Eu me concentraria na tarefa à frente: chegar a Kishkindha. Então, quando tudo estivesse acabado, ele poderia seguir seu caminho e eu, o meu. Eu apenas faria minha parte para ajudar meu amigo e depois o deixaria ir embora e ser feliz.
Pelo que me pareceram vários quilômetros de caminhada através daquele mundo estranho e mítico, formulei um plano e comecei a enviar sinais sutis que punham um freio no romantismo.
Sempre que ele pegava minha mão, eu encontrava um motivo para delicadamente nos separar. Quando ele tocava meu braço ou meu ombro, eu me afastava. Quando ele tentava me abraçar, eu me desvencilhava ou continuava andando. Eu não disse nada nem ofereci nenhuma explicação porque não conseguia pensar em uma forma de abordar o assunto.
Chris tentou me perguntar o que havia de errado, mas eu desconversei e ele desistiu. A princípio, mostrou-se confuso, depois sombrio e então começou a se fechar e ficar com raiva. Estava claro que eu o havia magoado. Não levou muito tempo para que ele parasse de tentar e eu senti um muro tão imponente quanto a Grande Muralha da China se erguer entre nós.
Chegamos a um fosso e encontramos uma ponte levadiça. Infelizmente, estava levantada. No entanto, pendia ligeiramente de um lado, como se estivesse quebrada. Chris acompanhou o leito do riacho de ambos os lados e olhou para a água.
— Tem muitos kappa aqui — observou. — Eu não recomendaria atravessar a nado.
— E se arrastássemos um tronco até aqui e o usássemos como ponte?
— É uma boa ideia — grunhiu ele.
Então veio até mim e me fez virar de costas.
— O que você está fazendo? — murmurei, nervosa.
— Só estou pegando a gada. — Então acrescentou, sarcástico: — Não se preocupe. Isso é tudo que vou fazer.
Ele a pegou, fechou o zíper da mochila e se dirigiu para as árvores.
Estava com raiva. Eu nunca o vira com raiva antes, exceto de Diego. Eu não gostava disso, mas era um efeito colateral natural do plano “arrancando a semente do amor e me poupando das pedras pontiagudas lá embaixo”. Não podia ser evitado.
Lancei a Fanindra um breve olhar para ver se ela aprovava o que eu estava fazendo, mas seus olhos cintilantes nada revelaram.
Um minuto depois, soou um estrondo e uma árvore rapidamente recolheu os galhos. Outro estrondo e a árvore atravessou o dossel e tombou no chão com um ruído alto. Ele começou a golpear os galhos, arrancando-os do tronco, e fui até ele para ajudar.
— Alguma coisa que eu possa fazer?
Ele se manteve de costas para mim.
— Não. Só temos uma gada.
Embora eu já soubesse a resposta, perguntei:
— Chris, por que está com raiva? Tem algo aborrecendo você?
Fiz uma careta, sabendo que era eu que o aborrecia.
Ele parou e se voltou para mim. Seus olhos azuis examinaram meu rosto. Rapidamente desviei o olhar e o fixei em um galho trêmulo contraindo suas agulhas. Quando voltei a encará-lo, seu rosto era uma máscara indecifrável.
— Não tem nada me aborrecendo, Dulce. Estou bem.
Ele se virou e continuou a arrancar os galhos da árvore. Quando terminou, me entregou a gada, pegou uma extremidade da pesada árvore e começou a arrastá-la na direção do riacho.
Corri atrás dele e me abaixei para pegar a outra extremidade.
Ele gritou sem nem mesmo olhar para mim:
— Não!
Quando voltamos ao riacho, ele largou o tronco e começou a procurar um bom lugar para assentá-lo.
Eu estava prestes a me acomodar no tronco da árvore quando notei as agulhas. Até o tronco tinha agulhas grossas e afiadas que se erguiam para penetrar carnes desprevenidas. Fui até a extremidade dianteira e vi o sangue de Chris em grandes gotas cobrindo as agulhas negras e reluzentes.
Quando ele voltou, exigi:
— Chris, deixe-me ver suas mãos e seu peito.
— Esqueça, Dulce. Eu vou sarar.
— Mas, Chris...
— Não. Agora se afaste.
Ele foi até a outra extremidade do tronco e o ergueu, apoiando-o no peito. Fiquei boquiaberta. É, ele ainda tem a força do tigre.
Estremeci ao imaginar aquelas centenas de agulhas se enterrando no seu peito e em seus braços. Os bíceps haviam se avolumado enquanto ele levava o tronco até a beira do riacho.
Uma garota tem o direito de admirar, não tem? Mesmo quem não pode comprar pode olhar a vitrine, certo?
Era como ver Hércules em ação. Respirei fundo e fiquei repetindo as palavras: “Ele não é para mim, ele não é para mim, ele não é para mim”, a fim de fortalecer minha decisão.
A extremidade do tronco bateu no muro de pedra. Ele andou ao longo da margem do riacho até encontrar o ponto que queria e então o deixou cair com um baque suave. As agulhas haviam aberto riscos irregulares e profundos em seu peito e feito em tiras a frente de sua camisa branca. Fui até ele e estendi a mão para tocar-lhe o braço.
Ele se voltou para mim e disse:
— Agora fique aqui.
Transformando-se em tigre, pulou para o tronco, atravessou-o e então saltou para a fenda de onde a ponte levadiça pendia ligeiramente aberta. Ali, abriu caminho com as garras e desapareceu. Ouvi um som metálico e em seguida um silvo quando a pesada ponte de pedra baixou. Ela cruzou o riacho, bateu na água com uma grande pancada e então se acomodou em seu leito de cascalho. Atravessei rapidamente, com medo dos kappa que vira na água abaixo.
Chris ainda estava como tigre e parecia disposto a permanecer assim.
Entrei na cidade de pedra de Kishkindha. A maior parte dos edifícios tinha dois ou três andares. A pedra acinzentada dos muros externos também era a usada nas construções. Era polida como granito e continha pedaços cintilantes de mica que refletiam a luz. Produzia um efeito lindo.
Uma estátua gigante de Hanuman erguia-se no centro, e cada canto e cada fresta da cidade encontrava-se coberto com macacos de pedra em tamanho natural. Sobre os prédios, os telhados e as sacadas viam-se estátuas de macacos. Entalhes de símios cobriam as paredes dos prédios. As estátuas representavam várias espécies diferentes de macaco e com frequência se agrupavam em número de dois ou três. Na verdade, os únicos tipos de macaco não presentes ali eram os fictícios macacos voadores de O Mágico de Oz e o King Kong.
Quando passei pelo chafariz central, senti uma pressão no braço. Fanindra despertara. Abaixei-me para deixá-la deslizar do meu braço para o chão. Ela ergueu a cabeça e provou o ar com a língua várias vezes. Então começou a colear pela cidade antiga. Chris e eu a seguimos enquanto ela tecia seu lento caminho.