Desprezada
No dia seguinte, acordei determinada a tentar fazer o melhor com o que tinha. Não era culpa de Chris. Ele não sabia o que fazia nem por que doía tanto em mim. Ele não se lembrava do que dissera sobre meias nem de qual era o meu cheiro nem de escolher pêssegos e creme em lugar de chocolate com manteiga de amendoim. É só uma porcaria de sorvete! Quem se importa?
Ninguém se lembrava dessas coisas. A não ser eu. Saí para dar uma volta no luxuoso conversível com o Sr. Kadam e tentei me sentir feliz enquanto ele discorria sobre as características do automóvel. Eu fingia participar, mas por dentro me sentia entorpecida. Estava desesperada. Tinha a sensação de estar interagindo com um dublê de Chris. Ele parecia o meu Chris e até podia falar como ele, mas faltava a centelha. Alguma coisa estava fora do lugar.
Eu havia planejado me exercitar com Diego quando chegasse em casa, portanto troquei de roupa e atravessei a lavanderia, descendo a escada até o dojo. Parei quando ouvi vozes discutindo. Não era minha intenção ficar escutando, mas ouvi meu nome e não consegui sair dali.
— Você a está magoando — disse Diego.
— Acha que não sei disso? Eu não quero magoá-la, mas não vou ser coagido a sentir algo que não sinto.
— Você não pode pelo menos tentar?
— É o que venho fazendo.
— Já vi você dar mais atenção a uma bola de sorvete do que a ela.
Chris soltou um suspiro exasperado.
— Olhe, tem alguma coisa... perturbadora nela.
— Como assim?
— Na verdade, não sei descrever. É só que, quando estou perto dela... mal posso esperar para me afastar. É um alívio quando ela não está presente.
— Como pode dizer isso? Você a amava! Era mais apaixonado por ela do que já foi por qualquer coisa em toda a sua vida!
Chris falou com calma.
— Não consigo me imaginar sentindo isso por ela. Ela é legal e bonitinha, mas é um pouquinho nova demais. Pena que não era por Nilima que eu estava apaixonado.
Diego respondeu indignado.
— Nilima! Ela é como uma irmã para nós! Você nunca demonstrou nenhum sentimento especial por ela!
— É mais fácil ficar na companhia dela — Chris replicou baixinho. — Ela não me olha com aqueles olhos castanhos enormes cheios de mágoa.
Os dois irmãos ficaram em silêncio por um minuto. Eu havia mordido o lábio com força e senti o gosto de sangue, mas a dor não me afetava.
— Dulce é tudo que um homem pode desejar — Diego falou com intensidade. — Ela é perfeita para você. Ela ama poesia e fica feliz ouvindo-o cantar e tocar seu violão por horas a fio. Esperou meses para que você fosse atrás dela e arriscou a vida repetidamente para salvar esse seu pelo branco sarnento. Ela é doce, amorosa, afetuosa e linda, e o faria imensamente feliz.
Fez-se uma pausa. Então ouvi Chris dizer, incrédulo:
— Você está apaixonado por ela.
Diego não respondeu de imediato, mas, quando falou, sua voz era praticamente um sussurro e quase não pude ouvi-lo.
— Nenhum homem em seu juízo perfeito não estaria, o que prova que você não está em seu juízo perfeito.
— Talvez eu me sentisse grato a ela e tenha permitido que ela acreditasse que a amava — disse Chris, pensativo — mas não sinto isso por ela agora.
— Acredite em mim. Não era gratidão o que você sentia por ela. Você se consumiu por ela durante meses. Andou de um lado para outro em seu quarto até fazer um buraco no tapete. Escreveu milhares de poemas de amor descrevendo a beleza dela e quanto você se sentia infeliz depois que ela se foi. Se não acredita em mim, vá até seu quarto e leia você mesmo.
— Já li.
— Então qual é o seu problema? Eu nunca o vi mais feliz em sua porcaria de vida do que quando estava com ela. Você a amava e era verdadeiro.
— Eu não sei! Talvez o fato de ser torturado repetidamente tenha causado isso. Talvez Lokesh tenha plantado alguma coisa no meu cérebro que a destruiu para sempre em minha memória. Quando ouço seu nome ou sua voz, eu me encolho. Fico na expectativa de sentir dor. Eu não quero isso. Não é justo com nenhum de nós. Ela não merece que mintam para ela. Mesmo que eu pudesse aprender a amá-la, a tortura ainda estaria lá, no fundo da minha mente. Todas as vezes que olho para ela, vejo Lokesh me interrogando, sempre me interrogando. Me machucando por causa de uma garota que eu não conhecia. Não posso fazer isso, Diego.
— Então... você não a merece.
Houve uma longa pausa.
— Não, acho que não.
Mordi minha mão para reprimir um soluço e arquejei. Eles me ouviram.
— Dul? — chamou Diego.
Subi os degraus correndo.
— Dul! Espere!
Ouvi Diego me seguindo e subi a escada o mais rápido que pude. Eu sabia que, se não corresse, um deles me alcançaria. Batendo a porta da lavanderia ao passar, disparei pelo outro lance de escada, entrei no meu banheiro e fechei a porta. Rastejei para dentro da banheira vazia e puxei os joelhos até o queixo.
Uma variedade de batidas soou na porta – algumas gentis, algumas insistentes e ásperas, outras que mal se ouviam. Todos pareceram se revezar. Até mesmo Chris. Por fim, eles me deixaram em paz.
Levei a mão ao peito. O elo entre nós havia se quebrado. O lindo buquê de lírios-tigres que eu havia cultivado com todo o cuidado desde a ausência de Chris secou. Meu coração estava devastado por uma seca impiedosa. Uma a uma, as pétalas macias e perfumadas murcharam e caíram.
Por mais que eu as adulasse, podasse, regasse ou cortasse, nada conseguiria salvá-las. Era inverno. Os caules enfraqueceram. As flores se consumiram. Pétalas velhas, ressecadas, foram esmagadas até se tornarem pó e então foram levadas por um vento forte. Tudo que restou foram alguns tocos marrons – uma triste lembrança de um arranjo que já fora precioso e inestimável.
Mais tarde naquela noite, saí do meu quarto, calcei meus tênis e peguei as chaves do meu carro novo. Sem que me vissem, deixei a casa em silêncio e escorreguei para o assento de couro macio. Disparando pela estrada com a capota baixada, segui até chegar a um mirante no topo de uma colina que dava para o vale amplo e arborizado lá embaixo. Reclinando o assento, me recostei, olhei as estrelas e pensei nas constelações.
Meu pai uma vez me falara sobre a Estrela do Norte. Ele tinha dito que os marinheiros podiam sempre contar com ela, que ela nunca falhava. Estava sempre lá, sempre digna de confiança. Qual era mesmo o outro nome por que era conhecida? Ah, Polaris. Procurei a Ursa Maior, mas não consegui encontrá-la. Lembrei-me de papai explicando que ela só era visível no hemisfério norte. Ele dizia que não havia nenhuma constelação como ela no hemisfério sul. Tratava-se de um fenômeno celestial único.
Chris certa vez dissera que era tão constante quanto a Estrela do Norte. Ele havia sido minha Polaris. Agora eu não tinha um centro. Nenhum guia. Senti o desespero, sorrateiro, ir tomando conta de mim novamente. Então uma voz minúscula dentro de mim, com um humor sarcástico semelhante ao da minha mãe, me lembrou: Só porque você não pode ver a estrela, não significa que ela não esteja lá. Talvez esteja oculta da visão por um tempo, mas pode ter certeza de que ela ainda brilha em algum lugar.
Talvez algum dia eu encontrasse aquela centelha novamente. Talvez eu desperdiçasse minha vida à sua procura. Eu estava à deriva num oceano de solidão. Um marinheiro sem uma estrela para seguir. Será que eu poderia ser feliz sem ele? Eu não queria nem considerar essa possibilidade.
Eu já tinha vivido a perda. Meus pais haviam partido. Chris... se fora. Mas eu ainda estava ali. Ainda tinha coisas a realizar. Tinha um trabalho a fazer. Eu já havia conseguido uma vez e podia conseguir de novo. Atravessaria a dor e seguiria com a vida. Se eu pudesse encontrar o amor ao lado de alguém no caminho, que fosse. Se não pudesse, então faria o melhor possível para ser feliz sozinha. Eu tinha sofrido sem Chris antes e sofreria outra vez agora, mas sobreviveria.
Não tenho como negar que o amei e ainda o amo, refleti, mas existem muitas razões para ser feliz. O Mestre do Oceano afirmou que o propósito da vida é ser feliz. A Divina Tecelã me disse que não me deixasse abater quando o padrão não parecesse adequado. Ela disse que eu deveria esperar, observar e ser paciente e dedicada.
Os fios da trama da minha vida estão todos misturados e embolados. Não sei se um dia vou conseguir desembaraçá-los. Neste momento o tecido da minha existência está muito mal-ajambrado. A única coisa que posso fazer é me agarrar à fé, acreditando que um dia verei a luz daquela estrela brilhante novamente.
Uma vez eu disse a Chris que nossa história não tinha acabado.
E não acabou.
Ainda não.