Fanfic: Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni) | Tema: Levyrroni [Adaptada]
Daquele dia em diante, nosso relacionamento começou a afundar.
Ainda pior que isso, Dulce adoecera e eu achei que fôssemos perdê-la para a pneumonia. William cuidou dela com muito afinco, mostrando-se um médico excepcionalmente dedicado. Porém, foi preciso mais que isso para salvá-la, e foi Christopher quem apresentou a solução. Como esteve no século 21 ajudando o parente doente de Dulce, acabou trazendo, por acidente, um dos remédios usados pelo tal Rafael, algo que nem ele nem William conheciam. Tampouco eu.
Naturalmente, William estudou, com a testa enrugada, a caixinha colorida feita de papel e a tira de material brilhante e transparente onde as bolinhas se aninhavam. Acabou encontrando um folheto dentro da caixinha. Conforme começou a ler, seus olhos foram se arregalando.
— Micro-organismos...? — ele murmurou, fitando o papel. — Mas que diabos pode ser isso?
— Explica como podemos usar? — perguntei, ansiosa.
— Sim. Mas também diz: reações de hipersensibilidade sérias e ocasionalmente fatais foram registradas em pacientes sob tratamento com penicilinas. — Ele esfregou o rosto. — Não sei o que é isso. Não estou certo se se trata de um remédio ou de um veneno. Eu não entendo metade dos termos empregados neste folheto.
— Se Christopher acredita que pode ajudar Dulce, é porque tem um motivo para isso — ponderei, a esperança de Dulce ser salva ressurgindo com força. — E neste momento não podemos ignorar nada que dê uma chance a ela.
Ele examinou o panfleto por mais um instante.
— Sim. Como dizem, é melhor acender uma vela que amaldiçoar a escuridão.
Ele então deu o remédio a ela, e o milagre aconteceu. De um dia para o outro a febre começou a ceder e Dulce já não estava mais em risco. O efeito daquele remédio em William também foi avassalador. Ele ficou absolutamente maravilhado, mas muito — muito mesmo — intrigado. Eu o flagrei lendo o folheto tantas vezes que me perguntei se estava tentando decorá-lo.
Graças aos céus, Dulce se recuperou totalmente, e em pouco tempo sua saúde foi restabelecida. Passado o susto, comecei a notar que William evitava estar a sós comigo. Suas visitas se tornaram cada vez menos frequentes, até que uma semana inteira se passava sem que eu o visse.
Eu tentei seguir com minha vida, ajudando a cuidar de Marina enquanto Dulce se recuperava, a manter a casa funcionando, cuidando dos preparativos das festas de fim de ano, das bodas de Madalena e Gomes, que aconteceriam em alguns dias — os dois haviam sido flagrados aos beijos, e providenciar um casamento pareceu tão certo quanto o sol se erguer a cada amanhecer.
William não se dera o trabalho de aparecer no Natal, nem no Ano-Novo, e eu só soube que ele tinha ido visitar a família, no interior, porque o dr. Almeida me contou. Ao retornar, no entanto, ele me fez uma visita que durou menos de dez minutos, pois tinha um doente lhe esperando. Eu não o via desde então.
Eu andava pensando em um jeito de contar o que tinha acontecido, mas sem revelar a viagem no tempo, pois seria a única maneira de ele acreditar em mim — mas ainda não tinha conseguido pensar em alguma coisa que fizesse sentido.
Tive esperança de que veria William naquela noite e de que talvez pudéssemos voltar a nos entender. Os Andrada haviam acabado de se mudar para a vila. O chefe da família era advogado e queria conhecer os novos vizinhos — e clientes em potencial —, e achou que um baile seria a melhor maneira de travar conhecimento com eles.
O calor dentro do grande salão na casa dos Andrada era insuportável.
Mesmo com todas as janelas abertas, o lugar parecia um forno gigantesco. Achei difícil prestar atenção aos passos da dança e ignorar as gotas de suor pegajosas que se acumulavam em minha nuca ou no vestido de musselina, que se colava em meu corpo como se eu tivesse acabado de mergulhar ainda vestida em uma banheira. Isso tudo me deixava muito mal-humorada.
— A senhorita é uma ouvinte magnífica. Maite, a magnífica! — comentou o sr. Lacerda. — Como eu estava dizendo, By ron é enaltecido sem um real propósito, a meu ver. O que ele fez de tão notável, além de ter uma conduta questionável?
— Pelo que sei, escreveu tantos poemas que foram necessários catorze volumes para publicá-los.
Lacerda desdenhou com um revirar de olhos.
— Catorze volumes repletos de nada. Faltava sensibilidade a By ron. Uma sensibilidade que me sobra.
Imaginei que o calor não fosse o único motivo do meu mau humor, afinal.
Fazia um quarto de hora que eu ouvia o sr. Lacerda tentar fazer rimas e depreciar o trabalho de Lorde By ron. E ele era meu poeta preferido! By ron, não Lacerda.
— As palavras me vêm com facilidade... — continuou ele, bebericando seu vinho. Então olhou para mim como se eu fosse algo doloroso. Muito doloroso. — Este olhar tão cintilante causa inveja por onde passa. Reluz como o granito da lápide onde deitarei meu coração galopante. Aos pés da magnífica Mayte! — O deleite lhe tomou o rosto. — Eu devia anotar isso. Não se importa se eu modificar seu nome, sim?
— Claro que não, sr. Lacerda. E, como não quero atrapalhar seu processo criativo, devo deixá-lo em paz com sua inspiração agora. Mas foi um prazer ouvi-lo. — Fiz um cumprimento apressado e girei sobre os calcanhares, à procura de Dulce, Christopher ou... — Valentina! — Quase colidi com ela.
— Com o que ele a comparou desta vez? — ela quis saber, apontando com a cabeça para Lacerda.
— Meus olhos aparentemente cintilam como uma lápide.
— Meu Deus! Pobre rapaz. — Cobriu a boca, tentando deter o riso. — Acabo de falar com a sra. Uckermann. A recuperação dela é espantosa!
— Dulce está maravilhosamente bem, Valentina. Não parece que esteve doente um único dia.
— Fico contente. Meu coração se apertava toda vez que alguma notícia chegava. Eu só podia pensar na pequena Marina. Que bom que esta história teve um final feliz. O dr. Levy se provou um grande... — Algo atrás de mim atraiu sua atenção. Acompanhei seu olhar e avistei a viúva Miranda abanando o leque enquanto falava com um rapaz.
— Eu odeio aquela senhora — minha amiga murmurou.
Eu estava bastante ciente disso. Na visita que fiz a Teodora na semana anterior, tia Cassandra acabara deixando escapar que o sr. Albuquerque tinha uma amante. Não era a primeira, e Adelaide sempre soubera das escapadas do marido. A diferença era que desta vez ele estava gastando tudo o que tinha com Miranda Mendoza, lhe pagando as dívidas, comprando joias para ela e até uma carruagem nova. A jovem viúva se mudara para a vila havia pouco e desde então o sr. Albuquerque era visto entrando e saindo de sua casa sem qualquer cerimônia, em horários pouco usuais para visitas de cortesia.
Minha amiga voltou o rosto para mim, me fitando com receio.
— Isso me lembra que tenho um assunto urgente a lhe falar, Maite. Não posso fingir que não ouvi os rumores. Não tive coragem de lhe perguntar antes, mas estou preocupada. — Suas bochechas ficaram vermelhas.
— Provavelmente nada do que ouviu é verdade.
— No que diz respeito a sua conduta, eu não tenho dúvida nenhuma. São apenas rumores de muito mau gosto. Mas e no que diz respeito ao dr. Levy? Não o conheço tão bem assim para conseguir delinear seu caráter.
Pisquei, surpresa. Estava ciente de que ainda havia pessoas que não acreditavam na versão dos fatos que minha família havia criado. A frequência das visitas de William ter diminuído drasticamente não estava ajudando muito a sustentar a história.
— Eu... não sei o que andam dizendo sobre ele, Valentina
— Que o dr. Levy não está feliz com o noivado — ela começou, piscando muito, como sempre acontecia quando ficava ansiosa. — Que apenas o mantém por causa do seu... bem... todos estão cientes de que seu dote é bastante generoso — falou, mortificada.
— É isso o que estão dizendo?
— Eu não queria lhe causar aborrecimento — ela tocou meu braço. — Mas estou preocupada, minha amiga. Sei que todas nós procuramos a felicidade no casamento. Uma felicidade que nem sempre é possível. Acredita que ele a fará feliz de verdade?
— Eu... — Antes do baile do meu último aniversário, eu não teria pestanejado, mas agora...
— Se existe qualquer dúvida, Maite, por menor que seja, então a resposta é não. Se esse arranjo não a fará feliz, desista. Ainda há tempo! Não é a sua única opção! Não se permita entrar em um casamento onde se verá obrigada a tolerar os caprichos de um homem que lhe dirá que vai se encontrar com os amigos e voltará para casa fedendo a perfume. Ou que exigirá que sua mãe economize nos gastos da casa, pois ele precisa poupar o dinheiro para que possa dá-lo àquela rameira destruidora de lares! — acabou gritando.
Um cavalheiro que passava a contemplou, com a testa franzida. Minha amiga baixou os olhos.
— Perdoe-me. — Seu rosto adquiriu a cor de um morango. — Eu não devia ter me exaltado assim.
— Como... como você e sua mãe têm passado? — perguntei, com cuidado.
— Oh, Maite, agradeço a sua discrição, mas não precisa fingir que não sabe que meu pai perdeu a cabeça por aquela... mulher. Papai demitiu dois cavalariços esta semana porque não pode mais pagar os salários enquanto aquela... desfila pela vila em sua nova carruagem. Ele se negou a quitar a nossa conta no açougue. Disse que não precisamos comer carne toda semana — contou, envergonhada. — Mas mamãe soube que ele fez uma bela compra de vinho francês e foie gras, e mandou entregar na casa de Miranda. Uma coisa é ele negar amor a minha mãe. Outra completamente diferente é negar seu sustento. Por favor, querida Maite, qualquer coisa é melhor que a situação que estamos vivendo. — Ela pegou minha mão entre as suas e a apertou contra o peito. — Perder a reputação não é nada comparado a conviver com um homem que a despreza. Pode-se viver sem amor, mas não se pode viver sem dignidade.
Nós a apoiaremos; sua família e seus amigos. Não pense no que os outros dirão, pois será você quem terá de viver uma vida de avareza enquanto assiste à amante do marido desfilar joias caras e um estômago cheio de boa comida. A menos que exista uma chance de ser feliz, não se case!
— Falando assim, você até se parece com Dulce — tentei brincar, embora meu coração se condoesse por minha amiga. Valentina era uma pessoa maravilhosa, jamais tinha levantado a voz ou maltratado quem quer que fosse.
Era injusto que a vida lhe dedicasse tão pouca cortesia agora.
— Tomarei isso como um elogio. — Ela deixou escapar uma risadinha nervosa.
— Deve mesmo. E, Valentina, não se preocupe comigo. Meu noivado pode não ter acontecido como eu sonhei, mas é o que eu quero. Honestamente.
Seu rosto foi tomado pelo desânimo.
— A vida adulta não é exatamente como nós havíamos sonhado, não é? — Valentina suspirou.
— Não. Nem um pouco.
— Srta. Valentina?
Um rapaz a quem ela havia prometido uma dança a abordou. Eu me despedi dela, mas Valentina continuou em meus pensamentos. O drama que ela e a mãe enfrentavam era delicado. Avistei a sra. Albuquerque ao lado do marido, no canto oposto. Ela ouvia o que alguém dizia, mas Walter olhava furioso para o cavalheiro que ainda conversava com Miranda.
Outro assunto abordado por Valentina também fez minha cabeça doer, mas preferi mantê-lo à margem, ou acabaria caindo em prantos no meio de toda aquela gente.
Encontrei meu irmão e Dulce perto de uma das vidraças. Christopher falava com o sr. Andrada, um homem de quarenta anos e uma vasta cabeleira negra com as laterais prateadas. Apesar do traje completo, meu irmão não demostrava qualquer desconforto, rindo de algo espirituoso que Dulce sussurrara em seu ouvido. Ela, assim como eu, parecia estar derretendo.
Enquanto me desviava dos homens e mulheres que conversavam, bebiam e riam, vasculhei o lugar com os olhos mais uma vez, tentando manter viva a esperança, enquanto me aproximava de uma pirâmide de taças cheias de champanhe borbulhante e pegava uma delas. Mas não. William ainda não tinha aparecido. E, pelo adiantado da hora, não apareceria.
Não pude evitar o abatimento. Como poderíamos tentar corrigir alguma coisa se ele fugia de qualquer evento onde eu estivesse presente, e, nas raras visitas que me fazia, Madalena se metia entre nós dois no sofá da sala?
— Você reparou nos cabelos da sra. Uckermann, Ofélia? — comentou a sra. Henrieta para sua irmã, sem se dar conta de que eu estava logo atrás.
— Sim. Reluzem feito ouro. Aqueles cremes que ela vende realmente funcionam.
— Cremes. Ora, Ofélia, não seja inocente. É claro que aquilo não é um simples creme. É uma das poções secretas dela.
— Henrieta, a sra. Uckermann não é uma feiticeira. E como pode ser uma poção secreta se ela as vende? Quantas vezes terei que lhe dizer isso? Se quer mesmo saber, estou louca para comprar um daqueles vidrinhos.
Meu riso fez algumas gotas de champanhe respingarem em meu vestido.
Era melhor beber, ponderei. Eu adorava a sensação das bolhas fazendo cócegas em meu nariz e a maneira como meus músculos pareciam soltos dos ossos depois que eu bebia. Certamente faria meu humor melhorar. Levei a taça à boca.
— Srta. Maite, que bom revê-la — alguém disse antes que eu pudesse experimentar um gole. — Como tem passado?
— Ah. Sr. Prachedes. — Fiz um cumprimento ao me virar. — Eu estou muito bem. Como vai o senhor?
— Um tanto consternado com sua ausência nos eventos sociais. Mas sua cunhada parece ter se recuperado bem.
— Ela está muito bem, sr. Prachedes. Obrigada por se preocupar.
— Confesso que fiquei receoso quando soube que era o jovem médico quem estava cuidando dela. Pensei que ele fosse incapaz de lidar com uma pneumonia. Mas, pelo visto, eu me enganei. A propósito, por que seu noivo não a está acompanhando esta noite?
Quem poderia saber?
— Ele... teve um compromisso profissional — improvisei.
— Suponho que a vida de um médico seja assim mesmo. E fico contente que seu irmão tenha o bom senso de acompanhá-la nos bailes quando seu noivo não consegue. Seria uma perda irreparável se a senhorita não fosse mais vista nos salões. — Um olhar especulativo percorreu meu corpo de cima a baixo. —
Imagino que não era este o futuro que a senhorita almejara.
— Dulce está esperando a bebida — menti. — Até mais ver, sr. Prachedes.
Fiz uma mesura e comecei a me afastar. A mão enluvada de Prachedes me impediu, no entanto. Mais champanhe respingou em minha roupa. Olhei-o por sobre o ombro.
— Não posso permitir que a senhorita se vá sem lhe dizer que tem outras alternativas. Sei que nem todo cavalheiro teria essa grandeza de espírito, mas eu não me incomodaria, Maite.
— Não se incomodaria com o quê, senhor? — Puxei o braço de leve, me livrando de seu toque, sem deixar de notar que me chamara pelo nome.
— Eu a aceitaria como minha esposa mesmo nessas condições. Ainda mais quando as especulações quanto a um bebê se mostraram infundadas. Neste caso seria difícil, admito. Estou certo de que eu não poderia ir tão longe. — Esfregou o queixo ovalado. — Mas o que está feito está feito. Você não foi a primeira e, por
Deus, não será a última jovem a dar um mau passo. Eu a perdoo.
— O senhor o quê?
— Eu a perdoo. De todo o coração. — Levou a mão ao peito magro. — E acredito que você poderá ser feliz comigo. Está claro que seu noivo não está contente com o arranjo. Mas eu ficaria, Maite. Você tem um tipo de beleza muito apreciada. Ficaria muito bem a meu lado. Mas talvez eu precise trocar as cortinas da sala... — Escrutinou meu rosto. — Sua cor não fica tão bem com o lilás. E, é claro, imagino que seu dote tenha aumentado substancialmente para suprir o pequeno inconveniente acerca de sua... ah... indiscrição. De quanto estaríamos falando? — Arqueou uma sobrancelha.
Elias Prachedes, o homem gentil e tímido que eu conhecia, não se mostrava nem uma coisa nem outra, mas sim odioso e arrogante, com um ar superior que me fez desejar jogar o champanhe em sua cara. Com taça e tudo.
Ao que parecia, ele também não acreditava em minha inocência e se julgava no direito de me tratar como um objeto sem valor. Ou muito valioso, corrigi, já que parecia particularmente interessado em meu dote.
Obrigando-me a manter a compostura, sorri para ele.
— Eu me vejo sem palavras, sr. Prachedes. Sua generosidade é tocante.
Meu sarcasmo se perdeu nele, seu rosto esticado em uma máscara orgulhosa e benevolente.
— Fico feliz que reconheça. Aceita minha proposta, então? Tenho certeza de que romper seu noivado será simples, já que o noivo parece tão pouco disposto a manter o compromisso.
— Oh, não. Não posso aceitar, sr. Prachedes. — Abri o sorriso mais encantador de toda a minha vida. — Veja bem. Ainda que o senhor pareça ter perdido o respeito por mim, eu não perdi.
Ele piscou algumas vezes.
— O que quer dizer com isso?
— Que o senhor terá de continuar procurando alguém que fique bem com as suas cortinas. Passar bem, senhor.
Eu me afastei dele, mantendo a coluna reta e o queixo erguido, ainda que tremesse por dentro. Será que mais alguém pensava como ele? Todas aquelas pessoas sentiam... pena de mim?
Levei o champanhe à boca e tomei um longo gole. Os cabelos brancos de padre Antônio atraíram meu olhar. Ele acenou para mim, recostado a uma pequena mesa repleta de esculturas de doces.
— Padre — falei, chegando mais perto. — Fico feliz que o senhor tenha aceitado o convite dos Andrada.
Ele pegou minha taça e bebericou.
— Eu não devia. Não depois de um dia como hoje. Mas às vezes tudo o que um homem precisa fazer para manter a fé é estar perto de gente. E ter profiteroles ao alcance das mãos. — Pescou o doce na bandeja de prata e o enfiou na boca.
— Algo não vai bem na paróquia? — perguntei, preocupada.
— O de sempre, minha querida. Mas a tristeza que sinto é mais egoísta. Soube apenas hoje que um amigo de infância muito querido foi julgado e condenado à morte em Lisboa.
— Padre! Que notícia terrível! Foi condenado por qual crime?
— Bruxaria, veja só! — Ele riu sem vontade. — Ernesto era um bom homem, nunca fez mal a ninguém. Vivia em suas terras, cuidando das plantas que tanto amava, preparando chás para ajudar os doentes. Sou apenas um sacerdote. — Deu de ombros. — Quem sou eu para ir contra a decisão da
Igreja? Mas uma coisa eu sei: Ernesto não era um herege, tampouco um bruxo.
Pisquei algumas vezes.
— Ele foi condenado por bruxaria?
— Em pleno 1832. — Pegou mais um doce da pirâmide e o encarou, girando-o entre os dedos. — Quase não posso acreditar.
— Mas pensei que a Inquisição tivesse terminado. — Segundo me ensinara a srta. Abigail, minha professora de história, o Tribunal do Santo Ofício havia sido extinto em 1821.
— E terminou, oficialmente. Extraoficialmente, porém, a Igreja continua aceitando e investigando as acusações de heresia e bruxaria. O pobre Ernesto não conseguiu se explicar durante o interrogatório. Que Deus tenha piedade de sua alma. Gravuras dos livros de história a respeito da Inquisição me vieram à mente e me embrulharam o estômago.
— O senhor recebe muitas acusações desse gênero?
— O tempo todo. — Ele olhou para Dulce, que, do outro lado do salão, abanava o rosto. — Sua cunhada é alvo frequente.
— O quê?
— Ah, minha querida, não faça essa cara preocupada. Nunca levei nenhuma delas a sério. Mas imagine que até o creme de cabelos da fábrica de Dulce foi denunciado como obra do demônio! Me tomou a tarde toda explicar que era apenas um cosmético que realmente é eficaz, e não bruxaria.
Eu estava abalada demais para conseguir dizer alguma coisa. Apoiei as mãos no tampo da mesa para não cair.
— As pessoas temem aquilo que não compreendem, minha querida. — Padre Antônio deu um tapinha em meu ombro. — Mas nos últimos tempos, a sra. Uckermann vem cativando cada vez mais admiradores. Já quase não recebo denúncias contra ela.
Subitamente, o diálogo que eu ouvira havia pouco, entre a sra. Henrieta e sua irmã, me veio à mente. Aquela não era a primeira vez que eu sabia de algum comentário sobre Dulce ser uma feiticeira. Suas maneiras únicas a tornavam alvo de especulações e mexericos.
Um pensamento terrível me fez estremecer.
E se descobrissem a verdadeira origem de Dulce? E se descobrissem a razão de meu desaparecimento na última primavera?
Meu estômago revirou, o champanhe dentro dele querendo fazer o caminho inverso.
Bastaria uma palavra para que o caso fosse levado à Igreja. Se isso acontecesse, Dulce, com seu jeitinho único de se expressar, nem sempre compreendido, não teria qualquer chance.
Engoli em seco enquanto padre Antônio dizia alguma coisa que não cheguei a ouvir. Enquanto eu observava Dulce cativando o sr. Andrada com seu sorriso franco, percebi quanto seria perigoso se a história dela caísse em ouvidos errados. Esse era o motivo de ela e meu irmão serem tão cuidadosos.
Uma suspeita, como agora eu bem sabia, nunca era totalmente esquecida.
Por isso o mundo jamais poderia conhecer seu segredo. Ninguém, em hipótese alguma, poderia ter conhecimento da verdadeira origem de Dulce.
Nem o que acontecera comigo em novembro passado, me dei conta, com o coração afundando no peito.
— Senhorita, parece pálida! Por que não se senta um pouco, querida? — A voz de padre Antônio chegou baixa aos meus ouvidos.
Olhei para ele e tentei sorrir.
— Deve ser o calor. Vou... até a varanda tomar um pouco de ar.
Foi ali, atravessando o salão da casa dos Andrada, com um minueto animado tocando ao fundo, que tomei consciência de que nunca poderia falar com quem quer que fosse sobre o que havia acontecido na noite do meu último aniversário. Qualquer palavra poderia colocar minha irmã sob suspeitas que a levariam a um terrível pesadelo. Esse segredo teria que ir comigo para o túmulo.
Eu nunca poderia dizer nada a ninguém.
E isso incluía William.
Autor(a): Fer Linhares
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No dia seguinte, saí de casa bem cedo. Fui até a vila pegar algumas fitas que faltavam para compor os arranjos do casamento de Madalena e Gomes, que aconteceria no dia seguinte. Ainda estava tão abalada com tudo o que o padre me contara que mal consegui falar meia dúzia de palavras a madame Georgette. — Bom dia, sr. Donelli — cumpri ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 32
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poly_ Postado em 13/09/2019 - 14:11:41
Desculpa a demora pra comentar, tô com muitos trabalhos, mas finalmente consegui vir aqui. E Simmm, posta a continuação, vou adorar. Bjuss!!!
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poly_ Postado em 05/09/2019 - 12:28:41
Menina quem imaginaria que era o Matias? Fiquei pasma. Nem acredito que tá acabando, vou sentir muita falta. Depois desse vc podia fazer uma adaptação Levyrroni do livro A Lady de Lyon, tô louquinha pra ler esse livro, dizem que é muito bom. Bjuss!!!
Fer Linhares Postado em 07/09/2019 - 19:22:35
Vou ler esse livro, assim que eu terminar eu posto, bjss ;)
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tehhlevyrroni Postado em 02/09/2019 - 11:58:23
continua amo esse livro e vou amar mais ainda adaptado para Levyrroni
Fer Linhares Postado em 03/09/2019 - 20:09:23
Continuando linda, bjss ;)
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poly_ Postado em 31/08/2019 - 00:27:37
Certeza q é o Duarte q fez isso, esse nojento. Mas tenho fé que o Will vai salva-la, tomara que ele consiga e ninguém fique ferido. Q momento fofo deles dois, amei. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 31/08/2019 - 11:40:07
Eles precisavam de um tempo só pra eles bjss ;)
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poly_ Postado em 30/08/2019 - 13:02:45
Aí mds, posso bater no William? Kkkkkk Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 17:02:44
Pode kkk , me chama pra ajudar tbm kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 23:50:45
Tomara que eles sentem e se resolvam, e q Maite fale logo a verdade. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 11:17:06
Do jeito que eles são, duvido que eles se resolvam calmamente kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 15:26:50
Aí q ódio de td mundo, da Maite por ser inocente ao ponto de ir atrás do homem, do William por ser um teimoso e principalmente desse Alex. Continuaaa
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 22:19:08
Não vejo a hora de saber o que vai acontecer, parou na melhor parte. Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 26/08/2019 - 23:53:59
Do próximo capítulo em diante as coisas vão começar a esquentar, amanhã eu volto a postar, bjsss ;)
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 01:05:46
Tô amando mulher, continuaaa (OBS: Ri demais com a briga do William com o irmão KKKKKKKKK)
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poly_ Postado em 24/08/2019 - 13:34:10
Ahh não acredito que Berta interrompeu esse momento. Pelo menos já estamos tendo um sinal de redenção né. Continuaa
Fer Linhares Postado em 25/08/2019 - 01:13:21
Berta não e o problema agr kk, tem coisa ainda pra acontecer bjs ;)