Melissah: Continuando!
Baigas
Percebi movimento e acordei, abrindo os olhos para um dossel verde-escuro. Diego me carregava pela selva. Ele tinha novamente sua verdadeira aparência, o que, devo admitir, era um alívio. Eu não me sentira confortável vendo-o em seu disfarce.
— Diego? Aonde estamos indo?
— Shh. Relaxe. Estamos seguindo os baigas selva adentro. Temos que ir para o mais longe possível do acampamento.
— Quanto tempo fiquei desacordada?
— Umas três horas. Como está se sentindo?
Toquei levemente o maxilar.
— Como se um urso tivesse me dado um soco. Ele está... bem?
— Está desorientado. Os baigas o carregam numa maca improvisada.
— Mas ele está bem?
— Relativamente bem.
Ele falou baixinho em outra língua com o Sr. Kadam, que se aproximou para examinar meu rosto e levar um cantil aos meus lábios. Bebi devagar, engolindo dolorosamente, enquanto movia o maxilar o mínimo possível.
— Você pode me pôr no chão, Diego? Acho que posso andar.
— Está bem. Apoie-se em mim se precisar.
Ele baixou com cuidado minhas pernas até o chão e me firmou quando oscilei, tentando recuperar o equilíbrio. Manquei um pouco com meu tornozelo torcido, mas Diego resmungou e logo me pegou no colo outra vez. Recostei-me em seu peito e senti meu corpo inteiro doer. Escoriações me cobriam quase por completo e eu mal conseguia mover o maxilar.
Éramos parte de uma longa procissão. Os baigas avançavam silenciosa e sinuosamente entre as árvores. Eu nem conseguia ouvir seus passos. Dezenas de pessoas passavam e assentiam numa demonstração de respeito ao nos contornarem. Nem as mulheres nem as crianças faziam barulho. Eles não emitiam um só sussurro, enquanto se moviam como fantasmas através da selva escura.
Quatro homens grandes carregavam uma maca com uma forma prostrada. Quando passaram por nós, estiquei o pescoço para poder vê-lo. Diego ajustou o passo atrás deles para que eu pudesse ver a forma inerte de Chris. Ele me endireitou facilmente e me abraçou um pouco mais forte, me apertando contra seu peito com uma expressão indecifrável.
Andamos por mais uma hora. Chris dormiu o tempo todo. Quando chegamos a uma clareira, um baiga idoso se aproximou do Sr. Kadam e humildemente prostrou-se diante dele. O Sr. Kadam voltou-se para nós e disse que os baigas acampariam para passar a noite. Fomos convidados para seus festejos comemorativos.
Imaginei se não seria melhor nós continuarmos em direção ao nosso ponto de encontro, mas decidi seguir a liderança do Sr. Kadam. Ele era o estrategista militar e, se pensava que era seguro, provavelmente era. Na verdade, era reconfortante deixar alguém assumir o comando. Também não faria mal deixar Chris dormir um pouco mais antes de prosseguirmos.
Ficamos observando os baigas montarem acampamento. Eles eram extremamente eficientes, mas estavam sem a maior parte de seus suprimentos. O Sr. Kadam teve pena deles e usou o Lenço Divino para criar acomodações para cada família. Minha atenção se desviou para Chris. Os homens o carregaram para uma tenda no momento em que o Sr. Kadam me chamou.
Diego, vendo-me aflita, disse que iria ver como Chris estava. Colocou-me com cuidado perto do Sr. Kadam e então seguiu na direção da tenda. Ele insistiu que seria melhor que eu ficasse com o Sr. Kadam, mas não explicou por quê.
Quando ele se afastou, o Sr. Kadam perguntou se eu usaria o Fruto Dourado para criar um banquete para os baigas. Eles precisavam ser alimentados. Vários estavam passando fome também. Lokesh os obrigara a permanecer no acampamento e usar sua magia para manter Chris contido. Eles não caçavam havia muito tempo. O Sr. Kadam me deu instruções e então usou o Lenço Divino para criar um tapete espesso em que toda a tribo pudesse se sentar.
Tirei o Fruto Dourado da mochila e comecei a criar os pratos que ele pedira. Arroz com cogumelos, manga picada misturada a outras frutas locais, cujos nomes eu esperava ter pronunciado corretamente, peixe assado, salada verde, legumes grelhados e, como extra, acrescentei uma torta gigante de morango com recheio de creme bavaroise e chantili, como a que havíamos comido em Shangri-lá. O Sr. Kadam ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada.
Ele convidou os baigas a se sentarem e a compartilhar do banquete. Diego logo voltou e sentou-se ao meu lado. Ele sussurrou que os baigas estavam cuidando bem de Chris. Enquanto todos se acomodavam, tentei pedir licença para ficar com Chris. Quando me levantei, Diego segurou meu braço com firmeza, sussurrou que eu deveria ficar perto do Sr. Kadam e enfatizou novamente que Chris ficaria bem. Ele parecia estar dizendo a verdade, portanto fiquei. O Sr. Kadam começou a falar na língua deles. Esperei pacientemente que terminasse seu discurso e continuei olhando na direção das tendas, esperando ter um vislumbre de Chris.
Quando o Sr. Kadam terminou, duas jovens baigas percorreram o perímetro do círculo, lavando as mãos de cada pessoa com água de flor de laranjeira. Quando já haviam lavado as mãos de todos, imensas tigelas de comida passaram de mão em mão. Não havia pratos ou utensílios. O Fruto Dourado poderia tê-los criado, mas o Sr. Kadam queria o banquete à moda dos baigas. Pegamos alguns punhados, comemos e então passamos a vasilha para a próxima pessoa. Eu não estava com muita fome, mas Diego não iria pegar a tigela até que eu tivesse comido pelo menos um punhado de cada tipo de comida.
Quando a comida completou o círculo e todos já haviam se servido de uma porção, as tigelas correram o círculo novamente. Esse processo continuou até toda a comida acabar. Usei meu cantil para limpar as mãos e tentei ter paciência quando os baigas passaram ao ritual seguinte. Quando sussurrei para Diego que o fator tempo era crucial, ele disse que tínhamos o bastante e que Chris precisaria de algumas horas para se recuperar.
Os baigas começaram a celebrar de fato. Surgiram instrumentos musicais. Eles cantaram e dançaram. Duas mulheres se aproximaram de mim com tigelas de um líquido preto e falaram. O Sr. Kadam traduziu:
— Elas estão perguntando se você gostaria de fazer uma tatuagem em comemoração à vitória de seu marido sobre o maligno.
— Com quem eles acham que sou casada?
O Sr. Kadam corou.
— Eles acreditam que você seja minha mulher.
— Eles não acham que sou um pouco jovem para o senhor?
— É uma prática normal na tribo mulheres muito jovens se casarem com homens mais velhos e mais sábios. Eles a viram usar o Fruto Dourado e acreditam que você seja uma deusa, minha companheira.
— Entendi. Bem, agradeça-lhes por mim, mas vou me lembrar muito bem dessa vitória sem ajuda. Só por curiosidade, o que, ou quem, eles acham que Diego é?
— Acreditam que ele seja nosso filho e que viemos aqui para resgatar nosso outro filho.
— Então eles acham que tenho dois filhos adultos?
— As deusas podem permanecer jovens e bonitas para sempre.
— Quem dera.
— Mostre-lhes sua mão, Srta. Dulce.
— Minha mão?
— A que tem o desenho de hena. Faça-a brilhar para que eles possam ver as marcas.
Ergui a mão e evoquei meu poder de raio. Minha mão brilhou, iluminada por dentro. A pele se tornou translúcida e o desenho de hena apareceu – vermelho num fundo branco.
O Sr. Kadam falou algo breve com as duas mulheres e felizmente elas fizeram uma reverência e me deixaram em paz.
— O que o senhor disse a elas?
— Eu lhes disse que já havia lhe dado uma tatuagem de fogo para que se lembrasse do episódio. Elas acreditam que a tatuagem deixa a mulher mais bonita. Não teriam compreendido se eu tivesse dito que não queria que sua pele fosse tatuada. Todos os homens baigas desejam uma esposa com tatuagens intrincadas.