Fanfic: Até eu te encontrar | Tema: Romance, realidade, misticismo, bruxaria, wicca, amor, suspense, aventura
Flávia acordou sentindo uma enorme pressão no corpo. Abriu os olhos e a única coisa que conseguiu enxergar, na escuridão do quarto, foi o relógio digital marcando 5h46. Tentou se mover e a pressão aumentou. Lembrou da noite anterior e percebeu que era o braço de Felipe que estava sobre seu tórax, apertando-a. Tentou tirá-lo, mas Felipe se moveu e a abraçou.
— Sua cama é ainda melhor que o sofá — disse ele. Embora estivesse completamente escuro no quarto, sabia que ele sorria.
— Claro, se não fosse melhor, eu dormiria no sofá — retrucou, tentando inutilmente tirar o braço dele de cima de seu corpo.
— Hum, a Caloura acorda de mau humor.
— Só estou tentando respirar.
Felipe deu uma gargalhada e a soltou. Flávia sentou na cama e acendeu o abajur que havia em cima do criado-mudo. Olhou para baixo e percebeu que havia dormido com a roupa que estava usando na noite anterior. Ela se levantou e o Felipe apertou os olhos, virando para o canto.
— Você vai para a UFV hoje? — perguntou ela, mexendo no armário.
— Agora de manhã, não. Que horas são?
— Quase seis. — Flávia suspirou e tirou uma calça jeans e uma blusa do armário.
— Cedo demais, por que você não volta para a cama?
— Seria um convite tentador, se você fosse meu namorado. — Ela o olhou. — Mas vou aproveitar que acordei e tomar um banho, chegar na UFV mais cedo, com calma.
— Como quiser. — Ele virou para ela e abriu um pouco os olhos. — Posso ficar aqui?
Flávia ficou quieta alguns segundos o observando.
— Eu ia falar à vontade, mas mais à vontade do que você está, impossível. — Ela balançou a mão, virando de volta para o armário.
— Mais à vontade só se eu tirasse minha roupa — brincou ele.
— Não sei se esta é uma visão que eu gostaria de ter numa hora dessas. — Flávia continuou na brincadeira. — Vou tomar banho e sair. Na hora que você acordar, bate a porta e deixa a chave embaixo do capacho lá no corredor.
— Beleza. — Ele levantou a cabeça. — Valeu por ontem — disse, um pouco sem graça.
— Imagina.
Felipe ainda a observava, e Flávia ia sair do quarto quando ele a chamou.
— Vai ter revanche na sinuca hoje?
— Hoje vou até a casa do Gustavo estudar.
— Estudar na sexta-feira de noite?
— Estou com umas dúvidas de Cálculo. Ele não vai fazer nada hoje, então vou lá.
— Hum... — disse Felipe maliciosamente.
— Ai, nada a ver. Ele é tão meu amigo quanto você. Não rola nada.
— Você não tem de me dar explicação.
— Eu sei. Nem sei mesmo por que estou explicando. — Flávia foi em direção ao abajur, mas Felipe segurou sua mão antes que ela desligasse a luz.
— Revanche amanhã?
— Amanhã vou jantar na casa da Sônia, a minha vizinha.
— Você está fugindo. Está com medo!
— Medo? Eu? Vai sonhando! Você que perdeu da última vez.
— Nem sempre a gente perde, nem sempre a gente ganha.
— Vai dormir. A manhã não te faz muito bem. — Ela apagou a luz, mas antes de sair do quarto, Felipe falou alto:
— Você bem que podia trazer café da manhã na cama para mim, né?
Ela não respondeu. Apenas fechou a porta do quarto, e ele já sabia que não ganharia nada.
Flávia foi para o banheiro e escovou os dentes. Entrou debaixo do chuveiro e deixou a água quente cair por todo o corpo. Ainda estava cansada, havia dormido mal, divindindo a cama com Felipe, que era grande e espaçoso. Terminou o banho, se enxugou, colocou a roupa e depois ajeitou os cachos ruivos, para que não ficassem muito rebeldes ao longo do dia. Foi direto para a cozinha comer algo antes de ir para a universidade. Entrou no quarto para pegar sua bolsa. Felipe já dormia, ela percebeu que ele nem notou sua presença lá. Passou no outro quarto, seu escritório, pegou os cadernos e foi para a sala. Antes de sair, pegou o livro de Sônia em cima so sofá. Como ia chegar cedo à UFV, haveria tempo para uma leitura antes da aula.
O dia passou voando, Flávia mal percebeu. Oscilava entre o que Felipe havia lhe contado, sobre sua amizade com os irmãos Ricardo e Luigi e o acidente que tirou a vida de Ricardo. Imaginava o quão doloroso havia sido, o quanto Felipe havia sofrido, e o próprio Luigi, que ela não conhecia ainda, além dos pais de Ricardo. Flávia tentava imaginar como era o rosto dele e o de Luigi. Não entendia por que os dois a fascinavam tanto e percebeu que nunca havia visto uma foto deles. Talvez este fosse o motivo, ouvir tanto sem ter nada concreto a que se pegar. Não tinha tanta certeza quando Felipe falava que ela iria adorar Luigi. A julgar pela namorada dele, Flávia receava que não fosse haver uma amizade como a que tinha com Felipe. Provavelmente seriam apenas "ois" e "tchaus" quando se encontrassem.
O outro motivo que tirou a atenção de Flávia foi a história da família Mayfair. Ela se encantou de imediato e não conseguia parar de pensar nas várias bruxas ao longo de gerações da família. Para ela, esta era uma incrível jornada, sempre uma bruxa comandando uma geração, com o espírito Lasher ao seu lado. Queria terminar logo o primeiro livro e não conseguiu prestar atenção às aulas de Introdução à Agronomia e Biologia Básica, que teve na parte da tarde. Quando o professor de Biologia dispensou a turma, Gustavo teve de cutucar o braço de Flávia para que ela interrompesse a leitura e arrumasse seu material.
— Está voando?
— Sim. Estou viajando entre Nova Orleans e Donnelaith — disse Flávia, fechando o livro e juntando seus cadernos.
— Hã?
— Minha fuga — disse ela, sorrindo, exibindo o livro para ele.
— Você é doida de ficar lendo na aula. O professor olhou umas cem vezes para você, achei que uma hora ele ia arrancar o livro da sua mão.
Ela deu de ombros. Foram caminhando até o estacionamento em frente ao RU, onde Flávia havia parado o carro.
— E aí, Gust? Vai querer estudar na Biblioteca ou na sua casa? Ou na minha?
— Hum... — Gustavo se apoiou no carro de Flávia, ao lado da porta do passageiro, e olhou para ela, que abria a porta do Palio. — O que você acha de passarmos no Quero Mais, comer um supersanduíche e depois ir lá para casa?
— Acho uma boa! — A boca de Flávia encheu de água só de pensar nos sanduíches da lanchonete Quero Mais!
— Então vamos. Apesar de que talvez seja melhor irmos para a sua casa. O pessoal da minha república deve estar lá fazendo uma bagunça... — Gustavo fez uma careta. Flávia ligou o motor e deu partida no carro.
— Você não se adaptou lá, né?
— Não mesmo. Não pela bagunça, pelas farras. Mas sei lá, os caras são estranhos, folgados demais. Não posso comprar nada que eles comem, assaltam a geladeira e o armário na cara de pau. Entram no meu quarto e pegam minhas roupas pra usar sem pedir.
— Isso é chato.
— Se é. Andei pensando em mudar, mas tem um mês que vim pra cá, dá uma preguiça... Talvez semestre que vem eu mude, se continuar não dando certo. Tem um dos caras que está formando agora no meio do ano, pode ser que melhore.
Flávia e Gustavo lancharam e depois foram para o apartamento dela. Encontraram Sônia no corredor, saindo de casa. Flávia supôs que ela havia deixado a loja para Soraia fechar e estava indo encontrar George no Lenha.
— Oi, Flávia! — disse, dando um beijo na vizinha.
— Oi, Sônia. — Ela retribuiu o carinho. — Este é o Gustavo, meu amigo da UFV.
Sônia olhou para Gustavo quieta um momento e depois sorriu.
— Olá. — Ela segurou a mão dele e ficou alguns segundos parada. — Você vai conhecer alguém muito especial, que vai mexer com seu coração. Esteja preparado. — Sônia sorriu para os dois, que olhavam espantados, sem entender nada, e saiu.
— O que foi isso? — perguntou Gustavo, entrando no apartamento de Flávia. Ele colocou suas coisas em cima da mesa que havia na sala.
— Não sei. Nunca vi a Sônia fazer isso.
— Parecia mais uma dessas ciganas que te param na rua para ler seu futuro — disse ele, um pouco sem graça.
— Estranho mesmo... Bom, ela tem uma loja de coisas esotéricas aqui na Santa Rita, não sei se isso interfere no jeito dela.
— Hum, então ela é meio bruxa?
— Bruxa? Não sei.
Flávia ficou olhando o amigo, quieta. Para ela, bruxa sempre foi aquela mulher velha, com uma verruga no nariz, cozinhando em seu caldeirão alguma poção para fazer maldade a alguém. Mas ultimamente vinha ouvindo muito essa palavra para definir outros tipos de pessoas. Carla, as mulheres da família Mayfair e agora Sônia.
— É. Uma bruxa, uma vidente, que prevê o futuro.
— Então você vai encontrar sua cara-metade em breve? — perguntou Flávia. Gustavo fez uma careta.
— Não acredito nessa bobagem. E você?
— Não sei. Nunca parei direito para pensar nisso.
— Ah, fala sério! Toda garota sonha em encontrar o príncipe encantado um dia.
— Estou falando sério. Nunca fui muito de namorar... Não sei se existe isso, cara-metade, alma gêmea.
Os dois sentaram nas cadeiras da mesa e Flávia começou a folhear a apostila de Cálculo . Gustavo ficou olhando fixamente para ela.
— Posso fazer uma pergunta?
— Pode. Se eu puder não responder. — Os dois riram.
— Sério. — Ele hesitou. — Qual é a do Felipe? A sua e a dele?
— Como assim?
— Eu sempre vejo vocês juntos, você mesma falou que às vezes saem juntos, que ele dormiu aqui essa noite.
— Oh! — Flávia não conseguiu esconder o espanto. Ela balançou a cabeça. — Nada a ver, Gust. Ele é só um amigo.
— Sei... — Gustavo encostou-se à cadeira e cruxou os braços, não se mostrando muito convencido.
— É sim, igual a você.
— Eu nunca dormi aqui.
— Isso não muda nada. Não aconteceu nada entre a gente e nem tem por que acontecer. — Flávia fez uma careta, o que divertiu Gustavo.
— Por que não?
— Porque ele é meu amigo, apenas isso. Não tem nada a ver. Seria a mesma coisa que eu te namorasse. — Flávia olhou para ele com outra careta no rosto.
— Não imaginei que me namorar seria alto tão ruim.
— Ai, Gust, não! — Flávia ficou perplexa. — Não foi isso que eu quis falar. Olha só, não tem nada a ver, você sabe disso. É como se ele fosse meu irmão, se você fosse meu irmão. Por exemplo, nós dois somos amigos, saímos juntos, mas eu sei que você não sente atração por mim dessa forma nem eu por você. Com o Felipe é a mesma coisa.
Gustavo balançou a cabeça, concordando com Flávia, mas ainda estava hesitante.
— Mas o apego de vocês é um pouco diferente.
— Acho que é porque o Felipe é um pouco carente, sei lá. Esse lance que te falei, da morte do amigo dele, parece que é algo forte em sua vida e algo que mexe com ele.
— Acho que entendi... — Ele ficou quieto alguns segundos. — É engraçado como a amizade aqui, de um mês apenas, é algo bem forte, né? parece que eu te conheço minha vida toda.
— É... Acho que talvez isso aconteça pelo fato de nós ficarmos praticamente todos os dias, o dia todo, juntos na UFV. E pelo fato de todo mundo estar longe de casa. Isso deixa as pessoas mais vulneráveis.
— Verdade. — Gustavo batucava os dedos na mesa. Flávia percebeu que ele estava longe.
— Pensando na sua alma gêmea que vai surgir em breve? — brincou, e ele ficou com o semblante sério.
— Vamos estudar Cálculo que dá mais futuro para nós — disse ele, abrindo o caderno e mostrando que não queria mais tocar no assunto.
Autor(a): biiviegas
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Flávia passou o sábado em casa. Acendeu um incenso que comprou na MinaZen, como vinha fazendo quase todos os dias, estudou um pouco de Biologia Celular e Química Orgânica e depois ficou lendo A Hora das Bruxas I. Quando escureceu, resolveu deixar os "arquivos Mayfair" de lado e foi se arrumar para o jantar na casa de Sônia.&n ...
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