Pelos meus cálculos, eu estava com esse grupo há cerca de nove meses. Era outono. Eu podia sentir o cheiro no ar e senti-lo no vento tocando minha pele. Eu não tinha visto Kadam desde os rumores que a guerra estourou. Desesperadamente, me agarrava aos pedaços de informações que eu ouvia das pessoas que passavam, mas a maioria delas, ao me ver, falavam de coisas triviais, me mostravam para seus filhos ou falavam comigo como se eu fosse um animal de estimação.
A única vez que fui capaz de ouvir uma notícia foi quando o tratador estava falando com outros homens fora da minha jaula. Meus olhos lacrimejaram enquanto ele fumava e lentamente ficava bêbado depois de shows, mas valia a pena por ouvir sobre mundo exterior. Eles reclamaram da falta de dinheiro, dizendo que o país estava em depressão, e ainda falaram sobre massacrar os animais do show por um pouco de carne extra.
Rosnei suavemente quando eles falaram de me comer, mas o meu tratador apenas chutou a jaula, falou obscenidades ébrias pra mim, e me disse para calar a boca ou eu levaria chicotadas. Se alguma vez houve um homem cuja garganta eu quisesse arrancar, era a dele. Isso foi há duas semanas. Nós estivemos em um lugar chamado Tennessee e agora estávamos indo para a propriedade de um homem muito rico que estava dando uma festa. Os ânimos ficaram exaltados quando nos aproximávamos do lugar chamado Asheville, pois havia uma esperança por boa comida, camas quentes e moedas para encher os cofres.
É claro, dinheiro extra fazia pouca diferença para os animais. Nós não éramos muito bem tratados quando o dinheiro aparecia. Eu era servido geralmente com uma dieta de cão e além disso, era muito rançoso para comer. Em um bom dia, a carne era atualizada para de cavalo.
Meu nariz se contraiu de novo. Veados. Minha boca encheu de água. O vento soprava a tela tão forte que o retalho ficou preso no lado da gaiola. Dei um passo à frente para farejar o ar limpo e fiz um barulho em meu peito. Era de manhã cedo e uma leve neblina estava se dissipando lentamente do vale arborizado que se estendia diante de mim.
Eu nunca tinha visto uma floresta como esta antes. As árvores pareciam estar em chamas, em tons de vermelho, amarelo e laranja. Troncos negros subiam centenas de metros e estavam cobertos com pálidas folhas amarelas. Galhos escuros balançavam na brisa e as folhas tremiam. Senti o cheiro de urso, veado, porco-espinho, esquilos, e uma variedade de frutas secas.
Afundando no chão da minha gaiola e descansando a cabeça em minhas patas, fiz um poema para as árvores. Me perguntei se eu podia sobreviver nestas montanhas, se pudesse escapar e viver aqui. Eu sabia que a floresta estava cheia de caça e que era grande o suficiente, eu poderia me esconder lá por um longo tempo, mas também sabia a futilidade de tentar deixar o cativeiro. Toda vez que tentava, algo acontecia para me parar e eu sinceramente não tinha coragem de continuar tentando.
Eu era mesmo humano?
Kadam tinha falado de uma profecia, de uma garota. Ele estava procurando por ela, mas não acho que esta menina exista. Mesmo que ela existisse, a probabilidade de encontrá-la era pequena, se não impossível. E se eu a encontrasse e a maldição fosse quebrada, o que seria de mim? Quem eu seria? Um velho? Um príncipe esquecido? Um homem sem família, sem pátria? Será que eu mesmo sou um homem? Talvez fosse melhor ficar como fera. Pelo menos eu entendia o mundo da perspectiva de uma fera.
Fui atraído para fora dos meus pensamentos quando a caravana parou no topo de uma colina. Os cavalos se viraram e caminharam mais alguns passos e ouvi um grito do motorista.
— Aí está! Não é a mais bela paisagem que já viram?
Vários dos artistas aplaudiram enquanto olhavam para o longo trecho de grama aparada abaixo, que levava até uma bela mansão. O condutor estalou a língua e os cavalos começaram a se mover cuidadosamente pelo caminho de terra em direção a casa. Levantei a cabeça e estudei a estrutura. Eu tinha visto projetos similares na França e na Itália, tendo passado a metade de um século nesses países. Era um palácio com um telhado íngreme, tinha quatro andares e era cercado por árvores e jardins.
Nós seguimos o caminho para um grande edifício ao lado. Pelo forte cheiro de cavalo, eu sabia que estávamos a ser deixados nos estábulos. Nossa caravana estava estacionada logo atrás. A trupe começou a se aglomerar ao redor quando o líder do nosso grupo se reuniu com um distinto homem vestido em um terno acompanhado de uma mulher jovem, talvez sua esposa, que usava uma saia justa que terminava logo abaixo do joelho e uma capa forrada de pele grossa. Era vison. Eu ainda podia sentir o cheiro dos animais mortos. Ela teve um vislumbre de mim em minha gaiola fora dos estábulos e puxou o homem para minha direção.
— Oh, Robert! Veja! É um tigre.
Ele balançou a mão distraidamente.
— Sim, querida. Sabíamos que um tigre estava vindo.
— Mas é branco! Como é lindo!
Ele limpou a garganta e voltou-se para o dono do circo para discutir os detalhes, enquanto a mulher e eu olhávamos um para o outro. Eu estava pensando por que as pessoas de tal riqueza não podiam se dar ao luxo de comprar uma saia inteira quando de repente ela anunciou:
— Eu quero comprá-lo.
— Não, querida. Nós vamos vê-lo atuar. Isso terá de ser o suficiente.
— Mas Bobby... — Ela fez beicinho.
— Não. Onde iríamos colocá-lo? O que ele come? Vamos fazer os cavalariços o treinarem com os cavalos? Não é prático, Lilly. Além disso — ele tocou seu rosto carinhosamente — você tem uma festa fabulosa para a qual se arrumar.
— Você está certo. Tenho tanta coisa para fazer!
— Tire um tempo para você então.
Ele deu-lhe uma cotovelada brincalhona e ela seguiu para a porta do estábulo, soprando-lhe um beijo de despedida. Eu bufei e rolei.