Fanfic: O conto esquecido | Tema: Fantasia
A luz morna e dourada do sol das sete da manhã iluminava a rua que só não estava deserta, pois, além de mim, alguns homens, mulheres e adolescentes andavam rumo a algum lugar que eu não conhecia.
Talvez os adultos fossem viciados em trabalho e esta era apenas mais uma triste manhã em que abandonavam seus filhos carentes para ir fazer algo como separar papéis. Ou talvez a esposa estivesse grávida do sexto filho e a família precisasse de mais que um salário mínimo.
Talvez aqueles adolescentes estivessem indo para a escola, pois seus professores haviam feito greve e agora, durante a reposição das aulas, os coitados dos alunos tinham que estudar de segunda á sábado deste mês de janeiro. Ou talvez eles estivessem voltando de uma noite de farra em uma boate de strippers.
Um homem usando seu uniforme de gari passou por mim olhando-me como se eu fosse algo extremamente incomum ou anormal - talvez os dois. Peguei-me pensando se ele também fazia especulações ridículas sobre mim do mesmo jeito que eu estava fazendo com todos dali.
Depois de dois dias dormindo na rua eu me perguntava se deveria voltar para o orfanato, pedir desculpas á freira Joana e prometer que nunca mais sairia daquele quarto infernal.
No final eu acabava preferindo dormir no chão frio, abaixo de algum viaduto ou ponte. Viver sem um teto ainda tinha mais vantagens que viver naquele orfanato.
Um carro passou correndo na rua ao meu lado e passou por cima de uma enorme poça de água suja. Se eu me molhei? Imagina, claro que não.
Os últimos dias tinham sido chuvosos e feios. Eu gostava de chuva, mas andar por aí sem um lugar fixo para se abrigar enquanto Deus resolvia dar uma faxina geral em sua casa não era muito legal.
Tive que andar com a roupa toda molhada por não ter onde trocá-la. Maldito motorista.Esse foi o pensamento que eu mantive por aproximadamente duas horas enquanto andava encharcada procurando por comida.
Finalmente avistei um café. Lá provavelmente tem banheiro, pensei apertando o passo na direção do lugar.
Lá consegui trocar de roupa- Coloquei o vestido verde, pois eu estava intercalando as roupas. Um dia usava o uniforme do orfanato, no outro o vestido verde.
Uma mulher me ofereceu um tal de trio do bom dia, que, de acordo com ela, consistia em uma enorme caneca de café com chantili e canela, uma torta de doce de leite com nozes e um sanduíche de queijo com mortadela.
-Desculpe, mas não tenho muito dinheiro. –Esse é um bom exemplo do porquê não se deve fugir de casa, você, provavelmente, não vai ter dinheiro para comer e terá que ficar dando uma de pedinte. No meu caso eu tive a sorte de encontrar uma nota de vinte reais na rua, mas eu já tinha comprado umas besteirinhas e agora só me restavam quinze reais. Não tive a mesma sorte no primeiro dia na rua –Logo depois que fugi- e acabei roubando a lancheira de um garotinho de uns quatro anos. Em minha defesa devo dizer que ele tinha duas lancheiras e que tinha uma casa para onde voltar quando sentisse fome.
-Custam apenas quatro reais, senhorita. –Quase tropecei no nada quando escutei o que ela disse. Ou ela estava mentindo e sendo caridosa, ou estava dizendo a verdade e a pessoa que decidiu cobrar aquela quantia por um café da manhã maravilhoso era muito burra. Acabei comprando dois trios do bom dia: um para comer agora e outro para mais tarde - Menos o café, pois detesto café frio.
Após engolir –Nunca comi tão rápido, é sério –meu café da manhã saí do lugar e fiz uni-duni-tê para saber se ia para a rua da direita ou para a da esquerda. Fui para a esquerda só para descobrir que era uma rua sem saída. Voltei todo o caminho e fui para a direita. Não é fácil viver assim.
Por volta das cinco da tarde eu já tinha comido o meu outro trio do bom diae já estava morrendo de fome novamente, para piorar o céu estava lotado de nuvens negras que ameaçavam desabar a qualquer momento. Talvez eu seja a garota mais azarada do mundo.
Entrei em uma pequena rua na esperança de que alguma loja tivesse uma marquise onde eu pudesse me proteger da chuva que logo iria cair, mas, para a minha surpresa, além de nenhuma das lojas daquela rua ter uma marquise, todas estavam fechadas.
Até onde eu sei os comércios começam a fechar seis ou sete horas da noite em um dia de semana, não cinco da tarde. Bom, talvez o relógio do garoto que me informou as horas estivesse errado, talvez agora fossem sete e meia ou oito da noite.
Senti uma gota cair na minha bochecha, logo depois uma em meu ombro e então a chuva desatou a cair. Rapidamente peguei meu casaco na mochila e o usei para me proteger um pouco daquele aguaceiro enquanto corria procurando desesperadamente algum lugar onde pudesse me abrigar. Percebi que uma única loja estava aberta do outro lado da rua. Estranho? Com certeza.
Acelerei a corrida indo na direção do lugar e entrei.
Vamos registrar esse acontecimento, dia quinze de janeiro, o dia em que eu entrei pela primeira vez em uma loja. Eu gostaria de mandar um beijo para a minha boneca, para as aranhas, abelhas e bichos do meu reino e... ok, já parei de palhaçada.
Uma livraria. Uma livraria muito bonita, por sinal.
Havia tantas estantes de livros que eu mal conseguia enxergar a cor das paredes, á minha esquerda estavam algumas poltronas que, acredito, eram para que as pessoas lessem os livros que comprassem ali. Pensando bem, o lugar era tão aconchegante que mais me parecia um quarto do que uma livraria.
Uma voz me despertou de meus pensamentos:
-Boa tarde! O que deseja ler?
Automaticamente virei-me para a direita –De onde a voz vinha- e me surpreendi ao ver uma senhora que aparentava ter uns oitenta anos, não que uma senhora de oitenta anos não possa trabalhar, mas a voz dela parecia a voz de uma mulher bem mais jovem.
Ela tinha o cabelo branco preso em um coque baixo, usava uma saia marrom gigante e uma blusa polo branca onde estava escrito “Você escreve sua própria história”. Estranho, mas ok.
-Ahn... Boa tarde... Eu meio que não quero nenhum livro, só estou fugindo da chuva. –Expliquei apontando para o lado de fora.
-Hm. Qual é o seu nome, meu doce? –Ela perguntou com sua voz incrivelmente forte e juvenil.
-Líria Catarina. –Respondi um pouco relutante. Não sei que diferença faria ela saber ou não meu nome, mas acabei respondendo.
-É um prazer conhecê-la Líria! Que belo nome você tem!
De acordo com os livros que eu li vendedoras não puxam assunto. Talvez as vendedoras cariocas sejam diferentes, vai saber.
-Sério que gostou do meu nome? Geralmente acham estranho. –Eu disse indo em direção á saída. Uma dica, se você tem um nome que todos acham estranho e uma única pessoa diz que ele é lindo, fuja. A não ser que essa pessoa seja seu pai ou sua mãe. – Bom, é melhor eu ir.
-Mas já? Por que não toma um café comigo enquanto essa chuva não passa? –Seus olhos brilhavam enquanto perguntava. Era como se ela já me conhecesse e isso me assustava.
-Eu nem sei o seu nome. –Tentei disfarçar meu nervosismo.
-Ah! Onde estão meus modos?! Meu nome é Renata.
-Ahn... Nome legal. –Falei sorrindo falso.
-E então o que me diz? Aceita o café?
Olhei para o lado de fora pela porta de vidro pela qual eu tinha entrado alguns minutos antes. A chuva estava muito mais forte agora, na verdade aquilo não podia ser chamado de chuva, parecia, sei lá, o fim do mundo. Era melhor eu aceitar mesmo. O que poderia acontecer? Era só uma senhorinha querendo me encher de comida. Que mal poderia ter?
-Certo, eu aceito. Mas só se tiver bolo de cenoura! –Respondi abrindo um sorriso brincalhão.
-Seu pedido é uma ordem mocinha! Apenas siga-me, ok? –Disse no mesmo momento em que se virou e foi em direção a uma porta no fundo da loja. Eu apenas a segui, como havia me pedido. Assim que ela abriu a porta deparei-me com uma cozinha. Bem esquisito o fato de que ela mora em uma livraria, mas ok.
-Dona Renata, me desculpe a curiosidade, mas... você mora em uma livraria?
A senhora riu. Riu de verdade, a ponto de ficar vermelha e sem ar.
-Perguntei besteira pelo visto. – Constatei diante da reação dela.
-Meu bem, a sala onde estávamos é uma biblioteca. –Explicou um pouco antes de voltar a gargalhar, desta vez eu ri também. E foi naquele momento, enquanto gargalhava sinceramente de uma coisa idiota, que eu percebi quão boa a minha nova vida prometia ser.
✽Continua...✽
Autor(a): TrisDosAnjos
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O som da chuva era tão alto quanto tambores enormes e barulhentos sendo tocados por crianças de dois anos de idade, o que fazia com que eu e dona Renata tivéssemos que conversar gritando para podermos escutar uma a outra. -Então foi a senhora que montou aquela biblioteca? –Perguntei. Após meia hora conversando com ...
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