Finalmente quebrei o silêncio.
— E então, Chris? Estou ouvindo.
Ele beliscou a ponta do nariz com o polegar e o indicador, então subiu a mão e a deslizou entre o cabelo preto sedoso, desarrumando-o de uma forma perturbadoramente atraente.
Deixando a mão cair no colo, ele me olhou, pensativo, sob os cílios espessos.
— Ah, Dulce. Por onde começar? São tantas coisas para lhe contar...
Sua voz era baixa, refinada e agradável, e logo me vi hipnotizada por ela. Ele falava inglês muito bem, com apenas um leve sotaque. Tinha uma voz doce – do tipo que desperta sonhos em uma garota. Tentei me livrar dessa sensação e o peguei me examinando com seus olhos azul cobalto.
Havia uma conexão tangível entre nós. Eu não sabia se era simples atração ou algo mais. Sua presença era perturbadora. Tentei evitar os olhos dele para me acalmar, mas acabei torcendo as mãos e fitando meus pés, que batiam nervosos no piso de bambu. Quando tornei a olhar para seu rosto, o canto de sua boca estava voltado para cima em um sorriso malicioso e uma de suas sobrancelhas estava arqueada.
Pigarreei.
— Desculpe. O que foi que você disse?
— É tão difícil assim ficar parada ouvindo?
— Não. É que você me deixa nervosa, só isso.
— Você não ficava nervosa perto de mim antes.
— Bem, você não tem a mesma aparência de antes. Não pode esperar que eu tenha o mesmo comportamento na sua presença.
— Dulce, tente relaxar. Eu nunca faria mal a você.
— Certo. Vou sentar em cima das mãos. Assim é melhor?
Ele riu.
Uau. Até seu riso é magnético.
— Ficar quieto foi algo que tive que aprender como tigre. Um tigre precisa se manter imóvel por longos períodos. É preciso paciência e, para esta explicação, você vai precisar ser paciente também.
Ele alongou os ombros poderosos e então estendeu a mão para puxar o cordão de um avental que pendia de um gancho. Ficou enrolando o fio no dedo inconscientemente e disse:
— Preciso ser breve. Posso assumir a forma humana durante apenas alguns minutos por dia... para ser exato, por 24 minutos a cada 24 horas. Portanto, como vou me transformar em tigre de novo logo, quero aproveitar ao máximo meu tempo com você. Tudo bem?
Respirei fundo.
— Sim. Quero ouvir sua explicação. Por favor, prossiga.
— Você se lembra da história do príncipe Christopher que o Sr. Kadam lhe contou no circo?
— Lembro. Espere aí. Você está dizendo...
— Aquela história era verdadeira, pelo menos a maior parte dela. Eu sou o Christopher de quem ele falou. Eu era o príncipe do Império Mujulaain. É verdade que Diego, meu irmão, e minha noiva me traíram, mas o fim da história é mentira. Eu não fui morto, como muitas pessoas foram levadas a acreditar. Meu irmão e eu fomos amaldiçoados e transformados em tigres. O Sr. Kadam vem fielmente mantendo nosso segredo por todos esses séculos. Por favor, não o culpe por trazê-la aqui. Foi culpa minha. Sabe, eu... preciso de você, Dulce.
Minha boca ficou seca de repente e eu me inclinei para a frente, mal me mantendo sentada na beira da cama. E quase caí. Limpei a garganta rapidamente e reajustei minha posição, esperando que ele não tivesse notado.
— Como assim, precisa de mim?
— O Sr. Kadam e eu acreditamos que você é a única que pode quebrar a maldição. De certa forma, você já me libertou de meu cativeiro.
— Mas não fui eu quem o libertou. Foi o Sr. Kadam quem comprou sua liberdade.
— Não. O Sr. Kadam não tinha meios de comprar minha liberdade até você surgir. Quando fui capturado, não poderia mais mudar para minha forma humana ou recuperar minha liberdade até que alguma coisa, ou, melhor dizendo, alguém especial aparecesse. Esse alguém especial é você.
Ele enroscou o cordão do avental em torno do dedo e eu o observei desenrolar e começar tudo de novo. Meus olhos retornaram ao seu rosto, voltado para a janela. Ele parecia calmo e sereno, mas reconheci a tristeza em seu íntimo. O sol brilhava através da janela e a cortina soprava ligeiramente com a brisa, fazendo a luz do sol e a sombra dançarem em seu rosto.
— Certo — gaguejei. — Para que você precisa de mim? O que eu tenho que fazer?
Ele se virou para mim e continuou:
— Viemos a esta cabana por uma razão. O homem que mora aqui é um xamã e é quem poderá explicar seu papel nisso tudo. Ele não quis adiantar nada antes que a encontrássemos e a trouxéssemos aqui. Nem eu sei por que você é a escolhida. O xamã também insiste em falar conosco a sós e foi por isso que o Sr. Kadam ficou para trás.
Ele se inclinou para a frente.
— Você vai ficar aqui comigo até ele voltar e vai pelo menos ouvir o que ele tem a dizer? Se depois decidir que quer voltar para casa, o Sr. Kadam cuidará disso.
Voltei os olhos para o chão.
— Christopher...
— Por favor, me chame de Chris.
Corei e fitei seus olhos.
— Está certo, Chris. Sua explicação é impressionante. Não sei o que dizer.
Emoções variadas cruzaram seu lindo rosto.
Quem sou eu para dizer não a um belo homem – quer dizer, tigre? Suspirei.
— Muito bem. Vou esperar e falar com seu xamã, mas estou com calor e com fome, cansada, suada, precisando de um bom banho e, francamente, não sei nem se confio em você. Acho que não aguento mais uma noite dormindo na selva.
Ele suspirou aliviado enquanto me dirigia um sorriso. Era como o sol rompendo uma nuvem de tempestade.
— Obrigado — disse ele. — Lamento que esta parte da viagem tenha sido desconfortável para você. O Sr. Kadam e eu divergimos nessa questão de atrair você para a selva. Ele achava que devíamos simplesmente lhe contar a verdade, mas eu não tinha certeza se você viria. Pensei que, se passasse um pouco mais de tempo comigo, aprenderia a confiar em mim e eu poderia lhe revelar quem eu era à minha maneira. Era isso que estávamos discutindo quando você nos viu perto do caminhão.
— Então era você! Deviam ter me contado a verdade. O Sr. Kadam estava certo. Poderíamos ter evitado toda essa caminhada na selva e vindo até aqui de carro.
Ele suspirou.
— Não. Precisaríamos ter atravessado a selva de qualquer forma. Não há como entrar tanto assim no santuário de carro. O homem que mora aqui prefere que seja assim.
Cruzei os braços e murmurei:
— Bem, ainda assim vocês deviam ter me contado.
Ele retorceu o cordão do avental.
— Sabe, dormir ao ar livre não é tão ruim assim. Você pode olhar as estrelas e sentir a brisa fresca soprando o seu pelo depois de um dia quente. O cheiro da grama é doce e... — ele me olhou nos olhos — o do seu cabelo também.