Fanfic: Destinado - As Memórias Secretas do Sr. Uckermann (Vondy) [TERMINADA] | Tema: Vondy [Adaptada]
Apesar do cansaço, o sono não me encontrou. A cabeça zunia e eu continuava muito desperto quando ouvi um choramingo no quarto ao lado. Dulce se remexeu.
Seu rosto descansava sobre minha barriga, seu corpo esgotado atravessado na cama. Com cuidado, escorreguei para o lado e coloquei um travesseiro sob sua cabeça.
Apanhei a calça e a camisa no chão, vestindo-as no caminho.
Encontrei Marina sentada no berço, tentando alcançar a barra da grade para ficar de pé. Não levaria muito tempo para que começasse a andar.
— O que faz acordada a esta hora, meu amorzinho? Está com fome?
Seu lábio inferior tremeu enquanto ela esticava os bracinhos para cima. Peguei-a no colo e esfreguei o nariz em sua bochecha. Ela adorava quando eu fazia isso. E eu também.
Eu a segurei em um braço enquanto ia até o braseiro para pegar a mamadeira adaptada. Eu ainda me divertia ao lembrar a reação de Dulce ao ser apresentada ao tradicional pote de alimentação. Ela se recusou a colocar “aquele troço esquisito” na boca de Marina. Eu não via nada de estranho no utensílio de cerâmica que lembrava uma pequena chaleira, mas, depois de ver o que ela havia improvisado (uma garrafinha de vidro com um dos bicos da chupeta acoplado ao gargalo, um pequeno furo no centro), presumi que sua invenção era, pelo menos, mais confortável para nossa filha.
Testei a temperatura, pois o braseiro tendia a deixar o leite muito quente. Quando achei que estava no ponto, levei o bico à boca ansiosa de Marina. Ela sugou com gosto, fazendo barulhos de satisfação o tempo todo. Em menos de cinco minutos, havia esvaziado a garrafa. Coloquei-a sobre meu ombro e esperei. O arroto que escapou de seu corpo pequenino teria deixado qualquer pai orgulhoso.
— Agora, hora de ir para a cama. Você é muito jovem para farrear na madrugada.
Sua resposta foi soltar a mais deliciosa das gargalhadas enquanto eu afundava o nariz em sua barriguinha satisfeita.
Levou um tempo para eu conseguir fazê-la pegar no sono. Quando ela finalmente adormeceu e eu a coloquei de volta no berço, não pude me afastar de imediato. Era sempre assim. Eu sempre rezava para que ela dormisse logo e eu pudesse voltar para a cama, mas, quando isso acontecia e eu admirava seus traços perfeitos relaxados pelo sono, não conseguia obrigar minhas pernas a se moverem e me levarem para longe.
Afastei da testa um de seus cachos. Marina suspirou, a chupeta dançando para a frente e para trás.
Algum tempo depois, voltei ao quarto. Dulce não se movera; seu corpo estava enroscado ao lençol, uma das pernas exposta, a pele tentadora implorando para ser tocada. Ela precisa dormir, deixe-a em paz, pelo amor de Deus!, repeti mentalmente uma dúzia de vezes.
Ao longe, ouvi um relinchar alto e agitado. Relanceei o relógio em meu bolso.
Três da manhã. Sempre que os cavalos se agitavam daquele jeito, havia algo errado no estábulo. Podia ser uma serpente, uma tempestade ou, em se tratando de Storm, uma fuga. Calcei as botas e decidi averiguar.
A casa inteira dormia. Peguei uma lanterna acesa na cozinha e desci até o estábulo. A noite estava quente, e a brisa da madrugada carregava o relinchar do animal, como um grito de horror. A fonte do ruído, como eu suspeitava, era Storm.
— O que foi, amigo? O que encontrou aí?
Abri a porta e o trouxe para fora. Ele sacudia a grande cabeça, agitava as patas dianteiras. Verifiquei sua baia e não encontrei nenhum animal peçonhento.
— O que foi, Storm?
O cavalo bufou e relinchou, como se estivesse tentando me dizer alguma coisa.
Um arrepio gélido percorreu minha espinha e eu reprimi o tremor ao trancá-lo no cercado. Aquele cavalo nunca se agitava sem motivo. Era melhor ficar atento.
Voltei para casa e me dirigia ao quarto quando encontrei minha irmã perto do escritório. Ela se deteve assim que me viu, desviando os olhos para seus pés descalços.
— O que faz fora da cama a esta hora? — indaguei.
— Estou indo pegar um livro. Com licença. — E tentou passar por mim.
— Maite, espere. Sei que está aborrecida comigo, mas eu também estou com você. Você devia ter sido mais prudente. Se não sentia afeição pelo senhor Levy, não devia ter se colocado naquela posição. Você sabia o que aconteceria se fossem pegos.
Ela se deteve, erguendo os olhos, que reluziam de indignação.
— Foi apenas um beijo!
— Eu e você sabemos disso. Mas você sabe muito bem o que os outros dirão amanhã de manhã.
Ela assentiu a contragosto, o rosto em brasa, os lábios pressionados em uma linha pálida.
— Por que o acompanhou ao jardim, Maite?
— Porque eu gosto dele! — ela explodiu. — Sugeri o passeio para poder falar com ele sem tanta gente por perto, para variar. Me pareceu algo natural. Nós só pretendíamos dar uma volta. Mas... mas ele... bem... E então você apareceu e estragou tudo!
— Eu?
— Sim! Você estragou tudo quando obrigou o senhor Levy a pedir minha mão! Nunca vou perdoá-lo por isso, Christopher. Jamais!
Cruzei os braços.
— O que esperava que eu fizesse? Que permitisse que ele a tratasse como uma qualquer e deixasse que as más línguas destruíssem sua vida?
— Ninguém nos viu!
— Você está enganada, Maite. Eu sei de pelo menos duas pessoas que viram você aos beijos com aquele rapaz. Foi por causa de Suellen e Najla que eu os flagrei.
Ela abriu a boca, mas se deteve, os olhos se tornando úmidos e brilhantes de vergonha.
— Só fiz o que devia, Maite. — Dei um passo, aproximando-me dela. — Agi como o nosso pai teria agido. O que eu não entendo é por que você está tão furiosa comigo. Você mesma disse que gosta do rapaz.
— E você ainda não consegue entender? — As lágrimas que cortinavam seus grandes olhos azuis ameaçaram cair. — Eu realmente gosto do senhor Levy, Christopher. Mas como posso me casar agora, sabendo que ele foi coagido? Ele se casará comigo por um ridículo senso de dever e não por afeição! Como posso saber se ele tinha a intenção de pedir a minha mão em algum momento no futuro? Agora, como vou saber se ele também nutre sentimentos verdadeiros por mim?
Pisquei algumas vezes, tentando clarear a cabeça.
— É claro que ele tem sentimentos por você. — Era melhor ter!
— Está certo disso? Pode me garantir? — Ela retorceu uma das mãos na lateral da camisola. — Imagine-se em meu lugar por apenas um instante. Imagine que se casou com Dulce, e que seu coração dá cambalhotas a cada vez que a vê, mas que você não faz ideia do que se passa no coração dela. Como você poderia ser feliz assim, Christopher? Como?
De fato, eu não poderia. Joguei a cabeça para trás, mirando o teto.
— Maite, esse sujeito tem lhe feito a corte no último ano inteiro! Se tornou tão presente nesta casa que Madalena já o trata como um morador. E não preciso mencionar a troca de cartas que aconteceu nesse período, preciso?
Ela arfou.
— Dulce lhe contou sobre as cartas?
Bufei e olhei para ela.
— Não. Mas eu não sou tolo. Você esperava o mensageiro na janela todas as tardes, e depois se trancafiava em seu quarto por horas. Não foi difícil deduzir o motivo. E, se ele se deu ao trabalho de lhe escrever uma carta todo santo dia por tanto tempo, só posso supor que ele a ama.
— Conjecturas — Maite rebateu, sacudindo a cabeça. Os delicados brincos de turquesa que ela sempre usava chisparam com o movimento. — Apenas conjecturas. E eu quero mais que isso, Christopher. Quero o que você e Dulce têm. O que o papai e a mamãe tiveram. E agora está tudo arruinado!
Engoli um grunhido de frustração. Moças na idade de Maite tendiam a ser um tanto dramáticas, sobretudo no que se referia a assuntos do coração.
— Você é jovem demais para compreender os pequenos gestos.
— O que eu compreendo — seus punhos se fecharam ao lado do corpo, os olhos faiscaram de raiva — é que estou noiva de alguém que foi forçado a me propor casamento esta noite.
Pressionei a ponte do nariz.
— Eu não tive escolha, Maite!
— Nem eu!
— Mas que inferno! — Cuspi, desejando socar alguma coisa.
Ela inspirou fundo, erguendo o queixo de maneira que a deixou tão parecida com nossa mãe.
— Concordo. Minha vida será um inferno de incertezas de agora em diante. Boa noite. — E se afastou, deixando-me sem ação e com o coração repleto de angústia.
* * *
Na manhã seguinte, Dulce alimentava Marina quando cheguei à sala de jantar, pouco depois das nove. Minha esposa se precavera do ataque de comida usando um avental, então agora o tecido cinza que trazia sobre o vestido verde estava decorado por bolotas de mingau de aveia. Ela ergueu a cabeça assim que passei pela porta, um cacho dourado-escuro escorrendo por seu ombro, e então exibiu um sorriso repleto de segredos. Presumi que aquilo fosse sobre o que acontecera em nosso quarto na noite passada, e não pude deixar de sorrir de volta.
Inclinei-me sobre ela e Marina, beijando a testa de minha filha, depois a boca macia de Dulce.
— Bom dia, meu amor.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Sim — menti. Se antes já tinha tido dificuldade em pregar os olhos, depois da conversa com Maite dormir se tornara impossível. A última coisa que eu queria era que minha irmã estivesse infeliz. Mas, diabos, o que eu poderia ter feito além de lutar por sua honra? Tinha passado toda a madrugada tentando encontrar uma solução para ela, e tudo em que conseguira pensar fora falar com Wiliam e me assegurar de que seus sentimentos por ela eram verdadeiros e profundos. Caso não fossem... bem, eu não tinha ideia do que fazer. Além de socar William, naturalmente.
Madalena apareceu na porta, uma bandeja nas mãos.
— Aqui está, senhora Uckermann. Bolo de fubá bem quentinho como a senhora gosta. Bom dia, patrão.
— Bom dia, senhora Madalena.
Saí do caminho da mulher, que colocou a comida na mesa. O aroma de bolo recém-saído do forno fez minha barriga rosnar. Dulce ouviu e riu.
— Parece que não sou a única esfomeada hoje.
— Não é, não. Mas antes de comer tenho um assunto a resolver.
— Não pode esperar o café?
— Receio que não.
Marina terminara seu mingau e agora tentava pegar os cabelos da mãe com as mãos cobertas de meleca.
— Isso não é de comer — brinquei, empurrando os cabelos de Dulce para trás do ombro.
Minha esposa cortou uma fatia do bolo, testou a temperatura e então o colocou em um prato diante de Marina. Em poucos segundos o bolo se transformou em um amontoado de farelos em suas mãozinhas ansiosas. Ela bateu palmas, contente, uma chuva de migalhas flutuando pela sala de jantar.
Dulce me fitou, esperando...
— Devo falar com Maite — expliquei.
— Mas ela ainda não acordou.
— Não mesmo, senhora Uckermann — intrometeu-se Madalena. — A senhorita Maite ainda não saiu do quarto. Achei melhor deixá-la. Teve uma noite repleta de fortes emoções, pelo que eu soube.
— Muito mais do que devia — resmunguei, e em troca recebi um olhar zangado de Dulce.
— Mal posso acreditar que a menina Maite está noiva! — prosseguiu Madalena.
— Ainda outro dia eu a enrolava em cueiros! O tempo está passando rápidodemais. Rápido demais! — Então pegou Marina e o prato de bolo esfarelado, para que Dulce pudesse se servir com segurança. — O senhor precisa encomendar o enxoval da menina, patrão. Um enxoval completo. Uma dama como a senhorita Maite não merece nada menos que isso.
— Vou providenciar.
— Acho que a Madalena tem razão. — Dulce cortou um bom pedaço de bolo e, em vez de usar os talheres, partiu-o com os dedos, levando um pedaço à boca.
Ela gemeu de contentamento. Então tirou outro naco e me esticou o braço. Eu me inclinei e abocanhei o que ela oferecia. Estava delicioso, como seu gemido prometera. — Devemos deixar a Maite dormir até mais tarde. Ficar noiva pode ser uma coisa muito estressante. Ainda mais se vamos levá-la para fazer compras mais tarde. E agora, meu senhor Uckermann, pode se sentar e tomar o seu café.
— Eu adoraria, meu amor, mas há mais um assunto que preciso resolver antes de qualquer outra coisa.
Uma bacia com água. Uma bela e pesada pá. Uma pedra maciça e robusta. As possibilidades eram infinitas e eu não fazia ideia de qual delas funcionaria. Se funcionariam. Mas eu tinha de me livrar daquela maldita máquina antes que Dulce descobrisse sua existência. Se a coisa voltasse a zumbir, ela fatalmente reconheceria o ruído.
— Aconteceu alguma coisa, Christopher? — Ela me olhou com preocupação, a mão que levava o bolo à boca se detendo a meio caminho. Lutei para não deixar transparecer meu temor.
— Nada com que deva se preocupar.
— Olhe, minha querida. Um beija-flor! — Madalena disse a Marina, apontando para a janela. — Vamos olhar mais de perto?
— É algo grave, Christopher? — Sofia insistiu. — Posso ajudar?
— Eu realmente espero que não.
Ela mordeu o lábio inferior, o cenho encrespado. Se continuasse me olhando daquela maneira, logo perceberia que eu mentia. Eu queria Dulce perto daquela coisa tanto quanto queria colocar uma pistola na cabeça e apertar o gatilho.
Então, deliberadamente, fiz a única coisa que eu sabia que a deixava temporariamente distraída.
Eu a beijei.
— Ah, minha nossa! — sussurrou Madalena. — Acho melhor olharmos o beija-flor da cozinha.
Dulce riu em minha boca.
— Não precisa disso, Madalena. Ele já parou. Infelizmente — adicionou em voz baixa para que somente eu ouvisse. — Bem, vou dar banho na Nina agora, porque tem mais comida sobre ela do que dentro dela. Vou te esperar para tomar o café, Christopher.
— Não é necessário, meu amor. Não sei quanto tempo me tomará fazer esse serviço.
— Ainda assim, vou te esperar. Não gosto de comer sozinha.
— Então tentarei ser rápido. — Beijei sua testa.
Madalena, com uma ansiosa Marina nos braços, trouxe-a para perto da mãe.
— Patrão, o senhor Levy deve se juntar aos senhores no almoço?
— É muito provável, senhora. — Inclinei-me para minha filha a fim de lhe dar um beijo antes de sair. Ela foi mais rápida e enfiou um punhado de farelo em minha boca.
— Ah, senhor Uckermann, me perdoe — apressou-se a governanta, dando tapinhas em meu paletó para livrá-lo das centenas de migalhas.
— Humm... Mingau de aveia, bolo e... humm... baba. Gostoso.
— Bábábábá — Marina respondeu satisfeita.
Dulce ainda ria ao levar nossa filha para o banho. Meu humor, porém, diferia e muito do dela. Minhas mãos suavam, e o coração já estava aos pulos apenas por pensar naquela coisa em meu escritório. Por isso não perdi tempo e fui direto para lá, onde me sentei à mesa e tomei fôlego. A chave estava pendurada na gaveta, exatamente como eu a deixara. Girei-a e então puxei a argola com certa brutalidade.
O celular não estava em nenhum lugar à vista.
Tateei o conteúdo da gaveta, amassando documentos importantes, alguns sem tanta importância assim, derrubando potes de nanquim ainda fechados. E isso foi tudo o que eu encontrei. Abri a segunda gaveta, depois a terceira, sem um único vislumbre do celular. Onde ele estava? Não podia ter simplesmente desaparecido.
Tirei a gaveta das corrediças, apoiando-a na mesa, e me pus a revirar seu conteúdo. Tinha de estar ali.
— Perdeu alguma coisa, senhor Uckermann? — Gomes surgiu no vão da porta.
Para onde? Para onde aquela coisa poderia ter ido? Objetos inanimados não saem andando por aí.
Um arrepio gélido percorreu minha coluna. Deus do céu, será que algum dos criados o tinha encontrado?
— Senhor Gomes. — Minha voz saiu áspera. — Alguém mexeu em minha mesa esta manhã?
Meu mordomo entrou no escritório, o queixo apontando para cima.
— De maneira alguma, senhor Uckermann. Sou o único, além da família e da senhora Madalena, que tem permissão para entrar neste cômodo. Garanto que não estive aqui até este momento. E a senhora Madalena estava ocupada demais no fogão.
Está faltando alguma coisa?
Se ninguém entrara ali, então... então...
— Desapareceu! — A maldita coisa tinha desaparecido! Da mesma maneira apavorante como surgira, ela se fora.
Deixei-me cair na cadeira, tonto de alívio. Meu peito se expandiu enquanto eu afrouxava a gravata e voltava a encher os pulmões.
— Senhor, se algo sumiu, o senhor deve me dizer. Não permitirei que larápios se esgueirem pelos corredores da casa. Não enquanto ela estiver sob os meus cuidados. Revirarei cada canto, se necessário, até encontrar o que quer que lhe tenha sido furtado.
— Não, senhor Gomes. Não era nada importante. E receio que eu mesmo tenha sido o responsável pelo sumiço. Devo ter perdido e não percebi até este momento.
— Está certo disso, patrão?
— Sim, estou. Obrigado, Gomes.
O homem titubeou, mas acatou a dispensa. Enquanto eu o via se afastar, fiquei grato por não ter dito uma palavra a Dulce sobre o retorno da máquina do tempo.
— Espero que esteja pensando em mim enquanto sorri desse jeito — Dulce disse, recostada ao batente. Havia um pequeno sorriso em seus olhos.
Ela havia se livrado do avental. O vestido cor de jade de mangas curtas fazia um contraste interessante com sua pele clara e enfatizava as mechas douradas de seus cabelos. Ela prendera apenas uma parte deles, então suas ondas caíam livres em seus ombros, terminando pouco abaixo dos seios. Meus dedos se moveram sobre o tampo da mesa, acompanhando o contorno de sua silhueta. Deus, eu queria muito desenhá-la naquele instante.
Minha paixão pela pintura, acredito, nasceu comigo. Tornou-se mais acentuada nos anos da adolescência, quando o conflito de sentimentos era impossível de traduzir em palavras. Mas algo acontecia quando eu colocava a tinta sobre a tela, como se aquele zumbido em minha cabeça se calasse. Até tomei aulas com um artista local por um curto período. Então meus pais se foram, e com eles a vontade de pintar. O desejo de despejar no tecido meus sentimentos e percepções retornou anos depois, quando eu já estava na faculdade e passava dois ou três dias por semana longe de casa, tendo a solidão como companhia. Jamais gostei de retratar pessoas, porém. Faltavam-me talento e delicadeza para capturar todas as nuances da personalidade humana.
Então Dulce apareceu e com ela uma necessidade quase doentia de retratá-la. O desejo de pintá-la ultrapassava o âmbito pessoal. Minha paixão e adoração materializavam-se em telas com as quais eu jamais ficava totalmente satisfeito, e, no entanto, não era capaz de me impedir de criá-las. Era como se, de alguma maneira, desenhá-la a tornasse mais real, mais minha.
Eu me levantei, contornei a mesa e a trouxe para dentro.
— Em quem mais, meu amor?
— E aí? Resolveu o seu problema misterioso?
— Sim, eu... humm... — Eu tinha de dizer alguma coisa a ela. Mas o quê? Avistei a papelada dentro da gaveta abandonada sobre a mesa, subitamente inspirado.
Além do mais, eu realmente precisava falar com ela sobre aquele assunto. — Está tudo resolvido, mas eu queria sua opinião sobre isso.
Pegando-a pelo cotovelo, conduzi-a para a poltrona, mas Dulce tropeçou em algo no caminho, e por sorte consegui segurá-la antes que se estatelasse. Ela se abaixou e pegou o livro no qual tropeçara. Shakespeare. Eu devia ter derrubado quando joguei a gaveta sobre a mesa.
— E é sobre Shakespeare que você quer minha opinião? — Ela me entregou o livro, uma das sobrancelhas arqueadas.
— Não desta vez. Maite é quem está lendo. Quero sua opinião sobre isso. — Coloquei o exemplar na mesa e entreguei o folheto a ela.
— O que é isso?
— É o retrato de uma casa.
— Percebi. Parece aquela mansão que você me mostrou uma vez. A que pretendia comprar pra Maite.
— Exatamente.
Ela ergueu os olhos do papel.
— Você chegou a comprar?
Balancei a cabeça.
— Você desapareceu e eu acabei perdendo o negócio. Mas há alguns meses o novo morador decidiu colocá-la à venda de novo. Parece que está afundado até o pescoço em dívidas. Ele veio me procurar, pois sabia que eu tinha interesse na propriedade. E, com todas aquelas visitas do William... Bem, eu estava esperando algo como o que aconteceu ontem à noite. Fiquei de pensar no assunto. O que você acha?
— Bom, é uma casa bem grande. E será ótimo, já que eles terão uma porção de filhos. Acho que a Miate vai amar. Ainda mais porque fica aqui pertinho e nós nos veríamos sempre.
— Não sei se isso seria um atrativo para ela no momento — murmurei.
Dulce acariciou meu braço.
— Vocês vão se acertar. Ela te adora. Vai acabar te perdoando.
Soltei o ar com força, colocando as mãos nos bolsos da calça.
— Então você concorda com ela.
Dulce deixou o retrato de lado e girou, apoiando os quadris na mesa.
— Pra mim é tudo muito esquisito, Christopher. Quer dizer, Maite vai ter que casar porque foi flagrada dando uns amassos no namorado? Eu e você fomos muito mais longe do que isso e ninguém nos obrigou a nada.
— Dulce...
— Eu sei! — ela interrompeu. — Sei desse lance de reputação e honra. Também sei que você ia me pedir em casamento antes de isso acontecer. Mas...
— Mas você não acha justo — completei por ela.
Ela encolheu os ombros e se endireitou, chegando perto o suficiente para apoiar as mãos em minha cintura. Seu rosto se elevou em direção ao meu.
— Não, eu não acho, Christopher.
— Também não estou certo sobre ontem. — Esfreguei a testa com força. — Não quero que minha irmã se torne uma pária da sociedade. Tampouco desejo sua infelicidade.
Seus profundos olhos castanhos se fixaram nos meus.
— Tá pensando em desfazer o noivado?
— Não sei. Eu encontrei Maite esta madrugada. Acabamos discutindo. Entendi o que ela está sentindo, mas também sei como ela vai se sentir se eu permitir que ela desmanche o noivado. Maite será muito infeliz quando as pessoas pararem de tratá-la com respeito.
Ela fez uma careta.
— É, isso ia acabar com ela, e eu não acho que...
— Com licença, senhores — Madalena escolheu esse momento para entrar no escritório, interrompendo o que quer que Dulce fosse dizer. A mulher retorcia o avental freneticamente. — Os senhores viram a senhorita Maite?
— Não — respondeu Dulce.
— Ainda não a vi hoje. Pensei que estivesse dormindo.
— Minha Nossa Senhora! — A mulher esfregou o rosto com a ponta do avental.
Como se pressentíssemos algo, Dulce e eu nos endireitamos ao mesmo tempo.
— O que foi, Madalena? Desembucha — ordenou Dulce.
— Fui até o quarto da senhorita Maite levar seu café da manhã, já que passou muito da hora de sair da cama, mas... ela não estava lá. E a cama ainda estava feita. Acho que a m-menina Maite não dormiu em casa.
— Não pode ser — refutei de imediato. — Encontrei Maite esta madrugada.
— Mas, senhor, já a procurei por toda a casa e ela não se encontra em parte alguma! A senhorita Elisa sumiu! Oh, minha Virgem Santíssima! Alguém a raptou novamente!
— Não acho que foi isso o que aconteceu, Madalena. — Os olhos de Dulce buscaram os meus, seu rosto se contorcendo em uma expressão preocupada. — Maite ficou muito abalada com a história do noivado forçado. — Sua voz estava baixa quando disse: — Acho que ela fugiu de casa.
Por todos os infernos!
GrazihUckermann: Ela vai voltar pro seculo vinte e um kk bjss
tahhvondy: Ela vai casar só no livro dela (que é o próximo kk) ele não vai embora só vai pra outro lugar kk bjss
Comentem!!!
Autor(a): Fer Linhares
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+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
— Christopher, eu acho que Maite fugiu de casa — repetiu Dulce, diante do meu silêncio estarrecido.Dois dias antes, eu teria dito que minha esposa havia perdido o juízo, que Maite nunca faria algo remotamente parecido com fugir de casa. Eu também teria apostado minha vida que ela jamais colocaria sua reputação em r ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 63
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tahhvondy Postado em 14/02/2017 - 17:51:28
nossa simplismente amei!cada um dos livros maravilhosos essa historia e incrível que não tem como não ser apaixonar por ela o amor deles e lindo o Christopher e mt fofo vou sentir saudades dessas confussões deles
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GrazihUckermann Postado em 13/02/2017 - 19:10:55
Eu AMEI! não sei qual dos livros foi o melhor. obrigada por postar essa história incrível, essa história é muito linda. Christopher é muito fofo <3 O amor deles é incrível. Quando ele a esqueceu ele se apaixonou por ela de novo, e eu tive que me segurar pra não chorar nessa parte s2 Fiquei feliz com o final da Madelena e do Seu gomes. Espero que tenha outro Baby vondy no livro da Maite, dessa vez tem que ser menino kkjk e não terá um nome melhor que Alexander para dar ao menino neh?? Estarei na próxima fanfic com você, comentando em todos os capitulos. Tchau. um diaa eu volto para ler de novo. (Acho que não demora muito, por amei a história e quero muito ler de novo) s2
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tahhvondy Postado em 13/02/2017 - 10:57:28
ai já ta acabando que triste mas ainda bem q vx consequiu baixa o da Maite
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GrazihUckermann Postado em 10/02/2017 - 20:35:51
Continuaaaaaaaaaaaaa! s2
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tahhvondy Postado em 09/02/2017 - 11:28:34
chequei continua por favor
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GrazihUckermann Postado em 09/02/2017 - 09:49:37
Continuaaaaa! s2
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GrazihUckermann Postado em 07/02/2017 - 16:32:39
FINALMENTE! CONTINUAAAAAAAAAAAAAA s2
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GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:08:32
T-T
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GrazihUckermann Postado em 06/02/2017 - 21:02:21
Caraca essa confusão me deixou confusa kkkjk quando ele esquecer ela, ele meio que vai sumir?? vai aparecer no século dezenove como se nada tivesse acontecido?? é isso? não entendi kkkjk Continue mulher, não me deixe ansiosa! s2
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GrazihUckermann Postado em 05/02/2017 - 22:21:37
ai me deus!!!! CONTINUAAAAAA T-T