Fanfic: Anjo Sedutor (Terminada)

Embora Herrera fosse apenas uma silhueta, a súbita tensão
em sua postura não passou despercebida. Era provável que entrasse na casa,
fingindo não a ter escutado, pensou Anahí, começando a achar que tivera a
intuição errada.

Mas ele não entrou. Após uma ligeira hesitação, olhou ao
redor e encontrou a cesta de vime numa prateleira da ampla varanda. Em poucos
instantes, com movimentos ágeis, descia os degraus, cruzava o gramado dos
fundos e chegava ao caminho de morangueiros da horta, levando-lhe a cesta.

- Aqui está.

Anahí não fez nenhum gesto para pegá-la. Continuou
colhendo as frutinhas maduras, esticando-se para pegar algumas que se achavam um
tanto fora do alcance.

- Obrigada - disse, levantando os olhos de relance. Alfonso
dirigiu-lhe um olhar perscrutador. A seguir, com um pequeno som similar a um
suspiro, abaixou-se e começou a encher a cesta com os morangos que já haviam
sido colhidos. Trabalharam em silêncio, ela continuando a colher e seu ajudante
recolhendo para a cesta. Enfim, Anahí, exibiu um sorriso satisfeito e anunciou:

- Pronto. Estes devem ser mais do que o suficiente.

- Para quê?

- O que acha de um sorvete caseiro de morangos? Alfonso
deu de ombros, mas havia um toque de humor em seus olhos verdes quando se
levantou.

- Você nunca se cansa?

- Claro que sim. Mas, caso não tenha notado, também gosto
de comer. - Ela sacudiu as mãos e também se pôs de pé, erguendo a cesta,
enquanto ele automaticamente estendia o braço para ampará-la. - Daniel sempre
dizia que eu tinha o apetite de uma mulher com o dobro do meu tamanho.

Como já ocorrera antes, seguiu-se um momento de silêncio
constrangedor diante da menção ao marido. Enfim, Herrera fez um gesto amplo com
a mão, indicando a área verdejante e diversificada a sua volta.

- O que é tudo isto?

- Quer mesmo saber?

- Claro. - O interesse dele parecia genuíno, enquanto olhava ao redor.

- Então, venha comigo. Vou lhe mostrar.

Anahí conduziu-o pela horta, mostrando as várias
carreiras de alfaces, cebolas, brócolis, tomates, ervilhas, abóboras, cenouras
e batatas. Explicou-lhe que as plantas de flores coloridas, que cresciam entre
os vegetais, não estavam ali apenas por sua beleza, mas também porque eram
repelentes naturais de insetos, tais como a calêndula, malmequer e dedaleira.

- E o que aquelas outras fazem? - indagou ele, ao se
aproximaram do jardim, depois de um passeio completo pelo fértil terreno, que
incluíra a visita ao trecho onde eram cultivadas as ervas para temperos e chás
e ao caminho de fram-boeseiras. Apontava agora para um amplo canteiro de
flores, suas cores vibrantes sob a dourada luminosidade do crepúsculo. Rosas,
peônias, margaridas, violetas, begónias, entre tantas outras, resplandeciam,
seu suave perfume mesclando-se à brisa. Anahí esboçou um sorriso e deu de
ombros.

- Não fazem nada - admitiu. - Talvez não seja prático da
minha parte perder tempo com essas flores, considerando as inúmeras outras
tarefas que sempre tenho, mas são tão bonitas que não consigo resistir...

Um novo silêncio pairou entre ambos. Mas desta vez era
sereno, agradável. Alfonso estava tão próximo, seus olhos verdes tão intensos.
Se ficasse na ponta dos pés, pensou Anahí, num devaneio que julgou desvairado,
estaria na distância exata para tocar-lhe os lábios com os seus... Ele recuou
abruptamente.

- Por que testemunhou a meu favor no tribunal?

A pergunta brusca, de todo inesperada, pegou-a de
surpresa.

- Porque era a coisa certa a fazer - respondeu, sem
hesitar. Alfonso estreitou o olhar, estudando-lhe o rosto delicado com atenção,
depois sacudiu a cabeça.

- Você acha mesmo isso, não é?

- Claro que sim.

Antes que Anahí pudesse dizer algo mais, a serenidade do
anoitecer foi quebrada pelo choro convulsivo de Emily.

Olhando para o gramado, compreendeu logo o que se passava
com a filha de dois anos. Estava deitada de costas no chão, apenas com os
pezinhos para dentro da água, por sobre a borda macia da piscina inflável.
Tinha os pequenos punhos cerrados pela raiva e frustração de não conseguir
pular para dentro e para fora da água com a mesma facilidade de Michael. Herrera,
no entanto, interpretou a cena de outra forma. Virando-se depressa, deparou com
a menina estendida no gramado e entrou em ação de imediato. Saiu em disparada
do jardim em direção às crianças, antes que Anahí pudesse chamá-lo de volta e
explicar-lhe o que de fato acontecia.

Ela seguiu-o pensativa. Ao chegar, encontrou-o ajoelhado
ao lado de Emily, verificando com gentileza e atenção se a menina apresentava
algum machucado. Conhecendo o temperamento expansivo da filha e.curiosa para
ver o que aconteceria, deteve-se a poucos metros, apenas observando.

Embora desde o início Alfonso tivesse rejeitado, gentil
mas firmemente, as tentativas de aproximação da garotinha, era evidente que
Emily ficara fascinada com ele. Outro exemplo disso acontecia agora, enquanto
cessava os gritos e o choro de repente e fixava seus grandes olhos cinzentos
nele. Seu semblante inocente se abriu num sorriso trémulo, os bracinhos
ergueram-se e voz infantil disse esperançosa:

 - Levanta Emmy, Poncho?

A total confiança naqueles olhos meigos tiveram um efeito
devastador em Alfonso. Conseguiu resistir por quase meio minuto, mas quando no
rostinho de Emily estampou-se o desapontamento diante de sua hesitação e seu
lábio inferior começou a tremer, algo dentro dele pareceu ruir também.

Com relutância, inclinou-se e ergueu a criança do
gramado. A próxima coisa que Anahí viu foi a filha nos braços de Alfonso,
aninhada de encontro ao seu coração.