Fanfics Brasil - TEMPO DE SEMEAR - Parte II 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA)

Fanfic: 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA) | Tema: Cristianismo, Islamismo, Fé, Amor


Capítulo: TEMPO DE SEMEAR - Parte II

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Chamei Mamude, que ainda não estava tão longe que não
pudesse ouvir minha voz. Uma vez mais ele enfiou o rosto
bronzeado pela porta.
— Mamude — disse eu —, o que essa mulher deseja?
— Acho que o bebê dela está doente —, disse Mamude
entrando no quarto. Eu podia ver a preocupação estampada em
seu rosto.
— Bem, então leve-a à sala de recepção —. Ordenei enquanto
me preparava para descer.
Num instante, juntei-me a Mamude, à mulher e à criança. A
mulher vestia-se grosseiramente, à moda dos camponeses. Tinha a
aparência de avó e não de mãe do bebê. Rosto murcho, ombros
descaídos; as pantalonas envolviam uma estrutura franzina. Só
quando levantou para mim o rosto e fitou-me com seus olhos
castanhos profundos pude perceber que ela também não passava
de uma criança.
— Que posso fazer por você? — perguntei, meu coração
suavizando-se.
— Ouvi falar da senhora na vila, e andei até aqui. O lugar
mencionado por ela ficava a 25 quilômetros de distância. Não era
de admirar que a pobrezinha tivesse essa aparência tão cansada.
Mandei buscar chá e sanduíche. Perguntava-me a mim mesma se
ela ainda estava dando de mamar ao bebê; em algumas vilas as
mães amamentam seus filhos até aos três anos de idade. Os olhos
do bebê fixaram-se, sem vida, no candelabro de cristal, a boquinha
imóvel. Coloquei a mão sobre a testa da criança a fim de orar por
ela; a testa estava quente e seca. Ao impor as mãos sobre a cabeça
da mulher, podia sentir gerações de minha família estremecendo-se.
No passado, eu teria ficado horrorizada se até a sombra desta
camponesa tivesse pousado sobre mim.
Meu coração encheu-se de compaixão para com os pequenos,
mãe e filho, enquanto pedia a Deus que os curasse em nome de
Jesus. Quando a criada retornou, disse-lhe que trouxesse algumas
vitaminas para a mãe. Conversamos por cerca de meia hora, a mãe
contando-me sua vida com um marido que tinha sido aleijado num
acidente, o bebê, alimento insuficiente. E, sim, ela estava dando de
mamar ao bebê — era a maneira mais barata de alimentá-lo.
Quando a mulher finalmente se levantou para sair, retive-a com
um gesto.
— Não —, murmurei. — Ainda não. Devemos descobrir uma
maneira pela qual você e o bebê recebam ajuda. — Ao dizer isto, a
velha Bilquis Sheikh começou a ficar nervosa. E se a noticia
chegasse a outras pessoas necessitadas de Wah que a Begum
Sahib, no grande jardim, dava ajuda aos pobres — não seríamos
invadidos por filas de outras pessoas magras, emaciadas, doentes
e desesperadas?
Mas no instante em que meu coração sussurrava esta
pergunta eu sabia que não tinha escolha. Eu estaria falando a
sério ou não quando disse ter entregado a mim mesma e tudo o
que possuía ao Senhor.
— ... e, é claro, seu marido precisa de atenção também. Vocês
todos irão para o hospital. E vamos colocar algum alimento
decente em seus corpos. Então, se seu marido ainda não puder
encontrar trabalho, avise-me.
Aí terminou a visita. Fiz arranjos para que o hospital me
mandasse a conta e esperei. Mas a mulher jamais voltou. Fiquei
um pouco surpresa. Quando perguntei aos criados se sabiam o
que tinha acontecido a ela, eles — como de costume — tinham a
resposta. Ela, o bebê, e o marido tinham ido ao hospital, e todos
agora estavam melhores. O marido tinha arranjado trabalho. Meu
ego estrilou a princípio por causa da ingratidão da mulher em não
vir agradecer-me, mas o Senhor parou-me a tempo.
— Foi por isso que você a ajudou? Para que pudesse receber
agradecimentos? Eu pensava que a ação de graças devia ser dada
a mim!
E é claro que ele tinha razão. Voltei, mentalmente, ao lugar
onde eu senti ter cuidado dessa mulher pela primeira vez. Então
pedi que o Senhor me perdoasse, e que jamais me permitisse cair
nessa armadilha novamente:
— Senhor — suspirei, — teus braços devem estar cansados
de erguer-me tantas vezes.
Naqueles dias parecia que eu tinha pequenos momentos de
êxito no esforço de viver perto do Senhor, e então era levada de
volta à terra rapidamente, com um fracasso enorme. Indagava a
mim mesma se era esse o padrão geral da vida cristã. E por não ter
ninguém com quem conversar então, tinha de carregar essas
perguntas em segredo.
Certa manhã, enquanto Nur-jan me fazia a toalete, um
pássaro vermelho sentou-se na soleira da janela.
— Oh! — exclamei, — veja o que o Senhor acaba de enviarnos
esta manhã!
Nur-jan continuou a escovar-me os cabelos em silêncio.
Fiquei um pouco surpresa; Nur-jan geralmente era tão
conversadora. Então ela observou com timidez:
— Begum Sheikh, a senhora sabe que quando começa a falar
a respeito do Senhor sua aparência toda muda?
Nessa tarde encomendei várias Bíblias na livraria da missão
em Islamabad. Eram um tipo especial de Bíblias, próprias para
crianças. Eu tinha descoberto a utilidade dessas Bíblias com
Mamude. Descobri também que os criados andavam examinando o
pequeno livro lindamente ilustrado. Quando as Bíblias chegaram,
fiz questão de dar uma a Nur-jan. Imagine minha alegria quando
certo dia ela veio falar comigo em particular.
— Begum Sahib —, disse Nur-jan, seu rosto redondo cheio de
emoção, — tenho algo a dizer-lhe. A Senhora se lembra de como
tantas vezes nos tem dito que se quisermos conhecer este Jesus
tudo o que temos de fazer é pedir que ele entre em nosso
coração? — Com isto esvaiu-se em lágrimas. — Bem, eu o fiz,
Begum Sahib. E ele realmente entrou em meu coração. Jamais
senti tanto amor em toda a minha vida!
Eu não podia acreditar em meus ouvidos. Lancei os braços
em torno da garota, abraçando-a. Dançamos uma valsa à música
do choro em torno do quarto.
— Que notícia incrível, Nur-jan! Agora somos três cristãs —
você, Raisham e eu. Devemos celebrar!
Assim, Raisham, Nur-jan e eu tomamos chá juntas. Não era a
primeira vez que eu tomava chá com pessoas da classe dos
servidores. Mas ainda sentia certa apreensão. Enquanto nós três
cristãs, elegantemente tomávamos nosso chá e mordiscávamos o
bolo, conversando como velhas amigas, minha mente começou a
divagar. O que tinha acontecido à mulher que se havia retirado
para esta propriedade com o fito de subtrair-se à sociedade
afluente? Aqui estava ela, sentada com as criadas. Que escândalo
para minha família e meus amigos! Como isso daria o que falar a
meus velhos amigos e familiares! Pensei no tempo em que
costumava desabafar minhas frustrações com ordens duras e
explosões de gênio. Se notasse um pouco de pó na perna de uma
cadeira, se os criados falassem um pouco alto na cozinha, se
atrasassem meu almoço um só instante, a criadagem toda podia
estar certa de uma explosão. O Senhor tinha realmente trabalhado
comigo, e eu sentia sua companhia com grande satisfação.
Não é que eu desejasse tornar-me santa. Mas estava
começando a aprender que minha responsabilidade como
representante de Jesus Cristo não me permitiria fazer nada que
desonrasse seu nome. Ele também estava-me ensinando que as
ações da pessoa falam mais alto do que as palavras quando se
trata do testemunhar por Cristo.
Então notei uma coisa estranha em nossas reuniões noturnas.
Nur-jan não se encontrava entre as dezenas de aldeões que agora
se reuniam conosco em minha sala de visitas. Que estranho! Certo
dia, depois de ela ter feito meu cabelo, pedi-lhe que ficasse por
mais um instante. Será que ela, perguntei, não gostaria de se
reunir conosco neste domingo?
— Mas Begum —, disse Nur-jan, espantada, o rosto
empalidecendo, — simplesmente não posso falar a respeito do que
aconteceu comigo, ou ir a uma reunião. Meu marido é muçulmano
devoto. Temos quatro filhos. Se eu disser que me tornei cristã ele
simplesmente me abandonará.
— Mas você tem de declarar sua fé —, insisti. — Não há outro
jeito.
Nur-jan olhou para mim tristemente, então saiu do quarto
sacudindo a cabeça e murmurando alguma coisa que mal pude
compreender:
— Mas não pode ser feito.
Alguns dias mais tarde eu estava conversando com a
Reverenda Madre Ruth a quem também tinha conhecido no
Hospital da Sagrada Família. Sempre gostei de conversar com ela.
A Reverenda Madre mencionou que muitas pessoas no Paquistão
eram crentes em segredo.
— Crentes secretos?! — exclamei. — Não consigo perceber
como isso é possível. Se a pessoa é cristã deve gritar essa nova!
— Bem —, disse madre Ruth — olhe para Nicodemos.
— Nicodemos?
— Ele foi um crente em secreto. Verifique o capítulo três do
Evangelho de João.
Abri minha Bíblia ali mesmo e comecei a ler como esse
fariseu tinha ido a Jesus tarde da noite a fim de descobrir mais a
respeito do reino. Eu havia lido este capítulo várias vezes mas até
então não compreendera que Nicodemos fora um crente secreto.
— Talvez em data posterior, Nicodemos tenha demonstrado
sua crença — disse a irmã. — Mas como mostram as Escrituras,
ele teve cuidado em não deixar com que seus companheiros
fariseus percebessem.
No dia seguinte chamei Nur-jan a meu quarto e li os
versículos acerca de Nicodemos para ela.
— Sinto muito por tê-la colocado numa situação
desconfortável — disse eu. — Com o tempo o Senhor poderá
mostrar-lhe como declarar sua fé. Nesse ínterim simplesmente siga
cuidadosamente sua liderança.
Seu rosto alegrou-se. Mais tarde ouvi-a murmurando uma
canção alegremente enquanto trabalhava. "Espero ter feito a coisa
certa, Senhor", disse eu. "Tenho de cuidar-me para que não me
coloque em posição de julgamento contra ninguém."
Alguns dias mais tarde, descobri para mim mesma, com nova
intensidade, quão difícil era tornar-se cristã nesta parte do mundo.
Certa tarde o telefone tocou. Era um dos meus tios, um
parente que tinha sido particularmente severo comigo. Embora o
boicote da família tivesse começado a diminuir de intensidade, este
tio não tinha entrado em contato comigo, nem falado comigo. Sua
voz no telefone parecia dura.
— Bilquis?!
— Sim.
— Ouvi dizer que você está desviando outros. Você os está
tirando da verdadeira fé.
— Bem, querido tio, isso é uma questão de opinião. Podia
imaginar o rosto do homem ficando vermelho de raiva que
transparecia em sua voz.
— Você tomar essa decisão para si mesma é uma coisa. Mas é
outra bem diferente que outros a sigam. Você deve parar com isso,
Bilquis.
— Tio, sua preocupação me sensibiliza, mas devo lembrar-lhe
que deve dirigir sua vida, e eu, a minha.
Logo no dia seguinte quando meu novo chofer levava-me de
volta à casa depois de uma visita a Tooni, um homem no meio da
estrada tentou parar o carro. O chofer sabia que eu costumava dar
caronas. Mas desta vez ele não quis parar.
— Por favor, não peça que eu pare, Begum —, disse ele com
determinação na voz. Deu uma guinada, desviando-se do homem;
os pneus cantaram à beira da rodovia.
— O que você quer dizer? — Inclinei-me para frente. — Você
acha que aquele homem estava tentando ...
— Begum ...
— Sim?
— Begum, é só que ... — o homem recolheu-se ao silêncio e a
despeito de todas as minhas perguntas não consegui mais
nenhuma informação dele.
Nem bem havia passado uma semana quando outra de
minhas criadas entrou em meu quarto, logo depois de eu ter-me
retirado para o descanso da tarde.
Fechou a porta atrás de si.
— Espero que a senhora não se incomode — disse ela
sussurrando. — Mas eu tenho de adverti-la. Meu irmão esteve na
mesquita de Rawalpindi ontem. Um grupo de jovens começou a
falar a respeito do dano que a senhora está causando.
Continuaram dizendo que era preciso fazer algo; logo. Algo que a
fizesse calar.
A voz da criada tremia.
— Oh, Begum Sahib —, disse ela — a senhora precisa ser tão
aberta? Tememos pela senhora e pelo menino.
Meu coração deu um salto. Agora era minha vez de indagar se
não teria sido melhor permanecer uma crente secreta nesta terra,
ainda mais nesta família onde Jesus era anátema.



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Autor(a): grandeshistorias

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