Fanfic: 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA) | Tema: Cristianismo, Islamismo, Fé, Amor
Acordei na manhã seguinte, cheia de apreensão. Hoje a
família viria de novo, todos juntos ou um de cada vez. De qualquer
maneira, temia o confronto horrível. Sentia o pavor das acusações,
das advertências iradas, das ameaças e engodos que eu sabia
estavam para acontecer. Acima de tudo, odiava magoá-los.
Não acreditando, de verdade, que Deus responderia a meu
pedido, fiz com que Raisham tirasse meus melhores saris; escolhi o
mais atraente, mandei recado ao guarda no portão: receberia todos
os visitantes hoje, e então fui para a sala de visitas. Sentei-me em
uma das cadeiras de seda branca e li enquanto Mamude
ziguezagueava seus carrinhos de brinquedo pelo desenho do tapete
persa no assoalho da sala.
O gigantesco relógio entalhado, na parede do corredor bateu
dez horas, onze, finalmente meio-dia. Bem, pensei, parece que
planejam deixar a visita para a tarde.
O almoço foi servido. Depois da refeição, enquanto Mamude
tirava uma soneca continuei a esperar. Finalmente às três horas
ouvi barulho de um carro que parava à porta. Preparei-me para a
batalha. O carro se afastou! Que estava acontecendo? Perguntei à
criada e ela simplesmente disse que era alguém fazendo entregas.
A noite escurecia as janelas altas da sala de visitas. As
sombras empilhavam-se altas no teto. Um chamado telefônico para
mim. Olhei para o relógio: sete horas. Será que iam telefonar em
vez de virem em pessoa?
Apanhei o telefone e ouvi uma voz suave, muito minha
conhecida — Marie Old. Ela parecia muito preocupada.
Certamente que a notícia de minha conversão já se tinha
espalhado, como provava a invasão dos parentes no dia anterior.
Então por que a preocupação?
— Você está bem? — disse Marie. — Estou preocupada com
você.
Assegurei-lhe que estava bem. Ao desligar, pedi que me
trouxessem o casaco e que aprontassem o carro. Nesta época do
ano, minha família geralmente não fazia visitas depois das oito
horas, de modo que achei seguro sair de casa. Estranho que nem
um parente houvesse telefonado nem vindo visitar-me.
Eu necessitava da segurança de alguém da minha família
cristã. Os Old? Por que teria Marie me telefonado tão
misteriosamente? Dirigi-me à casa dos Old e fiquei surpresa em
encontrá-la completamente às escuras.
E então, inesperada e abruptamente, fiquei alarmada. Parada
no portão de entrada do jardim eu podia sentir o medo invadindo-me,
tocando-me com um horror viscoso e úmido. Pensamentos
escuros vieram a mim de cantos sombrios do jardim. Certamente
que havia sido estultícia minha sair a sós no meio da noite! O que
era aquilo ali nas sombras? Meu coração disparou.
Voltei-me. Estava para correr de volta ao carro.
Então parei. Não! Não era assim que eu devia agir. Se eu fazia
parte do reino, tinha direito à proteção do rei. Em pé, na escuridão
horrível, ainda com muito medo, deliberadamente coloquei-me de
volta nas mãos do rei.
— Jesus! Jesus! Jesus! — Repeti muitas vezes. O medo
desapareceu de uma maneira incrível. Assim como chegara, se fora.
Eu estava livre!
Agora, quase sorrindo, dirigi-me para a casa dos Old. Depois
de alguns passos, vi um fio de luz por entre duas cortinas abertas
na sala de estar. Bati.
A porta abriu-se lentamente. Era Marie. Ao ver-me deu um
suspiro de alívio e rapidamente levou-me para dentro com um
abraço.
— Ken! Ken! — gritou ela. Ele apareceu num instante.
— Oh, graças a Deus! — exclamou ele. — Estávamos muito
preocupados com você. — Ken disse-me que o Padri paquistanense
que estivera presente no meu batismo havia ficado muito
preocupado por minha segurança e tinha-lhes dito haverem
cometido um grande erro deixando-me sozinha.
— Então é por isso que você parecia tão preocupada no
telefone, Marie!? — Suprimi uma risada nervosa. — Bem, é certo
que o país inteiro logo há de saber de minha conversão, mas
obrigada de qualquer forma. Até agora nada aconteceu. Até minha
família não apareceu e vocês não sabem o quão grata sou por essa
resposta à oração.
— Agradeçamos ao Senhor—, disse Ken, e nós três
ajoelhamo-nos na sala de estar enquanto Ken agradecia a Deus
minha proteção e pedia-lhe que continuasse a proteger-me.
Assim, voltei para casa, mais rica por ter clamado pela ajuda
do Senhor em face do medo, aproveitando-me do nome de Jesus.
Meus criados disseram que ninguém havia telefonado naquela
noite. Bem, pensei eu, enquanto me arrumava para a cama,
prepare-se para amanhã.
De novo, esperei na sala de visitas o dia todo, orando,
pensando, estudando o mosaico dos ladrilhos do assoalho e o
desenho do tapete persa. Não tive notícias de ninguém.
O que estava acontecendo? Será que isto era algum jogo de
gato e rato?
Então veio-me a idéia de interrogar os criados. No Paquistão
se a pessoa quiser saber de alguma coisa, é só perguntar a um
criado. Mediante uma ramificação inteligente, sabem tudo a
respeito de todo mundo.
Finalmente encantoei Nur-jan:
— Diga-me, o que aconteceu com minha família?
— Oh, Begum Sahib —, respondeu ela, suprimindo um
risinho nervoso — a coisa mais estranha aconteceu! Foi como se
todo mundo tivesse ficado ocupado ao mesmo tempo. Seu irmão
teve de ir ao torneio anual de inverno de críquete —. Sorri; para
meu irmão, críquete era mais importante que uma irmã a caminho
do inferno. — Seu tio Fateh teve de sair da província por causa de
um julgamento; sua tia Amina precisou ir a Lahore; dois de seus
primos foram chamados para fora da cidade a negócios e...
Interrompi-a; não precisava continuar. O Senhor tinha dito
que os espalharia e realmente os espalhou. Quase podia ouvir o
Senhor rindo à socapa. Eu tinha certeza de que os preocupados
membros de minha família não me deixariam em paz, mas agora
teriam de aparecer um a um.
E assim aconteceu. O primeiro emissário foi tia Amina, uma
senhora da realeza em seus setenta, cuja beleza oriental de alguma
forma sempre parecia fora de lugar em minha sala de visitas com a
moderna mobília ocidental. Por muitos anos tínhamos tido um
relacionamento íntimo de amor e confiança. Agora, ao entrar, sua
tez de magnólia estava ainda mais pálida que de costume e os
olhos cor de cinza pareciam rodeados de tristeza.
Conversamos um pouco. Finalmente percebi que ela estava
pronta para apresentar o verdadeiro motivo de sua visita.
Limpando a garganta, endireitou-se na cadeira, e tentando parecer
casual, perguntou:
— Ah ... Bilquis ... ah ... ouvi... que você se tornou cristã. É
verdade?
Sorri para ela apenas.
Ela mudou de posição inquietamente na cadeira e continuou:
— Pensei que as pessoas estavam espalhando falsos rumores
a seu respeito —. Hesitou ela, os olhos suaves implorando-me que
dissesse tudo não passar de uma mentira.
— Não é mentira, tia Amina — disse eu —, fiz uma entrega
completa a Cristo. Fui batizada. Agora sou cristã.
Ela bateu com as palmas das mãos nas bochechas. — Oh,
que grande erro! — exclamou ela. Ficou sentada completamente
imóvel por alguns instantes, incapaz de acrescentar qualquer coisa.
Então, lentamente, enrolou-se no xale, levantou-se e com dignidade
fria saiu da casa.
Fiquei esmagada, mas pedi ao Senhor que a protegesse da
mágoa devastadora que estava sentindo. Eu sabia que tinha de
descobrir a oração dele para a minha família. Doutra forma, eu
deixaria uma esteira de pessoas amadas feridas atrás de mim.
— Senhor —, disse eu —, o ideal, é claro, seria que cada uma
dessas pessoas viesse a conhecer-te. Mas sei que ainda que não se
convertam, tu ainda as ama, e neste instante peço-te que toques
cada uma destas pessoas amadas com tua bênção especial,
começando, por favor, com tia Amina. Obrigada, Senhor!
No dia seguinte tive de fazer a mesma oração. Desta vez foi
por Aslam, um querido e idoso primo que veio ver-me. Era
advogado e morava cerca de 80 quilômetros distante de Wah.
Como filho do irmão de meu pai, tinha herdado muitas das
características deste; o mesmo sorriso afetuoso, o mesmo senso de
humor gentil. Eu gostava de Aslam. Da atitude dele, depreendi que
não havia ouvido os particulares do meu problema. Trocamos
algumas galanterias, e então Aslam disse:
— Quando é a reunião da família? Virei apanhá-la e iremos
juntos.
Ri.
— Não sei quando será a reunião da família, Aslam, mas sei
que não serei convidada porque a reunião é por minha causa.
Ele parecia tão confuso que senti devia explicar tudo.
— Mas, por favor, vá à reunião, Aslam — disse eu, ao
terminar a explicação. — Talvez você possa dizer alguma coisa boa
por mim.
Observei-o sair tristemente da casa; era óbvio, pensei eu, que
o clímax se aproximava. Era melhor eu ir a Rawalpindi e a Lahore
assim que pudesse. Eu não queria que Tooni e meu filho Khalid
ouvissem histórias distorcidas a meu respeito. Não havia nada que
eu pudesse fazer pessoalmente por minha filha Khalida que
morava na África. Mas poderia encarar Khalid e Tooni. Logo no dia
seguinte parti para Lahore. Khalid tinha-se saído muito bem nos
negócios, e sua casa bem o refletia. Um bangalô adorável na cidade,
cercado de varandas largas e um gramado imaculadamente bem
cuidado.
Entramos pelo portão, estacionamos à entrada e subimos
para a larga varanda. Khalid, que tinha sido alertado pela família e
por meu interurbano, apressou-se a cumprimentar-me.
— Mãe! Que prazer em vê-la —, disse ele, embora eu pudesse
perceber um pouco de embaraço em suas boas-vindas.
Conversamos toda aquela tarde a respeito do que eu tinha feito,
mas no final percebi que Khalid não compreendia de maneira
alguma.
Em seguida tinha de ir ver Tooni. Dirigi-me a Rawalpindi e fui
direto ao hospital. Pedi que a chamassem pelo sistema de alto-falantes,
e enquanto esperava, meditava em como devia contar
tudo a ela. Indubitavelmente ela já devia ter ouvido algumas
histórias. É certo que ela sabia, em primeira mão, que eu estivera
lendo a Bíblia. Ela podia até ter ouvido alguns pedaços de minha
conversa com a freira católica, a Dra. Santiago, neste mesmo
hospital no dia em que Mamude foi internado. Uma coisa ela certamente
não sabia: o quanto aquela conversa com a Dra. Santiago
tinha mudado minha vida, pois foi essa pequena freira que me
encorajou a orar a Deus como meu Pai.
— Mãe! — Levantei os olhos e vi Tooni apressando-se em
minha direção, o cabelo cor de castanha em definido contraste com
o uniforme branco e engomado; rosto sorridente, braços abertos.
Levantei-me com o coração aos pulos. Como é que havia de
dar-lhe as notícias? Tentei pensar em maneiras gentis, mas o
temor da pressão da parte de Tooni era demais para mim. Sem
fazer rodeios, coloquei tudo para fora.
— Tooni —, disse eu — prepare-se para um choque, querida.
Dois dias atrás eu fui...eu fui batizada.
Tooni estacou, a mão meio estendida; os olhos sensíveis
enchiam-se de lágrimas. Deixou-se cair no divã ao meu lado.
— Eu pensei que ia acabar assim —, disse ela com uma voz
quase inaudível.
Tentei confortá-la, mas não tive êxito.
— Não há motivo para fingir trabalhar —, disse Tooni. Assim,
pediu licença para sair mais cedo e juntas dirigimo-nos para seu
apartamento. O telefone de Tooni estava tocando enquanto
destrancava a porta; entrou apressada, apanhou o receptor e
voltando-se para mim disse:
— É Nina.
Nina era um sobrinha que morava em Rawalpindi. — Ela
quer saber se é verdade —. Voltou-se para o telefone, pois Nina,
evidentemente, havia começado a falar de novo; e de onde estava
eu podia ouvir a voz de Nina aumentando de volume. Então Tooni
disse suavemente: — Sim, é verdade, Nina. Ela o fez —. Nina deve
ter batido com o fone, porque Tooni tirou o receptor do ouvido,
olhou para ele, deu de ombros e lentamente colocou-o no seu lugar.
Era melhor dar-lhe tempo para coordenar seus pensamentos. Por
isso apanhei minhas coisas e dispus-me a sair.
— Venha visitar-me, querida —, disse eu — quando sentir
vontade. Conversaremos —. Tooni não fez objeção alguma, de
modo que em alguns minutos eu estava de volta na rodovia Tronco
Grande em direção à minha casa.
Autor(a): grandeshistorias
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No instante em que cheguei,meus criados rodearam-me. Nur-jan esfregava as mãos gordas; orosto de Raisham estava mais pálido do que de costume. O telefonehavia tocado o dia todo, os parentes tinham estado ao portão desdecedo da manhã perguntando por mim. E no meio da conversa doscriados, o telefone tocou de novo. Era Jamil, marido de minha irm&atil ...
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