Fanfic: Até eu te encontrar | Tema: Romance, realidade, misticismo, bruxaria, wicca, amor, suspense, aventura
Flávia acordou, mas não abriu os olhos. Ficou deitada na cama, sentindo a maciez do colchão. Gostava das quintas-feiras sem aula. Era um modo de descansar dos outros dias da semana. Apertou o travesseiro e abriu os olhos devagar. O quarto estava escuro, por causa do blecaute na cortina. Olhou o relógio digital, que marcava 12h53. Deu um longo suspiro e se levantou vagarosamente. Era bom não ter de acordar cedo por causa de alguma aula.
Ao invés de acender a luz do quarto, abriu a porta e caminhou pelo pequeno corredor indo em direção à sala. Encontrou o sofá-cama arrumado, com os lençóis dobrados embaixo de um travesseiro. Em cima da mesa da sala, havia um bilhete.
Caloura,
Hoje vai ter revanche na sinuca. Me espere!
Felipe
P.S.: Seu sofá-cama realmente é muito bom!!!
Flávia devolveu o bilhete para cima da mesa e sorriu. Lembrou de como Felipe saiu do Leão resmungando por ter perdido na sinuca. Ele recusou tomar o "feijão-amigo" de que gostava antes de sair do bar, de tanta decepção que sentia. Ou seria teimosia? Não sabia, mas também não se importou. Felipe era igual a uma criança, e ela gostava desse lado divertido dele.
Foi até a cozinha e colocou uma fatia de pão de fôrma na torradeira. Enquanto esperava, preparou um copo de leite com chocolate em pó. Depois que a torrada ficou pronta, passou manteiga e foi para a sala. Sentou no sofá e ligou a TV. Ficou mudando de canal, sem prestar atenção em nada. Quando acabou de comer, desligou a TV e ficou alguns minutos quieta. Resolveu acender um incenso e pegou o livro que Sônia havia emprestado.
Flávia não percebeu que as horas haviam passado até ouvir a campainha tocando. Virou o rosto para a janela e se deu conta de que ficara o dia todo lendo. Já estava escuro lá fora, havia parado de ler apenas poucas horas para comer algo e acender a luz da sala. A história das bruxas Mayfair estava em sua cabeça; ficou completamente envolvida, queria saber mais sobre Stella Antha, Deirdre, Michael, Julien, Lasher, todos que faziam parte da incrível "herança" (ou seria maldição a palavra certa?) passada por várias gerações da família.
Olhou para a porta e fechou o livro para atender a campainha, que já tocava insistentemente. Abriu a porta e viu Felipe sorrindo. Ela não conseguiu segurar o riso também, se lembrando da expressão de decepção no rosto dele na noite passada. Ele parecia totalmente esquecido daquilo naquele momento.
— Ei, Caloura, vim te dar uma surra na sinuca hoje.
— Será? — Flávia fez sinal para Felipe entrar.
— Um dia você tem de perder. Eu sou paciente.
— É bom ser mesmo.
— Hum, estou vendo que o sucesso já subiu à sua cabeça.
— Não conte com isto. Apenas sou mais tranquila e menos convencida que você. — Flávia deu de ombros.
— Sei. — Ele olhou ao redor. — O que fez de bom hoje, em seu dia de folga da UFV?
— Li o dia todo.
Felipe levantou as sobrancelhas e arregalou os olhos.
— Tá brincando?
— Não. Peguei um livro com minha vizinha e não consegui parar de ler — disse, apontando o volume que estava em cima do sofá. Felipe foi até lá e o pegou, olhando para a capa.
— A Hora das Bruxas? Está lendo sobre a vida da Carla?
Flávia começou a rir.
— Coitada da garota!
— Coitado do Luigi, que foi enfeitiçado. E de mim, que tenho de aguentá-la.
Flávia balançou a cabeça.
— Você é implicante, sabia?
— Eu? Vai conviver com a Carla pra você ver!
— Eu não tenho de conviver com essa menina.
— Sorte sua. — Felipe suspirou. — Mas e aí? O que vamos fazer até uma hora da manhã? São nove da noite ainda.
— Que tal uma pipoca? Eu já estava pensando em fazer um pouco para comer.
— Beleza.
— Ok, então serve o refrigerante que eu faço a pipoca e trago pra gente em poucos minutos. — Flávia foi em direção à cozinha e Felipe a seguiu.
— Só pôr o pacote no micro-ondas — disse ele, abrindo a geladeira e servindo os refrigerantes.
— Prefiro fazer na panela, é mais gostoso.
— Ih, já vi que vai demorar.
— Fique à vontade enquanto eu faço.
Felipe saiu da cozinha com dois copos nas mãos. Olhou para a sala, mas resolveu dar uma volta pelo apartamento.
Flávia havia transformado o primeiro quarto em escritório, com uma mesa para o computador, que ficava logo á direita, de costas para a janela e ao lado da porta, e outra para estudar, que ficava na parede à esquerda. Na direção da mesa de estudar, na parede oposta, havia uma estante com alguns livros.
Ele seguiu adiante e viu o banheiro, de frente. Ao lado do escritório era o quarto dela. A cama de Flávia ficava na parede oposta a porta, encostada embaixo da janela. Ao lado direito da porta havia o armário e na parede esquerda uma cômoda, com um aparelho de som portátil em cima. Felipe sorriu e entrou, colocando os copos com refrigerante em cima da cômoda. Ligou o som e pegou seu copo, sentando na cama, e o colocando em cima de um criado-mudo que havia ao lado.
Flávia entrou no quarto segurando duas grandes vasilhas de pipocas bem cheias.
— Uau, você fez pipoca pra UFV inteira! — disse Felipe, espantado.
— Se você não aguentar tudo, eu termino. — Ela deu de ombros. — Amo pipoca.
— Dá para ver. — Felipe pegou uma das vasilhas das mãos de Flávia. Ela sentou ao lado dele na cama. — Sua cama é muito boa.
— Obrigada. Eu acho. — Ela fez uma careta e ele riu.
— Esse CD aí é legalzinho, mas eu tenho um que você vai gostar mais.
— Mais que Barão Vermelho? Impossível!
— Pode ser que mais não. Talvez tanto quanto.
— Felipe, não existe nenhum CD que me agrade mais que Barão. A voz do Frejat é tudo.
Felipe suspirou.
— Você é bem teimosa, sabia?
— Sabia. — Ela balançou a cabeça. — Mas diz aí, qual CD tão maravilhoso é esse?
— O Grande Encontro. Conhece?
— Não...
— Elba Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho juntos.
— Um grande time.
— Sim. Que resultou em um grande encontro. — Ele abriu o largo sorriso. — É um CD antigo; meu pai o escutava muito quando eu era criança. Depois te empresto.
Felipe ficou um longo tempo encarando-a, até Flávia se sentir incomodada com o olhar penetrante dele.
— O que você tanto olha?
— Eu descobri uma coisa... — Ele sorriu maliciosamente.
— O quê? — Ela estava intrigada. E, ao mesmo tempo, o olhar dele a deixava irrequieta.
— Eu descobri que você namorou o P.C.
— Oh! — Flávia arregalou os olhos. — Isso? Meu namoro com o Paulo César? O que isso tem de mais? — Ela levantou os ombros.
— Nada. Só achei interessante.
— Não entendi.
— Eu conheço o P.C. — Felipe mantinha o sorriso malicioso no rosto. Flávia não gostou do jeito dele, preferia quando exibia seu largo sorriso.
— Conhece? O que você está me escondendo?
— Bom, você sabe que eu fui de frequentar Lavras...
— Sim, quando namorou a Samantha. — Flávia revirou os olhos. Felipe só balançou a cabeça, concordando. Ele ficou um tempo quieto, comendo pipoca. — E? Anda, Felipem diz logo o que você quer dizer.
— Eu não quero dizer nada. — Ele gargalhou. Ela deu um soco no braço dele.
— Claro que quer. Você está doido para me contar algo do Paulo César. — Ele hesitou. — Você vai falar o quê? Que já o viu me traindo?
Felipe se assustou. Olhou para ela.
— Não, não. Não sei se ele te traiu... É só que... Bem, nós meio que já brigamos.
— Meio que já brigaram? Como assim?
Felipe deu um longo suspiro e começou a gargalhar novamente. Olhou para Flávia, que estava espantada e irritada ao mesmo tempo com a demora dele em falar.
— Uma vez, em Alfenas... — Felipe começou a falar. — Bom, em uma festa lá, um grupo de Lavras foi, e o P.C. tava no meio. O Macarrão também, mas você conhece o Macarrão, ele não briga com ninguém. Ele tava chapadão de cerveja, junto com o Ricardo. Os dois estavam lá, quase caindo, abraçados e cantando como se fossem amigos de infância. — Felipe parou para tomar fôlego e rir mais um pouco. Flávia continuou ouvindo. — O grupo estava interagindo, né, Lavras e Alfenas. A galera se conhecia. Aí o P.C., que também já estava chapado, resolveu encrencar com o Ricardo à toa. Não lembro bem qual o motivo, ninguém estava dando fé de nada. O Ric não tinha como se defender porque já estava bem bêbado, começou a falar um monte de coisa sem nexo, e o P.C. quis partir pra cima. Ele chegou a dar um chute na canela do Ric, que caiu no chão. Bom, nessa hora, não preciso nem dizer mais nada. Eu e o Luigi viemos metralhando o cara, sabe, de porrada mesmo. Aí foi uma confusão.
— Eu me lembro desse caso! — Flávia arregalou os olhos, horrorizada. Felipe só ria.
— Uns amigos do P.C. se meteram, mas eu e o Luigi demos conta do recado. Claro, não saímos ilesos, mas eles saíram pior.
— Então eram vocês? Eu me lembro disso. Não estava mais com o Paulo na época dessa confusão, mas lembro dele todo quebrado lá em Lavras.
— É, nós demos um trato bem legal no cara. Ele mereceu.
Flávia continuou olhando para Felipe, séria, até começar a rir. Ele estranhou.
— Do que você está rindo?
— Eu não sei. Acho que é a coincidência. — Ela ficou parada, lembrando das palavras de Sônia, de que não existia coincidência, mas sim que certas pessoas eram colocadas em seu caminho por determinadas razões. — Felipe, você já reparou que estivemos perto várias vezes?
— Como assim? — Ele não entendeu o ponto de vista dela.
— Nós já estivemos próximos. Você ia muito a Lavras, eu me lembro de você namorando a Sam. Bom, não exatamente da sua cara, lembro que ela tinha um namorado de Alfenas.
— Sim, é verdade. — Ele sorriu. — E precisamos vir pra cá para nos conhecermos, né? É isso que você está falando?
— Sim. Engraçado isso.
— Bom, vai acontecer o mesmo com o Luigi. — Ele deu de ombros. Ela o olhou sem entender. — Você vai conhecer ele também e ele também já esteve perto de você algumas vezes, em Lavras, quando ia lá comigo. Ele e o Ric. Você vai gostar dele também. Pena que você não tenha tido chance de conhecer o Ric. —Felipe esboçou um sorriso melancólico. — Você teria gostado dele também.
— Você gosta muito dele, né? Deles — corrigiu.
— Sim. Os dois são os irmãos que eu nunca tive. — Felipe parou e Flávia reparou que ele lutava para não chorar.
— Se você não quiser falar sobre isso, tudo bem.
— Não, não tem problema. Se você não se importar de ver um cara de um metro e noventa chorar... — Ele sorriu sem graça e Flávia sorriu de volta, dando espaço para ele falar, se quisesse. — Nossos pais eram amigos de infância. Só se separaram quando meu pai foi estudar Direito em Belo Horizonte. Meu pai ficou mais uns anos em BH, casou... Aí ele convenceu minha mãe a ir para Alfenas. Assumiu o fórum lá, como juiz, enquanto o pai dos meninos tocava a fazenda deles. A amizade nunca acabou. Eu e o Ric nascemos quase na mesma época, o Luigi veio mais ou menos um ano depois. Desde moleques que somos unidos, como três irmãos. Sempre onde um estava, o outro estava junto. Claro, eu era mais grudado no Ric porque sempre estudamos juntos, na mesma sala, o Luigi era um ano atrás. Sabe, os dois são os caras mais incríveis que já conheci. Tudo está sempre bom para eles, são aquelas pessoas animadas e leais, com quem você pode contar a qualquer hora e em qualquer lugar.
Felipe parou por alguns segundos. Ou minutos, Flávia não teve noç]ao do tempo que ele ficou quieto, apenas deixando algumas lágrimas rolar em seu rosto. Ele deu um longo suspiro e continuou.
— Quando eu decidi fazer Engenharia de Alimentos em Viçosa, o Ric não pensou duas vezes. Veio fazer Agronomia. Não tinha jeito de cada um ir para um lado. O Luigi veio junto, fazer o terceiro ano aqui. Foi uma confusão na casa deles, a mãe não queria de jeito nenhum que ele viesse também. — Felipe pariu e riu, lembrando de algumas coisas do passado. — Mas quem ia tirar a ideia da cabeça do moleque? O Luigi é teimoso que só ele. Acho que viria até fugido, e a mãe dele sabia disso. Não teve outra alternativa a não ser concordar. Foram dois anos muito bons, os melhores das nossas vidas, talvez pela liberdade, pelo fato de finalmente estarmos os três juntos em uma mesma casa. Incrível como o Mauro se adaptou, embora nem sempre estivesse conosco. Aí veio o acidente.
Felipe engasgou e ficou mais um tempo parado. O sofrimento era evidente em seu rosto e Flávia segurou uma de suas mãos, em tom de compreensão e solidariedade. Sem olhar na direção dela, ele sorriu em agradecimento. Ficou mais alguns instantes quieto até voltar a falar, com a voz ainda engasgada.
— Era tarde, de madrugada, quando estávamos voltando de Ubá. Eu não estava cansado, tinha passado aquele dia todo dormindo. Também não tinha bebido uma gota de álcool na festa, sou responsável nessas coisas, embora as pessoas duvidem. Ainda hoje sinto alguns olhares de reprovação pra cima de mim na UFV. Claro, todo mundo aqui amava o Ricardo, não tinha como ser diferente. Nunca conheci alguém que não gostasse dele... Talvez a Carla. A Carla... Ela e o Luigi discutiam no banco de trás, ela cismou que ele deu conversa pra algumas garotas na festa. Até parece, ele só tem olhos para a Carla.
Felipe encostou a cabeça na janela, com o corpo apoiado na parede. Suspirou profundamente algumas vezes.
— O Ric estava no banco do carona, apagado. Estava hipercansado, acho que nunca o vi se divertir tanto quanto naquela festa. parecia estar adivinhando que era sua última. Ele... eu... não sei o que aconteceu, foi tudo tão rápido. Em um minuto tudo tinha acabado, eu perdi a direção do carro, bati. Não me lembro de mais nada, só de acordar no hospital com o Luigi do meu lado, aos prantos. Não precisou falar nada, eu sabia o que tinha acontecido só de olhar para ele. — Felipe olhou para Flávia. — Eu matei o meu amigo. Meu melhor amigo.
— Não foi sua culpa, Felipe! Não diga isso.
Felipe começou a soluçar forte e abraçou Flávia. Apesar de não ter dimensão do sofrimento dele, se sentia angustiada por ouvir a história. Ela retribuiu o abraço o mais forte que conseguiu e sentiu algumas lágrimas rolando também pelo seu rosto. Uma dor enorme estava dentro de seu peito e sabia que a dor que Felipe carregava era maior ainda.
Autor(a): biiviegas
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Flávia acordou sentindo uma enorme pressão no corpo. Abriu os olhos e a única coisa que conseguiu enxergar, na escuridão do quarto, foi o relógio digital marcando 5h46. Tentou se mover e a pressão aumentou. Lembrou da noite anterior e percebeu que era o braço de Felipe que estava sobre seu tórax, apertando-a. Te ...
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