em sua maioria, de
tempos difíceis e amores perdidos pareciam uma preferência improvável para
aquele homem..., ela lhe dirigiu um olhar atento. No mesmo instante, porém,
esqueceu a própria confusão, pois deparou com as profundas sombras escuras
abaixo dos olhos verdes.

Perguntou-se se Herrera teria conseguido pegar no sono,
depois que deixara a cozinha, na noite anterior. Mas não fez qualquer
comentário.

Afinal, pensou, adiantando-se até a velha cafeteira de
ferro no fogão, ela própria tivera dificuldades em conciliar o sono. Virara-se
de um lado ao outro da cama, incapaz de esquecer a forma como ele a fitara ao
surpreendê-lo na cozinha. Fora um olhar quase selvagem, mas estranhamente
bonito. E mais tarde, quando estavam sentados à mesa e Alfonso pegara sua mão,
também houvera algo em seus olhos... Algo forte e sedutor que a fizera ter
consciência de si mesma como mulher, pela primeira vez em um longo tempo.

Desde que o conhecera, soubera de uma maneira
desinteressada, que era um homem atraente. Mas na noite^vanterior,
sentira, através de seu olhar, a percepção do primitivo poder de sua
masculinidade, com uma intensidade que lhe causara arrepios sensuais pelo
corpo.

Aquilo era... indigno, pensou. Tinha a fazenda para
ocupá-la e duas crianças pequenas para criar; a última coisa que precisava era
começar a nutrir pensamentos sobre um homem que deixara bem claro que apenas
iria ficar ali porque lhe "devia".

Um homem com quem não fora de todo sincera, lembrou-lhe a
consciência. Não que tivesse mentido, refletiu, enquanto sorvia um pouco de
café. Apenas não o informara acerca de todos os detalhes quando lhe perguntara
sobre sua situação financeira. Em parte, porque o assunto não lhe dizia
respeito. Mas, em especial, porque não via razão para deixá-lo saber que a
decisão que ela mencionara e que a arruinara financeiramente havia sido de
vital importância para ele.

Recordava-se muito bem do misto de incredulidade e fúria
no semblante de Martin Portilla, no momento em que lhe contara que pretendia
testemunhar a favor de Herrera, assim como de suas palavras exatas:

"Eu a estou avisando, Anahí. É melhor pensar duas vezes a
respeito. Engano ou não, aquele desgraçado tem que pagar pelo que fez. Se você
interferir e ele for absolvido, jamais verá um único centavo do dinheiro dos Portilla.
Vou providenciar para que a herança de Daniel fique tão amarrada que o máximo
que você vai conseguir receber dela será uma fatura pelos taxas legais".

Anahí pensara a respeito e testemunhara de qualquer
forma. O mais importante fora poder viver em paz com sua consciência. Algo
impossível se houvesse se omitido e Herrera tivesse sido punido injustamente
por agir em defesa própria.

Jamais se arrependera de sua decisão. Embora
compreendesse que algumas pessoas teriam ficado inconformadas em perder uma
soma tão grande em dinheiro, perto da morte de Daniel isso não significava
nada. Além do que, não estivera acostumada a uma vida de luxo. Numa das
irónicas viradas do destino, a fortuna que se tornara de Daniel com sua morte
fora controlada pela família enquanto estava vivo... e os Portilla haviam cuidado
para que ele e a esposa não tivessem acesso a um centavo.