Fanfics Brasil - UMA ASSOMBROSA PRESENÇA - Parte II 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA)

Fanfic: 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA) | Tema: Cristianismo, Islamismo, Fé, Amor


Capítulo: UMA ASSOMBROSA PRESENÇA - Parte II

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Tirei os olhos da foto com moldura de ouro e coloquei-a
virada, de volta à penteadeira; voltei-me para a janela do quarto
olhando para a vila. Wah... o próprio nome da vila era uma
exclamação de alegria.
Séculos antes, quando esta vila não passava de uma
pequenina aldeia, o lendário imperador Mogul Akbar passou por
aqui e sua caravana parou para descansar perto de uma fonte que
agora fazia parte de meu ambiente. Ele, agradecidamente, sentou-se
sob um salgueiro e exclamou com alegria: "Wah!", dando, assim,
nome a esta área para sempre.
Mas a lembrança desta cena não me trouxe alívio do
sentimento de inquietude que me acompanhava desde o momento
da experiência estranha da noite anterior.
Entretanto, tentei desfazer-me dele. Em pé, à janela, disse a
mim mesma que já era manhã do dia seguinte, uma hora de
segurança com rotinas familiares e a cálida luz do sol. O episódio
da noite prévia parecia tão real e, ao mesmo tempo, tão remoto
quanto um sonho mau. Abri as cortinas brancas e aspirei
profundamente o ar fresco da manhã, ouvindo o som sibilante da
vassoura do lixeiro varrendo o pátio. A fragrância da fumaça de
lenha queimada, vinda dos fogões que preparavam as refeições
matinais elevavam-se até mim e o ruído rítmico das rodas dos
moinhos d`água soava à distância. Suspirei satisfeita. Isto era Wah,
meu lar; era, afinal de contas, segurança. Foi aqui que Navab
Mohammad Hayat Kahn, príncipe e senhor feudal, vivera
setecentos anos atrás. Éramos seus descendentes diretos e minha
família era conhecida por toda a Índia como os Hayat de Wah.
Séculos atrás as caravanas dos imperadores desviavam-se da
rodovia Tronco Grande a fim de visitar meus ancestrais. Nos dias
de minha infância, pessoas importantes, de toda a Europa e da
Ásia, passavam pela mesma estrada, outrora caminho para as
caravanas que atravessavam a Índia, a fim de visitar minha família.
Mas agora, somente os membros de minha família seguiam essa
estrada até o portão. É claro que isto significava que eu não via
muita gente, a não ser minha família imediata. Não me preocupava
muito. Meus catorze criados eram companhia suficiente. Eles e
seus ancestrais haviam servido minha família por gerações. E mais
importante ainda, eu tinha Mamude.
Mamude era meu neto de quatro anos de idade. A mãe dele,
Tooni, esbelta e atraente, era a mais jovem de meus três filhos.
Tooni era médica no hospital da sagrada família na cidade vizinha
de Rawalpindi. Seu ex-marido era um preeminente proprietário de
terras. Tiveram um casamento infeliz; o relacionamento entre eles
deteriorava um pouco mais cada ano. Durante seus desacordos
longos e amargos, Tooni enviava Mamude para ficar comigo até
que ela e seu marido chegassem a outra trégua inquietante. Certo
dia, Tooni e seu esposo vieram visitar-me. Podia eu ficar com
Mamude, que tinha um ano de idade, por algum tempo até que
resolvessem suas diferenças?
— Não —, disse eu. — Não quero que ele se torne uma bola
de pingue-pongue. Mas terei prazer em adotá-lo e criá-lo como
meu próprio filho.
É triste dizer, mas Tooni e seu esposo jamais puderam
resolver suas diferenças e finalmente se divorciaram. Entretanto,
consentiram em que eu adotasse Mamude, e tudo estava indo
muito bem. Tooni vinha ver Mamude freqüentemente e nós três
éramos muito íntimos, particularmente porque meus dois outros
filhos moravam muito longe.
Mais tarde nessa manhã Mamude pedalava seu triciclo no
terraço pavimentado e sombreado por amendoeiras. Já fazia mais
de três anos que ele estava comigo e essa criança adorável, com
cara de anjo, olhos castanho-azul profundos e nariz achatado era a
única alegria de minha vida. Seu riso cristalino parecia alegrar o
espírito desta velha e isolada casa. Ainda assim preocupava-me
com o efeito que teria sobre ele o viver com um pessoa tão abatida
como eu e tentava compensar certificando-me de que cada uma de
suas necessidades fosse antecipada — e isto incluía seus três
criados, além dos meus onze, que o vestiam, traziam-lhe
brinquedos e os guardavam depois de ele terminar de brincar.
Mas eu estava preocupada com Mamude. Ele tinha-se
recusado a comer por vários dias. Isto era muito esquisito, pois o
menino estava sempre indo à cozinha e adulando meus cozinheiros
com o fim de ganhar biscoitos, doces e lanches. Um pouco mais
cedo nessa manhã eu tinha descido até o terraço. Depois de trocar
um abraço afetuoso com Mamude, perguntei ao criado dele se o
menino havia comido.
— Não, Begum Sahib, ele se recusa —, disse o criado quase
num sussurro. Ao pressionar Mamude a comer alguma coisa, ele
simplesmente respondia que não estava com fome.
Fiquei realmente perturbada quando Nur-jan veio procurarme
a sós e sugeriu, receosa, que Mamude estava sendo atacado
por espíritos maus. Espantada, olhei para ela fixamente,
lembrando-me da experiência inquietante da noite anterior. Que
significava tudo isso? Uma vez mais pedi que Mamude comesse,
mas sem nenhum resultado. Ele nem mesmo havia tocado seus
chocolates suíços favoritos, importados especialmente para ele.
Levantara para mim os olhos límpidos quando lhe ofereci a caixa
de chocolates, dizendo:
— Adoraria comê-los, mamãe, — disse ele. — Mas quando
tento engolir, dói-me a garganta.
Um calafrio percorreu-me o corpo enquanto eu olhava para
meu netinho, antes tão ativo e agora tão sem vida.
Mandei imediatamente chamar Manzur, meu chofer, também
cristão, e ordenei-lhe que aprontasse o carro. Dentro de uma hora
estávamos em Rawalpindi a fim de consultar o médico de Mamude.
O pediatra examinou Mamude cuidadosamente e disse não ter
encontrado nele nada errado.
O temor enregelava-me enquanto dirigíamos de volta à quinta.
Olhando para meu netinho, sentado quietamente ao meu lado, eu
meditava. Haveria alguma possibilidade de Nur-jan estar certa?
Será que isto ia além do mundo físico? Era... algo do mundo dos
espíritos que me estava atacando? Coloquei o braço em volta da
criança, sorrindo de mim mesma por entreter tais pensamentos.
Certa vez, lembrei-me, meu pai havia-me contado de um lendário
muçulmano, homem santo, que podia realizar milagres. Ri-me da
idéia. Papai ficou descontente, mas era assim que eu via tais
reivindicações. Mas, hoje, apertando Mamude contra o coração
enquanto o carro saía da rodovia Tronco Grande e entrava em
nossa própria estrada, encontrei-me brincando com um
pensamento indesejado: poderia o problema de Mamude estar
relacionado com a cerração do jardim?
Ao partilhar meus temores com Nur-jan, ela levou as mãos à
garganta e implorou-me que mandasse chamar o mulá da aldeia e
pedisse que ele orasse por Mamude e que aspergisse água benta
no jardim.
Debati seu pedido. Embora eu cresse nos ensinamentos
básicos dos muçulmanos, havia-me desviado de muitos rituais por
vários anos, tais como orar cinco vezes por dia, jejuar, as
complicadas purificações cerimoniais. Mas minha preocupação por
Mamude venceu minhas dúvidas e disse a Nur-jan que podia
mandar chamar o homem santo da mesquita da vila.
Na manhã seguinte Mamude e eu estávamos sentados à
minha janela impacientemente esperando pelo mulá. Quando,
finalmente, o avistei subindo os degraus da varanda, a capa fina e
esfarrapada esvoaçando ao vento frio de outono, arrependi-me de
tê-lo mandado chamar e ao mesmo tempo fiquei com raiva por ele
não andar mais depressa.
Nur-jan introduziu o velho esquelético em meus aposentos, e
retirou-se. Mamude observava o homem curiosamente enquanto
ele abria seu Alcorão. O mulá cuja pele combinava com o couro
antigo do seu livro santo, olhou-me com olhos enrugados, e
colocou a mão, curtida pelo tempo, sobre a cabeça de Mamude e
numa voz tremida começou a recitar o kul — a oração que todo
muçulmano recita quando vai começar um ato importante — quer
seja orar pelos doentes ou fazer um acordo comercial.
Então o mulá começou a ler o Alcorão em árabe — o Alcorão
sempre é lido em árabe pois seria errado traduzir as palavras que o
próprio anjo de Deus havia dado ao profeta Maomé. Tornei-me
impaciente. Devo ter começado a bater o pé no chão.
— Begum Sahib, — disse o mulá, estendendo-me o
Alcorão. — A senhora também devia ler estes versículos. — Ele se
referia ao Sura Falaque e ao Sura Naz, versículos que devem ser
repetidos quando a pessoa se encontra em dificuldades. — Por que
não repete também estes versículos?
— Não —, disse eu. — Não vou repetir. Deus se esqueceu de
mim e eu me esqueci de Deus! — Mas ao ver o olhar de mágoa que
se estampou no rosto do velho homem, abrandei-me. Afinal de
contas, ele tinha vindo por causa de meu pedido e pelo bem-estar
de Mamude.
— Está bem —, disse eu, pegando o livro gasto. Abri-o por
acaso, e li o primeiro versículo que meus olhos encontraram:
Maomé é o mensageiro de Deus, e os que com ele
estão são duros contra os incrédulos...
Pensei na moça cristã que havia sido assassinada e na
cerração que aparecera no meu jardim logo depois de ela ter sido
morta, e acima de tudo na doença misteriosa de Mamude. Haveria
alguma relação entre elas? É claro que nenhuma força espiritual
irada relacionaria a mim e a Mamude com uma cristã. Estremeci-me.
Mas o santo homem pareceu satisfeito. A despeito de minhas
reservas ele voltou por três dias consecutivos a fim de recitar
versículos sobre Mamude.
E, para completar a série de acontecimentos misteriosos e
inquietantes, Mamude realmente melhorou.
Que devia eu inferir de todos esses acontecimentos?
A resposta a essa indagação não se faria esperar. Sem eu
saber, acontecimentos que haviam de esmagar o mundo que eu
tinha conhecido durante toda a minha vida tinham sido colocados
em ação.



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Autor(a): grandeshistorias

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Depois destas experiências senti-me atraída ao Alcorão.Talvez ele ajudasse explicar os acontecimentos e, ao mesmo tempo,preencher o vazio dentro de mim. Era certo que este livro continharespostas que, muitas vezes, haviam dado ânimo a minha família.Por certo que eu havia lido o Alcorão antes. Lembro-meexatamente da idade em que comecei ...


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