Fanfics Brasil - Capítulo 20 Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA]

Fanfic: Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA] | Tema: Vondy [Adaptada]


Capítulo: Capítulo 20

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— Certo, não podemos deixar que mais nada dê errado — Dulce disse, receosa, enquanto esperávamos na caótica sala na entrada da delegacia.
— E devo deixar tudo por sua conta — completei, acomodando melhor a pilha de retratos sob o braço.
— Bom, eu não ia dizer isso, mas pode ser mais fácil assim.
Instantes depois, uma jovem apareceu e disse um número, o mesmo que Dulce tinha em uma língua de papel. Minha noiv... esposa ficou de pé e eu a escoltei, juntando-nos à jovem policial. Deus, mulheres lidando com armas e delinquentes! Não que eu não acreditasse que fossem capazes — bastava olhar para Dulce; eu apenas não podia acreditar que uma dama se colocasse em tamanho risco.
Os olhos díspares da jovem reluziram assim que encontraram os meus.
— Você voltou!
— Voltei? — Fitei Dulce pelo canto do olho. Ela estava rígida, o rosto mirando o outro lado da sala. Peguei sua mão e entrelacei os dedos nos seus. Ela se virou depressa, e então um sorriso tímido esticou sua boca.
— Ah... — a jovem disse, o olhar fixo em nossas mãos entrelaçadas. — Era bom demais pra ser verdade.
— Pois é — Dulce disse a ela.
Aquele com certeza era o diálogo mais peculiar que eu já presenciara. Mas o que não era estranho naquele lugar? Bastava me lembrar da viagem até a delegacia para suspeitar de que as mudanças que o tempo trouxera eram tão malucas quanto qualquer coisa que um lunático poderia inventar. Além disso, a falta de memória piorava tudo. Eu podia apostar que muito do que eu vira até agora já tinha visto antes, assim como a jovem que se dirigira a mim com familiaridade. Quanto mais demoraria para que eu me lembrasse das coisas?
— Viemos formalizar o desaparecimento da minha cunhada — explicou Dulce.
— Não a encontraram ainda?
— Não.
— Nossa, que triste. Normalmente eu levaria vocês à sala do delegado, mas... — A moça me fitou de esguelha. — Acho melhor eu mesma formalizar a ocorrência.
Dulce exalou com força, aliviada.
— Valeu.
Nós seguimos a jovem até uma saleta. O lugar era minúsculo. A janela, encoberta por uma espécie de cortina em tiras, muito peculiar, filtrava a luz que incidia diretamente sobre a mesa. Uma máquina estava espremida em um canto e a jovem policial se sentou de frente para ela, os dedos correndo por uma placa de letras. “Investigadora de polícia Isadora Santana”, li em um broche pendurado do lado direito de sua camisa preta de mangas curtas.
— Preciso de nome completo, que me digam há quanto tempo ela está desaparecida e o que vestia na última vez em que foi vista. Onde foi vista pela última vez?
Eu e Dulce nos revezamos em dar detalhes a ela. Eu sobre as características físicas de minha irmã, ela dos últimos acontecimentos. Eu tinha sido a última pessoa a ver minha irmã, e infelizmente não me lembrava disso.
— Tem uma foto dela? Documentos?
— Não. Mas fiz um retrato. — Peguei um deles e coloquei sobre a mesa.
A moça examinou o desenho.
— Muito bom — elogiou, surpresa, polegar e indicador beliscando o lábio. Então deixou o desenho de lado e voltou a atenção para mim. — Fale um pouco sobre sua relação com ela.
Eu disse tudo o que julguei relevante, tomando cuidado para não contar algo que pudesse revelar o tempo em que eu vivia, pois Dulce insistira durante toda a viagem até ali que era importante manter segredo. Lembrando-me da maneira como eu reagi ao saber que ela tinha viajado no tempo, tive de concordar.
— Parece uma boa menina — concluiu a investigadora.
— Ela é.
— E o que aconteceu na noite em que ela desapareceu?
O quê, de fato?, perguntei-me.
— Eu...
— Era aniversário dela — informou Dulce —, fizemos uma festa. Só percebemos que ela tinha sumido pela manhã.
— Alguém a aborreceu? Perceberam algo diferente no comportamento dela?
— Não. Ela estava feliz. Tinha acabado de... — Dulce mordeu o lábio.
— O quê? — eu e a investigadora perguntamos em uníssono. A policial me encarou, arqueando uma sobrancelha fina.
Dulce esticou o braço e apertou minha coxa, em sinal de alerta.
— Bom, ela tinha acabado de ficar noiva. E, antes que pergunte, detetive, sim, ela ama muito esse cara. E não, ela não está grávida.
O quê?!
Eu quis praguejar. Sabia que mais cedo ou mais tarde isso acabaria acontecendo, mas, fosse quem fosse o bastardo que fizera o pedido, não tinha percebido que Maite era apenas uma menina? Nem tinha completado dezesseis anos ainda...
Não, espere. Tinha sim. Se eu me esquecera do último ano e meio, então agora ela teria... Deus do céu, dezessete!
Mas isso não mudava nada. Ela ainda era uma menina.
Era melhor Sofia estar certa, pois, se o sujeito tivesse desonrado minha irmã, imploraria para estar morto muito antes de eu ter terminado nossa conversa.
— Entendo. — A investigadora mantinha os olhos afiados em mim. — Então você acha que ela foi sequestrada?
— Pode-se dizer que sim — tentei empregar alguma calma na voz —, já que ela foi levada do hospital contra a vontade.
— Por que e por quem?
— Quem dera eu soubesse.
— Será que podemos focar no que nós sabemos? — Dulce se remexeu, e a cadeira estalou de leve. — Alguém a levou do hospital. A polícia pode ter acesso às câmeras de segurança e essas coisas, não pode?
— Se eu conseguir uma autorização legal, sim. Mas pode levar alguns dias.
Preciso dos documentos de um de vocês para abrir o inquérito.
— Ahhhhhhhh... — Dulce esfregou as mãos nas pernas da calça. — Isso pode ser um problema.
— Por quê?
— Tivemos nossa bagagem extraviada no aeroporto.
Dulce era péssima mentirosa, e eu não fui o único a perceber que ela mentia.
— Investigadora Santana — endireitei-me na cadeira —, cada segundo que passamos aqui é precioso. Precisamos encontrar minha irmã. Ela não sabe como agir em uma cidade como esta. — Eu mesmo não sabia, e Maite era muito mais sensível e inexperiente que eu, além de não ter tido nenhum tipo de informação sobre aquele mundo antes de se deparar com ele. — Deve estar apavorada, e eu nem quero pensar nessa pessoa que mentiu ser um parente dela. Por favor, não me diga que não pode ajudá-la.
O olhar marrom e cinza da jovem se tornou mais suave.
— Eu nunca disse que não poderia ajudar.
Levou pouco mais de meia hora para que a ocorrência fosse formalizada.
Saímos de lá com a promessa da investigadora de que faria todo o possível para descobrir o paradeiro de Maite.
— Gostei dela — comentou Sofia quando já estávamos do lado de fora. — Sobretudo porque não ficou te devorando com os olhos e não dificultou a nossa vida por causa da falta de documentos. — Ela disse mais alguma coisa, mas não cheguei a escutar. Tinha os olhos presos em um homem careca, uma fina trança saindo do alto da cabeça, enrolado em um lençol cor-de-rosa. Um maldito lençol!
Cobri com uma das mãos os olhos de Dulce, empurrando-a para longe do sujeito.
— É só um hare krishna. Já vi centenas deles. — Ela retirou minha mão de seu rosto.
— Mas eu não. E não quero que olhe para homens vestidos apenas com lençóis.
— Acho que é mais um manto. E acho que eles usam alguma coisa por baixo.
— Mais uma razão para eu desejar que você não olhe. Não quero saber de você ficar pensando na roupa de baixo de outro homem! — Isso me fez pensar em meu paletó. Estava me sentindo tão exposto sem ele quanto aquele hare-alguma-coisa.
Desviei do homem quanto pude, mas ainda assim não consegui levar Sofia longe o bastante. Quando passamos por ele, o sujeito se curvou, as mãos unidas, e nos disse:
— Hari bol.
— Hari bol pra você também — devolveu Dulce, com um sorriso doce.
— O que isso significa? —perguntei a ela.
— Sei lá. Mas os adeptos dessa cultura são pessoas muito espiritualizadas. Então acho que deve ser um cumprimento ou uma bênção. É uma coisa boa, certeza.
Dobramos a esquina. Um homem carregando um ramalhete de flores e usando roupas escuras vinha em nossa direção. Ele tinha argolas por todo o rosto, desenhos negros escapavam de sua camisa sem mangas e decoravam seus braços e sua cabeça raspada. Apesar da figura sombria, seu olhar era amável.
Outro, um garoto ainda, passou por nós sobre uma prancha com rodas. Um pouco mais à frente, duas jovens estavam sentadas aos beijos em uma escadaria.
Perto delas, um grupo formava uma roda, e no centro dois homens com o peito desnudo e calças brancas se enfrentavam em uma espécie de luta ritmada pelo acorde de um arco de madeira. Uma mulher idosa, que carecia de uma muleta, levava um cachorro para passear. E ele usava um vestido cor-de-rosa!
— Espantado? — perguntou Dulce.
— Um pouco. — Friccionei a testa. — Desde quando os animais vestem roupas?
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Acho que desde a invenção das pet shops. Uma vez vi um gato vestido de panda que era a coisa mais fofinha do mundo!
Eu a segurei pelo cotovelo com delicadeza e a fiz parar.
— Dulce, posso fazer uma pergunta? — Como ela me fitou, esperando, prossegui:
— Quem propôs casamento a Maite?
A pergunta pareceu surpreendê-la, mas ela não hesitou em me dar a resposta.
— O William.
— Humm... Ele está estudando para se tornar médico, não está?
— Na verdade, já terminou a faculdade e tá procurando os primeiros pacientes.
Esfreguei o rosto outra vez. Um aspirante a médico. Podia ser pior, tentei me convencer. Ainda assim, eu queria bater em alguma coisa.
— Não fica com essa cara, Christopher. Deixa pra se preocupar com o casamento da Maite quando a gente voltar pra casa. No momento, precisamos de cola para os cartazes e mais cópias. Deve ter uma papelaria aqui perto. Precisamos espalhá-los pela cidade toda!
E eu me perguntei como faríamos isso. Na viagem de táxi da casa de Dulce até a delegacia, pude avaliar melhor o tamanho daquela cidade, e descobri que ela aparentemente não tinha fim. Era como se todas as vilas do mundo tivessem se concentrado em apenas uma área.
Precisávamos de uma estratégia. Juntando tudo o que ela havia dito com o que eu ouvira na sala da investigadora Santana, tentei encontrar alguma coisa que pudesse nos ajudar. Foi então que algo me ocorreu.
— A nossa casa neste tempo, onde Maite apareceu, está muito longe daqui? — indaguei.
— Não muito. Fica neste bairro mesmo, eu acho.
— E quanto ao hospital?
— A mesma coisa, só que do outro lado. Por que quer saber?
— Humm... — Apesar da falta de memória, meu cérebro parecia trabalhar como de costume, e uma coisa começou a se juntar a outra. — A nossa casa, o hospital, a delegacia... Todos os lugares onde sabemos que Maite esteve ficam próximos um do outro. Talvez... talvez Maite ainda esteja neste bairro.
— É isso! — Ela pousou as mãos em meu peito, o rosto resplandecendo com esperança. — Por que a pessoa que a levou estaria naquele hospital se não morasse nas redondezas?
— Se houvesse um mapa da região, poderíamos traçar uma rota. Delimitar as buscas, um pouco que seja. Acho que nossas chances de sucesso aumentariam.
Um sorriso curvou sua boca.
— Você é genial, Christopher! Faz todo o sentido! Precisamos de um mapa! A pessoa que a levou deve morar por aqui! — E sapecou um beijo em minha boca. — Isso melhora muito as nossas chances!
Senti o rosto esquentar, satisfeito. Toda vez que conseguia surpreender Dulce, por qualquer razão que fosse, sentia-me daquela maneira. Menos desajeitado e atrasado do que na verdade era.


 


                                                                   * * *


 


Dulce enviou uma mensagem para a amiga, usando o aparelho celular que Nina lhe dera mais cedo, contando sobre minha teoria. Nina respondeu quase que instantaneamente. Acompanhei, maravilhado, o novo sistema de correspondência. Era inacreditável que uma coisa tão pequenina como aquela pudesse localizar pessoas e transmitir recados. Sem mensageiros, sem extravios, sem atrasos. Tudo instantâneo, como que por magia.
Então Dulce avistou uma banca de jornal perto da esquina. O grande caixote metálico tinha um varal coberto de revistas coloridas, com retratos realistas de pessoas, paisagens, bichos. Os jornais se amontoavam em uma pequena estante logo na entrada. E na lateral do lado de fora, preso à estrutura da barraca, havia um mapa da cidade.
Dulce apontava as áreas onde deveríamos procurar. Ela se endireitou, colocando as mãos na cintura, enquanto examinava a região.
— Tudo bem. Somando o espaço dos dois bairros vizinhos, num raio de cinco quilômetros além do limite, temos um total de vinte e cinco quilômetros quadrados.
— Que inferno. — Vinte e cinco quilômetros quadrados era uma área muito grande. Seria como procurar uma agulha em um palheiro.
— É melhor que a cidade inteira. — Ela tentou não soar desanimada, mas falhou.
A papelaria que ela mencionara mais cedo ficava ali perto, em uma rua bastante movimentada. Não perdemos tempo e entramos.
— Posso ajudar? — um jovem usando um avental preto perguntou assim que meus pés tocaram o piso claro da loja. O cheiro ali era incrível, um misto de madeira, papel e solvente que aguçou meus sentidos.
— Sim, nós precisamos de cola — respondi.
— E de um pincel largo — acrescentou Dulce.
— Pra lambe-lambe?
Para o quê?
— É. — Ela pegou um dos retratos sob meu braço e estendeu a ele. — E preciso de mais cópias disso aqui. Umas quinhentas devem dar.
— Tá certo. Vou pegar tudo pra vocês enquanto as cópias ficam prontas. — O jovem se afastou, indo para trás de um balcão comprido.
A meu lado, uma pequena e estreita estante capturou minha atenção. Havia inúmeras bisnagas de tinta a óleo. Peguei uma delas. Blue ice. Examinei outras. Deep sky blue. Dodger blue. Medium slate blue. Cup flower blue.
— Diabos. Quantos tons de azul existem agora? — pensei em voz alta.
— Humm... Sei lá. Uns trinta? — Sofia tentou, remexendo nas bisnagas.
— Trinta? — O que havia acontecido com o mundo? O artista não preparava mais suas próprias cores? Elas eram padronizadas?
Um rapaz com fios brancos saindo das orelhas se aproximou e nos pediu licença.
Nós lhe demos espaço e eu o observei pegar três bisnagas — três tons diferentes de verde. Aparentemente, aquele garoto não se importava que alguém se metesse com as suas tintas.
— Aqui, é só pagar no caixa ali na frente. — O jovem de avental retornou, entregando-me uma cesta azul de material curioso. Dentro dela estavam um envelope gordo recheado de cópias do retrato, um grande tubo branco de cola e um pincel de cabo amarelo.
— Obrigado. Fico grato pela rapidez.
Suas bochechas adquiriram um suave tom rosado.
— O que é isso! Não foi trabalho nenhum. — E sorriu de leve.
— Ah, pelo amor de Deus! — Dulce revirou os olhos e me puxou para a entrada do estabelecimento, até o balcão baixo de madeira, onde coloquei as compras.
— Cinquenta e oito e noventa — o rapaz de óculos atrás do balcão disse, depois de batucar os dedos em um... bem... computador, suspeitei, já que a máquina cheia de teclas com uma tela colorida se assemelhava à que a investigadora Santana usara para formalizar o desaparecimento de Maite.
Peguei algumas moedas e coloquei sobre o balcão. Então, quando vi os olhos do caixa se alargarem, percebi que meu dinheiro não servia. Diabos!
Antes que eu pudesse pensar em uma solução, Dulce já tinha pegado o dinheiro no bolso da calça e desenrolava algumas notas.
— O que está fazendo, Dulce? — Trinquei a mandíbula.
— Pagando, ué!
— Não. — Capturei sua mão antes que ela entregasse as notas ao rapaz. — Isso é inaceitável.
Ela me lançou um olhar que eu conhecia muito bem.
— Seu dinheiro não serve aqui, Christopher. Você vai ter que aceitar o meu.
Ela não devia ter feito aquilo. E, para minha sorte ou tormento, ela fazia o tempo todo. Toda vez que eu a via daquele jeito — olhos reluzindo em desafio, lábios em um biquinho petulante, mãos nos quadris —, sentia um nó no abdome que rapidamente se contraía e descia para a região mais abaixo. Era difícil manter as mãos longe dela. E, por todos os infernos, ela adorava fazer aquilo quando estávamos em público, deixando-me louco para chegar em casa o mais rápido possível.
— Uau! Isso é uma moeda de réis? — O garoto atrás do balcão pegou uma delas e a examinou com atenção.
— Sim! — Será que Dulce se equivocara e meu dinheiro tinha algum valor, afinal?
— Caramba! Tá novinha! Onde conseguiu isso, cara? — Ele virou a moeda nos dedos. — Coleciono dinheiro antigo, mas nunca encontrei uma dessas pra comprar, ainda mais em tão bom estado. Quanto quer por ela?
— O quê? — perguntou Dulce, incrédula.
Ora, ora... Um sorriso satisfeito cresceu em meu rosto.
— Quanto estaria disposto a pagar?
— Duzentos?
A boca de Sofia se escancarou, os olhos ficaram grandes demais para seu rosto
delicado, então imaginei que fosse uma boa quantia.
— De acordo.
O garoto me entregou as notas e guardou a moeda em um saco transparente, depois no bolso. Sem precisar tocar no dinheiro de minha esposa, paguei pelas compras, peguei a sacola e o troco e deixei o estabelecimento com uma Dulce emburrada a meu lado.
— Não dá pra acreditar nisso! — ela resmungou. — Simplesmente não dá! Era pra você se atrapalhar todo, do mesmo jeito que eu me atrapalhei quando nos conhecemos!
— Posso me atrapalhar se preferir. E, sendo franco, não vai me custar nada.
Isso fez sua irritação amainar, e ela acabou rindo, pegando a cola e o pincel dentro da sacola.
— Nada disso. Só finge de vez em quando que você precisa de mim pra alguma
coisa.
Segurei seu rosto entre as mãos. A sacola escorregou por meu braço, o peso das cópias fazendo-a balançar em meu cotovelo.
— Preciso de você o tempo todo, Dulce. — Acariciei seu queixo com os polegares. — Muito mais do que pode imaginar.
Seus olhos se tornaram duas estrelas incandescentes, as bochechas rosadas, a boca esticada em um sorriso de tirar o fôlego.
— Você nunca deixa de me surpreender, sabia? — E então se esticou na ponta dos pés para me beijar.
Imagino que eu devo ter corado, pois meu rosto ardia. No entanto, desconfiava que o motivo do rubor não fosse o elogio, tampouco aquele beijo em público.
Provinha do canto mais primitivo de minha alma. A alma de um homem em uma terra nova, descobrindo-se capaz de encontrar um caminho, mesmo quando tudo parece perdido.
— Por onde pretende começar? — Indiquei a cola quando ela se afastou.
Dulce decidiu que aquela rua era um bom lugar, já que era bastante movimentada. Espalhei a cola atrás de um cartaz com a ajuda do pincel e o fixei em um poste. Isso não havia mudado com o passar dos anos.
— Acha que vai funcionar? — ela me perguntou.
— Estou certo que sim. — Mas, a julgar pelas pessoas que passavam e mal dirigiam um olhar ao retrato, tive minhas dúvidas.
Ainda assim, porque não havia alternativa, seguimos entrando em estabelecimentos, perguntando por Maite, deixando cartazes, colando-os nos postes a cada tanto, rezando para que alguém que soubesse o paradeiro de minha irmã os notasse e entrasse em contato.
O sol estava a pino quando paramos para almoçar em uma barraca sobre a calçada. Dulce a chamou de “carrinho de hot dog”.
— Você vai adorar isso — ela me disse, antes de pedir dois completos com batata extra.
Paguei pela comida e as bebidas em latas com o dinheiro que conseguira na papelaria — não sem que Sofia discutisse.
— Mas eu posso pagar! — ela reclamou. — Além disso, a gente precisa economizar. Nunca se sabe se vai acontecer um imprevisto!
— Se isso acontecer, então usaremos o seu dinheiro. — Entreguei uma nota ao dono da barraca.
— Droga, Christopher! — Ela pegou as bebidas e foi se sentar em um jogo de mesa metálica de aparência muito desconfortável. Mal caberiam dois pratos... se aquela comida fosse servida em um. O hot dog, um sanduíche quente, com uma espécie de linguiça fina e muito molho — um deles o ketchup, que eu provara no dedo de Dulce tempos atrás —, era servido em um saco branco fino, mas resistente. Assim que me juntei a ela, observei Dulce arregaçar a embalagem e a copiei. Logo na primeira mordida, o sabor explodiu em minha língua e minha barriga se eriçou, à espera de mais. Abocanhei um grande pedaço. O pão macio
se desmanchou e o molho respingou em minha camisa. Tentei limpá-la com o dedo, mas apenas fiz mais sujeira. Dulce deu risada, esfregando o tecido com um guardanapo feito de papel. A mancha laranja, porém, recusou-se a desaparecer.
— Desculpe — murmurei. — É difícil segurar o sanduíche neste saco.
— Não se desculpe. Estou adorando. É como assistir à Nina comer. Exceto que você ainda não jogou comida em mim. — E então sua expressão mudou, e ela soltou um suspiro que era puro desalento ao enredar os dedos em um delicado relicário que lhe pendia no colo. Quando ela comprara aquilo?
E sua amiga Nina não é grande demais para isso?, eu me perguntei.
Limpei a mão e o rosto usando o guardanapo e estiquei o braço, apertando os dedos ao redor dos seus, desejando desesperadamente fazer com que aquela dor em seu rosto fosse embora.
— Posso jogar comida em você também, se isso a fizer feliz. Você sabe que para mim é sempre um prazer lhe ser útil.
Seus olhos se iluminaram, a tristeza cedendo aos poucos.
— Valeu, Christopher. Não sei o que seria de mim se você não estivesse aqui agora. Acho
que eu já teria perdido a cabeça.
— Ah, mas você não pode. Já basta a minha não estar funcionando direito.
— Ainda acho que deveríamos procurar um médico pra você. — Suas sobrancelhas se arquearam.— Discordo. Não há razão nem tempo para isso.
Ela bufou e voltou a comer. Terminei o meu sanduíche e ataquei o que restara do dela. A bebida em lata, porém, não me agradou muito. Doce em demasia.
Retomamos nossa busca sem perder tempo. Em meio a nossas andanças, passamos em frente a uma loja que me atraiu a atenção. Uma poltrona de mogno forrada de cetim vermelho estava sendo reposicionada na alta vitrine.
Outras peças também atraíram meu olhar, e pela primeira vez desde que acordei naquele mundo eu sabia dizer o nome de cada um dos objetos sem precisar de ajuda.
Humm.... Aquilo podia resolver a questão do “imprevisto” que tanto me incomodava desde que Dulce o mencionara. Levei minha noi... esposa para a frente da loja.
— O quê? — ela perguntou quando abri a porta para ela. Então reparou na imensa placa na fachada, com os dizeres “Galeria Renoir”. — Pretende comprar alguma coisa nesse antiquário?
Sorri para ela, segurando a porta para que entrasse.
— Não, meu amor. Eu pretendo vender.
Ela fechou a cara, cruzando os braços. Reprimi um grunhido.
— Dulce, de quanto dinheiro dispomos no momento?
— Não muito, mas... — Ela mordeu o lábio inferior, a testa encrespada. — Droga! — E passou pela porta a passos duros.
Um homem alto de cabelos castanhos veio nos receber.
— Bom dia, como posso ajudá-los?
— Estaria interessado em adquirir algumas moedas antigas? — fui dizendo.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Antigas quanto?
Peguei uma no bolso e entreguei a ele.
— Muito.
Ele a aproximou do rosto. Pareceu surpreso enquanto caminhava em direção a uma mesa nos fundos do antiquário, sinalizando para que o acompanhássemos. Dulce preferiu admirar os objetos à venda. Seu olhar era triste ao correr um dedo por um aparador de jacarandá muito semelhante ao que tínhamos na sala de música. Eu sabia exatamente como ela se sentia.
— Não há muitas dessas por aí — o rapaz me disse. — É verdadeira?
— Tem a minha palavra, senhor.
— Pode me chamar de Breno. E desculpa, cara, mas vou precisar de um pouco mais do que sua palavra. Não trabalhamos com artigos falsos.
— E essa cadeira do Elvis? — perguntou Dulce, examinando a peça de madeira.
Breno corou, remexendo-se no assento.
— É um engano. Ela não tá à venda.
Ele pegou um pedaço de pedra de dentro de uma gaveta e esfregou a moeda que lhe dei. Em seguida, pingou um líquido na superfície arranhada e esperou.
Quando os riscos provaram que eu dizia a verdade, presumi, ele sorriu para mim.
— Sensacional! Conheço um colecionador que vai ficar maluco por elas.
Quantas você tem aí?
Joguei sobre a mesa tudo o que tinha nos bolsos, produzindo um tilintar suave.
Breno franziu a testa, admirado, e começou a contar as moedas. Quando terminou, pegou um objeto onde havia apenas números e começou a apertar os botões.
— O que acha? — Ele empurrou a máquina para mim. Havia um número de quatro dígitos em um quadradinho.
— Parece bom.
— Ótimo!
— Ai, meu Deus! — exclamou Dulce.
Em um piscar de olhos eu estava ao lado dela, procurando o que quer que a tivesse assustado. O problema, descobri, estava dentro de uma caixa de vidro.
— O que foi, meu amor?
Ela ergueu os olhos para mim. Assombro, ansiedade, medo, tudo ali em suas íris castanhas.
— Esses brincos! — ela apontou para a caixa.
Inclinei-me, examinando a dúzia de joias sobre uma almofada de cetim branco, sem compreender por que aquilo a teria alarmado tanto. Ela queria uma delas?
Então avistei um pequeno e discreto par de brincos. Delicadas garras douradas se engastavam à turquesa em formato de lágrima. Eu o reconheci de imediato.
Como poderia não reconhecer? Eu mesmo tinha comprado aqueles brincos, quatro anos antes.
Ergui os olhos para ela, em choque.
— São os brincos de Maite!




tahhvondy: Eles vai esquecer muitas coisas que eles passaram juntos kk bjss {#emotions_dlg.kiss}


 


GrazihUckermann: Ela só ajuda contando o que aconeceu no ultimo ano e meio bjss {#emotions_dlg.kiss}


 


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Autor(a): Fer Linhares

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Os brincos de turquesa, apesar de pequenos, pareciam dominar toda a vitrine, apagando o brilho das outras peças. Meu olhar se encontrou com o de Dulce, e um misto de esperança e apreensão dominou a nós dois.Voltei-me para Breno, que havia se levantado e se aproximava do mostrador, interessado.— Onde conseguiu estes brincos? &m ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 63



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  • tahhvondy Postado em 14/02/2017 - 17:51:28

    nossa simplismente amei!cada um dos livros maravilhosos essa historia e incrível que não tem como não ser apaixonar por ela o amor deles e lindo o Christopher e mt fofo vou sentir saudades dessas confussões deles

  • GrazihUckermann Postado em 13/02/2017 - 19:10:55

    Eu AMEI! não sei qual dos livros foi o melhor. obrigada por postar essa história incrível, essa história é muito linda. Christopher é muito fofo <3 O amor deles é incrível. Quando ele a esqueceu ele se apaixonou por ela de novo, e eu tive que me segurar pra não chorar nessa parte s2 Fiquei feliz com o final da Madelena e do Seu gomes. Espero que tenha outro Baby vondy no livro da Maite, dessa vez tem que ser menino kkjk e não terá um nome melhor que Alexander para dar ao menino neh?? Estarei na próxima fanfic com você, comentando em todos os capitulos. Tchau. um diaa eu volto para ler de novo. (Acho que não demora muito, por amei a história e quero muito ler de novo) s2

  • tahhvondy Postado em 13/02/2017 - 10:57:28

    ai já ta acabando que triste mas ainda bem q vx consequiu baixa o da Maite

  • GrazihUckermann Postado em 10/02/2017 - 20:35:51

    Continuaaaaaaaaaaaaa! s2

  • tahhvondy Postado em 09/02/2017 - 11:28:34

    chequei continua por favor

  • GrazihUckermann Postado em 09/02/2017 - 09:49:37

    Continuaaaaa! s2

  • GrazihUckermann Postado em 07/02/2017 - 16:32:39

    FINALMENTE! CONTINUAAAAAAAAAAAAAA s2

  • GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:08:32

    T-T

  • GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:02:21

    Caraca essa confusão me deixou confusa kkkjk quando ele esquecer ela, ele meio que vai sumir?? vai aparecer no século dezenove como se nada tivesse acontecido?? é isso? não entendi kkkjk Continue mulher, não me deixe ansiosa! s2

  • GrazihUckermann Postado em 05/02/2017 - 22:21:37

    ai me deus!!!! CONTINUAAAAAA T-T


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