Fanfic: Até eu te encontrar | Tema: Romance, realidade, misticismo, bruxaria, wicca, amor, suspense, aventura
Era Sexta-feira e Flávia voltava para casa em seu último dia de aula na primeira semana em Viçosa. Estava cansada, mas feliz pelos amigos que fizera e pela maneira como tudo estava acontecendo até o momento. Não se arrependia da decisão que tomara, de sair de Lavras e construir sua nova vida em um lugar diferente, com pessoas diferentes das quais estava acostumada nos seus 18 anos de existência. Ela dirigia seu Palio na reta principal da UFV, perdida em seus pensamentos, quando viu Mauro ali, indo em direção às quatro pilastras, a entrada principal da universidade. Flávia encostou o carro, deu uma buzinada e abaixou o vidro do lado do passageiro.
— Ei, Mauro, entra aí que eu te levo para casa.
— Oi, vou aceitar sim, estou um pouco cansado — disse ele, entrando no carro. — Como foi a calourada ontem?
— Foi legal, gostei de ter ido.
— As festas aqui sempre são boas.
— O Felipe me falou.
— Ah, sim, festa é com o cara mesmo. Nunca o vi recusar um convite para uma.
— É, ele parece bem à vontade nas festas — disse Flávia, lembrando de Felipe com Letícia no dia anterior.
— Bom, digamos que ele fica mesmo.
Mauro ficou pensativo. Flávia o olhou e hesitou um pouco.
— Conheci a Carla ontem...
— Ah, a bruxa.
— Bruxa? — Flávia virou para ele espantada.
— Bom, não é bem bruxa. É só que ela... — Agora foi a vez de Mauro hesitar e olhar para Flávia. — O que você achou dela?
— Er... Bem, eu... — Ela não conseguia encontrar uma palavra para definir Carla. Lembrou do olhar de desprezo dela e isso irritou Flávia novamente.
— Foi o que eu pensei. Bruxa. Bom, na verdade bruxa é como eu, o Felipe e o Ricardo a chamávamos lá em casa. Mas na zoação, sabe. A gente zoava, dizia que ela enfeitiçou o Luigi.
— O Felipe falou isso mesmo, ontem.
— Pois é, a gente falava isso. Brincava que ela fez uma poção para encantá-lo porque, pelo amor de Deus, ela é chata demais. Mas o Luigi não enxerga, é apaixonado por ela. Então, para ele ter ficado apaixonado assim, só pode ser feitiço.
Flávia riu e balançou a cabeça.
— Ei, eu também não acredito nisso, mas era engraçado zoar. A gente ficava tentando imaginar quais foram os ingredientes que ela usou.
— Ingredientes? — Flávia franziu a testa.
— É, para a poção. Duas patas de sapo, cinco asas de morcego, três lágrimas de cobra, pedaços de unha do Luigi, fios de cabelo, essas coisas.
— Vocês não prestam.
— Bom, quando junta três caras que não vão com a cara de uma chata, já pode imaginar o que sai.
— E o que o Luigi achava dos ingredientes?
— Nós não falávamos isso para ele. O cara ficava bravo demais quando a gente criticava a Carla. Mas ela é chata, não é?
— Bom, ela não é das mais simpáticas.
— Pois é.
— O que ela faz na UFV?
— Ela ainda não está na universidade. Ela faz Coluni.
— Coluni? O que é isso?
— É o colégio da UFV. Fica dentro da universidade.
— Ah, não sabia que a UFV tem uma escola universitária.
— Sim. Fica ali atrás do prédio de Laticínios. Aquele ao lado da Economia Rural — explicou Mauro, vendo que Flávia não sabia onde era. Ela estacionou em frente à casa dele. — Quer entrar?
— Não, obrigada. Vou para casa tomar um banho e descansar um pouco para ir novamente à calourada. Você vai hoje?
— Talvez. — Ele deu um beijo na bochecha dela e saiu.
A República Máfia ficava no início da Rua Gomes Barbosa, que é paralela com a Santa Rita, onde Flávia morava quase no seu final, então ela resolveu pegar a primeira transversal, que ligava as duas ruas. Parou na esquina, se preparando para virar à esquerda, quando viu a loja de Sônia, a MinaZen. Decidiu encostar o carro e visitar a vizinha. Desde que chegara a Viçosa tinha vontade de entrar ali, mas nunca encontrava tempo. Desceu do carro e ficou olhando um pouco os artigos através do vidro. Vários incensos, velas, pedras, livros e outros artigos estavam espalhados, enfeitando a vitrine. Flávia empurrou a porta e viu Sônia atrás do balcão e Carla na frente dela. Percebeu que as duas discutiam e chegou a pegar o final da conversa delas.
— Eu não acredito nessas besteiras! — gritou Carla.
— Não é besteira e você sabe disso. Você sabe que é verdade e que é isto que vai acontecer. Ninguém pode contra o verdadeiro amor.
As duas olharam para Flávia, que estava parada na porta, receosa se entrava ou não. Carla fuzilou Flávia com os olhos, virou-se para Sônia, pegou o embrulho que havia em sua mão e saiu, esbarrando bruscamente no braço de Flávia, que se apoiou para não cair. Sentiu um frio na espinha na hora em que Carla passou por ela. Não lembrava se havia sentido esse mesmo frio na noite anterior, quando a conheceu.
— Nossa! — disse Flávia, esfregando o braço, que começou a latejar um pouco.
— Não repara, não. Ela é um pouco estourada — Sônia suspirou. Flávia fez uma careta.
— Ela é estranha — disse, se lembrando do frio na espinha.
— Eu também me sinto assim com a Carla.
— Como você sabe? — Flávia estava confusa e espantada. Sônia deu de ombros.
— Na verdade, ela está nervosa porque o namorado está longe e sabe o que vai acontecer.
— Como assim?
Sônia hesitou um pouco e resolveu mudar de assunto.
— Besteiras do coração. Mas o que te traz aqui?
— Resolvi comprar alguns incensos.
— Hum, quais você quer?
— Eu não sei... Alguns cheirosos? — As duas riram. — Eu não entendo de incenso, minha tia é alérgica, então não podia acender lá em casa. Mas sempre gostei e quero aproveitar agora, que moro sozinha, para poder acender.
— Entendi... Vamos ver... O que você precisa no momento? Proteção, dinheiro, saúde, amor?
— Acho que no momento nada especial. — Flávia deu de ombros. — Eu achei que se escolhia incenso pelo cheiro.
— Não. — Sônia deu um sorriso que fez Flávia se lembrar de sua mãe. Ela levou Flávia até a estante onde ficavam os incensos. — Geralmente se escolhe pelo que ele traz, mas tem gente que vai pelo cheiro mesmo. Se você não precisa de nada especial no momento, pode escolher pelo cheiro, ou então leva alguns para proteção, paz, felicidade, afinal, isto nunca é demais.
— Verdade. — Flávia começou a cheirar alguns incensos que Sônia ia lhe dando.
— Vamos ver. Alfazema e Canela, para tranquilidade; Cânfora, para eliminar energia negativa; Manjeiricão, que traz sorte, felicidade, prosperidade e proteção; Angélica, para proteção; Violeta, que ajuda a espantar as energias negativas; e Anis Estrelado, para atrair boa sorte. Acho que está bom.
— Está sim! — disse Flávia. Sônia levou tudo para o balcão. — Agora tenho incenso para acender sempre.
— Mais alguma coisa?
— Não sei... — Flávia olhou em volta.
— Fique à vontade. — Sônia sorriu. Ficou observando Flávia, que olhava tudo ao redor. Ela reparou nos longos cabelos ruivos da menina, que caíam em cachos pelos ombros e iam até a cintura. A pele dela não era branca demais e isto ajudava a não deixá-la com uma aparência muito pálida. Na verdade, todo o conjunto era harmonioso e dava uma beleza diferente a Flávia.
— Acho que por hoje é só — disse ela, pegando a sacola com os incensos das mãos de Sônia.
— Está indo para casa?
— Sim.
— Eu vou para lá também. Se quiser, é minha convidada para lanchar comigo. Fiz um bolo de fubá hoje após o almoço, deve estar pronto para comer agora.
— Hum... Acho que não vou dispensar. Adoro bolo de fubá.
— Então vamos lá para casa. Soraia! — disse Sônia um pouco mais alto, e uma jovem de cabelos escuros e compridos apareceu por uma porta, que deveria levar ao depósito da loja. Flávia reparou o quanto ela era alta e magra. — Eu vou indo para casa. Feche tudo direitinho quando sair.
— Não se preocupe, Dona Sônia, sempre fecho tudo direitinho.
Soraia sorriu e as duas saíram. Flávia deu carona para Sônia, embora a loja fosse perto do prédio delas. Chegaram ao apartamento de Sônia e Rabisco veio saltitando.
— Ei, Rabisco. — Flávia pegou o cachorrinho no colo.
— Hoje ele acordou um pouco adoentado.
— Sério? O que ele tem?
— Nada de mais; o veterinário disse que é só uma indisposição. Nem o levei para a loja hoje, achei melhor deixá-lo descansar.
— Dando susto na gente, Rabisco?
O cachorrinho lambeu o queixo de Flávia, que riu e o colocou no chão. Ela foi para a cozinha, onde Sônia já colocava a água para ferver para fazer o café. Flávia sentou em uma das quatro cadeiras que havia ali, rodeando uma pequena mesa quadrada.
— Aqui está — disse Sônia, colocando pratinhos na mesa. Ela destampou o bolo e seu cheiro tomou toda a cozinha.
— A cara dele está boa e o cheiro, maravilhoso — comentou Flávia.
— Espero que o gosto também. — Sônia sentou de frente para Flávia, esperando a água ferver. — Daqui a pouco o George, meu marido, chega. Não sei se você já o conheceu.
— Ainda não.
— Ele é dono do Lenha, o restaurante que tem aqui perto.
— Ah, já ouvi falar muito bem de lá. Mas ainda não fui.
— Eu sou suspeita, mas a comida de lá é muito boa. — Sônia ficou alguns minutos quieta, hesitando se tocava em um assunto que queria conversar com Flávia desde que a conheceu. — Desculpa perguntar... Você disse algo sobre morar com sua tia... É só que você me parece familiar.
— Não tem problema — respondeu Flávia. — Meus pais morreram quando eu tinha cinco anos. Meus tios já moravam em Lavras, eles me pegaram para criar. Meu tio é irmão do meu pai e a mulher dele não pode ter filhos.
— Eu sinto muito. — Sônia não estava mentindo, e Flávia sentiu a sinceridade nas palavras dela. — Seus pais são de Lavras?
— Meu pai. Minha mãe era de Ponte Nova, que fica aqui pertinho.
— Sério?
— Sim. Ela se chamava Elizabeth Callaghan Cotta.
Sônia olhou assustada para Flávia. Ela se levantou.
— Não acredito que você é filha da Lizzy! Meu deus, eu sabia que te conhecia de algum lugar. Você lembra demais ela!
— Você conheceu minha mãe? — Os olhos de Flávia encheram de lágrimas.
— Sim, a conheci! Nós éramos amigas.
— Nossa... Não acredito. — Flávia não conseguiu se conter e as lágrimas rolaram pelo seu rosto.
Sônia deu um beijo em sua testa e foi até o fogão, onde a água já estava fervendo. Ela ia falando conforme terminava de fazer o café.
— Seu avô dava aula de Agronomia na UFV. Sua mãe às vezes vinha junto para cá.
— Meu avô era agrônomo? — Flávia não conseguiu conter o espanto. Ela sentia todo o corpo tremer.
— Você não sabia?
— Não... Na verdade não sei nada da família da minha mãe. Meus pais morreram quando eu era bem pequena, nunca tive contato com ninguém da família dela...
— Hum... — Sônia parou por alguns minutos. Depois serviu o café para Flávia. — Você nunca esteve em Ponte Nova?
— Não. Pelo menos que eu me lembre... Meus tios sempre falaram que não havia mais ninguém da família da minha mãe lá.
— De fato, seus avós já faleceram... Minha mãe era muito amiga da sua avó. Acabei me tornando amiga da sua mãe. Quando ela foi para Lavras com seu pai, fomos perdendo contato. Naquela época, não era tão fácil se comunicar, não havia internet, as estradas eram bem piores do que hoje em dia. E com os afazeres do dia a dia, fica difícil manter contato por carta, até mesmo por telefone.
— Puxa, não acredito que vim morar no mesmo prédio de uma antiga amiga de minha mãe. É coincidência demais.
— Coincidências não existem — disse Sônia. — O que acontece é que a vida sempre nos leva na direção de certas pessoas. Bom, mas não vou começar a filosofar agora. Temos muito que conversar.
— Sim, eu quero saber de tudo. Tudo que você sabe da minha mãe, do meu pai. Você o conheceu?
— Sim. Henrique era um rapaz tão bonito! Sua mãe o conheceu em uma das vezes que veio com seu avô aqui. Seu pai era aluno do seu avô. Lizzy o acompanhou até a universidade em uma das aulas e eles se conheceram. Os dois se apaixonaram logo.
— Que romântico... Eu nunca soube como foi. Meus tios não falam muito deles. Toda vez que eu puxo assunto, eles mudam ou falam outra coisa que não tem nada a ver. Minha tia, então, é a que menos fala. Meu tio costuma contar só mesmo casos de quando meus pais já estavam em Lavras.
— Bom, seus pais começaram a namorar logo. Seu avô o achava um bom rapaz. Quando Henrique se formou, eles se casaram e foram para Lavras. Eu fiquei sabendo do seu nascimento, depois do acidente deles. Muito triste...
— E meus avós?
— Sua avó faleceu logo depois que sua mãe foi embora. Seu avô foi um ou dois anos depois, não me lembro ao certo. Seus pais vieram para o velório dos dois. No do seu avô, sua mãe já tinha você, mas como você era pequena, ficou com seus tios em Lavras.
— Puxa... Não imaginei que iria descobrir tanta coisa quando viesse para cá. — Flávia ficou pensativa por alguns instantes. — Na verdade, acho que esperava por isso. Esperava que, estando perto de Ponte Nova, conseguisse algo.
— Você pensa em ir lá?
— Quem sabe?
As duas ficaram conversando o resto do dia e Sônia contou vários casos de quando era jovem e sobre a amizade com Elizabeth. Flávia se sentiu feliz e desistiu de ir à calourada. Não queria parar a conversa com Sônia. Agora, ela se sentia mais em casa do que nunca.
Autor(a): biiviegas
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Era quarta-feira e Flávia voltava da UFV, após mais um dia de aula. Estacionou em frente ao seu prédio. Ficou alguns minutos quieta, lembrando de tudo que aconteceu naquele quase um mês que estava em Viçosa. Sabia que não podia pedir mais do que vinha ganhando. Era feliz com o novo apartamento, a amizade com Sônia e ...
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