Fanfic: O conto esquecido | Tema: Fantasia
Eu gostaria de dizer que não sou curiosa. Gostaria de poder dizer que permaneci quieta no meu canto depois que acabei de comer a maçã. Claro que não foi o que eu fiz.
A verdade é que eu estava morrendo de vontade de conversar. Eu queria falar, falar muito. Eu não podia conversar com Roxinha, já que ela estava escondida sabe-se lá onde, então eu iria fazer um novo amigo.
Um grupinho de homens estava ao leste do acampamento, eles eram velhos e tinham cara de ser malvados. Preferi caminhar até um rapaz magrelo todo atrapalhado. Ao me aproximar reparei que ele tinha o cabelo bem liso, como a maioria das pessoas daqui, a pele levemente morena como a minha.
-Olá! –Cumprimentei sorrindo animadamente e estendendo minha mão. – Eu sou Líria!
O rapaz parou, olhou-me de cima a baixo, riu e me deixou ali, como uma idiota.
Revirei os olhos e bufei. Qual o problema em mim?
Dei meia volta, estava prestes a voltar para o meu local de isolação, porém avistei uma ruivinha entediada desenhando na terra. Ariana.
Talvez fosse mais fácil fazer amizade com crianças, não?
Corri dando saltinhos até a menina, na árvore onde eu estivera presa algumas horas atrás.
-Oi Ariana! –Cumprimentei, novamente animada.
A ruiva ergueu o olhar e o manteve parado sobre mim, sem qualquer sinal de emoção em seu rosto.
-Érr.. será que.. hum.. eu posso sentar aqui? –Perguntei sem jeito.
Ela apenas permaneceu me olhando. Aquilo me fez corar. Eu estava fazendo alguma coisa errada?
Sem saber o que fazer, mas não querendo bancar a idiota novamente, sentei-me de frente para a menina.
-Bom, - comecei. – o que está fazendo?
Ariana não respondeu. Ela continuou me olhando.
-Você não fala nada nunca?
Ela continuou exatamente como antes.
-Pelo visto não. –Constatei, num sussurro.
Observei os estranhos desenhos da menina. Havia uma família de peixes de um lado, todos felizes, e de outro um peixe sozinho e triste.
Deprimente.
Acabei me identificando com o peixinho triste. Talvez eu não passasse de um peixinho como aquele, vendo os outros sendo amados e felizes, enquanto tentava não enlouquecer.
Engoli em seco. Eu não queria pensar naquilo, por isso esfreguei a mão na terra, apagando o desenho.
Ariana olhou para a terra remexida, depois olhou para mim novamente.
Olhei para seus olhos verdes, o cabelo ruivo estava bem vivo por causa da reflexão da luz do sol, ela me lembrava alguém.
-Hey, tive uma ideia! –Falei, Ariana continuou da mesma forma. –Você gosta de histórias? Eu posso lhe contar uma!
Não obtive respostas. Será que ela era sempre daquele jeito?
-Certo, preste atenção! – Pigarreei e dei início á estória: -Era uma vez uma princesa sereia. Ela vivia no mar, junto com seu pai, sua avó e suas cinco irmãs mais velhas. – Contei desenhando na terra uma mistura de bonecos palito com peixes mal feitos. – A pequena sereia era muito curiosa e desejava saber cada vez mais sobre os humanos. – Continuei, apagando e fazendo outro desenho esquisito. Ariana prestava atenção na estória, ou pelo menos era como eu estava interpretando seu rosto sem emoção. – Um dia, quando ela veio á superfície, viu um homem se afogando e o salvou. No mesmo instante a princesa se apaixonou perdidamente por ele. Mas como eles poderiam ficar juntos se ela tinha uma cauda, ao invés de pernas? – Fiz um pausa para ver o rosto da menina, agora ela realmente parecia interessada na estória. – A pequena sereia, então, procurou a bruxa do mar que lhe oferece um acordo: ela lhe daria pernas, mas a princesa teria que entregar sua bela voz em troca. Porém, ela só se tornaria realmente humana se conseguisse um beijo do seu verdadeiro amor até o pôr do sol do vigésimo terceiro dia. Como ela, a sereia, estava completamente apaixonada, – Pus a mão sobre a testa dramaticamente. – ela aceita o acordo e dá sua voz para a bruxa. Quando a princesa deu por si, estava deitada na areia da praia e o homem que tinha salvado, que era um príncipe, a observava. – Vi Ariana abrir a boca, surpresa e sorri satisfeita. – O príncipe levou a sereiazinha para o seu castelo, onde ela foi muito bem recebida. Bom, o tempo foi passando e o príncipe e a sereiazinha foram ficando mais próximos. Mas, então, o rei disse que o príncipe iria se casar com a princesa do reino vizinho. A sereiazinha ficou arrasada, mas ela não podia fazer nada para impedir aquilo. Ou será que podia? – Ariana estava tão vidrada na estória que chegava a ser engraçado. Seus olhinhos verdes estavam arregalados e ela apoiava sua cabeça nas mãos. – Bem, a princesa decidiu continuar tentando, mas era tão difícil não poder declarar seu amor! Talvez fosse mais fácil se ela tivesse sua voz ainda. Bom, finalmente chegou o último dia do prazo da pequena sereia, que era também o casamento do príncipe. Ela não sabia mais o que fazer! Já era quase pôr do sol e, por mais que ela e seu amado estivessem bem próximos, não lhe parecia que iria conseguir. Ela já estava conformada com seu destino, quando seu amigo, uma gaivota, lhe disse: “Ah minha princesa! Não podes desistir! Temos que lutar pelo amor, até o último instante!”. A princesa do mar, agora determinada a fazer o príncipe perceber que ela era seu verdadeiro amor, correu o mais rápido que podia. Ela chegou ao casamento bem na hora, o sol já começava a se pôr. Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, uma porção de gaivotas invadiram o lugar. No meio da confusão a princesa correu até o príncipe, arrastou-o para um canto livre daquela baderna e, meio atrapalhada, explicou-lhe sobre como se sentia. O rapaz ficou tão feliz ao perceber que a moça sentia o mesmo que ele que beijou-a no exato momento que o pôr do sol terminava. Sendo assim a sereiazinha tornou-se humana, realmente, porém continuou sem voz. Mas agora ela sabia que não era necessário, ela podia demonstrar o que sentia, e isso era melhor que mil palavras. Bem, no fim, o príncipe e a sereia casaram-se e viveram felizes para sempre. – Finalizei olhando a reação de Ariana. A ruivinha tinha um enorme e sincero sorriso em seu rosto.
-Como fez isso?! – Ouvi uma voz perguntar atrás de mim.
Olhei na direção, descobrindo que era Arthur. Ele me olhava com uma expressão raivosa.
-Fiz... o que? – Indaguei com a testa franzida.
-Ela... Ariana... – O líder dos ladrões estava boquiaberto.
Olhei para a menina sem entender. Não havia mais nenhum sinal daquele sorriso e seu rosto. Ela voltara a ter um olhar distante, sem foco.
Quando olhei novamente para onde Arthur estivera, bem, ele tinha desaparecido. Foi como se tudo aquilo tivesse sido uma ilusão.
-Bom, espero que tenha gostado da estória. –Tentei fazer Ariana conversar comigo, mas ela nem sequer me deu atenção. – Um dia posso lhe contar outras, se quiser. Érr... até logo. – Me despedi.
❀✿❀
-Você está me dizendo que conheceu Ariana há menos de um dia e conseguiu fazer o que Arthur tenta há dois anos?!
João me olhava incrédulo, na verdade todos que estavam ao redor também, já que ele estava falando alto demais.
-Falando assim parece que eu fiz um milagre. – Retruquei arrastando-o para longe dos ouvidos curiosos.
-Mas foi exatamente o que você fez!
-Shhhh! Pare de gritar! – Ralhei.– Eu só contei uma história, não tem nada demais nisso.
João revirou os olhos.
-Certo Lilly Cat, encare como quiser. Mas esteja ciente de que Arthur está furioso.
-Eu não estou entendendo nada! – Desabafei. – Se a irmã dele não demonstra nenhuma emoção há sei lá quanto tempo, ele deveria estar feliz, não?
João suspirou e passou as mãos pelo cabelo.
-Olha, imagine se a sua irmã ficasse com raiva de você e simplesmente passasse a ignorar todos. Você passa séculos tentando reverter a situação, mas nada funciona. Então, uma pessoa que ela nem conhece consegue fazê-la sorrir. Entendeu?
-Em parte. – Anui.
-Olha, sugiro que procure ficar longe de Arthur. Pelo menos até ele esquecer essa história.
-Isso não será difícil. – Garanti.
-Fique longe da irmã dele também. – João imediatamente reprendeu o olhar que lhe lancei. – Me promete que vai fazer isso?
-Não. – Respondi simplesmente.
-Lilly!
Encolhi os ombros.
- O que foi? Não vou prometer algo que não vou cumprir!
Ele fechou os olhos e se pôs a massagear as têmporas.
-Tudo bem então. – Disse. – Mas se você começar a ser torturada ou algo pior, a culpa será inteiramente sua.
E com essas palavras ele me deixou sozinha.
Será que Arthur seria capaz disso? De machucar alguém por ter, simplesmente, feito alo que ele não fora capaz?
Uma coisa era certa: eu não ia me afastar daquela pobre menininha. Eu me identificava com Ariana de certa forma. Ela vivia quieta e triste, parecia sozinha, assim como eu costumava ser. E eu tinha descoberto que odiava ver alguém naquela mesma situação. Portanto iria fazer companhia a ela sim, não me importava com o que poderia acontecer.
Na verdade eu sempre acreditara que, assim como nos contos de fadas, boas ações atraem boas reações. Não importava que eu estivesse – devo admitir- com medo do que podia acontecer, o que importava era a felicidade de uma criança.
Ariana não estava mais amarrada na árvore, tinha sido levada para a tenda do irmão. Eu não queria pensar no que podia estar acontecendo neste momento, então apenas caminhei até o local e me encolhi da forma mais confortável possível, não demorou muito para que eu dormisse.
Eu estava em um quarto gigantesco. As paredes tinham um tom peculiar de marfim, um véu branco que partia de algum lugar do teto cobria a cama, em cada parede havia uma estante com alguns livros e brinquedos. E havia também um enorme espelho, que foi onde eu vi que usava um vestido extremamente exagerado.
Ele era vermelho e comprido, quase grudado ao meu corpo. Os ombros ficavam nus e beirada das mangas , assim como o decote, era cravejada com todo o tipo de pedras preciosas.
Meu cabelo estava preso num coque, igualmente cravejado de joias.
Ao me ver daquela forma meu queixo caiu. Eu parecia muito mais velha do realmente era, parecia uma pessoa mais séria e... eu estava mais alta?
Ouvi uma risadinha atrás de mim e tomei um susto ao ver uma menininha. Ela também estava muito bem arrumada, com um belo vestido rosa de mangas bufantes. O cabelo dela estava jogado para trás, quase como num rabo de cavalo, o que destacava seus lindos olhos verdes.
-Olá.
-Quem é você? – Perguntei.
Eu não estava assustada, apenas curiosa. Eu sentia que conhecia a menina, mas não conseguia me lembrar de onde.
Ela se aproximou do espelho checando se estava perfeitamente arrumada.
-Você sabe quem eu sou. –Respondeu simplesmente.
Eu estava prestes a responder algo como “Não sei não”, contudo ela prosseguiu:
-O que está achando de Flórea? Você parece ter feito amigos bem rápido, pensei que fosse demorar mais, graças a forma como viveu no orfanato.
Franzi o cenho.
-Como sabe sobre o orfanato? E sobre Flórea?
Ela parou de arrumar as imperfeições inexistentes de seu penteado e sorriu para mim amavelmente.
-Eu simplesmente sei. Agora preste atenção no que irei dizer: – Disse virando de frente para mim e balançando o dedo indicador. – há pessoas, pessoas más, que podem destruir o que você está começando a construir. Sei que já foi avisada mais de uma vez, porém é sempre bom reforçar. Tome cuidado, não chame atenção, procure o capitão gancho o mais rápido possível.
Agora sim eu estava assustada. Era a terceira vez que alguém repetia a mesma coisa para mim. Aquilo não podia ser um bom sinal.
-Mas quem poderia me fazer mal? O que eu fiz? Eu só quero voltar para casa! - Bati o pé no chão, como uma criança mimada.
A menina tombou a cabeça para o lado, olhando-me tão seriamente que fiquei sem graça.
-Eu não posso dizer muita coisa, mas... – Ela suspirou e ajeitou o corpo. – Realmente chama aquele lugar de “casa”? Espero que não esteja com o sentido de lar, porque se estiver você merece uns tapas.
Ante que eu pudesse retrucar ela ergueu o dedo indicador novamente e continuou a falar:
-Você é especial Lilly, merece mais que um quarto cinzento com riscos nas paredes.
Eu continuava a me perguntar como ela podia saber tanto sobre mim quando ela andou até uma janela próxima á cama e voltou com um grande lírio alaranjado.
-E quanto á menina, leve-a para um passeio e verá como as coisas se tornarão mais fáceis e simples. Você saberá o que fazer. – Então ela entregou-me a flor e sorriu.
-Mas... mas...
Antes que eu pudesse formular qualquer frase o quarto começou a se desfazer e, de repente, eu estava em um campo de trigo. O sol estava se pondo, o que deixava o lugar tão dourado que meus olhos doíam.
Ouvi uma risada infantil e apertei os olhos para ver de onde vinha. Bem ao longe pude ver um borrão correndo. Após alguns segundos pude perceber que conhecia aquela criança, era a mesma menininha do sonho esquisito que eu tivera antes de ser atacada por aquele urso.
Eu queria me aproximar, mas meus pés pareciam estar colados no chão. Então senti a presença de alguém perto, eu estava com medo. Queria correr, mas não conseguia me mexer.
-Fique longe dela. – Uma voz assustadora disse atrás de mim.
Então o sonho mudou novamente, agora eu estava em um vilarejo. As pessoas sorriam para mim e me desejavam um bom dia, algumas até me abraçavam.
Apesar de toda a alegria que o lugar emanava eu podia sentir que algo estava errado. Como tinha pressentido no sonho anterior.
Subitamente as casinhas simplórias começaram a pegar fogo. Os cidadãos corriam desesperados, gritando por socorro. Alguns tropeçavam e eram pisoteados. Enquanto eu tentava sair do meio daquela algazarra, fugindo de alguém que eu nem sabia se estava ali.
Ouvi um grito e olhei na direção do mesmo, meu corpo ficou paralisado com a imagem. Uma moça, aparentemente não era uma camponesa, tinha sido atacada por ninguém mais, ninguém menos que o homem encapuzado.
Seus olhos estavam fechados e inúmeras lágrimas banhavam seu rosto extremamente branco. As longas ondas negras contrastavam com a pele e emolduravam seu rosto ovalado, o longo vestido branco completamente sujo de sangue. A jovem tinha as mãos agarradas á barriga, apertando-a tão forte que me perguntei como suas unhas ainda não tinha rasgado sua pele.
-Por que fez isso? – Ela perguntou com a voz fraca.
-Era necessário.
-Você disse que me amava...
- E eu a amo! – O encapuzado interrompeu.
A voz dele soava tão trêmula que fiquei surpresa.
A jovem soluçou e então disse:
-Eu tenho fé que tudo dará errado. Tudo o que você lutou para construir, todo o mal que fez... – ela sorriu em meio às lágrimas. – tudo terá sido em vão.
Então ela abriu seus olhos e me deparei com o rio mais azul e límpido, dono das águas mais cristalinas, que eu já havia visto. A moça sorriu para mim. Um estranho sorriso triste, mas esperançoso. E então seus olhos tornaram-se foscos e seu corpo tombou, sendo agarrado pelo homem de preto.
Acordei com o coração acelerado. Mais uma vez eu estava debaixo da grande árvore, ouvindo os ruídos da floresta e a conversa dos ladrões. Tinha sido apenas um sonho. Nada daquilo era real.
Sentei-me com um suspiro, esfregando as mãos no rosto e mantendo os olhos fechados por algum tempo.
-Oi de novo, senhorita dorminhoca. –Disse João.
Abri os olhos, encontrando-o de braços cruzados, escorado na árvore ao lado.
- Quero só ver como vai dormir de noite. – Continuou.
Só então me dei conta de que já era, praticamente, noite.
-Eu dormi bastante mesmo. – Falei meio grogue.
-Olha, a coisa está feia. Arthur está na tenda dele desde quando você estava falando com Ariana.
Franzi a testa.
-Vocês não foram roubar ou caçar hoje?
Ele deu de ombros.
-Não saímos todos os dias, apenas quando é necessário. Temos dinheiro para pagar os homens e comida suficiente. – Explicou.
Apenas assenti enquanto me levantava.
-Acha que eu devia falar com ele? – Perguntei.
João fez uma careta.
-Não acho uma boa ideia, a menos que queira morrer incinerada.
-Não, obrigada. Gosto de viver, apesar de tudo.
João riu.
-Ei, o que é isso no seu cabelo? – Indagou depois de alguns minutos.
Olhei-o sem entender. Eu não tinha feito nada em meu cabelo. Ele estava solto, provavelmente parecendo uma juba de leão.
-Isso o que?
Ele se aproximou e puxou alguma coisa, quando me mostrou o que era quase deixei escapar um grito.
Lá estava o lírio alaranjado que a menina do meu sonho tinha me dado, bem em suas mãos.
✽Continua...✽
Autor(a): TrisDosAnjos
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Os dias que se seguiram foram entediantes, mas com isso não quero dizer que foram calmos. As mesmas coisas aconteciam todos os dias e eu simplesmente odeio isso, porque era exatamente como eu me sentia quando estava no orfanato. Contudo o que me deixava mais assustada era, sem dúvidas, a forma como Arthur me olhava e me tratava. Foram poucas as veze ...
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