Fanfic: Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA] | Tema: Vondy [Adaptada]
— Christopher? Acorda! Christopher!
— Humm... — resmunguei, sem abrir os olhos.
— Acorda, Christopher! É uma emergência!
Saltei da cama imediatamente, tropecei em minhas botas e quase caí sobre a cômoda.
— O quê? O que foi? — Ah, diabos, eu sabia que toda aquela agitação no casamento de Alfonso e Anahí no dia anterior não podia ser boa para ela. — Você está bem? O bebê está bem? Estou acordado. Estou muito acordado. Vou mandar chamar o doutor Alm...
Dulce deu risada, sentando-se na cama.
— Não esse tipo de emergência.
Levei um minuto para entender o que ela dizia. Se sorria daquela maneira, não podia ter entrado em trabalho de parto. Ainda bem, pois não era o momento. O doutor Almeida acreditava que ainda levaria mais quatro ou cinco meses para isso acontecer. Soltei o ar com força e esfreguei o rosto para despertar.
— Não tem nada errado comigo nem com o bebê. — Ela se adiantou. — Desculpa, não queria te assustar. É que se trata mesmo de uma emergência.
— Que espécie de emergência, meu amor? — Voltei para a cama e me sentei na beirada do colchão.
Dulce, completamente nua entre os lençóis emaranhados, ajoelhou-se sobre o colchão e chegou mais perto. Ela andava sentindo muito calor nos últimos tempos, mas o doutor me assegurou — sete vezes — que aquilo era comum em seu estado. A gravidez já era evidente. Nosso bebê alterara suas curvas, deixando-a ainda mais exuberante... e muito disposta a... bem... Eu pouco tinha dormido nos últimos quatro meses.
— Eu preciso de chocolate. Tipo agora!
— Chocolate? — repeti estupidamente.
Ela concordou com a cabeça, levando o polegar à boca e mordiscando a ponta.
— Ontem, no casamento da Teodora, eu vi uma mulher com um vestido marrom bem escuro. E era brilhante e parecia tanto com chocolate... Não consigo parar de pensar nisso. Sinto que vou morrer se não comer chocolate nos próximos minutos. E estou toda coçando! A Madalena disse que quando isso acontece eu não posso tocar em nenhuma parte de mim, ou o bebê vai nascer cheio de manchas de nascença. Eu não quero que o nosso bebê nasça com cara de tablete de chocolate!
— Mas, meu amor, são... — Alcancei a vela que estava pela metade e examinei as horas em meu relógio, sobre o criado-mudo — ... três da manhã! Chocolate é uma iguaria rara, difícil de encontrar.
— Mas ele já existe? — Seus olhos estavam muito abertos, suplicantes.
Soltei um longo suspiro e coloquei as pernas para fora do colchão.
— Sim, já existe. Vou tentar conseguir um pouco, mas não posso garantir nada.
Imagino que terei que ir até a cidade. A última vez que eu soube que havia chocolate na vila foi pouco antes da sua chegada.
Peguei as peças de roupa jogadas no chão e comecei a me vestir. Dulce se arrastou como uma gata pelos lençóis até chegar aos pés da cama.
— Desculpa. — Ela se sentou sobre os joelhos, prendendo os cabelos em um nó frouxo no alto da cabeça. — Mas eu realmente preciso de chocolate. É tudo em que posso pensar agora.
A luz da lua entrava pela janela e banhava sua pele clara, conferindo-lhe um brilho quase etéreo. Seus seios balançaram de leve, atraindo meu olhar. Estavam maiores, inchados e muito sensíveis ao toque.
Eu podia pensar em outra coisa que não fosse chocolate. Facilmente.
— Verei o que consigo arranjar — murmurei, obrigando-me a parar de devorá-la com os olhos. Foram necessárias cinco tentativas, e fui recompensado pelo esforço com um sorriso capaz de me fazer ir até a Espanha a nado em busca do maldito chocolate.
Já vestido, inclinei-me sobre ela, segurei seu rosto em uma das mãos e a outra repousei sobre sua barriga ligeiramente protuberante.
— Voltarei assim que puder.
Exatamente como eu previra, não havia uma única lasca de chocolate em toda a vila, de modo que Storm e eu tomamos o rumo da cidade, o dia nascendo depois de eu ter batido na porta do confeiteiro e quase matá-lo de susto.
O sol já estava alto quando consegui chegar ao meu destino e comecei minha peregrinação. Entrei em todo e qualquer estabelecimento que pudesse vender a iguaria. No entanto, obtive as mesmas respostas que na vila. Estava em falta.
Uma grande carga chegaria no próximo vapor vindo da Europa. Restava-me tentar apenas a grande Casa de Café, uma confeitaria muito tradicional fundada havia mais de cinquenta anos e onde se encontravam as melhores e mais saborosas bebidas quentes e sobremesas.
— Chocolate? Infelizmente acabou, senhor Uckermann — disse o senhor Apolinário, dono do estabelecimento.
— Mas eu preciso de pelo menos um pote. É uma emergência. Minha esposa está esperando.
O confeiteiro estendeu a mão e apertou meu ombro.
— Ora, que notícia maravilhosa. Parabéns, senhor Uckermann!
— Obrigado, senhor Apolinário.
— Lamento não poder ajudá-lo. Se tivesse chegado um pouco antes, teria tido mais sorte. Vendi o último pote de chocolate para a senhorita Lafay ette, não tem nem dois quartos de hora. Não deseja levar algum dos nossos doces? Mulheres em estado interessante ficam ávidas por sobremesas.
— O que o senhor sugere? — ouvi-me perguntando, muito embora soubesse que nada daquilo suavizaria o desejo de Dulce por chocolate. Mas o que mais eu poderia fazer? Não podia voltar para casa de mãos vazias.
Acabei comprando um pouco de tudo. O próprio Apolinário tratou de embrulhar as caixas de guloseimas com cuidado para que aguentassem a viagem.
— Espero que sua senhora goste. — Ele me entregou os dois pacotes.
— Fico grato, senhor Apolinário. Até mais ver.
Arrastei-me para fora da Casa de Café com as duas caixas de doces, um tanto desanimado. Não havia mais nenhum estabelecimento onde eu pudesse encontrar o que Dulce tanto desejara, e aqueles torteletes e quindins não serviriam. A menos que eu...
Olhei para a rua movimentada, acomodando os doces no alforje com cuidado, uma ideia se formando.
Dulce arrancaria meus colhões se soubesse o que eu pretendia, mas que opção eu tinha? Vê-la se decepcionar quando abrisse as caixas e encontrasse doces de fruta e nada mais?
Não. Eu sabia que muitas coisas que Dulce tinha deixado para trás nem sequer existiam neste século. Mas, diferentemente da tal pizza que ela tentara ensinar a senhora Madalena a fazer, e que resultou em um enorme pão encruado, o chocolate era algo possível.
Endireitando os ombros, passei o pé no estribo e montei Storm. Se minha mulher queria chocolate, ela o teria!
Storm abanou a cabeçorra, a crina negra se agitando, capturando e refletindo os raios de sol, como se discordasse de meu plano.
— E o que você sabe sobre mulheres grávidas? — Firmei a guia e, sem perder tempo, rumei para o leste da cidade, uma região não tão nobre, mas muito frequentada pelos mais abastados. Era ali que se encontrava todo tipo de distração masculina.
Naturalmente, eu nunca tinha ido além das casas de jogos, e mesmo assim a última vez em que pisei naquele bairro fora no período obscuro do desaparecimento de Dulce.
A vizinhança não era elegante, e era comum ver mulheres em roupas de baixo paradas em frente às janelas, uma oferta silenciosa que não carecia de explicações.
O estabelecimento da senhorita Anne Marie Lafay ette, no entanto, era bastante discreto. Quase passava despercebido e por isso mesmo se tornara o favorito entre os cavalheiros. Meus colegas de faculdade sempre falavam do lugar como algo parecido com o paraíso. Sendo franco, em algumas poucas vezes quase cedi à tentação. É difícil manter a cabeça no lugar quando seu corpo de dezoito anos deseja o tipo de alívio que somente uma dama pode proporcionar. Muitos dos pais de meus colegas se vangloriavam por levar os filhos até a senhorita Lafay ette para que ela lhes ensinasse a arte de fazer amor.
Eu estava curioso?
Sim, muito.
Excitado além do que a sanidade permitia?
Decididamente.
Ainda assim, nunca consegui me obrigar a entrar naquele bordel. Tinha a ver com precisar pagar para estar entre as coxas de uma mulher. Orgulho, talvez.
Fosse o que fosse, isso fazia a excitação evaporar.
E agora ali estava eu, um homem muito bem casado e satisfeito, prestes a ter um herdeiro, entrando pela primeira vez em um prostíbulo. Meu pai teria me arrancado as orelhas se pudesse me alcançar agora. Eu mesmo queria fazer isso.
Mas que se dane.
As necessidades de Dulce vinham em primeiro lugar.
Segurando a aldrava maciça de bronze, bati na porta e esperei. Um mordomo me recebeu sem fazer perguntas, sem qualquer olhar surpreso ou reprovador, e me conduziu até a grande sala principal. O perfume no ar era pesado, doce em excesso, e fez minha cabeça doer. Havia uns poucos cavalheiros na sala ao lado àquela hora do dia. Estavam distraídos em um jogo de cartas, bebericando uísque na companhia de meninas seminuas tão jovens quanto Maite. Meu estômago embrulhou.
— Ora, ora, que surpresa deliciosa! — disse Anne Marie Lafay ette. Pequena e delicada, com cachos escuros e olhos amendoados, suas curvas voluptuosas faziam metade dos homens da alta sociedade perder a cabeça. Ela transpirava uma falsa inocência que a tornava irresistível para a maioria deles. Um olhar menos atento poderia deixar passar a informação de como ela realmente ganhava a vida. Naturalmente, não era recebida em muitos eventos sociais, mas estava sempre presente nos mais importantes. A ligação com o duque de Bragança lhe era muito conveniente.
— Senhorita Anne Marie. — Fiz uma mesura.
Ela retribuiu o cumprimento, um pequeno sorriso de deleite nos lábios. Uma das jovens do salão ao lado se levantou, mas Anne Marie ergueu um dedo e lhe lançou um olhar de advertência. Foi o que bastou para que a jovem voltasse a se sentar no colo de um homem com o dobro de sua idade.
Voltando-se para mim com um sorriso charmoso, Anne Marie disse:
— Nunca imaginei que chegaria o dia em que eu veria um Uckermann em meu humilde estabelecimento. O que posso fazer por você neste dia tão feliz, meu caro senhor?
Um dos homens abandonou as cartas e esticou o pescoço em nossa direção. Ora, mas que inferno. Tudo o que eu não precisava agora era de que mexericos a meu respeito chegassem aos ouvidos de minha mulher grávida.
— Salvar-me, madame. Podemos conversar em particular?
O sorriso dela se ampliou.
— Mas é claro, meu querido. Por que não vamos até a minha sala particular?
— Parece uma boa ideia.
Ela indicou o caminho e eu a segui sem olhar para os lados. Respirei aliviado quando passei pelas portas envidraçadas, cobertas por uma cortina de renda, e as fechei, satisfeito por estar longe de olhares curiosos. Virei-me e arqueei as sobrancelhas ao examinar a sala particular. Havia uma mesa e um armário em um canto, e pesadas cortinas vermelhas pendiam das janelas, não permitindo que a luz do sol tocasse os móveis ou seus ocupantes. No centro, um recamier forrado de cetim lilás era acompanhado por uma mesa redonda e baixa de jacarandá abastecida de lenços, tiras de couro, plumas e outros apetrechos.
Aquilo era um grilhão?
Diabos. Dulce me mataria. Ela realmente me mataria se soubesse onde eu estava agora.
— Por que não se senta, senhor Uckermann? — ofereceu Anne Marie, apontando para o recamier. — Posso lhe servir uma bebida?
— Agradeço, mas não posso me demorar, madame.
— Ah, mas não me diga isso! — Ela se aproximou rapidamente. — Há anos espero pela visita de um Uckermann e quero desfrutar dela pelo maior tempo possível.
Que tal ficar um pouco mais confortável? — E esticou o braço, em direção a minha gravata.
Dei um passo para o lado.
— Creio que não será necessário.
Algo reluziu em seu olhar.
— Um homem de fetiches, senhor Uckermann? Quem poderia imaginar... — Ela tamborilou dois dedos sobre os lábios pintados de carmim. — Se prefere assim...
— Senhorita Anne Marie, creio que eu não tenha lhe dito ainda o que me trouxe até seu estabelecimento.
— Não é necessário, senhor Uckermann. Sou especialista em desvendar os desejos dos cavalheiros.
— Duvido que possa descobrir os meus.
Uma sobrancelha fina se arqueou.
— Então esse será o jogo? — Tocou a base do pescoço, o olhar se inflamando.
— Não há jogo algum. Vim procurá-la porque apenas a senhorita pode me ajudar.
— Diga o que quer e eu o farei de bom grado, meu querido. — Ela me examinou dos pés à cabeça. A língua correu pelo lábio inferior. — De muito bom grado.
— Ótimo. Estou aqui porque quero seu chocolate.
Ela estremeceu de leve, vindo em minha direção.
— Quanta audácia, senhor Uckermann. Direto, do jeito que eu gosto. O senhor pode ter meu chocolate. Se for um bom menino. Onde devo lhe servir, meu querido?
Aqui mesmo? Ou prefere um dos quartos do andar de cima?
Esfreguei a testa com força.
— Suponho que não tenha sido claro. Eu quero o pote de chocolate que a senhorita acabou de comprar na Casa de Café.
O sorriso em seu rosto congelou e ela me fitou como se não tivesse ouvido direito.
— Perdoe-me. Como disse?
— Passei na Casa de Café ainda agora e o senhor Apolinário me contou que a senhorita comprou o último pote de chocolate da cidade. Eu preciso muito dele, senhorita Anne Marie.
— Chocolate? — Ela arfou, piscando depressa. — O senhor veio até aqui porque quer chocolate de verdade?
— Sei que meu pedido é ousado, mas trata-se de uma emergência. — Assim dissera Dulce. — Revirei a cidade em busca da iguaria, mas não a encontrei. Minha esposa está esperando nosso primeiro filho e me acordou esta madrugada com desejo de chocolate. Fui a todos os estabelecimentos possíveis.
— Ousado? Eu teria me ofendido menos se o senhor tivesse me pedido para vestir um dos meus espartilhos. — Ela começou a rir, um som estridente e muito agudo. — Chocolate! O senhor quer chocolate!
— E a senhorita é tudo o que me resta.
— E o senhor supôs que eu o ajudaria? — Ela me olhou com escárnio.
— Sim, eu imaginei — falei com firmeza.
— E o que o fez pensar isso?
— A senhorita é, antes de mais nada, uma comerciante. — Retirei o saquinho de veludo do bolso do paletó e o joguei sobre o recamier. Seu olhar acompanhou o movimento. — É capaz de perceber quando o negócio lhe é lucrativo.
Seu olhar se demorou sobre as moedas. O que havia ali compraria pelo menos meia dúzia de vestidos luxuosos. Nós dois sabíamos disso.
— E se eu não estiver disposta a aceitar dinheiro? E se preferir algo mais... interessante?
— Então terei de voltar para casa e enfrentar a decepção no rosto de minha esposa, sabendo que fiz tudo o que podia.
Um sorriso perverso curvou sua boca.
— E então ela vai perturbá-lo por semanas, pelo senhor não ter atendido ao seu capricho.
— De maneira alguma. Acredito que nem mencionará o assunto e provavelmente se sentirá culpada pelo trabalho que tive. Mas não é essa a questão. Eu não gostaria de decepcioná-la. Ela me fez um pedido relativamente simples. Eu não queria falhar nisso.
Anne Marie me estudou especulativamente.
— E por que não?
Soltei o ar com força. Eu estava mesmo tendo aquela conversa com uma cortesã?
— Porque minha esposa é uma mulher muito especial, muito inteligente, e eu sei que não estou a sua altura. Então me esforço de todas as maneiras para ser ao menos um pouco merecedor dela.
A mulher piscou algumas vezes.
— Então o que dizem é verdade. O senhor se casou por amor. — Ela se virou e começou a remexer nos itens sobre a mesinha. — Sabe, eu os vi de longe na ópera tem algum tempo e achei que fosse o caso, mas pouco depois soube que a jovem havia ido embora. Pensei que a ausência destruiria sua paixão, senhor Uckermann, e o faria procurar consolo. Quem sabe aqui.
— Como disse La Rochefoucauld, a ausência diminui as pequenas paixões e exalta as grandes, assim como o vento, que apaga as velas e atiça as fogueiras.
— É o que vejo. — Ela abandonou seus brinquedos e se aproximou de novo.
Esperei, inquieto, enquanto ela me avaliava. — Aconteceu o mesmo com seu pai. Um cavalheiro tão belo, tão educado... Conheci Víctor em um sarau oferecido por um poeta amigo de seu pai. E cometi o erro de me apaixonar por ele. Veja bem, senhor Uckermann, uma mulher em minha posição não pode se permitir sentir afeição por ninguém.
— Imagino que não — ponderei, enquanto em minha mente eu gritava: O quê?!
— Mas Víctor já estava noivo de sua mãe e me rejeitou. — Ela fez um biquinho que, suponho, tinha o intuito de ser sensual, mas apenas acentuou as marcas do tempo ao redor de seus lábios. — Não que eu tivesse esperança de que ele fosse me tornar uma mulher honesta. Minha reputação estava estabelecida, mas confesso que cheguei a sonhar em me tornar sua amante. Uma casa aqui na cidade e sua companhia eram tudo o que eu desejava. Fiz o que pude para seduzi-lo, mas ele jamais caiu em minhas artimanhas. Estava loucamente apaixonado por Alexandra, aquele tolo. — Ela suspirou e sacudiu os ombros. — Por fim, acabei me envolvendo com o duque. E foi melhor assim. Víctor Uckermann era bom e bonito demais para que eu não o amasse perdidamente, caso ele tivesse cedido aos meus encantos. E você se parece muito com ele. Cavalheiros opiniosos, vocês, os Uckermann... Só me resta lamentar esse infeliz traço de caráter.
E aquilo colocava um ponto-final naquela reunião.
— Bem, lamento ter tomado seu tempo. — Inclinei-me para pegar as moedas.
Os dedos finos de Anne Marie se prenderam em meu pulso. Eu me detive, olhando-a especulativamente.
— Por sorte, meu lado comerciante sempre fala mais alto.
Endireitei-me e Anne Marie soltou meu braço devagar, então se apoderou das moedas. Ela as levou até a pequena escrivaninha no canto e abriu uma gaveta, guardando o dinheiro ali. Dos muitos bibelôs que se amontoavam sobre ela, pegou o pequeno pote de porcelana branca com flores azuis e voltou para perto de mim.
— Aqui está. Leve para a sua amada. — Ela me entregou o recipiente. — Presumo que, para meu eterno pesar, não o verei em meu estabelecimento novamente.
— Não, não verá.
— Bem, se é assim...
Ela agiu rápido. Agarrou-me pela lapela e grudou a boca na minha antes que eu pudesse piscar. Meus olhos se arregalaram. Segurando-a pelos ombros, eu a empurrei da maneira mais cortês que pude.
Ela não se ofendeu com minha recusa e riu ao dizer:
— Não pode me censurar por ter tentado, meu caro.
Eu podia pensar em mil razões para censurá-la. E que diabos aquela mulher usava nos lábios? O que quer que fosse, deixou minha boca grudenta e com uma sensação esquisita, como se eu tivesse esfregado urtiga neles.
Fiz uma mesura rápida e deixei sua sala a passos largos, tomando cuidado para não passar pela saleta onde acontecia a jogatina. Antes que eu passasse pela porta, Anne Marie arrulhou:
— Foi um prazer, senhor Uckermann. Acredite.
Afastei-me daquela casa, daquela área, o mais depressa que pude, mas parei em uma estalagem no caminho de casa para alimentar Storm e lavar a boca com conhaque. Precisei de duas doses para me livrar do gosto daquela mulher. Enfiei a mão no bolso do paletó e apertei o potinho, praguejando baixo. Tudo isso por um punhado de chocolate...
Era melhor Dulce não ter mais nenhum desejo dali em diante.
* * *
Cheguei em casa pouco antes do crepúsculo. Dulce ouviu o trote pesado de Storm e correu para a porta da frente a fim de me receber. Um sorriso esplêndido curvou sua boca.
— Você demorou tanto! — Desceu as escadas com as saias erguidas até os joelhos, revelando os pés descalços.
Isaac, tendo me visto chegar, subia correndo a pequena elevação que separava a casa do estábulo.
— Tive que ir até a cidade — eu disse a Dulce, apeando.
Ela pulou sobre mim e me abraçou com força. Eu teria preferido tomar um banho antes de estar em qualquer lugar perto dela, livrar-me daquele cheiro enjoativo do estabelecimento de Anne Marie que impregnava cada centímetro de minhas roupas, mas então teria de explicar o motivo, e minha esposa realmente não precisava saber como eu tinha conseguido o chocolate. Eu ainda não estava certo se tinha valido a pena. Honestamente, não sabia mesmo.
— Senti sua falta — ela murmurou em meu pescoço.
Eu a abracei e abaixei a cabeça, beijando seu ombro.
— Eu também.
Ela se afastou, torcendo o nariz.
— Você tá com um cheiro esquisito. Por onde andou?
— No inferno, Dulce. — Soltei uma lufada de ar. Era o mais próximo da verdade que eu poderia dizer a ela.
Isaac já tinha nos alcançado e se preparava para levar Storm para a baia.
— Há algumas caixas de doces no alforje — eu disse a ele. — Leve-as para a cozinha, por favor.
— Sim, patrão. — Como o garoto não se atrevia a montar Storm, pegou as rédeas e começou a conduzir o garanhão colina abaixo.
Apanhei o pote de cerâmica em meu bolso e o entreguei a Dulce. Seu olhar reluziu como se estrelas vivessem dentro dele, e o sorriso que se abriu em seurosto fez meu coração parar de bater, para em seguida retumbar em minhas orelhas.
E ali estava minha resposta.
Sim, tinha valido a pena. Qualquer coisa valeria a pena para ser merecedor daquele sorriso.
— Sério? Você encontrou? — Ela abriu a tampinha e o levou ao nariz, inspirando.
— Ai, meu Deus, Christopher, isso é chocolate de verdade! — E voltou a me abraçar, salpicando beijos por todo o meu rosto. — Eu te amo. Amo tanto, mas tanto, que você nem tem ideia!
— Você diz isso apenas porque eu consegui o chocolate — brinquei, tocando seu cabelo sedoso.
Ela me soltou, contemplando-me daquela forma atrevida que me matava de irritação ao mesmo tempo em que me fazia querer beijá-la.
— Não é verdade e você sabe muito bem disso. Mas não vou mentir: isso contou muitos pontos a seu favor.
Dei risada e passei um braço sob seus joelhos, içando-a do chão.
— Vamos lá. — Comecei a carregá-la escada acima. — O que esteve aprontando enquanto eu estive fora?
— Nada. Ninguém me deixa fazer nada por causa dos enjoos. — E suspirou. — Fiquei o dia todo na janela esperando você voltar, basicamente. Ah, o padre Antônio apareceu para filar um lanche e deixou a conta da reforma do telhado. É um absurdo de alta!
— Não importa. A senhora Madalena parou de se queixar das goteiras durante a missa. Ouvir minha governanta parar de resmungar não tem preço, Dulce.
Ela riu. Aquele era o som mais delicioso do mundo.
Bem, o segundo mais delicioso, pelo menos. O primeiro era, sem dúvida alguma, quando dizia meu nome em forma de gemido em nossa cama, pouco antes de ser arrebatada por... bem... la petite mort, como diriam os franceses. Nada se igualava a isso.
— Você sabe que eu sou capaz de andar, né? — ela me disse, bem-humorada.
Estávamos na sala agora.
— Sei. Mas neste momento estou carregando tudo o que me é mais precioso neste mundo, então...
Ela deu risada outra vez e abriu o potinho. Pescou um pedaço de chocolate e o mordeu.
— Deus, isso é bom demais!
— Pedirei para a senhora Madalena aquecer o leite.
— Ué, pra quê?
— Para que você possa beber o chocolate. — Era para isso que ele servia, não?
— Ah, não. Valeu, mas não quero chocolate quente. Só chocolate mesmo. — E abocanhou mais um pedaço. — Tá a fim?
Recusei com a cabeça.
— São todos seus.
Eu teria achado estranho se ela não estivesse grávida. Os tabletes deviam ser dissolvidos no leite ou na água. Nunca tinha ouvido falar de alguém que o comesse puro. Era amargo demais, mas Dulce não parecia se importar.
Mordiscava cada pedaço como se aquilo fosse uma guloseima vinda do céu.
Eu a acomodei no sofá, arrumando suas saias para que as pernas não ficassem expostas, e me sentei a seu lado, observando-a comer. Não me orgulhava muito da maneira como eu havia conseguido o chocolate, mas sua exultação compensava tudo.
Estendi o braço e toquei sua barriga ligeiramente saliente e arredondada.
— Em que você tá pensando? — Dulce perguntou entre uma mordida e outra.
— Em como eu tenho sorte. Em quanto você me faz feliz.
— Mesmo quando te acordo no meio da madrugada pedindo algo quase impossível de arranjar? — Ela franziu a testa, e um pouco de culpa se espreitou em seu olhar, exatamente como eu previra.
— Sobretudo quando me pede algo quase impossível de arranjar. Poder atender a um desejo seu é como... — Algo se movimentou sob a minha mão. Aquela que eu mantinha na barriga de Dulce.
— Ai, meu Deus! — ela exclamou, os olhos arregalados fixos em minha mão.
— Você está se sentindo b... — O movimento se repetiu. — Como você está fazendo isso?
— Não estou! Não sou eu!
— Foi o bebê?!
Nós nos encaramos por um momento. O rosto de Dulce resplandecia. Ela dizia sentir alguma movimentação vez ou outra, mas era sempre sutil demais para que eu pudesse sentir também.
— Parece que tá querendo sair a pontapés! Vai, continua falando. Ele parece gostar disso.
— Dulce, não creio que ele possa me escutar mais do que eu a ele. Além do mais... — Outro chute.
Dulce acariciou aquela linda protuberância e sorriu. Um sorriso pleno, que atingiu o canto mais remoto de minha alma e fez meu mundo mudar de rota.
— Você acha que ele... — Tive de pigarrear. — Acha que ele pode mesmo me ouvir?
Ela fez que sim, emocionada.
Curvei-me até encostar a bochecha em sua barriga, a mão ainda ali. Eu podia estar fazendo papel de bobo — nunca ouvira falar que crianças ainda dentro da mãe podiam ouvir o mundo exterior. Dulce acreditava que podiam, porém, e, como eu bem sabia, o conhecimento dela a respeito do mundo era mais amplo que o de todas as pessoas da minha época juntas.
— Então — comecei, meio sem jeito — foi você quem me acordou na noite passada exigindo chocolate?
O empurrão dessa vez foi mais forte, exatamente no ponto onde minha mão estava. Um nó obstruiu minha garganta enquanto eu me dava conta da enormidade do que Dulce trazia dentro de si. Uma vida. Uma pessoa. Gerada por nós dois, crescendo forte e saudável e já fazendo exigências. Uma nova pessoa que já tinha a percepção do mundo exterior, de minha voz.
Eu gostaria de ter as palavras certas para descrever o que senti, mas não as conhecia. Suponho que se tratasse de amor puro, imutável, cru até. Despertava em mim o desejo primitivo de proteger aquela pequena vida com a minha própria, matar ou morrer por ela. Trazia-me a vontade de caçar alguma coisa para alimentá-la e dessa maneira garantir que pudesse crescer forte e saudável.
Aquele sentimento se avolumou e precisei de um instante para que se acomodasse dentro de mim. Então se impregnou em meu peito, inundando-o por completo, preenchendo um lugar que antes pertencia apenas a Dulce.
Pigarreei outra vez, tentando me livrar do nó que obstruía minha garganta.
— Tudo bem — falei baixinho. — Não tem problema. Você pode me acordar sempre que precisar. E vou mover céus e terra para conseguir dar a você e a sua mamãe tudo o que desejarem. — Mesmo que tivesse de entrar em bordéis e beijar cortesãs para isso acontecer. Naturalmente, eu esperava não ter de fazer aquilo de novo, mas faria, se preciso. Por Dulce e meu filho, eu faria.
Meu filho. Ou filha, corrigi depressa. Eu ainda não conhecia seu rosto, o som de sua voz, a suavidade de sua pele ou seu cheiro, mas não era preciso. Meu coração já lhe pertencia incond...
— Cara, tá tudo bem? Ei, você dormiu? — Alguém me sacudia.
Desorientado, abri os olhos e precisei piscar algumas vezes. Não por causa da claridade, que praticamente não existia. Não, não era por isso. A menos que meu cérebro estivesse me pregando uma peça, eu estava em uma espécie de prisão.
Por que diabos eu estava preso?
Autor(a): Fer Linhares
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O homem com o rosto marcado por uma larga cicatriz na lateral da testa estava sentado a meu lado e me analisava muito de perto. Ele soltou um pesado suspiro enquanto eu tentava, sem sucesso, me lembrar de como tinha ido parar na cadeia.— Pensei que você tivesse entrado em coma ou alguma coisa assim — disse ele.— Dizem que não &ea ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 63
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tahhvondy Postado em 14/02/2017 - 17:51:28
nossa simplismente amei!cada um dos livros maravilhosos essa historia e incrível que não tem como não ser apaixonar por ela o amor deles e lindo o Christopher e mt fofo vou sentir saudades dessas confussões deles
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GrazihUckermann Postado em 13/02/2017 - 19:10:55
Eu AMEI! não sei qual dos livros foi o melhor. obrigada por postar essa história incrível, essa história é muito linda. Christopher é muito fofo <3 O amor deles é incrível. Quando ele a esqueceu ele se apaixonou por ela de novo, e eu tive que me segurar pra não chorar nessa parte s2 Fiquei feliz com o final da Madelena e do Seu gomes. Espero que tenha outro Baby vondy no livro da Maite, dessa vez tem que ser menino kkjk e não terá um nome melhor que Alexander para dar ao menino neh?? Estarei na próxima fanfic com você, comentando em todos os capitulos. Tchau. um diaa eu volto para ler de novo. (Acho que não demora muito, por amei a história e quero muito ler de novo) s2
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tahhvondy Postado em 13/02/2017 - 10:57:28
ai já ta acabando que triste mas ainda bem q vx consequiu baixa o da Maite
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GrazihUckermann Postado em 10/02/2017 - 20:35:51
Continuaaaaaaaaaaaaa! s2
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tahhvondy Postado em 09/02/2017 - 11:28:34
chequei continua por favor
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GrazihUckermann Postado em 09/02/2017 - 09:49:37
Continuaaaaa! s2
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GrazihUckermann Postado em 07/02/2017 - 16:32:39
FINALMENTE! CONTINUAAAAAAAAAAAAAA s2
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GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:08:32
T-T
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GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:02:21
Caraca essa confusão me deixou confusa kkkjk quando ele esquecer ela, ele meio que vai sumir?? vai aparecer no século dezenove como se nada tivesse acontecido?? é isso? não entendi kkkjk Continue mulher, não me deixe ansiosa! s2
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GrazihUckermann Postado em 05/02/2017 - 22:21:37
ai me deus!!!! CONTINUAAAAAA T-T