Fanfics Brasil - Capítulo 43 Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA]

Fanfic: Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA] | Tema: Vondy [Adaptada]


Capítulo: Capítulo 43

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A vila estava quente e movimentada naquela manhã. O sol a pino me fazia suar e sonhar com uma boa caneca de cerveja, mas isso teria de esperar até mais tarde.
Maite se abrigava sob a sombrinha. Dulce ajeitava a capota do carrinho de bebê, para proteger melhor a pele de nossa filha. Marina, naturalmente, tentava escapar de seu cativeiro a cada trinta segundos.
Estávamos zanzando pelas ruas da vila havia mais de uma hora. Éramos alvo constante de olhares e cochichos. Maite até que estava lidando bem com tudo isso, sorrindo e cumprimentando os conhecidos e ignorando — ou tentando ignorar — o rastro de fofoca que nos seguia.
— Acha que já é o suficiente? — minha esposa perguntou. — Porque eu não aguento mais andar debaixo desse sol quente.
— Suponho que sim. Podemos ir para o ateliê agora.
Dulce revirou os olhos.
— Tudo bem que estamos em uma missão para limpar o nome da Maite. Mas o que eu vou fazer com mais vestidos, Christopher? Já tenho tantos que poderia vestir um novo a cada dia durante um ano inteirinho!
— Marina deve estar precisando de alguns novos. — Dei de ombros. — Ela cresce muito depressa.
— Não tão rápido quanto você os compra para ela. Tem pelo menos oito vestidos
que ela nem chegou a usar e já estão pequenos. Quem fica feliz com isso é o padre Antônio. Madalena envia uma sacola de roupas para doação toda semana.
Segurei o carrinho pela alça e comecei a guiá-lo para o ateliê de madame Georgette. Dulce sempre tivera problemas com vestidos, e eu não sabia o que me motivava a comprar tantos para ela e Marina — se o desejo primitivo de cuidar delas ou simplesmente provocar minha esposa petulante. Deduzi que fosse um pouco das duas coisas.
O ateliê de costura estava cheio. Deixei o carrinho do lado de fora e peguei Marina no colo, acompanhando Dulce e Maite para dentro. Os cavalheiros se espremiam logo na entrada, esperando que suas damas concluíssem as compras.
— Ora, bom dia, senhor Uckermann! — saudou o senhor Estevão, da joalheria. — Pensei que o senhor estivesse fora.
— Chegamos ainda ontem. Como está o senhor? — Fiz um cumprimento de cabeça. Marina se esticou toda, tentando pegar o bigode cinzento do homem. Eu a acomodei no outro braço.
— Muito bem. E fico feliz em revê-los.
Minha esposa e irmã foram cumprimentadas com cortesia, então a assistente da costureira as viu entrar.
— Senhora Uckermann! Senhorita Maite! — Anelize veio recebê-las, afastando-as do grupo de cavalheiros.
— Sua partida foi tão inesperada, senhor Uckermann — Domingos comentou. O rosto do mestre de obras estava afogueado por causa do calor. — Fui até sua propriedade ainda ontem, pois a encomenda de sua esposa acaba de chegar, mas fui informado de que o senhor havia viajado, embora ninguém soubesse me dizer para onde.
— Não houve tempo, senhor Domingos. Um mensageiro nos trouxe a triste notícia de que um parente de Dulce estava gravemente doente.
— Ah! Mas que notícia terrível! — O mestre de obras passou o lenço pela testa suada. — Espero que ele esteja se recuperando bem.
— Sim, senhor, ele está. E quase não posso acreditar na sorte que Rafael teve.
Sobreviver ao mormo é um verdadeiro milagre.
Mormo? — Subitamente os ânimos se alteraram e os dois começaram a fazer indagações ao mesmo tempo.
— Não há motivos para nos preocuparmos — logo me apressei em acrescentar.
Marina viu um bolo de fitas coloridas sobre a pesada mesa onde rolos de tecidos se amontoavam e começou a arrulhar uma sucessão de dá-dá-dás, as mãozinhas se abrindo e fechando. — Os parentes de Dulce vivem a uma distância segura daqui. Nossos estábulos não correm risco algum.
— O senhor está certo disso? — o joalheiro quis saber.
— Estou, senhor Estevão.
— Meu Deus! Um cavalheiro com mormo! E sobreviveu! — ele exclamou.
— Se eu não tivesse visto o estado do rapaz, também não teria acreditado. Rafael nasceu de novo. — E, com sorte, a esta altura estaria totalmente fora de perigo.
Essa era uma das coisas que me atormentavam: não ter notícias dele. Agora eu entendia o que Dulce sentia.
Naquela manhã, depois de falar com Mait, eu voltara para o quarto, e a exaustão por fim me vencera. Acabei cochilando e, quando voltei a abrir os olhos, vi Dulce sentada à mesa de nosso quarto, rabiscando em um papel.
— O que faz acordada tão cedo? — perguntei, me espreguiçando, sentindo cada um dos hematomas causados pela queda no asfalto duro, na noite anterior.
Ela virou a cabeça e sorriu. Uma de suas ondas escorregou pelo ombro, balançando em frente ao seio oculto por uma camisa minha.
— Eu estava escrevendo para a Nina, mas já terminei. — Ela abandonou a caneta e se levantou, cruzando o quarto para se sentar a meu lado. — Queria ter notícias do Rafa, saber como anda a recuperação dele. Mas tudo o que posso fazer é dar notícias nossas para eles e rezar para que tudo esteja correndo bem.
— E está. — Tinha de estar! — Nós vimos quanto ele já havia melhorado em tão poucas horas. E eu nunca soube de ninguém que tivesse sobrevivido ao mormo, Dulce. — Eu me sentei e a beijei apropriadamente. — Bom dia, meu amor.
— Bom dia. E estou torcendo para que você esteja certo.
Um resmungo exigente atravessou a porta de ligação do quarto conjugado e nos alcançou. Minha esposa sorriu, radiante.
— É melhor eu ir antes que a Marina comece a berrar. Te encontro na sala de jantar. — E sapecou um beijo em minha boca. Ela pegou meu roupão, pendurado no mancebo, e o jogou sobre os ombros. Já estava na porta quando virou a cabeça e me fitou. — Pode dobrar a carta para mim? Quero aproveitar que vamos até a vila mais tarde para deixá-la com o seu Bregaro.
Concordei e me pus de pé, as juntas estalando, enquanto ela saía para acudir nossa filha, que agora berrava. Ainda um pouco sonolento, fui até a mesa e peguei sua carta, disposto a dobrá-la. Porém acabei me detendo. E sorrindo. A maneira peculiar de redigir cartas era uma das coisas que me fascinavam em Dulce. Ela relatava à amiga que havíamos conseguido voltar para casa e que Maite estava bem. E contava, de maneira bastante informal e confusa, tudo o que ocorrera naquela rua na noite anterior. Também dizia que estava com saudade.
Que sempre estaria. Que sempre os amaria.
Não percebi o que estava fazendo até me ver ocupando a cadeira e pegando a caneta e um papel em branco.
Caro Rafael,
Espero que sua saúde já tenha se restabelecido e que esta carta o encontre bem e feliz ao lado de sua adorável esposa. Não pode imaginar o alívio e o orgulho que sinto por saber que venceu uma doença tão perigosa.
Suponho que ficará feliz ao ser informado de que encontramos Maite e estamos em casa, como pode perceber. Minha cabeça voltou ao que era, para meu eterno alívio, então tranquilize-se, já não magoo Dulce. Mas aprendi algo com tudo o que aconteceu: ainda que a memória falhe, o coração jamais esquece, e ninguém nunca poderá me tirar isso. Esquecer algo que se quer guardar para sempre é como ser mutilado e ter de conviver com a falta que o membro perdido lhe faz.
É doloroso, acredite. E essa é a razão que me levou a pegar a pena e lhe escrever. Algo semelhante ocorre com você, meu amigo, embora não saiba disso. Uma parte de sua memória, no que diz respeito às suas origens, nunca lhe foi contada.
Sua história — como toda boa história — teve início muito tempo atrás. Em uma manhã quente e ensolarada de fevereiro, no ano de 1830...
Quando dei por mim, já havia preenchido quatro folhas. Contei tudo a ele: a viagem no tempo e toda minha aventura com Dulce. O início de sua própria história. Eu devia isso a ele.
Creio que não voltaremos a nos ver, mas prometo que cuidarei de Dulce e de Marina tão bem quanto espero que cuide de Nina e dos filhos que um dia terão.
Só tenho a acrescentar que, para mim, foi um prazer inesperado e uma honra conhecê-lo. Um presente da vida.
Despeço-me aqui, mas esteja certo de que você e Nina estarão em meus pensamentos, para sempre.
Do seu amigo,
C.U.
Então selei ambas as cartas e as guardei no bolso.
— Dá-dá-dá! — Marina disse, irrequieta, inclinando-se para a frente e me
arrancando do devaneio.
— Com licença, senhores. — Fiz uma mesura. — Mas minha filha está
impaciente para começar as compras.
Juntei-me a Dulce e minha irmã. Madame Georgette, sabendo que eu não poupava esforços para agradar minha esposa, sempre parava tudo o que estivesse fazendo para atendê-la. Desconfiei que naquela manhã o motivo fosse outro, porém. O mesmo que me fizera sugerir a ida ao ateliê.
— ... comentárrios tão maldosos — dizia a costureira. — Não que eu tenha acrreditado.
Dulce fez uma careta.
— Até parece que essa gente não conhece a Maite.
— Todos estavam prreocupados com o desaparrecimento de mademoiselle Maite.
— Poxa! — Dulce passou a mão por um tecido cor de creme. — Eu também desapareci. Ninguém sentiu minha falta, não? Não ficaram preocupados?
Tive de conter o riso.
— Oh, mas é clarro que sim, chérie. Estávamos muito prreocupados com a
repentina ausência da família Uckermann. Mas é que o noivo de mademoiselle Maite não soube informar parra onde ela tinha ido, então...
— Não tivemos tempo de avisar ninguém — Maite comentou, examinando uma fita lilás.
— Viajamos para a minha terra natal. Um parente ficou doente. Muito doente.
Quase o perdemos. — E a preocupação verdadeira no rosto de Dulce convenceu a costureira.
— Ah, pobrrezinha... — Tomou a mão de Dulce entre as suas. — Esperro que ele logo recuperre a saúde.
— Eu também. Só voltamos porque ele estava bem. E eu não suportava mais ficar longe da minha Nina.
— E Maite tampouco estava satisfeita por se afastar de casa — eu me intrometi.
— Estava me dando nos nervos. Mas suponho que seja o esperado. Ela acabou de ficar noiva, é natural que queira estar em casa. E essa é uma das razões pelas quais estamos aqui, madame. Maite vai precisar de um enxoval completo. Minha governanta não para de tagarelar sobre isso.
— Completo? — Os olhos da mulher se iluminaram, exatamente como acontecera um ano e meio atrás, quando estive ali lhe fazendo o mesmo pedido, mas para uma noiva diferente. A minha.
— Completo. E Marina está grande demais para os vestidos que tem. Providencie uma dúzia.
Uma dúzia, monsieur Uckermann? — Ela levou a mão ao colo farto.
— Uma dúzia e meia, então. — Dei de ombros.
— Christopher! — Dulce me lançou um olhar reprovador, pegando Marina no colo.
— Ah, sim. Quase me esqueci, meu amor. — Então me dirigi a Georgette: — Minha linda esposa gostaria de comprar alguns vestidos também, madame.
— Eu não quero não! — Dulce me lançou um olhar enviesado.
— O que a senhora tiver de mais refinado — prossegui. — Com botões nas costas, como de costume, naturalmente.
Dulce arqueou uma sobrancelha, a indignação fervilhando em seu lindo rosto e me deixando louco para beijá-la.
— Eu cuidarrei dela, monsieur. — Madame Georgette pegou Marina do colo de Dulce e a entregou para mim. O sorriso da mulher quase lhe chegava às orelhas, qualquer outro assunto esquecido.
Um sorriso lento se abriu em meu rosto. Antes do fim do dia, todos os moradores da vila saberiam o que fora dito ali dentro. Palavra por palavra.
Marina mal se acomodou em meu braço e já se inclinou em direção à mesa.
Seus dedinhos ligeiros logo partiram para o nó que eram as fitas vermelhas.
A costureira começou a mostrar o que havia de melhor para Maite, enquanto Anelize implorava a Dulce que lhe deixasse tomar as medidas.
— Mas, senhora Uckermann...
— Já disse que não preciso de mais vestidos!
A moça soltou um suspiro.
— Vou buscar a caderneta do mês passado. Anotei suas medidas lá, para o vestido que usou no baile de aniversário de Maite. — E desapareceu em uma portinha nos fundos do estabelecimento.
Dulce bufou, fuzilando-me com os olhos.
— Botões nas costas? Sério?
— Eles tinham que estar em algum lugar, meu amor. Além disso, você não precisaria da minha ajuda se eles ficassem na parte da frente. — Segurei o tronco de Marina, que se divertia puxando as pontas das fitas, e abaixei a cabeça até encostar os lábios na orelha de Dulce. — E eu gosto muito de ajudá-la a tirar as roupas.
Ela estreitou os olhos, e achei que enfiaria o cotovelo esfolado em minhas costelas doloridas. Em vez disso, mordeu o lábio e acabou por sorrir no exato instante em que a assistente de madame Georgette retornava.
— Anelize, acho que vou querer dois vestidos, no fim das contas. Mas quero com aqueles botõezinhos beeeeem pequenininhos, que vão até embaixo nas costas.
Grunhi baixinho. Teria preferido a cotovelada nas costelas. Os botões minúsculos me tomavam muito tempo, e levava uma eternidade para que eu conseguisse deixá-la nua.
Em pouco mais de três horas deixamos o ateliê. Estávamos indo para a residência do senhor Bregaro, o agente do correio, quando avistei um cavaleiro vindo a toda a velocidade. O empregado dos Moura passou por nós sem nem mesmo nos reconhecer.
— Aquele era o Ranolfo? — Maite o acompanhou com os olhos.
— Também tive essa impressão — comentei.
— O que será que deu nele para sair por aí assim, cavalgando feito louco?
O rapaz diminuiu o trote do cavalo em frente à casa do doutor Almeida e então apeou, nem ao menos amarrando o animal para que não fugisse.
— Oh, meu Deus! — exclamou Maite quando ele desapareceu portão adentro.
Meu olhar encontrou o de Dulce. Ela estava pálida.
— Anahí — dissemos juntos.


 


                                                                   * * *


 


Encontramos a porta da casa de Alfonso e Anahí escancarada. Ninguém notou nossa presença. O senhor Portilla estava sentado à janela, examinando o relógio. Meu primo andava de um lado para o outro, parecendo um animal enjaulado. Eu conhecia aquela sensação.
— Alfonsd — chamei.
Ele se virou um instante depois. Seu rosto estava lívido, mas um sorriso curvou seus lábios. Sobretudo ao se deter em Maite.
— Aí estão vocês. — Ele se apressou em nos cumprimentar, atravessando a sala a largas passadas. — Meu sogro me disse ainda agora que vocês haviam retornado. Lamento por não ter ido visitá-los. Minha esposa... — Ele esfregou o rosto. — Há algo errado, Christopher.
— Eu deduzi quando vi Ranolfo batendo à porta do doutor Almeida. Passamos em casa apenas para deixar Marina.
— O que está acontecendo, Alfonso? — Maite quis saber.
— Quem dera eu soubesse! Ela está... sangrando muito, e eu temo... — Ele friccionou o esterno, como se lhe doesse. — O doutor Almeida não está, viajou para visitar o irmão. O único médico na vila é o senhor... doutor Levy, suponho que seja esse o tratamento adequado agora. E ele não estava em casa! A senhora Herbert piorou e ele foi até a pensão ver o que poderia fazer por ela. E eu preciso dele aqui!
— O que aconteceu com a senhora Herbert? — Dulce indagou.
— Então não soube? — O senhor Portilla se levantou. — Ah, minha querida, a senhora Herbert está acamada já faz três dias, ardendo em febre. O doutor Levy tem feito o que pode pela velha viúva, mas não acredito que ele possa salvá-la. Nem o doutor Almeida, com toda a sua experiência, poderia.
— Pobrezinha — Maite murmurou.
— Eu preciso visitá-la — Dulce me disse, preocupada. — Ela estava gripada quando nos vimos na sexta passada, mas não achei que fosse tão sério assim.
— Em se tratando de...
Inesperadamente, William entrou na sala, pisando duro e interrompendo o que quer que o senhor Portilla fosse dizer. Maite  se virou devagar, as mãos retorcidas em um nó na altura da cintura. Ele se deteve assim que a viu. Com os olhos presos nela, fez uma curta e fria mesura, que Elisa retribuiu com elegância.
— William, graças a Deus! — Alfonso estava ao lado dele no breve instante de uma batida de coração. — Anahí precisa de você!
— Eu... — Com algum custo, ele desviou o olhar de minha irmã. — Me leve até ela. Prometo que farei tudo o que puder.
— Por aqui — Thomas indicou com o braço, então os dois desapareceram pela porta.
— Não aguento esperar notícias aqui! — disse o senhor Portilla, indo atrás dos dois.
— Eu... vou até a cozinha. — Maite mantinha o olhar na porta por onde seu noivo acabara de passar. — Ninguém nunca se lembra de preparar um chá de erva-doce para acalmar os nervos em momentos como este.
— Talvez porque conhaque funcione melhor e já venha pronto? Ai! — resmunguei quando Dulce acertou o cotovelo em minhas costelas doloridas.
— É uma boa ideia, Maite — ela disse à cunhada.
Então Elisa deixou a sala, indo na direção oposta à de Lucas.
— Não sei se você se lembra — eu disse a Dulce , massageando o local onde ela me acertara —, mas ainda ontem eu fui derrubado por um cavalo.
— Você não percebeu que a Maite só estava procurando uma desculpa para sair da sala? Ela ficou mexida com o reencontro. E o William não ajudou muito. Tá certo que só Deus sabe o que ele anda pensando sobre o sumiço dela. E aquela história de que fomos todos juntos não vai colar com ele. Ele sabe que é mentira.
— Eu tinha a intenção de falar com ele, mas Maite se recusa a permitir. Quer resolver tudo sozinha. — Cruzei os braços e estiquei as pernas.
— Eles se gostam, uma hora vão acabar se entendendo. O Willam deve estar precisando de um pouquinho mais de tempo. Logo tudo vai se ajeitar. Vamos dar tempo a ele.
— E se o tempo não servir de nada? — eu quis saber.
Ela ponderou por um momento antes de dizer:
— Aí você pode dar uma boa surra nele.
Não me parecia ruim. De modo algum. Caso William continuasse a magoar Maite, eu acertaria as contas com ele. Ela poderia ficar brava comigo depois.
Não levou muito tempo para que Alfonso retornasse, pálido feito uma vela.
Cassandra e o senhor Portilla o acompanhavam. O rosto de minha tia demonstrou alegria em nos ver, surpreendendo-me.
— Oh, então é verdade. Vocês voltaram, meu sobrinho. E encontraram Maite!
Onde ela está? Ou melhor, onde esteve?
— Acredito, tia Cassandra, que não seja o melhor momento para discutirmos esse assunto. Maite está bem, isso é tudo o que importa.
Ela relanceou o senhor Portilla e assentiu.
— Como é que tá a Anahí? — Dulce indagou.
— Chorando no colo da mãe — minha tia comentou, ressentida, antes de se sentar na poltrona cor de vinho.
— Se o seu filho tivesse mantido as mãos longe de minha menina, ela não estaria chorando agora! — resmungou o senhor Portilla, sem compreender que o rancor de minha tia não era pelo choro de sua filha, mas porque ela preferira o colo da mãe ao dela.
Porém Cassandra era como um predador: uma vez cutucada, não largaria a presa por nada.
— Ora, meu senhor. Francamente acredita que foi o meu Alfonso quem seduziu a sua filha? Está claro que foi ela quem o seduziu. Meu filho era um excelente partido! O melhor deste país, atrevo-me a dizer. Ele só está casado hoje por uma artimanha de sua filha!
— Isso não é verdade! — contrapôs o pai de Anahí, rubro como um tomate.
— Se vocês dois não calarem a boca agora — interveio meu primo, o rosto contorcido pela fúria —, eu seguirei o exemplo do doutor Levy e os expulsarei desta sala. Eu juro!
— Ele os colocou para fora? — Isso também acontecera comigo. E quase me deixara louco.
— A mim e à minha mãe. — Alfonso  esfregou o rosto. — Ela não parava de falar.
E não é que naquele instante eu simpatizei um pouco mais com o garoto?
Dulce disfarçou o riso com um ataque de tosse.
— Aquele moleque insolente. — Cassandra abriu o leque e começou a abanarse, os lábios apertados em uma linha fina. Ela e o senhor Portilla se calaram, e eu acompanhei o vaivém de Alfonso, sabendo muito bem o tipo de aflição na qual ele estava imerso.
Nada enlouquece mais um homem do que sua mulher estar grávida.
Ainda me lembrava dos gemidos de dor abafados de Dulce. Levou horas para que Marina nascesse, muito mais do que minha sanidade podia aguentar. Talvez por esse motivo fossem as mulheres a passar por isso. Homens não tinham a serenidade necessária para enfrentar um tormento como esse sem perder as estribeiras.
Dulce ficara trancada naquele quarto por quase oito horas e eu fora impedido de entrar. Então, naturalmente, me mantive do lado de fora, perdendo a cabeça e esmurrando a porta.
— Senhor Uckermann, por que não se senta um pouco? — meu mordomo sugerira pela décima vez. — Um parto é sempre demorado.
— Ela está em agonia faz mais de oito horas!
— E a sua mãe ficou em agonia por quatorze para trazê-lo a este mundo — ele proferiu, enervantemente calmo.
Bufei, socando a porta com raiva. Queria entrar naquele quarto. Queria poder ser capaz de fazer Dulce parar de sentir dor. Queria nunca a ter tocado e colocado em tamanho sofrimento.
— O senhor não vai conseguir entrar.
— Eu sei — murmurei, deixando a cabeça bater contra o painel de madeira.
— Sente-se um pouco, Christopher. Ou então talvez queira seguir as instruções da senhora Madalena. A galinha está à sua espera na cozinha.
Eu o fitei com raiva.
— Que o diabo carregue a maldita galinha! Eu não acredito em uma estupidez dessas. — Já bastava ter acreditado na maldição.
— Muito bem, então faça o que todo futuro pai faz para não perder o juízo enquanto espera.— Ele me estendeu um copo cheio de conhaque. — Vamos, não seja turrão.
Aceitei a bebida com pouca gentileza e a virei de uma vez. O líquido desceu queimando por minhas entranhas, e aquilo foi bom. Se Dulce sofria, eu deveria arder também.
Seu choramingo atravessou a porta e chegou a meus ouvidos como a lâmina de uma faca.
Por todos os infernos, alguém tinha de fazer alguma coisa por ela! Porque, claramente, o inútil do doutor Almeida não a estava ajudando em nada.
— Senhor Uckermann... — Gomes chamou, ao mesmo tempo em que um grito que era mais um gemido que qualquer outra coisa reverberou pela casa toda.
— Madalena, abra esta porta! — Tomei distância e colidi com toda a força que pude contra o maldito painel.
— Senhor, pare. Vai se machucar!
Como se isso importasse. Tomei mais distância e investi novamente. A madeira e meu ombro gritaram em protesto.
— Meu bom Deus! O senhor perdeu o juízo?
— Possivelmente, Gomes. — Tomei fôlego e me preparei para colidir contra a porta uma vez mais quando ela se abriu de repente. Passei por ela sem hesitar, e meu coração disparou enquanto eu atravessava o quarto para chegar até Dulce.
Ela estava pálida, os olhos injetados. Os cabelos desordenados se grudavam em sua testa suada. Parecia tão frágil ali naquela cama, mas um pequeno sorriso curvou seus lábios secos quando me viu.
Não me lembro de tudo o que aconteceu depois. Madalena continuou falando, o médico dando ordens a minha esposa, e tenho quase certeza de que ela me pediu para tratá-la como uma de minhas éguas. Era como um nevoeiro espesso, e tudo o que registrei foram os olhos de Dulce.
— A gente já passou por um monte de coisas. — Sua respiração estava curta.
— Muitas.
— Não queria que você ficasse de fora dessa, que, eu acho, vai ser a maior delas. — E tentou sorrir em meio à dor.
Eu teria caído de joelhos diante dela se não a segurasse em meus braços.
— Dulce...
Ela cravou as unhas no braço que eu mantinha ao redor de seus ombros, apertando a mandíbula quando a dor a atingiu com força. Ela se contorceu de leve, um grito baixo ecoando pelo quarto enquanto fazia todo o trabalho sozinha.
Então veio o choro. Um lamento que me doeu na alma — e que ainda doía toda vez que eu o ouvia. O pacotinho, fonte do berreiro, retorcia-se nos braços de Madalena. Uma menina. Madalena dissera que era uma menina.
Os braços pequeninos se agitavam, tremendo, o choro potente preenchendo o quarto todo, cada recanto de meu cérebro, de meu coração. Enquanto eu buscava seu rosto, senti como se caísse em um abismo infinito, apaixonando-me perdidamente por aquela criança.
Logo aconteceria com Alfonso. Mas não naquela tarde. Anahí ainda tinha alguns meses pela frente. Rezei para que Almeida estivesse certo e William fosse brilhante em suas habilidades médicas.
Maite retornou com uma bandeja, e a única que aceitou o chá foi Cassandra.
Minha tia estava furiosa com ela, a julgar pelo olhar que lhe lançou, mas, se Maitenotou, não deixou transparecer.
Dulce se levantou e foi se sentar ao lado de minha irmã, provavelmente tentando distrair Maite dos próprios pensamentos. Eu fiquei de pé e fui até o aparador.
Enchi um copo de conhaque e o levei para Alfonso, parado em frente à lareira fitando o vazio. Ele precisou de um tempo para perceber minha presença.
Sem dizer uma palavra, estendi-lhe o copo. Ele relanceou a bebida como se não entendesse o que deveria fazer com ela.
— Beba — ajudei.
Ele virou tudo em um trago só. Fez uma careta quando engoliu e então mirou o copo vazio.
— O que eu faço agora, Christopher?
— Tente não perder a cabeça. Anahí vai precisar de você quando estiver bem.
— Mas e se ela não... — Sacudiu a cabeça. — Deus do céu! William é só um garoto!
Pousei a mão em seu ombro e o apertei uma vez.
— Tenha fé nele — me ouvi dizendo. — Almeida não o tomou como pupilo em vão. Ele sabe o que está fazendo.
— É melhor que saiba.
O silêncio se abateu sobre a sala e foi rompido apenas por um espirro de Dulce.
Pareceram-me horas até William adentrar o aposento e relancear Alfonso.
— Minha esposa...? — foi tudo o que meu primo conseguiu perguntar.
William assentiu com firmeza.
— Ela quer vê-lo.
Soltei um longo suspiro de alívio enquanto ouvia Cassandra murmurar um “graças ao bom Deus”. Alfonso tropeçou nos próprios pés na urgência de chegar logo ao quarto onde estava Anahí. Wlliam se afastou da porta, dando-lhe passagem.
— Espere, Alfonso! Minha norinha pode precisar de meus cuidados! — Cassandra se apressou atrás dele.
— Eu sou o pai dela. Se Anahí precisar de alguém, será de mim! — O senhor Portilla se levantou e os dois dispararam atrás de meu primo, que pareceu acordar de seu torpor e se adiantou, ganhando distância.
— Ela está bem? — Maite perguntou ao noivo.
— Sim. Teve um sangramento em decorrência do esforço excessivo. Anahí anda muito agitada e precisa de repouso pelas próximas semanas. Mas ela e o bebê estão bem. Senhorita Maite, posso falar-lhe em particular?
Maite buscou meu olhar, como se pedisse permissão. Anuí e ela se levantou, alisando as saias com os dedos trêmulos.
— É claro, senhor Levy.
Ele fez uma mesura para Dulce antes de acompanhar minha irmã a certa distância até a porta lateral, que dava para um iluminado jardim.
— E agora tudo volta ao lugar — murmurou Dulce.
— Parece que sim. — Afastei os olhos da janela e fui me sentar ao lado dela.
— Ainda bem que o William sabia o que estava fazendo. Tinha me esquecido de como a gravidez é assustadora.
— Eu não. Mas espero que da próxima vez possamos nos sair melhor.
Dulce se inclinou para trás para me encarar com os olhos esbugalhados.
— Você está falando sério? Vamos tentar mais um bebê?
— Se você quiser. — Enlacei os dedos nos dela. — Andei pensando que seria bom se Marina tivesse um irmão. Ou uma irmã. Nós tivemos vidas muito parecidas, Dulce. Você e eu. Ambos ficamos órfãos cedo demais, tivemos que lidar com os problemas adultos antes da hora. Mas a diferença é que você esteve sozinha e eu não. Eu mantive parte da minha família. Se algo nos acontecer algum dia, não gostaria de deixar nossa filha completamente sozinha.
— Quando? — perguntou, ansiosa.
— Quando o quê?
— Quando podemos tentar um irmãozinho para a Nina? Porque eu também não quero que ela se sinta solitária, Christopher. Quero para ela o que você e a Maite têm. E eu achei que teria um trabalhão pra te convencer a ter outro bebê, pois toda vez que alguém menciona o nascimento de Marina você se encolhe todo. Então quando?
Quando podemos começar a tentar fazer outro bebê?
— Dulce... — Balancei a cabeça, rindo, mas tive de mudar de posição no sofá. — Se dá conta de que acabou de me pedir para fazer amor com você?
— E daí?
Acabei gemendo.
— Como espera que eu pense em qualquer coisa que seja de agora em diante?
Ela deu risada no exato instante em que Willian e Maite retornaram. Minha irmã não parecia contente como imaginei que estaria. Nem um pouco.
— Bem... Devo partir agora. — Wlliam disse, depois de um instante de silêncio embaraçoso.
— Não quer esperar um pouco mais? A Maite preparou um chá — Dulce se apressou, levantando-se. Também fiquei de pé.
— Lamento, mas não posso ficar, senhora Uckermann. Preciso ir ao velório da senhora Herbert.
— O quê? — Dulce ficou imóvel, os braços caídos ao lado do corpo. — O que você disse? Ela... ela...
— Por Deus, senhora Uckermann, me perdoe. — O rapaz coçou a nuca e praguejou.
— Esqueci que a viúva Herbert a ajudava na fábrica.
— O que... o que...
— O que aconteceu com ela? — Abracei a cintura de Dulce e a trouxe para mais perto, pois ela parecia oscilar.
— O mesmo de sempre, senhor Uckermann. — O rapaz esfregou o rosto e bufou. — Uma gripe que se tornou um pesadelo.
Meu Deus.
— Mas ela não pode ter morrido. — Os olhos de Dulce ficaram marejados. — Ela estava... ela...
— Lamento por minha falta de tato, senhora Uckermann — murmurou William. — Receio ter tido um dia repleto de altos e baixos. — Então fitou Maite de canto de olho. Minha irmã desviou o olhar. — Eu... os verei em breve. Com sua licença.
Ele se despediu e partiu imediatamente. Dulce deixou escapar um soluço.
— Eu sinto muito, Dulce. — Maite se aproximou e a beijou, apertando-lhe as mãos.
— Lamento muito, meu amor — murmurei em seus cabelos.
— Ela era uma mulher tão bacana, Christopher. Durona, mas era só fachada. Ela vivia levando bolinhos pras garotas na fábrica e... Ah, meu Deus... — Dulce escondeu o rosto em meu peito. Abaixei a cabeça e beijei sua testa.
Então paralisei.
Sua temperatura não estava certa.



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Autor(a): Fer Linhares

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O pesadelo se repetia. Era exatamente como da outra vez. Uma febre, acompanhada de alguns espirros, depois a tosse carregada, a falta de ar. Um pouco de confusão. A prostração. A debilidade.Dois dias antes, Dulce e eu fazíamos planos para aumentar a família. Agora?William me dizia que Marina não teria a mãe por muito ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 63



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  • tahhvondy Postado em 14/02/2017 - 17:51:28

    nossa simplismente amei!cada um dos livros maravilhosos essa historia e incrível que não tem como não ser apaixonar por ela o amor deles e lindo o Christopher e mt fofo vou sentir saudades dessas confussões deles

  • GrazihUckermann Postado em 13/02/2017 - 19:10:55

    Eu AMEI! não sei qual dos livros foi o melhor. obrigada por postar essa história incrível, essa história é muito linda. Christopher é muito fofo <3 O amor deles é incrível. Quando ele a esqueceu ele se apaixonou por ela de novo, e eu tive que me segurar pra não chorar nessa parte s2 Fiquei feliz com o final da Madelena e do Seu gomes. Espero que tenha outro Baby vondy no livro da Maite, dessa vez tem que ser menino kkjk e não terá um nome melhor que Alexander para dar ao menino neh?? Estarei na próxima fanfic com você, comentando em todos os capitulos. Tchau. um diaa eu volto para ler de novo. (Acho que não demora muito, por amei a história e quero muito ler de novo) s2

  • tahhvondy Postado em 13/02/2017 - 10:57:28

    ai já ta acabando que triste mas ainda bem q vx consequiu baixa o da Maite

  • GrazihUckermann Postado em 10/02/2017 - 20:35:51

    Continuaaaaaaaaaaaaa! s2

  • tahhvondy Postado em 09/02/2017 - 11:28:34

    chequei continua por favor

  • GrazihUckermann Postado em 09/02/2017 - 09:49:37

    Continuaaaaa! s2

  • GrazihUckermann Postado em 07/02/2017 - 16:32:39

    FINALMENTE! CONTINUAAAAAAAAAAAAAA s2

  • GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:08:32

    T-T

  • GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:02:21

    Caraca essa confusão me deixou confusa kkkjk quando ele esquecer ela, ele meio que vai sumir?? vai aparecer no século dezenove como se nada tivesse acontecido?? é isso? não entendi kkkjk Continue mulher, não me deixe ansiosa! s2

  • GrazihUckermann Postado em 05/02/2017 - 22:21:37

    ai me deus!!!! CONTINUAAAAAA T-T


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