Começou a massagear meu pé. Eu ia protestar, mas Chris me lançou um olhar que me fez calar.
Ele torceu meu pé para um lado e para outro.
— Seus pés estão cheios de bolhas. Precisamos comprar um calçado melhor para você, se vai andar pela selva com essa frequência.
— As botas de trekking me fizeram bolhas também. O problema não deve estar nos sapatos. Eu tenho andado calçado mais nas últimas semanas do que em toda a minha vida. Meus pés não estão acostumados a isso.
Ele franziu a testa e delicadamente acompanhou o arco do meu pé com o dedo, o que disparou arrepios pela minha perna. Então envolveu meu pé com as duas mãos e começou a massagear, tomando o cuidado de evitar os pontos sensíveis.
Eu estava prestes a reclamar outra vez, mas a sensação era tão gostosa. Além disso, essa podia ser uma boa distração durante uma conversa constrangedora, por isso deixei que ele continuasse. Olhei para o seu rosto e ele me estudava, curioso.
O que deu na minha cabeça? Como pude achar que ele sentado à minha frente facilitaria as coisas? Idiota! Agora preciso olhar diretamente para o arcanjo guerreiro e tentar me manter concentrada. Fechei os olhos por um minuto.
Vamos, Dul. Foco. Foco. Você consegue!
— Chris, tem mesmo uma coisa que precisamos discutir.
— Muito bem. Vá em frente.
Deixei escapar um suspiro.
— Sabe, eu não posso... corresponder aos seus sentimentos. Ou ao seu... afeto.
Ele riu.
— Do que você está falando?
— Bem, o que quero dizer é que eu...
Ele se inclinou para a frente e falou, a voz baixa, cheia de significado:
— Dulce, eu sei que você corresponde aos meus sentimentos. Não finja mais.
Quando foi que ele deduziu isso? Talvez enquanto você o beijava feito uma pateta, Dul. Eu tinha esperanças de que o tivesse enganado, mas ele podia ver através de mim. Resolvi me fazer de boba e fingir que não sabia do que ele estava falando.
Agitei a mão no ar.
— Está bem! Sim! Admito que me sinto atraída por você. — Quem não se sentiria? — Mas não vai dar certo — concluí.
Pronto, falei.
Ren pareceu confuso.
— Por que não?
— Porque me sinto atraída demais por você.
— Não estou entendendo. Como essa atração por mim pode ser um problema? Eu diria que é uma coisa boa.
— Para pessoas normais... sim — afirmei.
— Então eu não sou normal?
— Não. Deixe-me explicar dessa forma: assim... um homem faminto comeria feliz um rabanete, certo? Na verdade, um rabanete seria um banquete se fosse tudo o que ele tivesse. Mas, se houvesse um banquete de verdade diante dele, o rabanete jamais seria escolhido.
Chris permaneceu calado por um momento.
— O que está querendo dizer?
— Estou dizendo... que eu sou o rabanete.
— E eu sou o quê? O banquete?
— Não... você é o homem. Só que... eu não quero ser o rabanete. Quem quer? Mas sou realista o bastante para saber o que sou e eu não sou um banquete. Quero dizer, você poderia estar comendo bombas de chocolate, pelo amor de Deus.
— Mas não rabanete.
— Não.
— Mas e se... — Chris fez uma pausa, pensativo — ... eu gostar de rabanete?
— Você não gosta. Só não conhece nada melhor. Eu lamento ter sido tão rude com você. Normalmente não sou assim. Não sei de onde vem todo esse sarcasmo.
Chris arqueou uma sobrancelha.
— Muito bem. Tenho um lado cínico e mau que costuma ficar escondido — admiti. — Mas que aflora quando estou sob grande estresse ou extremamente desesperada.
Ele pôs meu pé no chão, pegou o outro e começou a massageá-lo com os polegares. Não disse nada, então continuei:
— Ser insensível e detestável era a única coisa que eu podia fazer para afastá-lo. Foi como um mecanismo de defesa.
— Então você admite que estava tentando me afastar.
— Sim. É claro.
— E isso porque você é um rabanete.
Frustrada, eu disse:
— Sim! Agora que você pode ser um homem de novo, vai encontrar alguém melhor, alguém que o complemente. Não é culpa sua. Você foi um tigre por tanto tempo que não sabe como o mundo funciona.
— Certo. E como o mundo funciona, Dulce?
Eu podia sentir a frustração em sua voz, mas prossegui:
— Bem, para falar sem rodeios, você poderia estar namorando alguma top model ou uma atriz. Não está prestando atenção à sua volta?
— Ah, sim, de fato eu venho prestando atenção! — gritou ele, furioso. — O que você está dizendo é que eu devia ser um libertino rico, superficial e convencido, que só se importa com dinheiro, poder e em melhorar seu status. Que eu deveria namorar mulheres superficiais, volúveis, ambiciosas e sem cérebro, que se importem mais com minhas conexões do que comigo. E que eu não sou inteligente o bastante, ou atualizado o bastante, para saber quem eu quero ou o que eu quero na vida! Será que isso resume o seu ponto de vista?
— Sim — respondi, com a voz aguda.
— Você acha mesmo isso?
Eu me encolhi.
— Acho.
Chris se inclinou em minha direção.
— Você está errada, Dulce. Errada em relação a si mesma e errada em relação a mim!
Ele estava furioso. Eu me mexi, desconfortável, enquanto ele prosseguia:
— Eu sei o que eu quero. Não estou sob o efeito de nenhuma ilusão. Durante séculos estudei as pessoas de dentro de uma jaula e isso me deu bastante tempo para estabelecer minhas prioridades. No primeiro instante em que a vi, na primeira vez em que ouvi sua voz, eu soube que você era diferente. Você era especial. Quando colocou a mão na jaula e me tocou, fez com que eu me sentisse vivo de uma maneira que nunca sentira antes.
— Talvez isso seja apenas parte da maldição. Já pensou nisso? Esses podem não ser seus verdadeiros sentimentos. Talvez você tenha pressentido que eu era a pessoa que iria ajudá-lo e, de alguma forma, interpretou mal suas emoções.
— Duvido muito. Nunca senti isso por ninguém, nem antes da maldição.
As coisas não estavam indo pelo caminho que eu queria. Senti uma necessidade desesperada de fugir antes que eu dissesse alguma coisa que arruinasse meus planos. Chris era o lado escuro, o fruto proibido, a minha Dalila – a última tentação.
A questão era... eu poderia resistir?
Dei um tapinha amigável em seu joelho e joguei meu trunfo:
— Estou indo embora.