Fanfics Brasil - Capítulo 24 - Jenny Dentes-Verdes O Trono Sem Rei

Fanfic: O Trono Sem Rei | Tema: Vondy - Adaptada


Capítulo: Capítulo 24 - Jenny Dentes-Verdes

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Era evidente que a donzela de cabelos ruivos não saía muito do

castelo. Depois da crise de pânico com o ataque dos traficantes de escravos,

a moça se acalmara, mas ainda olhava com os imensos olhos afogueados

para tudo a sua volta, como se esperasse que a qualquer momento um

perigo mortal se abatesse sobre eles.

 

 Fergus, por sua vez, tinha uma

postura altiva e tentava não demonstrar que se importava com os

companheiros mortos e com o outro levado para uma vida de escravidão e

uma morte prematura. Sua atuação talvez enganasse pessoas menos

atentas, mas ele dera azar. 

 

Blanca, Marcos e Marcel aprenderam a ler as

pessoas com maestria e era evidente para eles que o jovem soldado estava

perturbado. Provavelmente, muitas coisas giravam em torno de sua cabeça

morena. De sua missão dependia a paz entre os reinos. Era muita

responsabilidade para uma cabeça tão jovem.

 

Enterraram os corpos com grandes pedras. Não podiam deixá-los

ali, simplesmente, mesmo sabendo que o tempo estava contra eles. Dos

bandidos, apenas dois homens pereceram. 

 

Os outros, feridos, haviam

fugido esbaforidos com o reforço inesperado. Havia três soldados mortos e

o cocheiro. Eram tão jovens!... Blanca se perguntou porque mandar

crianças para esse tipo de serviço. Era a escolta para uma princesa!

 

Deveriam ter soldados mais experientes. Pensou em fazer algumas

perguntas à Fergus, mas desistiu quando viu o rapaz colocando pedras

sobre o túmulo dos amigos com os olhos marejados, tentando enxugar uma

lágrima traidora.

 

Para recuperar o tempo pedido, exigiram muito dos cavalos,

correndo por um bom tempo. Precisavam chegar com urgência até o fauno

para descobrir onde estavam Dulce, Fernando, Eileen e Chris. Mas não podiam

correr o tempo inteiro. Em dado momento, passaram a ir devagar,

poupando os animais. E com a vagarosidade, o silêncio se tornou muito

mais evidente.

 

Marcos não gostava de silêncio. Dava tempo para as pessoas

pensarem e, em algumas situações, os fantasmas criados eram muito

maiores do que os defuntos reais. Sabia que todos ali estavam preocupados

com alguma coisa. Por isso, resolveu puxar um assunto.

 

– Uma coisa me intriga, Marcel!

 

Marcel o olhou de lado. Sabia que Marcos ia tocar em algum assunto

desagradável, constrangedor ou completamente idiota. Conhecia muito

bem esse tom meio agudo de quem não quer nada do amigo.

 

– Você chegou alguns minutos depois da gente. Significa que passou

apenas uma noite e um dia nesse mundo... – Marcos se virou para ele com o

cenho franzido de curiosidade. – Então, como é que você conseguiu ficar

noivo em tão pouco tempo?!

 

A conversa chamou a atenção dos outros que passaram a observar

Marcel. O caminho estava silencioso e apenas o trotar dos cavalos era

ouvido. Marcel esperou por alguma distração que mudasse o rumo da

conversa, mas não aconteceu nada.

 

– Caí no rio e Oisin me salvou... – disse ele.

 

O silêncio continuou, como se todo mundo esperasse uma

continuação.

 

– Aí você falou “Puxa! Nenhuma mulher ficou molhada por mim

antes! Quer casar comigo?” – alfinetou Marcos.

 

Marcel o fuzilou com os olhos mais uma vez.

 

– Não – respondeu secamente. – Não foi assim.

 

– Então o que aconteceu? – perguntou Blanca.

 

Marcel bufou, sentindo-se encurralado.

 

– Bem, ela me levou para a Ilha de Tir Nan Og... A Lua estava bem

brilhante e havia um perfume de flores no ar... Nós nos beijamos.

...

...

...

 

– E??????? – perguntou Marcos, que não aguentava mais aquele

suspense todo.

 

– Aí nós fizemos amor! – entregou Marcel. – Foi isso! E quando eu vi,

estávamos comemorando o noivado!

 

– Marcel!!! Seu safado! – riu Blanca.

 

– Eu não sei o que deu em mim! Parecia que eu estava apaixonado,

não consegui pensar!

 

Marcos deu uma sonora gargalhada que ecoou pela floresta.

 

– Marcel comeu o lanche antes da merenda! E agora vai ter que

casar!

 

Depois de mais meia hora inventando novas piadas para

constranger Marcel, eles decidiram parar e acampar. O sol estava se

despedindo, cobrindo tudo com sua luz avermelhada, e a floresta estava

ficando escura. Pelos cálculos, chegariam na manhã do dia seguinte na

Floresta Perdida e aí só teriam que achar o Fauno Ancião.

 

 Haviam sido

instruídos a não prosseguir de noite. Havia muitos perigos. Além do mais,

nem eles, nem os cavalos, aguentariam prosseguir noite adentro numa

floresta escura. Ou clara. Não fazia diferença.

Fergus e Marcel recolheram gravetos secos, enquanto Marcos e

Blanca molhavam os rostos num regato.

 

– Estamos quase chegando, Blanca... – disse ele, percebendo o

silêncio da amiga.

 

– Estou preocupada, Marcos... – disse ela. – ainda de joelhos na

margem, passando as mãos molhadas nos cabelos castanhos e longos.

 

– Não fique – respondeu ele. – Fernando sabe se cuidar. E ele e Dulce

estão juntos.

 

– Eu sei. Mas... – ela se virou para Marcos com um olhar de urgência

que ele não sabia se era da mãe, da esposa ou se era totalmente racional. –

Estou me esforçando muito pra não bancar a histérica cuja família foi

raptada, mas está muito difícil não pensar no pior. Fernando não é muito fácil

de ser derrubado, nós sabemos disso, nós já vimos que ele é uma peste! E

mesmo assim, ele FOI derrubado, Marcos. Quando levaram Chris, passaram

por cima de Fernando como uma jamanta! Que chance ele tem de defender as

meninas contra aquelas coisas?!

 

Ela respirou e olhou para o Sol se pondo nas montanhas ao longe.

 

– Arrependida? – perguntou Marcos.

 

– Não... – murmurou ela, depois de algum tempo. – Ao menos, ainda

não... Sei que há muitos perigos aqui, mas não sei se poderíamos continuar

vivendo sabendo que abandonamos o garoto à própria sorte. Esse é o tipo

de decisão que muda tudo, nos acompanharia para sempre, tingindo tudo

de cinza, até que tudo o que somos fosse contaminado. Espero não estar

errada... Sei lá...

 

Marcos baixou a cabeça por um minuto.

 

– Você se arrependeu de ter atravessado aquele portal há 18 anos?

 

Ela se virou para o amigo de novo, dessa vez com um sorriso.

 

– De ter ido à Loudun?! Jamais! Tudo o que eu tenho é resultado

daquele passo, Marcos, passo que eu jamais teria dado se não fosse por

você!

 

– Nunca se arrependeu? – insistiu ele, olhando-a nos olhos. – Nem

quando uma flecha se cravou no seu peito? Nem quando achou que tudo

estava terminado?

 

Blanca pensou na pergunta, sem desviar os olhos dele.

 

– Não – respondeu ela, com convicção. – Nunca.

 

– Então você já sabe qual a decisão certa.

 

Ela sorriu, o coração mais serenado.

 

– Obrigada, Marcos...

 

Ele abriu aquele sorriso enorme que ela já não saberia viver sem.

 

– Nós vamos conseguir! Você vai ver! E teremos muitas histórias pra

contar! Agora, com licença, preciso cuidar de uma princesa!

Marcos encheu o cantil de água e levou para a princesa Maeve, que

estava sentada sob uma árvore brincando distraidamente com um

galhinho.

 

Não muito longe dali, Marcel e Fergus catavam galhos secos.

 

Começaram em silêncio, mas não demorou muito para Marcel quebrá-lo.

 

– Você lutou muito bem, sabia?

Fergus o olhou como se nunca tivesse recebido um elogio na vida.

 

– Não lutei, não – respondeu asperamente. – Se tivesse lutado bem,

meus companheiros ainda estariam vivos e ainda teríamos uma comitiva

para levar a princesa até seu novo lar.

 

– Não seja duro demais consigo mesmo – Marcel sabia que era um

pouco clichê, mas nada mais lhe ocorria para dizer ao jovem soldado. –

Vocês dois estão vivos, e ela está viva graças a você. Você vai levá-la em

segurança e tudo isso será só uma... lembrança ruim.

 

Fergus o olhou com incredulidade e então eles voltaram, carregados

de lenha para a noite. Quando o fogo se acendeu, o Sol já tinha partido e a

floresta mudara de som. 

 

Antes, pássaros voavam em grupos, procurando

seus ninhos para dormir, provavelmente xingando seus vizinhos

passarinhos, o que explicaria o estardalhaço que eles faziam. Agora, grilos

cantavam e ouvia-se aqui e ali um coaxar de sapos. Marcos, Blanca e Marcel

dividiram com o jovem casal sua comida, já que eles haviam perdido tudo

no assalto.

 

– De onde vocês são? – perguntou Fergus, mastigando um pedaço de

pão.

 

– Err... Viemos da Vila das Fadas D’Água – respondeu Marcel, que

não sabia se deveriam dizer a verdade sobre eles ou não.

 

– É mesmo? – tornou o rapaz, parecendo convencido. – Vocês lutam

bem!...

 

– É que nossa família era pobre – explicou Marcos, atraindo o olhar

dos outros. – A gente tinha que brigar por tudo! Por um espaço na cama,

pelo café da manhã, por um prato de arroz com feijão, pela única escova de

dentes... A pobreza fortalece o homem, meu rapaz, guarde minhas palavras!

 

– Eu não agradeci apropriadamente...

 

Eles se viraram para a mocinha ruiva, comendo um pedaço de

queijo.

 

– Quando chegarmos ao reino de meu... noivo, farei com que sejam

recompensados.

 

– Não precisa – disse Blanca.

 

– Blanca! – ralhou Marcos. – Não seja mal educada! Se ela quer nos

recompensar, deixe a moça nos recompensar! Se não aceitarmos, ela pode

até ficar magoada!

 

A moça baixou a cabeça, olhando para o pedaço de queijo em suas

mãos. Tinha os traços finos de menina e dava pra entender completamente

porque Marcos a estava sempre paparicando. 

 

Ela era aquele tipo de menina

que você tem vontade de cuidar, de levar pra casa, de colocar numa cama

com dossel e... deixá-la dormir, porque se tocá-la, ela pode quebrar. Era

como uma peça de cristal muito bonita que você tem medo até de olhar.

 

– Há alguma chance de vocês nos levarem direto aonde temos que

ir? – perguntou Fergus.

 

Talvez fosse a luminosidade da fogueira que crepitava no meio

deles, mas o rapaz parecia pela primeira vez vulnerável. Pouco mais velho

que a moça, ele tinha os traços ainda infantis meio ocultos pelos cabelos

castanhos que lhe caíam pelo rosto. 

 

A pergunta deveria ter parecido uma

oferta, inteligentemente sendo feita logo após a menção de uma

recompensa, mas a verdade é que ela pareceu um pedido.

 

– Lamento, não podemos – respondeu Blanca.

 

O rapaz baixou os olhos, anuindo lentamente com a cabeça.

 

– Nossa família foi sequestrada por trolls – disse Blanca de repente,

achando que, já que o jovem casal não sabia nada sobre eles, mereciam ao

menos saber por que estavam se negando a servir de escolta a uma

princesa. – Não sabemos onde eles estão. Podem estar feridos, podem estar

precisando de ajuda, e precisamos encontrá-los. O Fauno Ancião pode nos

dizer onde eles estão. Por isso precisamos ir pra lá o quanto antes. Vocês

entendem?

 

Fergus anuiu com a cabeça de novo. Blanca percebeu que ele

parecia sério demais para alguém tão jovem. Deve ter sido um daqueles

bebês sisudos, que observam com um vinco entre os olhos os adultos a sua

volta, esperando que alguém lhe troque as fraldas ou lhe dê comida.

 

– Tivemos sorte do castelo do Rei do Norte ser na mesma direção e a

Floresta Perdida estar no caminho – continuou Marcel. – Mas como Blanca

disse, não sabemos o que vamos ouvir do Fauno. Não sabemos se

poderemos escoltá-los até seu destino.

 

– Mas faremos o possível, não é, gente? – disse Marcos em tom

animado. – Não se preocupem, o pior já passou! Tenho certeza de que o

caminho até o castelo do Rei do Norte será bem tranquilo!

 

Ninguém de fato acreditava naquilo, mas ninguém contestou.

Terminaram de comer e Fergus se ofereceu para ficar de guarda no

primeiro turno.

 

Quando aquele dia começou, Fernando tinha um looongo caminho pela

frente. Achou que andaria até seus pés caírem, de acordo com o mapa que

Dana o ajudara a desenhar. Ficou feliz de estar em forma, ou aquela viagem

duraria muito mais. No almoço, pararam para comer. 

 

Percebeu que Dana

caprichara na comida, colocando boa quantidade de pão, queijo, frutas,

carne seca e nozes. Percebeu também que ela colocara doces e bolo, o que

deixou a fadinha muito feliz. Fernando se perguntou se Dana já não sabia que

Eileen prosseguiria no caminho com ele, ao invés de ficar em segurança em

sua taberna.

 

Dana tinha sido uma bênção, um anjo que Deus colocara em seu

caminho. Além de supri-lo com alimentos e pousada numa noite fria, ela

também lhe dera uma espada. Estava jogada num baú junto com outras

coisas estranhas, como uma couraça enferrujada, um cálice, um par de

botas puídas, um lampião e outras coisas que ele nem conseguiu identificar.

 

Aquele era o baú das “contas pendentes”, como ela chamou. Pessoas que

comem e bebem demais e não têm dinheiro para pagar, ou que começam

brigas e quebram tudo, deixam como paga algum pertence. 

 

Aquela espada

fora deixada por algum bêbado que nunca voltara para recuperá-la. Feliz

em poder se defender de novo – Fernando sentia-se nu sem uma espada

naquele mundo – ele aproveitou a parada para o almoço para analisar

melhor a nova arma.

 

Ela tinha uma bainha de couro cor de vinho que já vivera tempos

melhores. A espada estava sem brilho, esquecida há tanto tempo no fundo

de um baú. Ele usou a própria manga para limpá-la e ficou feliz com o

resultado. Em alguns minutos, a velha espada estava brilhando de novo. Ela

não era muito pesada, o que facilitava os movimentos, e seu fio estava

ótimo. Era tudo de que ele precisava.

 

Enquanto a menina comia e ele se concentrava em polir a espada,

sua mente viajou para seus tempos em Loudun, quando andar com uma

espada era perfeitamente normal, mesmo para ele que era um padre.

 

Espantou-se em se sentir quase eufórico ao poder fazer isso de novo. Ter

uma espada nas mãos naquele momento era completamente diferente de

quando ele, Blanca, Marcos e Marcel treinavam e competiam com outros

malucos por armas antigas. Aquilo era brincadeira, ele sabia. Agora, era de

verdade.

 

– Quer?

 

A menina lhe estendeu um pedaço de bolo. Ele aceitou e ela sorriu,

olhando para ele com admiração. Foi quando o semblante de Fernando foi da

euforia para a preocupação. Não era mais o mesmo homem de Loudun. Não

estava muito feliz em ter que usar aquela espada, correndo por aí com uma

criança, tentando salvar outras duas, enquanto sua esposa e amigo estavam

desaparecidos. Agora, ele tinha muito a perder. Colocou a espada de volta

na bainha e continuou o almoço com Eileen.

 

Comeram e beberam água do cantil, renovando as forças. O céu

estava azul e uma brisa fresca constante dava uma sensação de que tudo

estava bem, embora fosse apenas uma ilusão.

 

Durante o caminho, Eileen lhe contava o que sabia sobre aquele

mundo, dando-lhe sua visão de tudo que conhecia do alto de sua sabedoria

de seis anos. Fernando não reclamou. Gostava de saber mais sobre o lugar e a

voz da menina, de alguma forma, afastava sua preocupação. Queria se

concentrar no que tinha que fazer, mas a preocupação com a família estava

sempre voltando à sua mente.

 

 A conversa de Eileen o distraía e o ajudava a

permanecer calmo e focado, o que provavelmente também acalmava a

menina.Em dado momento, Fernando e Eileen chegaram numa região

pantanosa. As árvores eram secas e retorcidas e a luz parecia chegar

diluída àquele lugar ermo e triste. Eileen o puxou pela mão que ela nunca

largava.– Não entre aí – disse ela. – É perigoso!

 

Fernando não precisava do aviso dela para saber que aquele lugar não

era uma escolha sábia. Pegou o mapa de dentro da roupa e olhou,

confirmando o que no fundo já sabia. Aquele era o caminho mais rápido

para chegar na cidade de Luzandefall, de onde estaria a poucos quilômetros

da Floresta Perdida. A extensão do pântano era grande demais para ser

contornada sem que perdesse muitas horas. 

 

Olhou de volta para a menina

que o observava atentamente com os enormes olhos brilhantes. Então,

Fernando respirou fundo, apertou a mão da criança com uma mão e com a

outra segurou o cabo da espada na cintura. E então, seguiu em frente.

Além do clima úmido e da aparência deprimente, a passagem não se

mostrou tão horrível a princípio. Eles caminhavam com atenção, olhando

sempre tudo a sua volta. Sapos pulavam por trás dos arbustos ressecados e

o chão, em alguns pontos, se tornava lodoso.

 

Pássaros negros observavam os viajantes do alto dos galhos

retorcidos. Até o céu adquirira um tom cinzento. Fernando não pretendia

parar nem sair do seu caminho e esperava que isso fosse o suficiente para

passarem em segurança. 

 

A coisa funcionou nos primeiros trinta minutos.

Uma risada de mulher o fez parar. Olhou em volta, imaginando que

tipo de mulher estaria num lugar como aquele e porque diabos estaria

rindo. Um vulto passou entre as árvores a frente e Eileen gritou.

 

– Dulce!!! Olha! É Dulce!

 

O movimento tinha sido rápido demais para Fernando perceber quem

era, mas Eileen parecia ter absoluta certeza do que vira. Tanta certeza, que

soltou a mão dele e correu na direção do vulto.

Fernando gritou seu nome e correu atrás dela, lembrando-se de como

crianças nessa idade conseguem ser perigosamente ágeis e rápidas em

desaparecer. Uma vez, perdera Dulce num shopping. Ela era um pouco

mais velha que Eileen. 

 

Fernando se lembra de ter ficado desesperado e

corrido como um louco por todos os andares, pedindo ajuda e já

imaginando que sua filha estaria nas mãos de serial killers ou um desses

loucos que mostram na televisão. No final, um segurança a entregou ao pai,

que sacudiu a menina irritado, ordenando-lhe que nunca mais fizesse isso.

 

Foram apenas o que, trinta segundos, um minuto no máximo, e Dulce

simplesmente tinha sumido. Não ia deixar acontecer isso com Eileen.

Manteve os olhos fixos nela, mantendo a corrida para alcançá-la.

Estava quase tocando suas asinhas quando uma bruma baixou no lugar,

deixando-o momentaneamente perdido.

 

– Eileen! – gritou ele. – Não é Dulce! Agora, pare onde está e me

espere!

 

Ele aguçou os ouvidos. Nada.

 

– Eileen! Onde você está?

 

Sentiu a própria respiração se acelerar. Ela devia ter ficado com

Dana...

 

Estava parado, cercado pela bruma, sem ouvir nada, até que... ele

ouviu alguma coisa. Aguçou os ouvidos e teve certeza. Ouvia barulho de

água, como se alguém brincasse na água, e a mesma risadinha feminina que

ouvira antes. Com bruma ou sem bruma, correu na direção dos sons,

rezando para não pisar em falso ou cair em algum precipício.

Parou para ouvir melhor. Eileen era inteligente. 

 

Ela teria respondido

ao seu chamado, a menos que não pudesse. O som de água estava mais

perto e a bruma começou a se desvanecer. Então ele pôde ver a horrível

figura de uma mulher vestida em algas ou plantas apodrecidas, os cabelos

longos e verdes grudados nas costas cobertas de caracóis e caramujos. Ela

ria, o rosto horrível contorcido numa careta de prazer, os dentes afiados a

mostra, olhando na direção de suas mãos que seguravam alguma coisa

dentro d’água. Alguma coisa não. Alguém.

 

Sem pensar duas vezes, Fernando sacou a espada e partiu na direção da

mulher monstruosa. Assim que o viu chegar, a mulher gritou, mostrando

seus dentes afiados e verdes. Em menos de um segundo, sua cabeça voou,

caindo na água, boiando por alguns instantes com a bocarra ainda

escancarada, até finalmente afundar.

 

Fernando tirou a menina da água. Eileen tossia e chorava ao mesmo

tempo, apavorada, enquanto ele tentava acalmá-la, não deixando que ela

visse o corpo sem cabeça caído na margem.

 

– Ele matou nossa irmã! – alguém gritou.

 

Fernando se levantou com a fadinha no colo, assustado. Um coro de

acusações se ergueu junto com ele.

 

– Jenny Dentes-Verdes! Ele matou Jenny Dentes-Verdes!

 

– Assassino!

 

– Ele tem que pagar!

 

– Vamos fazê-lo pagar!

 

A última coisa que Fernando precisava naquele momento era de um

litígio judicial de assassinado empacando sua vida. Virou-se para correr,

mas já estava cercado. Não sabia o que eram, mas se aproximavam rápido.

 

Ainda com a espada na mão, colocou a fada no chão e se preparou para o

primeiro ataque. No entanto, ele não veio.

 

– Parem! É um Feiticeiro da Lua Negra!

 

– Um Feiticeiro da Lua Negra!

 

E o eco da sua falsa identidade reverberou entre as outras criaturas.

E então, algo incrível aconteceu. As criaturas retrocederam.

 

– Vá embora, Feiticeiro!

 

– Sim, vá embora!

 

– Não queremos problemas com sua gente!

 

– Vá embora!

 

Fernando se lembrou do motivo de terem lhe dado aquela estranha

túnica negra. Ariene e Danzir disseram que se achassem que ele era um

Feiticeiro da Lua Negra, não os perturbariam. Ele achou que eles estavam

falando de humanos e estranhou que não tivesse funcionado muito bem na

taberna, quando fora confrontado assim que entrou pelo idiota com a

cicatriz no rosto. Agora entendia que a coisa funcionava especificamente

com criaturas encantadas.

 

Sem esperar nem mais um segundo, pegou a menina no colo e

correu, deixando o sinistro coro para trás.

 

Continuou correndo até o fôlego acabar. Quando finalmente parou,

não havia mais neblina e já via relva verdejante adiante. Colocou Eileen no

chão e esperou alguns minutos até que pudesse falar de novo. Então

sacudiu a menina, gritando:

 

– Nunca mais faça isso!!! Me obedeça quando eu mandar você fazer

alguma coisa, ouviu?

 

Foi o bastante para ela começar a chorar de novo. Fernando se lembrou

de Dulce no shopping e fez o mesmo que fizera daquela vez. Abraçou a

menina e a acalmou, dizendo que estava tudo bem, que estavam seguros

agora.

 

Secou suas lágrimas e confortou-a com um sorriso. Tentou secá-la

com a barra da manga da própria túnica. Então, tomou-a pela mão e

caminhou em passos rápidos na direção da estrada de terra que levaria à

cidade.

 

Estavam cansados. Além do estresse do que ocorrera no pântano,

haviam andado o dia inteiro. Na estrada, uma carroça surgiu ao longe.

Fernando pediu uma carona. O velhinho que dirigia a carroça puxada por dois

cavalos fortes analisou os dois estranhos caronistas.

 

– E então, Latefino? – disse o velhinho, virando-se para trás. – O que

você acha?

 

Um vira-lata levantou a cabeça na parte de trás da carroça e deu um

latido totalmente desafinado que terminou com um uivo fora de tom. O

velhinho riu e mandou-os subir. Os dois pularam na carroça que carregava

feno e Latefino, um vira-lata branco com manchinhas pretas, lhes fez festa.

Poder descansar os pés fez toda a diferença. 

 

Em menos de duas

horas, chegaram aos arredores da cidade e agradeceram ao bom senhor.

Fernando saltou da carroça e Eileen pulou em seu colo. Ele a segurou no ar e a

colocou no chão, tomando o caminho até a cidade. Já era noite e Fernando

sabia que, embora tivessem comida, não tinham dinheiro. Imaginou que se

pudessem passar a noite em uma casa, ou celeiro, ou qualquer coisa com

um teto, seria ótimo.

 

 Ao longe, viu uma casinha com luzes tremulantes de

lampiões ou velas nas janelas. Teve uma intuição de que lhes dariam

guarida e foi pra lá que foi.

 

Bateu na porta, torcendo para ser uma mulher a atender. Fernando

sabia muito bem do seu efeito sobre as mulheres e sempre soubera tirar

vantagem disso. Quando a porta se abriu, uma mulher de meia idade, com

os cabelos loiros cascateando pelas costas, surgiu. Fernando abriu seu melhor

sorriso.– Boa noite, senhora! Somos viajantes e não temos onde ficar essa

noite. Será que poderia nos dar guarida?

 

– Desculpe, não posso.

 

O sorriso de Fernando foi embora e antes dele pensar sobre estar

perdendo seu “mojo”, como dizia Dulce, percebeu algo estranho. Os olhos

da mulher pareciam assustados. Uma sombra passou pela janela ao lado,

onde cortinas impediam a visão, ao mesmo tempo em que outra sombra

tremulava debaixo da porta.

 

– Claro, desculpe o incômodo, senhora – disse ele, abrindo

novamente o sorriso e estendendo a mão para um cumprimento cortês.

 

A mulher estendeu a mão que ele pediu e ele a beijou. A mão estava

tremendo. Então ele deu alguns passos para trás, vendo o desespero brilhar

nos olhos dela. E a porta foi batida com violência.

 

– Muito bem, mulher! – disse o homem, torcendo o braço da mulher.

 

– Se continuar se comportando, não vamos matá-la.

 

– Hoje! – completou o outro, fazendo os outros três homens na casa

rirem.

 

No meio das gargalhadas, a porta se abriu num rompante. Antes que

entendessem o que estava acontecendo, um homem de túnica preta entrou

brandindo uma espada. Trinta segundos depois, um dos homens

truculentos voou pela janela, estilhaçando vidro para o lado de fora. Os três

que sobraram pegaram suas espadas, enquanto a mulher corria para um

quarto. Eles cercaram Fernando, imaginando que o número superior era o

bastante. Bem, não era.

 

Fernando desvencilhou-se com facilidade de dois dos golpes e anulou o

terceiro ao atacar com agilidade. Cortou um no braço, outro na perna e

chutou o terceiro no peito, lançando-o para fora pela porta que continuava

aberta. Os homens feridos se entreolharam e então correram o mais rápido

que puderam porta afora.

 

Ele foi até a mulher que estava abraçada com uma jovenzinha

igualmente assustada e que, pelos traços, devia ser sua filha.

 

– Vocês estão bem?

 

A mulher pegou sua mão e começou a beijá-la, enquanto se

debulhava em lágrimas.

 

– Obrigada, meu senhor! Obrigada!

 

Ele tentou acalmá-la, dizendo que estava tudo bem, e se

desvencilhou, indo correndo até lá fora. Na entrada, olhou em volta, não

vendo sinal dos bandidos. Deu um assobio e a fadinha veio correndo em

sua direção, saída de trás de uma moita. Ele a pegou no colo com alívio.

 

– Eu obedeci! – disse a menina com um sorriso.

 

– Eu sei, meu bem! Obrigado.

 

Eles entraram. Certamente, já teriam onde passar a noite.

A mulher e a mocinha já estavam de pé quando ele e Eileen

entraram na casa.

 

– Quem eram esses homens? – perguntou ele, colocando a menina

no chão e levantando uma cadeira que tinha caído durante a briga.

 

– Ladrões – respondeu a mulher. – Meu marido morreu procurando

ouro numa mina. Eles achavam que ele tinha encontrado. Quando não

encontraram nada, disseram que iam levar Mariane e vendê-la como

escrava.Ela se aproximou dele, os olhos cheios de gratidão.

 

– Se você não tivesse chegado, não sei o que seria de nós...

Obrigada...

 

Ela tentou beijar a mão dele de novo, mas ele a impediu. Faziam

muito isso quando ele era padre, acreditando que ele tinha super poderes

ou algo assim. Ele não era mais padre e não acreditava em super poderes.

 

– Não precisa me agradecer, eu fico feliz em ter podido ajudar. Vocês

estão bem mesmo?

 

– Só um pouco nervosas, eu acho – respondeu a mulher, pegando um

copo de água que a filha adolescente lhe trazia. – Eu nem sei o seu nome!

 

– Fernando Espinoza – respondeu ele. – E essa é Eileen.

 

A mulher sorriu para a menininha agarrada às pernas dele e

olhando-a com seus enormes olhos.

 

– É uma fada? – perguntou a mulher. – Eu nunca vi uma fada com

asinhas tão pequenas!

 

– É... É uma longa história... – encurtou Fernando.

 

– Eu sou Claire. E essa é minha filha Mariane. E seria uma honra se

pudessem passar a noite aqui. Não temos muito luxo, mas temos comida e

cobertores. Disseram que vai esfriar essa noite.

 

Levantaram algumas cadeiras caídas, cataram os cacos de uma jarra

de água espatifada e em poucos minutos devolveram ao lar uma aparência

mais normal.

 

Durante o jantar, à base de sopa e pão, Fernando perguntou sobre a

Floresta Perdida. Claire lhe indicou como chegar lá e ele ficou satisfeito em

estar tão perto. Eileen e Mariane terminaram a refeição e deixaram a mesa.

Mariane, que devia ter uns 13 anos, gostara de Eileen e disse que lhe

mostraria sua única boneca. Deixaram os adultos conversando sozinhos na

mesa e mergulharam em seu próprio mundo, onde pessoas não vendem

outras pessoas como escravas.

 

– Precisa mesmo partir amanhã? – perguntou Claire, um tanto

constrangida por estar sendo tão ousada.

 

– Preciso – respondeu ele. – Minha filha e o namorado dela estão

sumidos. Preciso encontrá-los.

 

Ela baixou a cabeça, nitidamente decepcionada. Ele tocou sua mão e

lhe sorriu, tentando lhe passar confiança.

 

– Vai ficar tudo bem. Aqueles homens não vão mais voltar.

 

Ela sorriu, e agradeceu novamente com um gesto de cabeça.

Claire deu aos visitantes o quarto da filha, que dormiria com ela.

Entregou cobertores ao homem que salvou sua vida.

 

– Vocês vão ficar bem? – perguntou ele, percebendo que ela parecia

distante, como se estivesse pensando seriamente em alguma coisa.

 

– Vamos, sim, obrigada. Vou voltar pra casa dos meus pais com

Mariane.

Fernando franziu o cenho, esperando que ela falasse mais.

 

– Meu marido está morto, eu não tenho como me sustentar sozinha e

tem havido muitos ataques de bandidos por aqui. Não é seguro ficarmos

sozinhas, entende?

 

Ele concordou com a cabeça, percebendo porque ela perguntara

esperançosa se ele pretendia ficar um pouco mais.

 

Ela lhe sorriu e se despediram. Era uma mulher bonita, mas que

parecia ter chorado demais. Lágrimas fazem isso. Dizem que elas lavam a

alma, mas elas acabam lavando muito mais. 

 

Levam a juventude em suas

correntezas, levam a beleza e o brilho. Fernando fechou a porta do seu quarto

e foi até a janela. Olhou as estrelas brilhando no céu incrivelmente negro e

sentiu a brisa fria no rosto. Pensou na dor que Claire deveria estar sentindo

ao perder o marido e pensou em Blanca. O coração se apertou em

saudade... Desejou no fundo de seu coração que Blanca tivesse ficado com

 

Marcos na Vila das Fadas D’Água, que estivesse esperando por ele quando

ele voltasse, que não tivesse feito nada estúpido. Mas sabia que isso era

utopia. Blanca não ia ficar parada.

 

 Então, sussurrou uma oração pedindo

que os anjos a protegessem. Aquela mulher o mudara. Ela não só salvara

sua vida, mas salvara sua alma. Ao lado dela, ele era uma pessoa muito

melhor. Não podia nem pensar na possibilidade de perdê-la.

 

 


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Autor(a): vondynatica

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 8



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  • vondy_170 Postado em 25/01/2017 - 05:22:26

    Livro 3 - https://fanfics.com.br/fanfic/55691/a-cancao-dos-quatro-ventos-finalizada-vondy- adaptada

  • vondy_170 Postado em 25/01/2017 - 05:20:31

    Livro 1 - https://fanfics.com.br/fanfic/48242/lua-das-fadas-vondy-adaptada

  • kaillany Postado em 21/12/2016 - 16:58:13

    Continua!!!!

  • kes_vondy Postado em 06/12/2016 - 02:26:44

    CONTINUA

  • candy1896 Postado em 04/12/2016 - 22:58:47

    CONTINUA

  • candy1896 Postado em 04/12/2016 - 19:50:14

    CONTINUA


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