Fanfics Brasil - Freiras podem ser más de vez em quando. O conto esquecido

Fanfic: O conto esquecido | Tema: Fantasia


Capítulo: Freiras podem ser más de vez em quando.

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  Eu estava em um quarto velho caindo aos pedaços e com cheiro de mofo, não havia nada nele, a não ser um enorme espelho que refletia a minha imagem.


  Eu estava maravilhosa, meus cabelos, como na maioria das vezes, estavam soltos e eu usava um maravilhoso vestido de baile prateado. Ele não tinha muitos detalhes, a parte de cima tinha um prateado mais forte-Eu não sabia dizer se era um prateado escuro ou um cinza brilhoso- enquanto a saia rodada e longa do vestido era de um prateado mais claro -quase chegava a ser um branco cintilante- e as mangas curtas e bufantes tinham o mesmo tom da saia.


  Virei-me e pude ver uma pequena porta no canto do quarto. Caminhei calmamente até ela, tocando a maçaneta com cuidado e percebendo que eu usava longas luvas de seda - também prateadas. Agora, com a porta escancarada, eu podia ver uma floresta. Uma grande, escura e sombria floresta.


  Saí do pequeno cômodo, eu podia ouvir meus passos, meu coração estava acelerado, eu só queria sair logo daquele lugar.


  Uma voz doce começou a sussurrar em meus ouvidos:


-Volte...Você tem de voltar!


  Quem estava falando comigo? Senti um arrepio percorrer meu corpo ao constatar que não havia ninguém ali.


  Assustada, comecei a correr, eu mal sabia onde estava pisando ou para onde estava indo.


  Agora não era apenas uma voz, e sim duas, que discutiam entre si:


-Ela não é mais uma criança! Logo começará a desabrochar!!


-E de que adiantará? Ela não conseguirá voltar! Não permitirei!


  Enquanto eu corria desesperadamente a segunda voz, fria e cruel, sussurrou em meus ouvidos:


-Não se aproxime! PARE!


  Não me aproximar de que? De quem? Parar? Por quê? Eu chorava de medo, mas continuava correndo.


  Então, só para me deixar ainda mais assustada, as vozes começaram a dizer em uníssono:


- A flor perdida voltará e o seu desabrochar fará com que a magia mude e a corrida contra o tempo comece.


  Estava com tanto medo que corria mais rápido do que, sei lá, um carro de fórmula um, por isso os galhos das árvores arranhavam meus braços e meu rosto. Repentinamente  tropecei em um tronco e caí de cara no chão. Ainda chorava, tentava me levantar, mas meu corpo não me obedecia, isso me fazia gritar por ajuda e chorar ainda mais.


 -A flor perdida voltará e o seu desabrochar fará com que a magia mude e a corrida contra o tempo comece!


  As vozes gritaram tão alto em meus ouvidos que eu pensei que iria ficar surda.


 -SOCORRO! –Gritei ao acordar, atordoada. Meu coração batia mais rápido que as asas de um beija-flor e parecia que eu tinha acabado de tomar um banho, pois estava ensopada de suor.


  Suspirei aliviada ao perceber que estava de volta ao meu odiado quarto, que agora me parecia um ótimo lugar. Ok, já odeio ele de novo.


  Odiava esse pesadelo. Parecia tão real. Quantas vezes eu já tinha acordado de madrugada morrendo de medo dele? Não tinha a mínima ideia de um número específico, mas sabia que tinham sido MUITAS.


  Sempre sozinha.  Às vezes eu imagina que minha mãe surgia de surpresa no orfanato e me consolava. Esperança idiota.


  Parecia ser tarde. Talvez eu tivesse dormido demais e agora já era quatro da tarde, ou eu estava achando que era muito tarde quando na verdade eram seis da manhã, vai saber.


  Hoje seria um novo e longo dia naquele quarto. Eu poderia escrever um texto novo, ler um antigo ou talvez fazer mais um risco na parede. Talvez eu pudesse contar cada um daqueles risquinhos, tempo era o que não me faltava.


   Meu Deus eu preciso sair daqui.


  Olhei para o livro de histórias  ao lado da minha mochila. Nos contos de fadas tudo parece tão perfeito.


  Às vezes eu queria que a minha vida fosse como naquelas histórias. Por mais que coisas horríveis aconteçam no fim tudo acaba bem. Como seria o meu final feliz? Eu conseguiria sair desse orfanato –Vulgo prisão- trabalharia como bibliotecária e me apaixonaria por um garoto legal? Eu simplesmente seria bibliotecária? Ou apenas me casaria com um cara legal a quem eu amaria? Eu não acreditava muito nesse final feliz. Na verdade, às vezes, eu não acredito em finais felizes.


  Talvez eu permanecesse no orfanato até irmã Joana se cansar de mim e me mandar para um sanatório, onde eu viveria até meus últimos dias. Talvez eu conseguisse fugir e me torna-se uma tia dos gatos, daquelas que todas as crianças têm medo, mas que na verdade tem um coração bom que ninguém nota pela sua aparência estranha.


-Trouxe seu almoço. -A voz lenta e desanimada da Freira me tirou de meus pensamentos.


 Não me lembrava de já tê-la visto. Certamente era nova. E burra, pois provavelmente não tinha pensado que eu poderia fugir pela porta que ela deixou escancarada enquanto ia ver algo no banheiro.


  Eu já disse que meu quarto tem um banheirinho? Não? Bom, ele tem. Eu sei, eu sei, isso já o torna uma suíte. Para mim ele ainda é um quarto idiota.


   Peguei minha mochila, que agora continha todos os meus pertences  – Já que eu joguei o livro ali dentro bem rápido para poder colocar em prática a ideia que eu tinha acabado de ter- e, enquanto a freira estava distraída, me levantei e saí correndo porta afora.


  O orfanato estava diferente. Muito diferente, é verdade. Porém não o suficiente para fazer com que eu me perdesse ou desacelerasse o ritmo.


  Eu não acredito! Meu coração batia acelerado com a ideia de conseguir fugir dali. Eu já podia me imaginar livre, fora dos muros desse lugar horrível.


  Avistei uma bifurcação no fim do corredor. Qual era mesmo a que levava para o jardim? Devia ser a da direita. O lado direito me dá mais sorte, então se não for... Não, vai ser. Tem de ser.


  Eu nunca tinha corrido tanto. Por isso talvez eu não seja tão rápida, pois uma das freiras conseguiu me alcançar e pegar meu braço. Quase levei um tombo feio quando ela fez isso.


-Te peguei! –Ela gritou vitoriosa.


  Olhei apavorada tentando desvencilhar-me de suas mãos, no entanto ela era forte e parecia rir do meu desespero.


  A freira –que eu me lembrava vagamente- começou a me arrastar para algum lugar.


  O orfanato realmente  estava muito diferente. Este lado mais que o outro, nem parecia o orfanato que eu conhecera. Claro eu passei dois anos sem sair daquela droga de quarto.


  O orfanato que eu conhecia era sombrio e um tanto mal cuidado. Com as paredes brancas cheias de rachaduras  descascando, goteiras por toda parte e o chão empesteado de limo.


  Mas esse orfanato não. Esse era alegre, tinha desenhos divertidos nas paredes, que estavam muito bem preservadas e sem qualquer rachadura. O chão tinha ganhado novos pisos, de granito, e janelas do tamanho de portas permitiam que a luz do sol entrasse, dando um ar mágico ao lugar.


  Passamos em frente a um espelho e eu pude ver a minha cara de apavorada. Nossa, eu estava péssima. Aquela saia de Maria mijona não favorecia a ninguém, a blusa social por dentro dela então, nem se fala, o que dava um up no meu visual era o par de all star de cano longo que irmã Joana havia me dado.


  Finalmente a freira parou. Como era o nome dela mesmo? Mya? Ana? Ah! Francisca!


   Não compreendi por que tínhamos parado ali, não me lembrava daquele canto do orfanato, e não me lembrava de ter uma porta branca encardida tão apavorante como aquela.


  A freira, me segurando com uma força desnecessária, tirou um chaveiro gigante de sei lá onde e se pôs a abrir a porta com tamanha raiva.


-Vou deixa-la aqui pelo resto do dia! –Ela disse pela milésima vez com sua voz esganiçada.


  Tive vontade de responder, de manda-la ir tomar conta dos outros órfãos e me deixar em paz. Foi aí que percebi, não tinha visto nenhum órfão. O orfanato estava em completo silêncio. O que estava acontecendo?


  Voltei a lutar contra a freira, mordendo seu braço e dando chutes em suas canelas, contudo ela se mantinha firme e forte girando aquela maldita chave, até que a porta se abriu.


-Espere só até a diretora descobrir o que a senhorita andou aprontando. – Ela me jogou no quarto com um solavanco. A mulher era tão forte que caí de cara no chão. -Não tenho dúvidas de que será transferida para um sanatório imediatamente! – Completou enquanto tornava a fechar a porta.


  Levantei-me o mais rápido que consegui, mesmo sabendo que já estava trancada. Girei a maçaneta incessantemente enquanto gritava:


-Não, não, não, não, não. Isso não pode estar acontecendo! Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não!  NÃO!


  A porta não abria, obviamente, e eu senti a raiva dominar meu Corpo. Chutei - a com tanta força que poderia ter quebrado os pés e minhas mãos não paravam de desferir soquinhos  sobre a mesma.


  Eu gritava loucamente, pedia ajuda, xingava as pessoas, voltava dizer “não”.


  Eu não podia acreditar. Estivera tão perto!


  Pela primeira vez em anos eu havia conseguido sair por conta própria daquele quarto, pela primeira vez em anos alguém tinha se descuidado. Isso nunca voltaria a acontecer.


  E quando a tal diretora soubesse disso? Eu estava ferrada, muito ferrada. Precisava fugir dali, dar um jeito de quebrar aquela porta.


  Tomada pela raiva me virei para o quarto, muito parecido com o que eu vivia, porém muito mais convidativo. Caixas de papelão estavam em todo o lugar. Não me importei com o que poderia ter dentro delas, simplesmente saí jogando todas no chão. Algumas eu virava de cabeça para baixo, outras eu chutava, umas eu despejei aos poucos enquanto deixava as lágrimas brotarem em meu rosto.


  Talvez tivesse de ser assim. Talvez não houvesse jeito.


  Encostei a cabeça na parede, um pouco abaixo da janela, e fiquei observando as sombras que o sol projetava ao passar pelas grades em formato de corações.


  Perguntei-me o que tinha dado em mim ao fazer aquela bagunça. Havia tanta coisa ali: livros, bonecas, roupas...


  Foi quando vi ao longe, no cantinho atrás da porta, uma caixa intacta. A única que continuava inteira e preservada. Algo nela chamava minha atenção, talvez fossem apenas duas letras aleatórias, mas e se não fossem? Escritas com uma caneta de cor preta, lá estavam as minhas iniciais: L. C.


  Limpei minhas lágrimas com as costas da mão e engatinhei até o lugar, empurrando sem dó tudo o que estava no meu caminho.


  Fiquei de joelhos para poder ver melhor o que havia ali.


  Um cobertor, macio e cor de salmão, foi a primeira coisa pela qual me interessei. Poderia ser meu, assim como poderia não ser. Deixei-o de lado e peguei um caderninho esverdeado. Assim que abri descobri que, na verdade, era um álbum de fotos.


  Na primeira página podia-se ver um bebê dormindo, aparentemente recém-nascido, enrolado em um cobertor salmão e usando um  medalhão dourado grande demais para seu pescoço. Supus que era o cobertor que eu havia acabado de pegar. Logo abaixo da foto tinha a seguinte legenda: “Líria logo após ser encontrada em uma caçamba de lixo.“


  Gelei. Então era assim que eu tinha sido encontrada? Por que freira Joana nunca me contara?


  Respirei fundo e virei a página. Lá estava eu, sorrindo alegremente com uma garotinha loirinha que parecia comer a cabeça da sua boneca de pano. Quem seria ela? Não me lembrava de já ter tido algum amigo. “Líria e Beverly, as melhores amigas., dizia a legenda. Pela data eu devia ter cerca de três anos.


  Olhei mais algumas fotos, eu aparecia em algumas. Às vezes sozinha, às vezes com outras crianças. Porém à medida que eu me aproximava do fim do álbum, as fotos em que eu estava acompanhada de alguém iam se tornando cada vez mais raras. Fechei o objeto, sentindo-me enjoada ao ver tudo aquilo.


  Pus a mão dentro da caixa e peguei a última coisa que faltava: um cordão. O reconheci da foto de mim quando bebê na primeira página do álbum. Era tão bonito, tinha meu nome gravado bem em seu centro e pequenos lírios ao redor.


  Será que meus pais tinham me dado aquilo, como uma espécie de promessa de que voltariam? Ou talvez como um pedido de desculpas?


  Coloquei o colar em meu pescoço, sentindo-me melhor imediatamente. De uma hora para outra eu não me importava mais com nada do que havia acontecido. Senti uma paz se instalar em meu corpo e, exausta, adormeci.


                                                              ✽Continua...



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Autor(a): TrisDosAnjos

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