Fanfic: Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni) | Tema: Levyrroni [Adaptada]
— Oh, Maite! Que festa magnífica. Seu irmão não poupou esforços! — disse Anahí, virando em sua cadeira para admirar o jardim.
— Não. Não poupou. — Beberiquei minha taça de champanhe.
Apesar dos protestos de William, Christopher não permitira que meu noivo pagasse pela despesa do casamento. Meu irmão colocara na cabeça que a festa devia ser algo a ser lembrado por décadas. Suspeitei de que seu plano fosse apagar meu longo noivado da mente das pessoas. E estava funcionando. Todos pareciam maravilhados com a comida, com a qualidade da bebida, com o quarteto de cordas, os inúmeros arranjos de flores espalhados por todo o jardim, o bolo de três andares caprichosamente decorado por Madalena, as lanternas penduradas aqui e ali. Minhas sobrinhas e o pequeno Alfonso III tentavam apagar uma delas, atirando pedrinhas. Madalena tentava fazê-los parar.
— Valentina teria adorado. — Anahí remexeu no arranjo de lilases a seu lado. — Será que ela já se estabeleceu?
— Não sei. Escrevi para ela, mas ainda não recebi resposta. Imagino que não teve tempo ainda. — Nossa amiga havia partido fazia quatro dias. Eu mal podia esperar para ter notícias dela. Tinha esperança de que sua nova casa fosse um lugar agradável e que a mudança de ares afastasse um pouco da melancolia que a falta da mãe lhe trazia.
— Ah, francamente! — Anahí relanceou o marido, a poucos metros, falando com Saulo Levy. — Não pode existir tanto assunto assim sobre café.
Acabei rindo. Os pais de William pareciam bastante à vontade, conversando com meu irmão e Dulce como se fossem grandes conhecidos. Tereza dançava com o sr. Moura, e Saulo travara um diálogo com Alfonso que já durava mais de meia hora e entediava minha amiga.
— Devem estar debatendo os métodos de cultivo ou de venda das sacas, Anahí.
— Em uma festa de casamento? Os homens são seres muito peculiares. — Ela terminou sua bebida e me observou. — Está nervosa?
— Um pouco. Ainda não sei onde iremos morar.
— Você não devia parecer tão aborrecida, Maite. Seu marido quer fazer uma surpresa. É muito atencioso da parte dele.
Achei melhor não destruir suas ilusões românticas e apenas concordei com a cabeça.
— Mas eu me referia a outra coisa. Aquela coisa. — Piscou para mim.
— Ah! — Desviei os olhos para as crianças, tomando o restante do champanhe. Marina encontrara um graveto e cutucava a lanterna agora. — Eu estou tentando muito não pensar nisso.
— Maite... — Anahí tocou minha mão para que eu olhasse para ela. — Agora que também é uma mulher casada, posso falar abertamente. Não fique com medo. Não é tão terrível quanto algumas mulheres dizem. Na verdade, eu acho maravilhoso! — Uma risadinha lhe escapou. — E você também irá achar, se William for tão atencioso quanto Alfonso é.
— Anahí — pigarreei. — Creio que possamos deixar esse assunto de lado. Dulce já falou comigo.
E foi uma longa conversa. De novo. Mas dessa vez Dulce fora direta como... bem, como só ela sabe ser, explicando tudo com detalhes, me deixando muito sem graça e um tanto preocupada.
Está bem. Muito preocupada.
Ela dissera, por exemplo, que algumas pessoas gostavam de ser beijadas não apenas na boca, mas em lugares que, francamente... eu nem conseguia concluir o pensamento sem que meu rosto ficasse todo quente. Por sorte, um dos garçons passava e eu troquei a taça vazia por uma cheia. Tomei um belo gole.
Como eu ia permitir que William fizesse todas aquelas coisas comigo se o simples fato de pensar em ser beijada por ele — na boca — me causava um rebuliço nas entranhas?
Relanceei meu noivo do outro lado do jardim, falando com o dr. Almeida animadamente. Com o antigo William, ponderei, eu não teria tido tanto medo. Ele me guiaria com toda a paciência até aquele mundo... hum... sem roupas. Mas o homem com quem eu me casara não era paciente, tampouco compreenderia minhas inibições e receios.
Oh, meu Deus, como eu conseguiria cumprir meu papel de esposa naquela noite? Inesperadamente, ele virou a cabeça, me flagrando. Fez um cumprimento de cabeça um tanto zombeteiro. Corando, voltei a atenção para Anahí e tomei todo o meu champanhe. Ele me trazia algum conforto, deixando meus pés dormentes.
— Imagino que Dulce seja uma boa fonte de informação nesse assunto — concluiu minha amiga, brincando com uma florzinha do arranjo.
— Presumo que sim, Anahí. E, por falar em informação, conseguiu alguma sobre Samuel?
Ela balançou seus cachos ruivos, presos no alto da cabeça.
— Perguntei a todos os empregados, até mesmo aos entregadores. Ninguém conhece nenhum Samuel. Tem certeza de que você viu mesmo esse menino, Maite? Pois ninguém jamais ouviu falar dele.
— Mas é claro que eu...
— Perdoem-me por interrompê-las, senhoras. — William nos surpreendeu.
Ele e aquele sorriso cínico preencheram meu campo de visão. — É imperdoavelmente rude de minha parte. Mas meu amigo e mentor acaba de me alertar de que eu ainda não dancei com a minha noiva.
— Ah, mas é claro, doutor. — Anahí se levantou. — Eu pretendia pegar um pouco mais de champanhe. — Piscou para mim e saiu balançando as saias verdes.
— Dançar? — perguntei a ele, receosa.
— Você gosta muito de dançar. — Ele inclinou a cabeça para o lado. As mechas longas balançaram levemente, reluzindo em tons que não pude definir se eram dourados ou acobreados. — Lembro que dançamos até seus pés ficarem cansados na semana passada.
— Bem, eu gosto de dançar, mas depende muito da companhia.
— Lamento que a minha não seja de seu agrado.
— Ah, está tudo bem. Você não tem culpa de ser quem é.
William me mostrou a coleção de dentes brancos perfeitamente alinhada enquanto observava a taça vazia em minha mão.
— Quantas destas você já bebeu para ser tão direta assim?
— Oh, apenas duas. — Pousei a taça na mesa. — Sou uma mulher casada agora. Ninguém pensará mal de mim.
— Não por causa de duas taças de champanhe. — E me estendeu a mão.
Olhei da taça para o espaço vazio no centro do jardim. O chão parecia ondular levemente, ao passo que as mesas entravam e saíam de foco. Eu não devia ter tomado aquelas duas... não... três taças de champanhe.
— Eu... não sei se consigo — confessei. — Não estou habituada a beber.
Dançar pode não ser uma boa ideia neste momento.
— Não se preocupe. Eu tomarei conta de você.
Ouvir aquilo me emocionou, e eu levei a mão ao peito quando meu coração ameaçou disparar. Mas então William adicionou:
— Não posso permitir que minha esposa faça uma cena em nossa festa de casamento.
Tudo se resumia a isso, não é? Fazer de conta que seríamos felizes. Manter as aparências.
Oh, bem. Eu já sabia disso havia muito tempo. Apenas esperei que... que algo mudasse. O meu noivo, por exemplo. Não mudar de noivo, mas mudar o noivo. No sentido de fazê-lo não ser mais quem era...
Eu realmente não devia ter tomado aquelas três — ou foram quatro? — taças de champanhe.
No fim das contas, William acabou me levando para o centro do círculo, se posicionando para a valsa. Senti todos os olhares recaindo sobre nós e fiz o que deveria fazer: sorri como a noiva radiante que supostamente deveria ser. William não sorria, no entanto. O rosto composto, sério e grave, com certo ar de mistério.
E sensualidade. Minha nossa, como aquele cavanhaque lhe caía bem...
Graças aos céus, ele executou o mínimo de rodopios possível. Meu estômago e minha cabeça ficaram muito satisfeitos. Sobretudo porque a combinação da bebida com o perfume dele estava me deixando cada vez mais aturdida.
— Então, Samuel é um garoto de rua — comentou.
— Você o conhece? — perguntei, esperançosa.
— Não. Por que não me contou que está tentando ajudar o menino?
Dei de ombros.
— Você sempre prefere pensar o pior de mim.
— Isso é completamente diferente, Maite. — Uma sombra escura, como uma tempestade, enevoou seu olhar. — Me conte o que sabe sobre ele. Talvez eu possa ajudar.
Balancei a cabeça. Não foi boa ideia. O mundo começou a girar mais depressa e o chão se tornou instável. Acabei tropeçando de leve.
— Opa. — William pressionou a base de minha coluna, para que meu corpo caísse de encontro ao dele e não... em algum outro lugar. — Tem certeza que foram só... quantas taças de champanhe você disse que tomou?
— Eu também gostaria de saber.
Ele abriu um meio sorriso enquanto executava um rodopio.
— Você ia me contar sobre Samuel.
Eu ia?
— Bem, não há muito o que dizer. Eu o conheci na vila, semana passada. Acho que ele está em apuros e ninguém parece saber quem é. Isso me deixa muito frustrada... — Contei brevemente meu encontro com o garoto e minha desconfiança de que ele morasse na rua e estivesse em sérias dificuldades. — Eu queria ajudá-lo de alguma maneira, mas como eu farei isso se não consigo descobrir seu paradeiro? Aparentemente, ninguém viu a criança.
William me observou com atenção antes de dizer:
— Mas você parece duvidar disso.
— Ah, não. Eu não duvido. Ninguém o viu. Mas isso não significa que ele não estivesse lá para ser visto. Acredito que Samuel tenha sido visto sim, mas ninguém se deu o trabalho de prestar atenção a uma criança pobre, suja e faminta.
Suas sobrancelhas se abaixaram, e aquele esgar no canto de sua boca sugeria irritação. Se comigo, com Samuel ou com as pessoas que fingiam não vê-lo, eu não tinha certeza. William executou um rodopio que fez tudo girar a uma velocidade vertiginosa.
— Quanto tempo mais o mundo vai ficar girando? — eu quis saber. Afinal, ele era médico. Sabia dessas coisas.
— Depende do que pretende fazer a seguir. Se sua intenção é continuar se embebedando, irá girar muito mais. Caso contrário, deve melhorar em uma ou duas horas. Ajudaria se comesse alguma coisa.
— Não estou me embebedando! Estou apenas... — Deixei escapar um suspiro. — Eu gosto das bolhas. Quando explodem, fazem cócegas nos meus lábios, como o seu cavanhaque.
Tenho certeza de que eu não o teria surpreendido mais se dissesse que era capaz de me transformar em um elefante que sabia recitar poesia enquanto fazia malabarismo com pratos.
— Deduzo que seja o champanhe falando por você — resmungou, e não consegui identificar a emoção que ouvi em sua voz. Irritação? Diversão?
Surpresa? Ou uma combinação das três?
— Gostaria de dizer que sim, doutor, mas não posso. Não sei o que acontece, mas quando você está por perto eu nunca consigo ser a moça educada que fui treinada para ser. Quase não me reconheço. Ou tenho medo de olhar mais de perto e perceber que sou exatamente assim, mas mantenho tudo sob uma firme camada de polidez. — Suspirei outra vez. — Não é horrível? Não conseguir definir quem você é?
— Faço ideia que seja. — Seus olhos se prenderam nos meus com intensidade, como se ele tentasse me dizer alguma coisa. — Mas, se a consola, prefiro que me trate com a verdade e não com civilidade.
— A verdade! — Achei graça. — Você não a reconheceria mesmo se eu a desenhasse em minha testa.
Ele parou de dançar. Tropecei em meus pés e me segurei na manga de seu paletó. Um belo paletó escuro, que lhe caía com perfeição nos ombros. Bastante largos, aliás. Os ombros, quero dizer, não o paletó.
Oh, aquelas bolhinhas eram muito perigosas...
— O que quer dizer? — ele quis saber.
— Creio que eu tenha bebido demais e devo seguir sua recomendação de comer alguma coisa, doutor, antes que prossiga com essa conversa sem sentido.
Com licença. — Me apressei em sair de perto dele antes que deixasse escapar algo que não devia. Era melhor eu me manter bem longe do champanhe dali em diante. E de William.
* * *
Comer um pouco de bolo realmente ajudou a tontura a passar. William e eu não nos falamos até que a noite começou a cair e ele anunciou que era hora de irmos.— Mas... tão cedo? — Não, não era cedo. Aquele almoço já se prolongara por tempo demais. No entanto, eu ainda não estava pronta para ir embora e me tornar sua esposa.
Ele abriu um sorriso largo e debochado.
— Está com medo, Maite?
Apavorada.
— Mas é claro que não.
Precisei de algum tempo para criar coragem e me despedir de minha família. Laura não parecia entender muita coisa e parecia encantada com William.
Também, pudera: ele a pegou no colo e começou a falar com ela sobre as estrelas, apontando para constelações e as nomeando como se entendesse do assunto. Ela, por sua vez, parecia compreender tudo o que ele dizia, olhando para o céu, fascinada. Ele tinha mesmo jeito com crianças.
Mas havia Marina...
— Nina! — repreendi quando ela jogou uma pedra na perna dele. — Não pode jogar coisas nas pessoas desse jeito!
— Talvez devesse ouvir suas próprias palavras — resmungou William, me olhando de esguelha, colocando Laura sobre os próprios pés. — Mas logo se percebe que ela é uma Uckermann.
— Nina, não pode — Analu repreendeu.
— Mas eu odeio ele, Analu! — Marina gritou, os olhos brilhantes com lágrimas. — Ele vai levar a tia Maite embora!
Eu me abaixei para que meu rosto ficasse na mesma altura do dela.
— Meu amor, eu sei que será difícil nos separarmos, mas eu virei aqui sempre que puder. E vocês podem me visitar quando quiserem. Não odeie o William. Eu não estou indo embora, apenas me mudando. A sua mamãe também teve que se mudar quando casou com o seu papai. É assim que as coisas funcionam. — Sequei suas bochechas úmidas com a ponta dos dedos. — Eu preciso ir para outra casa, viver com o meu marido. — Engoli em seco.
— Mas não é justo! — A menina cruzou os braços, fazendo bico. — Por que você tem que ir embora só porque casou?
— Porque... Porque nós precisamos ficar sozinhos.
— Por quê? — Esfregou o nariz molhado nas costas da mão.
— Para... para... que eu possa...
— Encontrar um priminho pra eu? — sugeriu, esperançosa. — E pra Analu?
— Para mim — ajudei. — E, bem... quem sabe eu encontre. — Falei apenas para que ela não ficasse tão triste. Não ousei olhar para William.
Depois de ponderar por um instante e olhar para a irmãzinha, ela abriu um sorriso.— Então eu deixo você ir, tia Maite.
Afastei um cacho suado de sua testa e depois toquei o rosto delicado e sorridente de Laura, com covinhas iguais às minhas.
— Virei buscá-las sempre que puder. Mal irão perceber que eu não moro mais aqui. — Depois de abraçá-las com força e desejar poder nunca mais soltá-las, eu me levantei e as observei se afastarem de mãos dadas.
— Por que Analu? — William quis saber.
— Nina era muito pequena quando Ana Laura nasceu. Christopher escolheu os nomes em homenagem às avós das meninas. A mãe de Dulce se chamava Ana e a minha, Laura. Mas o vocabulário de bebê de Marina não conseguiu reproduzir todas as sílabas, e desde a primeira vez que viu a irmãzinha a chamou de Analu.
Então fui me despedir de Madalena e Gomes, de Isaac e dos empregados que estavam ali desde sempre. Dizer adeus a Dulce foi dolorido. A meu irmão, foi excruciante. Christopher fora muito mais que um irmão: fora pai e mãe. Agora eu era uma mulher adulta e deixava de ser sua responsabilidade, muito embora duvidasse de que ele fosse realmente compreender isso. De toda forma, eu não era mais Maite Uckermann. Daquele dia em diante, passava a ser Maite Uckermann Levy. E isso era assustador.
Foi com o coração apertado e um nó na garganta que entrei na carruagem e os deixei para trás. Fiquei olhando para a única casa que conheci, para minha família nas escadas, ainda acenando, até tudo se tornar tão pequeno que mal passava de um pontinho claro no horizonte. Tudo o que me era mais caro ficava naquela casa.
A umidade em meus olhos transbordou. Virei o rosto para o outro lado, a fim de que William não me visse chorar. Um lenço branco de linho foi colocado em minha mão.
Olhei para ele, surpresa com a gentileza.
— Obrigada.
Ele apenas me encarou, o rosto parcialmente oculto pelas sombras, de modo que voltei a olhar pela janela. Não fomos muito longe, no entanto. Apenas dez minutos e duas cercas até a carruagem fazer a curva, adentrando um portão largo, guardado por dois leões de bronze que me assustavam desde que eu tinha três anos. Coloquei a cabeça para fora no momento em que o veículo atravessou a ponte, transpondo o riacho que separava o casarão do restante do mundo.
— Você comprou a casa dos Albuquerque? — Eu o encarei, estarrecida.
— Pensei que gostaria de estar perto da sua família quando eu voltar para a Europa. — Deu de ombros.
Devo ter deixado transparecer minha perplexidade, já que William deu risada.
No entanto, havia uma nota de melancolia naquele riso.
— Não sou o monstro que pensa que eu sou, Maite.
— É o que parece. — Franzindo a testa, voltei a olhar para fora.
No alto da colina, a construção amarela de dois andares contava com uma cumeeira alta, janelas em arco e uma chaminé que expelia fumaça de um fogão a pleno vapor. Da escada sob a entrada principal se erguiam duas largas pilastras que sustentavam o chapéu de telhas, no limite do segundo andar. Uma imensa árvore balançava suas folhas, orgulhosa, a copa tão alta que ultrapassava o andar superior, onde ficavam os quartos.
A carruagem parou na entrada. Uma fileira de empregados — os mesmos que desagradaram tanto a Miranda e que eu conhecia cada um pelo nome — se dispôs no alto da escada.
Pensei em Valentina e em todas as vezes que brincamos naquele lugar. Não pude evitar um sorriso. Ela não pôde estar presente na cerimônia de meu casamento, mas estaria agora de certa maneira, quando eu mais precisaria de uma amiga.
William abriu a porta e estendeu a mão. Puxando uma grande quantidade de ar, desci do veículo.
— Sra. Levy, seja muito bem-vinda a esta casa — adiantou-se a sra. Berta Veiga, antiga criada de quarto de Valentina e Adelaide. — Estamos felicíssimos em poder servi-la, minha querida.
— Não sabe como fico feliz em vê-la, senhora.
Cumprimentei os demais e recebi votos de felicidade antes de suspender a barra do vestido, subir os doze degraus e entrar na casa.
Saudei o sofá forrado de veludo marrom e o lustre de cristais, meus velhos conhecidos. Mas o tapete florido, as cortinas champanhe e o imenso quadro de moldura dourada me eram totalmente novos. Aproximei-me da pintura, analisando-a com interesse. Prédios de três andares margeavam um canal, onde gôndolas pareciam navegar sem pressa.
— Veneza? Esteve lá? — Eu sonhava com esse lugar desde que vira uma gravura no livro de geografia e tia Margareth me escrevera contando que passara uma temporada na cidade.
William me observava do meio da sala, seu rosto não exprimindo nada.
— Por apenas uma semana em visita a meu antigo professor. É uma bela cidade. A comida é excepcional. Vi essa tela em uma feira e a comprei antes de voltar para Lodi.
— E foi a alguma ópera? Dizem que as melhores são apresentadas no Teatro La Fenice. Tia Margareth me contou tudo sobre ele em uma carta. Escreveu que nunca ouviu um concerto com tanta clareza.
— Não tive tempo para distrações. — Ergueu os ombros, se desculpando.
— Que pena. — Voltei a admirar a tela, acompanhando com o dedo o desenho de ondas suaves produzidas por uma das gôndolas. — Gostaria que tivesse ido até lá para poder me contar tudo o que viu.
Ouvi William atravessar o aposento e então, colocando as mãos nos bolsos, o vi se recostar na parede ao lado do quadro.
— Você ainda ama música. — Seus olhos tinham um brilho diferente agora.
— E como não amar, se ela me comove tanto?
Depois de me encarar por um momento imensurável, ele se endireitou e gentilmente segurou meu cotovelo, me levando pela casa até parar diante de uma porta, abri-la e esperar que eu entrasse. Lá dentro, o antigo piano onde eu e Valentina tomávamos aulas reluzia sob as chamas das velas espalhadas pelo cômodo. A harpa da sra. Albuquerque fora arrumada em um canto, junto de uma nova banqueta forrada de azul-claro.
— Uma sala foi preparada para você. — William apoiou a mão na tampa do piano. — Para que possa fazer suas tarefas sem ser incomodada, mas tenho a impressão de que será aqui que passará a maior parte do tempo.
— É provável.
— Imaginei. Venha. Sei que conhece a casa, mas fiz algumas alterações.
Fomos para a antiga sala de estudos, agora transformada em um aconchegante aposento privado para meu uso particular. Ele também me mostrou onde ficava a biblioteca — embora eu já soubesse — e indicou o fim do corredor, onde montara seu consultório e laboratório de pesquisas. Não consegui me recordar da antiga ocupação daquela sala ampla. Objetos interessantes demais atraíam minha atenção.
— Caso eu esteja em casa — comentou William —, é provável que você me encontre aqui. Não toque nisso.
Mantive as mãos a meio caminho do vaso... jarro... o que quer que aquilo fosse. Parecia um decantador, mas tinha o fundo redondo e um pescoço longo e curvado, como o de um cisne. Havia mais três deles, todos vazios.
— O que são? — perguntei, curiosa.
— Apenas uma ideia maluca, por enquanto. Suponho que nada aqui seja do interesse de uma dama refinada como você.
Mas ele estava enganado. Seu laboratório era tão interessante que tudo capturava minha atenção. Livros, um microscópio, um globo terrestre, uma cristaleira repleta de objetos curiosos. Eu desejei poder explorar. William, em contrapartida, parecia querer me ver longe dali.
Assim que mostrou todo o andar de baixo, ele se deteve em frente às escadas e indicou com o braço para que eu subisse até o segundo andar.
Engoli seco. Era ali em cima que ficavam os quartos. Obriguei meus pés a se moverem, o coração batendo cada vez mais forte conforme eu subia os degraus.
— Este é o seu. — Ele abriu a porta do que um dia pertencera à sra. Adelaide.
Inspirando fundo, tremendo dos pés à cabeça, entrei no aposento. Tudo estava diferente. E era o quarto de um adulto, muito diferente do meu antigo, pálido e cor-de-rosa.
Os delicados medalhões em estilo barroco do novo papel de parede prateado cintilavam com as chamas dos castiçais colocados em pontos estratégicos. A mobília escura, quase negra, harmonizava com um récamier turquesa sob a janela e com as cortinas cinzentas. A banheira estava escondida atrás de um biombo e ao lado do toucador com um grande espelho. Meu baú fora deixado no canto, perto da penteadeira, onde um fofo tapete com estampa florida em tons de azul, preto e cinza deixava o ambiente mais aconchegante. A todo custo evitei olhar para a cama, mas como poderia ignorá-la se era imensa, com pilares de madeira negra subindo até o dossel turquesa?
A porta que ligava aquele cômodo a outro estava aberta. Tudo o que eu podia ver eram as paredes forradas por um papel em tom terroso que combinava com as cortinas um tom mais escuro, uma cama imensa de madeira castanha com seus lençóis brancos. A inseparável maleta marrom de William estava sobre uma poltrona preta. Aquele devia ser o quarto dele.
— Imagino que gostaria de um pouco de privacidade — comentou, e eu voltei a atenção para ele. Suas sobrancelhas estavam abaixadas, como se estivesse zangado, embora seu tom tivesse soado quase amável.
— S-sim. — E mais daquele champanhe, quase deixei escapar. Minhas pernas estavam tremendo demais. Eu acabaria caindo.
— Pedirei à sra. Veiga para vir auxiliá-la. Nos vemos mais tarde.
Ele saiu do quarto sem esperar resposta, fechando a porta com cuidado. Eu me deixei cair na cama.
Céus. A próxima vez em que nos veríamos seria para consumar nosso casamento!
Muito bem, nada de pânico. Era melhor acabar com aquilo de uma vez.
Depois de consumado, ele e eu poderíamos seguir com nossa vida. Quer dizer, as pessoas não faziam aquilo com muita frequência, não é? Talvez uma vez ao ano, no máximo. E ele iria para a Europa em algumas semanas, de modo que tudo o que eu tinha de fazer era suportar aquela noite. Não podia ser tão difícil.
Autor(a): Fer Linhares
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 32
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poly_ Postado em 13/09/2019 - 14:11:41
Desculpa a demora pra comentar, tô com muitos trabalhos, mas finalmente consegui vir aqui. E Simmm, posta a continuação, vou adorar. Bjuss!!!
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poly_ Postado em 05/09/2019 - 12:28:41
Menina quem imaginaria que era o Matias? Fiquei pasma. Nem acredito que tá acabando, vou sentir muita falta. Depois desse vc podia fazer uma adaptação Levyrroni do livro A Lady de Lyon, tô louquinha pra ler esse livro, dizem que é muito bom. Bjuss!!!
Fer Linhares Postado em 07/09/2019 - 19:22:35
Vou ler esse livro, assim que eu terminar eu posto, bjss ;)
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tehhlevyrroni Postado em 02/09/2019 - 11:58:23
continua amo esse livro e vou amar mais ainda adaptado para Levyrroni
Fer Linhares Postado em 03/09/2019 - 20:09:23
Continuando linda, bjss ;)
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poly_ Postado em 31/08/2019 - 00:27:37
Certeza q é o Duarte q fez isso, esse nojento. Mas tenho fé que o Will vai salva-la, tomara que ele consiga e ninguém fique ferido. Q momento fofo deles dois, amei. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 31/08/2019 - 11:40:07
Eles precisavam de um tempo só pra eles bjss ;)
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poly_ Postado em 30/08/2019 - 13:02:45
Aí mds, posso bater no William? Kkkkkk Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 17:02:44
Pode kkk , me chama pra ajudar tbm kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 23:50:45
Tomara que eles sentem e se resolvam, e q Maite fale logo a verdade. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 11:17:06
Do jeito que eles são, duvido que eles se resolvam calmamente kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 15:26:50
Aí q ódio de td mundo, da Maite por ser inocente ao ponto de ir atrás do homem, do William por ser um teimoso e principalmente desse Alex. Continuaaa
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 22:19:08
Não vejo a hora de saber o que vai acontecer, parou na melhor parte. Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 26/08/2019 - 23:53:59
Do próximo capítulo em diante as coisas vão começar a esquentar, amanhã eu volto a postar, bjsss ;)
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 01:05:46
Tô amando mulher, continuaaa (OBS: Ri demais com a briga do William com o irmão KKKKKKKKK)
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poly_ Postado em 24/08/2019 - 13:34:10
Ahh não acredito que Berta interrompeu esse momento. Pelo menos já estamos tendo um sinal de redenção né. Continuaa
Fer Linhares Postado em 25/08/2019 - 01:13:21
Berta não e o problema agr kk, tem coisa ainda pra acontecer bjs ;)