Fanfic: O conto esquecido | Tema: Fantasia
Acordei algumas horas mais tarde, o céu estava azul e o sol brilhava, o que significa que devia ser meio dia. Era bom poder ver o céu com tanta facilidade.
Peguei tudo o que estava naquela caixa e pus em minha mochila. Era meu, devia ficar comigo.
Após alguns minutos entediantes me levantei e abri a janela, sentindo a luz do sol penetrar em minha pele. Era difícil conseguir senti-la com aquela janela minúscula do outro quarto. Estar ali era quase como estar de volta à vida normal que eu tinha antes dos oito anos
Ouvi a porta ranger e me virei. Era a irmã Francisca, com uma cara nada boa.
-A diretora deseja falar com a senhorita. –Ela disse fazendo um sinal para que eu a acompanhasse. Peguei minha mochila e segui seus passos.
Eu ouvia as crianças brincando alegremente no jardim. Imaginei do que elas brincavam, as meninas pulando corda e os meninos jogando futebol.
Então passamos diante de mais uma das novas janelonas e eu vi uma espécie de ambulância branca. Alguns médicos estavam á sua volta e eles carregavam uma maca e alguns objetos. Estreitei os olhos, um deles estava carregando uma camisa de força? Imediatamente entendi. A diretora tinha decidido me internar. Era isso. Qualquer liberdade que eu tivesse tido algum dia iria acabar. Eu não ia nem mesmo ter a chance de mudar meu destino, estaria condenada a viver sem nem poder escolher qual blusa usar em um dia de sol.
Voltei a seguir a freira, sentindo uma chama começar a crescer dentro de mim. Qual era o problema comigo? Ninguém me queria por perto? Por que, nem ao menos, me deixavam tentar ser feliz longe deles?
Eu não conseguia entender o porquê disso tudo. Era injusto e cruel.
-Espere aqui. –Disse a freira.
Eu obedeci, não tinha qualquer chance de eu sair dali mesmo. Ela entrou, deixando-me sozinha no corredor.
. Olhei para a porta de madeira imponente sem conseguir acreditar que isso estava, realmente, acontecendo.
Finalmente ouvi uma voz conhecida me chamar, a freira saiu com a cabeça abaixada e eu entrei na sala da diretora. Mas algo estava errado. Era a irmã Joana que estava sentada atrás da mesinha de madeira escura.
Não compreendi o que ela estava fazendo ali, foi então que me lembrei do dia em que ela havia me dado o par de tênis, de como ela tinha dado um jeitinho de liberar os sapatos para as crianças do orfanato. Como eu não tinha suspeitado disso? “Tenho estado muito ocupada com as coisas aqui no orfanato.”, ela dissera.
Meu queixo caiu. Se ela era a diretora, então era ela que havia decidido me mandar para um hospício? Mas ela disse que me ama, isso deve ser tudo um mal entendido, não?
Olhei-a sem saber o que fazer. Seus olhos eram um misto de decepção e, o que mais me dava raiva, pena.
-Líria, por que fez isso? –Perguntou-me séria.
-Não é obvio? –Perguntei sem olhá-la nos olhos, dando uma risada seca e sem humor.
Então era assim que ela provava seu amor por mim, me mandando para um hospício.
-Não, não é.
Senti a chama que nascia se transformar numa fogueira, crescendo cada vez mais. Eu não queria acreditar que isso estava acontecendo. Não podia ser assim! Tinha que ser tudo um mal entendido. Mas não era.
-Eu odeio esse lugar, eu odeio as pessoas desse lugar, eu odeio tudo aqui! –Gritei deixando que as lágrimas lavassem meu rosto. Eu não aguentava mais, estava cheia de tudo isso.
-Não diga isso! Ódio é uma palavra muito...
-Forte? –Cortei-a perguntando com sarcasmo. –E solidão? Não é uma palavra forte? E tristeza? Também não é?
-Líria, não percebe que o que estamos fazendo é para o seu bem?
Ao que ela se referia? Ao novo lar que eu ganharia em breve?
-MEU BEM?! –Gritei tão alto que pensei que meus tímpanos iriam explodir. – Desde quando isolar uma pessoa faz bem?! Você só pode estar de brincadeira!
-Minha flor eu nunca quis que você ficasse naquele lugar! Mas você sempre era tão calma e de uma hora para outra começava a gritar e a bater em todos, dizia coisas sem nexo. As outras freiras acharam que você oferecia risco as outras crianças, não pude fazer nada.
-Poderia ter me tirado daqui. –Falei amarga.
-Você sabe que eu te amo minha querida, eu sempre estive com você, não estive?
-Se me ama tanto porque não me adotou? –A pergunta que havia me torturado por anos finalmente escapou dos meus lábios
-Querida eu...
Ela tentou me dar um abraço, mas eu me afastei e gritei:
-NÃO TOQUE EM MIM!
-Líria, você nunca gritou assim comigo. –Joana constatou chocada com o que eu havia acabado de fazer, na verdade eu também estava.
-Eu te odeio! –Cuspi as palavras ignorando o que ela havia acabado de dizer.
-Já chega! –Gritou comigo também. - Você vai ficar aqui enquanto vou dar um jeito nessa sua rebeldia, mocinha! Nunca mais você vai ver a luz do sol! –Então ela saiu. Deixando-me apavorada com suas palavras. Essa era a mulher que dizia me amar como uma filha.
Andei até a porta sem qualquer vontade. Aquela cena já tinha acontecido tantas vezes que eu já a tinha decorado. Como eu suspeitei, estava trancada.
Minha vida era como um ciclo vicioso e deprimente. As mesmas coisas aconteciam sempre e nada demonstrava que isso mudaria algum dia. Não havia jeito, não tinha um final feliz para mim.
Olhei para a pequena mesa onde a diretora estivera alguns segundos atrás. Em cima dela havia um vaso com margaridas. Deixei uma lágrima escorrer pela minha face ao me lembrar do que significavam.
O sol estava morno naquele dia e a brisa fresca balançava meu cabelo. As outras crianças brincavam felizes com suas vidinhas imperfeitamente perfeitas. Nenhuma delas estava interessada em me convidar para jogar baralho ou pique-pega. E eu não estava interessada em convidá-las para brincar de boneca comigo. Era meu dia feliz, o único dia que eu podia ser uma órfã normal.
-Como está se sentindo hoje filha? –Perguntei á Roxinha. –O dia está muito agradável, não?
Esperei algum tempo para pensar no que ela podia responder.
-Estou bem mamãe, muito feliz! O dia está perfeito mesmo! Que tal colhermos algumas flores no campo de nosso reino? –Falei afinando a voz, como se Roxinha estivesse me respondendo.
-Acho que é uma ótima ideia!
Levantei-me e saí da sombra da grande árvore. O campo ficava logo ali atrás, escondido de todas as crianças. Irmã Joana amava aquele pequeno jardim tanto quanto eu. Tinha certeza de que se eu levasse alguma daquelas margaridas para ela eu poderia voltar para meu antigo quarto e ter a mesma vida de antes. Ela ficaria tão feliz!
Fui com Roxinha até o jardim de margaridas, coloquei minha boneca no chão e me pus a colher algumas das flores. Quando terminei estava completamente suja de terra, mas tinha um presente perfeito em minhas mãos.
As freiras estavam chamando as crianças para entrar, o céu já estava levemente escuro e a brisa agora era gélida. Peguei Roxinha e corri até onde estava irmã Joana, perto do grande portão gradeado.
-Irmã Joana! Irmã Joana! –Gritei ao me aproximar correndo. Ela se virou e deu uma risadinha.
-Olá minha flor, como foi o dia? –Ela perguntou docemente se agachando para ficar da minha altura.
-Maravilhoso! –Respondi ofegante, mas com um sorriso gigante no rosto. –Eu tenho uma surpresa para você! –Falei, escondendo as margaridas atrás das costas.
-Uau! O que será?
Mostrei-lhe as margaridas e a vi aumentar seu sorriso. Gostava de vê-la feliz.
-Você gostou?– Perguntei quando ela pegou o pequeno buquê. - Eu sei que são suas favoritas!
-A sim, adorei, mas tem só um problema.
Meu sorriso desapareceu.
-Qual?
-Existe outra flor que eu gosto muito mais que margaridas.
Como margaridas não eram suas flores favoritas? Isso era muito estranho!
-E qual é?
Freira Joana abriu um sorriso brincalhão e me olhou profundamente.
-Lírios.
Então ela me abraçou e eu sorri. Não só com os lábios, naquele momento eu sorri com a alma. Não havia nada de errado no mundo durante aquele pequeno instante.
-Eu te amo irmã Joana. –Falei quando nos separamos.
A freira deixou uma lágrima escorrer pela bochecha.
-Vamos fazer um acordo?
-Como assim? –Quis saber.
-Toda vez que você olhar para uma margarida, lembre-se o quanto eu te amo.
Sorri ainda mais.
-Eu vou lembrar.
-Promete? –Ela perguntou.
-Pela minha vida.
Afastei a lembrança e vi que havia um vestido verde bem claro esticado no sofá, depois olhei para a janela, e sorri feliz com a ideia que tinha acabado de ter.
❀✿❀
O dia estava bem feio hoje: o céu estava cinzento e enormes nuvens ameaçavam desabar a qualquer momento. Eu não tinha tempo a perder, logo irmã Joana voltaria com os médicos e então adeus liberdade.
Peguei minha mochila e vi se todos os meus pertences estavam ali, ao terminar olhei-me no espelho que ficava no canto esquerdo da sala. Eu, realmente, parecia uma garota normal. Meus longos cabelos castanhos bem escuros caíam em perfeitas ondas sobre meus ombros, meus olhos, também castanhos, brilhavam com a possibilidade de finalmente ser feliz. O vestido verde tinha ficado perfeito em mim e até combinava um pouco com o meu tênis. Meu colar parecia estar mais destacado.
Olhei para meu nome que estava gravado naquele objeto metálico, como alguém tinha pensado nessa combinação tão estranha, Líria e Catarina? Aquele colar, junto do cobertor que tinha encontrado naquele quarto e meu nome eram as únicas coisas que meus pais tinham me deixado. Será que eles simplesmente não tinham condições de me criar? Ou eu era uma filha indesejada?
Eu não tinha tempo para pensar nisso. Tinha que fugir.
Caminhei até a janela, abrindo-a com certa dificuldade. Agradeci mentalmente por ela não ter grades como todas as outras.
Repentinamente ouvi a porta ranger.
-É agora ou nunca. –Falei comigo mesma.
Antes que eu pudesse pensar em mudar de ideia pus a mochila nas costas e pulei pela janela. Caí deitada no chão, ainda bem que a mochila amorteceu a queda, mas isso não quer dizer que não tenha doído, por mais que eu tivesse pulado só do segundo andar. Quando vi o rosto da irmã Joana me olhando de lá de cima me levantei em um pulo.
Logo eles viriam, eles iriam me alcançar.
Agora vem a parte mais difícil: correr e conseguir passar pelo enorme portão gradeado.
Corri o mais rápido que eu pude, nem eu compreendi muito bem o que aconteceu. Eu corria, as freiras gritavam para que o porteiro fechasse o portão - que estava sendo aberto para o carro de um casal entrar- e as crianças do orfanato observavam a cena assustadas.
Enquanto eu corria desesperadamente alguns dos médicos do hospício me viram e vieram atrás de mim. Eu tinha de ser mais rápida ou acabaria cercada e levada para a infelicidade eterna.
Então eu tentei correr mais rápido, minhas pernas já doíam com o esforço. Eu tenho que conseguir! Eu pensava. Essa é a minha última chance!
E então, surpreendentemente, passei pelo portão um pouco antes dele se fechar. Continuei correndo e me misturei á multidão de pessoas, eu sabia que viriam atrás de mim, portanto, se eu conseguisse despistá-los antes que se aproximassem, estaria tudo perfeito.
Virei em uma esquina, entrei num beco e, aos poucos, desacelerei. Se havia alguém atrás de mim eu tinha conseguido fugir. Parei por um segundo para fazer uma “dancinha da vitória”.
Finalmente livre! . Sem pessoas dizendo que eu sou louca, sem pílulas que me deixavam esquisita, sem freiras fingindo que me amam! Simplesmente eu, sozinha, porém feliz, em um beco de uma grande cidade.
-Livreeeee!!! Uhuuuuuuu! – Gritei o mais alto que consegui com um sorriso sincero no rosto, pela primeira vez em muito tempo.
✽Continua...✽
Autor(a): TrisDosAnjos
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