Fanfics Brasil - O ESTRANHO LIVRO - Parte II 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA)

Fanfic: 𝔸𝕋ℝ𝔼𝕍𝕀-𝕄𝔼 a chamar-lhe Pai (CONCLUÍDA) | Tema: Cristianismo, Islamismo, Fé, Amor


Capítulo: O ESTRANHO LIVRO - Parte II

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Mamãe, com quem tinha bastante intimidade, morreu sete
anos mais tarde, deixando-me completamente só.
Lá no jardim, as sombras haviam-se alongado e outra vez
encontrava-me no crepúsculo. Não, o conforto que eu procurara
nas recordações haviam somente trazido dores. Suavemente, à
distância, ouvia o chamado do muezim à oração crepuscular; a
melodia assustadora somente aprofundava a solidão dentro de
mim.
— Onde? Ó Alá —, murmurei ao ritmo da oração, — onde
está o conforto que prometeste?
De volta ao quarto, naquela noite, tornei a apanhar o
exemplar do Alcorão de minha mãe. Enquanto lia ficava novamente
impressionada com as muitas referências aos escritos judaicos e
cristãos que o precederam. Talvez, meditava, devesse continuar
minha busca nesses livros.
Mas isso significaria ler a Bíblia. E como podia a Bíblia ajudar
uma vez que, como todo mundo sabia, os cristãos primitivos
haviam-na falsificado tanto? Mas a idéia de ler a Bíblia tornava-se
cada vez mais insistente. Qual era o conceito bíblico de Deus? O
que dizia ela a respeito do profeta Jesus? Talvez, afinal de contas,
eu devesse lê-la.
Então surgiu o problema: onde poderia eu conseguir uma
Bíblia? Nenhuma loja em nossa região teria uma Bíblia para
vender.
Talvez Raisham tivesse um exemplar. Mas logo descartei tal
idéia. Ainda que tivesse, meu pedido somente a assustaria.
Paquistanenses têm sido assassinados por até mesmo parecerem
estar persuadindo os muçulmanos a se tornarem cristãos traidores.
Pensei em meus outros criados cristãos. Minha família havia-me
prevenido a não empregar cristãos por causa de sua notória falta
de lealdade e confiança. Mas não deixei que isso me incomodasse;
enquanto cumprissem seus deveres, eu estava satisfeita. De
qualquer modo, é de duvidar que fossem muito sinceros. Afinal de
contas, quando os missionários cristãos chegaram à Índia foi-lhes
fácil fazer convertidos entre as classes mais baixas. A maioria
destes eram lixeiros, pessoas tão baixas na ordem social que seu
trabalho era limitado a limpar ruas, calçadas e sarjetas. Nós, os
muçulmanos, chamávamos a essas pessoas servis de "cristãos de
arroz". Não era este o motivo pelo qual aceitavam uma religião
falsa, a fim de conseguir alimento, roupa e instrução escolar
oferecidos gratuitamente pelos missionários?
— Olhávamos para os próprios missionários com certo
desdém; ocupavam-se tão avidamente com essas pobres criaturas.
De fato, somente alguns meses antes, Manzur, meu chofer, um
cristão, perguntou se podia mostrar meu jardim a alguns missionários
locais.
— É claro —, disse eu generosamente, pensando no pobre
Manzur que evidentemente desejava tanto impressionar essas
pessoas. Alguns dias mais tarde, da janela do meu quarto, observei
o jovem casal de norte-americanos passeando pelo jardim. Manzur
tinha-se referido a eles como o Reverendo e a Sra. David Mitchell.
Ambos possuíam cabelo castanho-claro, olhos pálidos e usavam
roupas velhas em estilo ocidental. Que criaturas sem cor, pensei
eu. Ainda assim, mandei recado ao jardineiro que desse algumas
sementes a esses missionários, se eles as pedissem.
Mas o pensar em Manzur deu-me a resposta quanto ao
conseguir uma Bíblia. Ele haveria de conseguir uma para mim.
Amanhã, dar-lhe-ia a incumbência.
Assim, na manhã seguinte, chamei-o a meus aposentos. Ele
permaneceu perante mim, em posição de sentido, em suas
pantalonas brancas; o tique nervoso de seu rosto dava-me certo
desconforto, como sempre o fizera.
— Manzur, quero que você consiga uma Bíblia para mim.
— Uma Bíblia? — seus olhos dilataram.
— E claro! — disse eu, tentando ser paciente. Eu tinha
certeza que Manzur não possuía uma Bíblia, pois não sabia ler.
Mas achava que ele podia conseguir uma para mim. Ele
murmurou alguma coisa ininteligível, e eu repeti simples, mas
firmemente:
— Manzur, consiga-me uma Bíblia.
Ele assentiu com a cabeça, curvou-se e saiu. Eu sabia por
que ele relutava em conceder-me o pedido. O caráter de Manzur
não era mais firme do que o de Raisham. Ambos lembravam-se da
garota assassinada. Dar uma Bíblia a um lixeiro era uma coisa;
trazer uma Bíblia a uma pessoa da classe alta era uma história
completamente diferente. O conhecimento de tal fato podia
significar grandes dificuldades, deveras.
Dois dias mais tarde Manzur levava-me a Rawalpindi para
visitar Tooni.
— Manzur, eu ainda não tenho a Bíblia.
Eu podia ver as juntas dos dedos dele embranquecerem ao
apertar com força o volante.
— Begum, vou conseguir-lhe uma. Três dias depois chamei-o
à casa.
— Manzur, pedi-lhe três vezes que me trouxesse uma Bíblia,
e você não o fez —. O tique nervoso do seu rosto tornou-se mais
acentuado. — Dou-lhe um dia mais. Se amanhã eu não tiver uma
Bíblia você está despedido.
Seu rosto ficou lívido. Ele sabia que eu estava falando sério.
Voltou-se e saiu, suas botas de chofer fazendo barulho no assoalho.
No dia seguinte, logo antes da visita de Tooni, uma Bíblia
pequena apareceu misteriosamente na mesa da sala de estar do
andar de baixo. Apanhei-a e a examinei de perto — encadernação
barata, capa cinzenta, impressa em urdo, um dialeto hindu local.
Havia sido traduzida por um inglês 180 anos antes. O estilo era
antiquado e de difícil compreensão. Manzur, evidentemente, havia
obtido essa Bíblia de algum amigo; era quase nova. Folheei as
páginas finas, coloquei-a sobre a mesa e me esqueci dela.
Alguns minutos mais tarde Tooni chegou. Mamude entrou
correndo logo atrás dela, gritando, pois sabia que a mãe ter-lhe-ia
trazido um brinquedo. Num instante Mamude saiu correndo para o
terraço, passando pelas portas francesas com o novo avião de
brinquedo; Tooni e eu preparamo-nos para o chá. Foi então que
Tooni percebeu a Bíblia sobre a mesa ao meu lado.
— Oh, uma Bíblia! — disse ela. — Abra-a e veja o que ela tem
a dizer —. Nossa família dá valor a qualquer livro religioso. Era um
passatempo comum deixar que um livro santo caísse, abrindo-se
ao acaso; então a pessoa colocava o dedo, sem olhar, em uma
passagem, quase como querendo que ela lhe desse uma profecia.
Alegremente, abri a Bíblia e relanceei os olhos pelas páginas.
Então, uma coisa misteriosa aconteceu. Era como se minha
atenção estivesse sendo atraída a um versículo no canto inferior
direito da página aberta. Inclinei-me para lê-lo:
Chamarei meu povo, àquele que não era meu povo;
e amada àquela que não era amada; e sucederá
que no lugar em que lhe foi dito: vós não sois meu
povo, aí serão chamados filhos do Deus vivo.
Romanos 9:25-26 (Phillips)
Sustive o fôlego e um tremor perpassou-me o corpo. Por que
esse versículo teve esse efeito sobre mim? Chamarei meu povo,
àquele que não era meu povo... no lugar em que lhe foi dito: vós
não sois meu povo, aí serão chamados filhos do Deus vivo.
A sala permanecia em silêncio. Levantei os olhos e vi Tooni
esperando graciosamente, pronta para ouvir o que eu havia
encontrado. Mas eu não podia ler a passagem em voz alta. Havia
algo profundo demais nessas palavras para serem lidas como
diversão.
— Bem, o que encontrou, mamãe? — perguntou Tooni, seus
olhos vivos questionando-me.
Fechei o livro, murmurei algo acerca de isso não ser mais um
jogo, e dirigi a conversa para outro assunto.
Mas as palavras bíblicas queimavam-me o coração como
brasas vivas. E vieram a ser a preparação para os sonhos mais
incomuns que jamais tive.



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Autor(a): grandeshistorias

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Só fui pegar a pequena Bíblia cor de cinza no dia seguinte.Nem Tooni nem eu nos referimos à Bíblia novamente depois de euter levado a conversa para outro assunto. Mas por toda a longatarde as palavras da passagem fervilhavam logo abaixo dasuperfície da minha consciência.Cedo, na noite do dia seguinte, retirei-me para meusaposentos ond ...


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