Ele resmungou, dispensando meu comentário, mas prendeu minha mão em seu braço e recomeçou a andar.
— Chris, o que exatamente aconteceu com você há 300 anos?
Ainda carrancudo, ele não respondeu. Eu o cutuquei com o cotovelo e sorri, encorajando-o. A carranca lentamente desapareceu de seu lindo rosto e a tensão foi deixando seus ombros. Ele suspirou, correu a mão pelos cabelos e explicou:
— É muito mais fácil para um tigre negro caçar do que para um tigre branco. Eu não me misturo à vegetação na selva. Quando ficava com muita fome e frustrado com a dificuldade de caçar animais selvagens, às vezes me aventurava em um vilarejo e roubava uma cabra ou uma ovelha. Eu tomava cuidado, mas logo se espalharam os rumores de que havia um tigre branco na região. Não só os fazendeiros queriam me afugentar dali como também havia caçadores de grandes animais selvagens que buscavam a emoção de capturar um animal exótico.
— Nossa, você correu muito perigo! — observei.
— Eles espalharam armadilhas para mim por toda a selva e muitas criaturas inocentes foram mortas. Sempre que eu encontrava uma, eu a desarmava. Um dia, cometi um erro idiota. Havia duas armadilhas bem perto uma da outra, mas eu me concentrei na óbvia, que era do tipo padrão: um pedaço de carne pendurado sobre um buraco. Eu estava estudando o buraco, tentando calcular uma forma de pegar a carne, e tropecei em um arame oculto, disparando uma chuva de espigões e flechas que desabou sobre mim vinda do topo da árvore. Saltei para o lado para me esquivar de uma lança, mas a terra sob meus pés cedeu e eu caí no buraco.
— Alguma das setas atingiu você? — perguntei, ansiosa.
— Sim. Várias me arranharam, mas eu sarei rápido. Felizmente, o buraco não tinha estacas de bambu, mas era benfeito e fundo o bastante para que eu não conseguisse sair.
— O que fizeram com você?
— Depois de alguns dias, os caçadores me encontraram. E me venderam para um colecionador de animais selvagens. Quando me mostrei difícil, ele me vendeu para outro, que me vendeu para um terceiro, e assim por diante. Por fim, acabei em um circo na Rússia e desde então fui passando de circo em circo. Sempre que as pessoas suspeitavam da minha idade ou me machucavam, eu causava problemas suficientes para provocar uma venda rápida.
Era uma história terrível, de partir o coração. Eu me afastei dele e, quando tornei a me aproximar, ele entrelaçou os dedos nos meus e continuou a caminhar.
— Por que o Sr. Kadam não o comprou e o levou para casa? — indaguei.
— Ele não podia. Alguma coisa sempre surgia para evitar que isso acontecesse. Todas as vezes que ele tentava me comprar do circo onde eu estava, os proprietários se recusavam a vender por qualquer que fosse o valor oferecido. Uma vez ele mandou outras pessoas me comprarem e isso também não funcionou. O Sr. Kadam chegou a contratar gente para me roubar, mas os homens foram capturados. A maldição era quem dava as cartas, não nós. Quanto mais ele tentava interferir, pior ficava minha situação. Acabamos descobrindo que o Sr. Kadam podia pôr no meu caminho compradores em potencial com um interesse genuíno. Ele conseguia induzir pessoas boas a me comprar, mas somente se não tivesse a intenção de ele mesmo ficar comigo.
Eu ouvia atenta cada palavra de sua história. E o encorajava a continuar, balançando a cabeça.
— O Sr. Kadam cuidava para que eu me mudasse com frequência suficiente, de modo que as pessoas não percebessem a minha idade — prosseguiu. — Ele me visitava de tempos em tempos para que eu soubesse como entrar em contato com ele, mas não havia nada que pudesse de fato fazer. No entanto, nunca deixou de tentar descobrir uma maneira de quebrar a maldição. Dedicava todo o seu tempo a pesquisar soluções. Suas visitas significavam tudo para mim. Acho que teria perdido minha humanidade sem ele.
Chris deu um tapa em um mosquito atrás de seu pescoço e refletiu:
— Assim que fui capturado, pensei que seria fácil escapar. Eu simplesmente esperaria que a noite caísse e abriria o trinco da jaula. Mas, assim que me tornei cativo, fiquei permanentemente preso à forma de tigre. Não conseguia mais me transformar em homem... até que você apareceu.
Ele segurou um galho para que eu pudesse passar por baixo e eu perguntei:
— Como foi passar todos esses anos no circo?
Tropecei em uma pedra e Chris estendeu os braços para me equilibrar. Quando me firmei novamente, ele soltou minha cintura e me ofereceu a mão outra vez.
— Entediante, na maior parte do tempo. Às vezes os proprietários eram cruéis e eu era chicoteado, espancado e espetado. Tive sorte, porém, porque sarava depressa e era esperto o bastante para fazer os truques que outros tigres se recusavam a fazer. Um tigre naturalmente não quer saltar por uma argola em chamas ou ter a cabeça de um homem em sua boca. Tigres odeiam o fogo, por isso devem ser ensinados a temer o domador mais do que as chamas.
— Parece horrível!
— Os circos daquela época eram mesmo horríveis. Os animais eram colocados em jaulas pequenas demais. Relações familiares naturais se rompiam e os bebês eram vendidos. Nos primeiros tempos, a comida era ruim, as jaulas ficavam imundas e os animais eram machucados, levados de cidade em cidade e deixados ao ar livre em lugares e climas aos quais não estavam acostumados. Não viviam muito.
Pensativo, ele prosseguiu:
— Hoje existem mais estudos e esforços para prolongar a vida dos animais e melhorá-la. Viver enjaulado me fez pensar por muito tempo em minhas relações com outras criaturas, especialmente elefantes e cavalos. Meu pai tinha milhares de elefantes que foram treinados para a batalha ou para levantar objetos pesados e no passado tive um garanhão que eu adorava cavalgar. Preso em minha jaula dia após dia, eu me perguntava se ele sentia o mesmo que eu. Imaginava-o em sua baia, entediado, esperando que eu aparecesse para soltá-lo.
Ren apertou a minha mão e se transformou novamente em tigre.
Eu me perdi em meus pensamentos. Como devia ter sido difícil viver enjaulado. Chris precisou suportar séculos nessa condição. Estremeci e continuei andando atrás dele.
Depois de passada mais de uma hora, tornei a falar:
— Chris? Tem uma coisa que não compreendo. Onde estava Diego? Por que ele não o ajudou a escapar?
Chris saltou sobre um enorme tronco caído. No meio do salto, ele se transformou em pleno ar, caindo no chão do outro lado, silenciosamente, sobre dois pés. Estendi a mão para que ele me ajudasse a me firmar quando eu começava a transpor o tronco.
— Naquela época, Diego e eu tentávamos evitar um ao outro o máximo possível. Ele não sabia o que ocorrera até Kadam encontrá-lo. Quando eles entenderam o que tinha acontecido, era tarde demais para fazer qualquer coisa. Kadam havia tentado, sem sucesso, me libertar, então persuadiu Ciego a se manter escondido enquanto procurava descobrir o que fazer. Como eu disse, ele tentou me libertar me comprando e contratando ladrões durante séculos. Nada funcionou até você aparecer. Por alguma razão, depois que você desejou que eu vivesse em liberdade, eu pude ligar para ele.
Ren riu.
— Quando me transformei em homem de novo pela primeira vez depois de séculos, pedi a Matt que fizesse uma ligação a cobrar para mim. Disse a ele que eu fora assaltado e que precisava entrar em contato com meu patrão. Ele me explicou como funcionava o telefone e o Sr. Kadam chegou pouco depois.
Chris tornou a se transformar em tigre e prosseguimos. Ele caminhava ao meu lado e eu mantinha a mão em seu cangote.
Depois de andar por várias horas, Chris parou de repente e farejou o ar. Sentou-se e se pôs a olhar para a selva. Fiquei alerta quando alguma coisa sacudiu os arbustos. Primeiro surgiu um focinho preto em meio à vegetação rasteira, seguido pelo restante do tigre negro.