Fanfic: Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni) | Tema: Levyrroni [Adaptada]
A primeira coisa que notei ao sair da cama naquela manhã foi uma folha de papel perto da porta de ligação entre as duas suítes. Devagar, me abaixei para pegá-la. A letra de William, corrida e ligeiramente inclinada, era inconfundível.
Querida Maite,
Perdoe-me, mas não pude esperá-la para o café. Tenho que visitar alguns pacientes, e isso provavelmente me tomará a manhã toda e parte da tarde. Suponho que perderei o almoço também. Mas adoraria encontrá-la mais tarde. Se estiver disposta — e eu espero, fervorosamente, que esteja!
—, basta entrar na carruagem por volta das duas.
Caso esteja interessada em saber, sua música fez muito por minha cabeça atormentada. Diferentemente do que acontecia na Itália depois que eu lidava com um trauma, dormi o sono dos justos. Obrigado.
Seu,
W.L.
P.S. Não fique zangada, mas estou levando Samuel comigo. Não tive alternativa, já que ele sequestrou minha maleta.
Enquanto me arrumava para me encontrar com Rosália, como havia combinado no dia anterior, reli o bilhete por três vezes. O tom de William estava diferente — ou retornara ao normal? Não sei se cheguei a crer em uma mudança, mas eu queria acreditar. Queria que voltássemos a ser amigos e ter uma convivência menos turbulenta. Meu coração sussurrava que ele fora franco na noite anterior, que seu constrangimento e embaraço ao admitir que se importava comigo eram verdadeiros. E meu coração também sussurrava que “amigos” não era bem o termo que teria escolhido. Mas eu já havia me metido em muitas confusões por causa dele — meu coração.
Eu estava mais confusa do que nunca. Estar perto de William turvava minha mente, deixava tudo caótico e desconexo. Eu não devia ir ao seu encontro. Podia ter me enganado, sua mudança não durar até a hora do almoço e acabarmos discutindo e piorando tudo outra vez.
O pior seria ter que continuar vivendo em um mundo onde você não existe, sua voz ecoou em minha cabeça.
Admirei-me no espelho, conferindo se estava apresentável, e passei a mão em um chapéu e um par de luvas antes de deixar o quarto.
* * *
A carruagem começou a diminuir a velocidade ao chegarmos ao centro da vila.
Avistei William encostado na fachada de um prédio na rua principal, o longo paletó azul-marinho tremulando de leve. Samuel mantinha uma postura emburrada, sentado na calçada perto de onde o cavalo de William havia sido amarrado.
— O que aconteceu? — perguntei assim que William abriu a porta da carruagem e eu desci o degrau. — Por que Samuel está triste?
— Eu não permiti que ele mexesse em uma tintura. — Revirou os olhos.
— Nem me deixou chegar perto! — acusou o menino, de cara amarrada.
Quinzinho, que nos acompanhara até ali, saltou da frente do veículo. Ele e William trocaram um rápido olhar antes de o rapaz ir cuidar do cavalo do patrão.
— Eu já expliquei, Samuel — William suspirou, exasperado. — Existem substâncias que podem fazer mal para você.
— Mas como eu vou me torná um médico se você não deixa eu aprendê? — O menino ficou de pé, as mãos fechadas em punhos apertados ao lado do corpo.
William esfregou o pescoço.
— Como eu também já disse, você vai ter que estudar muito antes de colocar esses dedinhos ansiosos em qualquer componente químico.
— Pois então o doutor me explique como eu vou fazê isso se eu sou burro demais para aprender a ler.
— Eu já disse que você não é burro — falei, magoada. Ninguém devia se ter assim em tão baixa conta. Muito menos uma criança. — E eu adoraria provar quanto está equivocado a esse respeito ensinando você a ler. Não tenho dúvida de que será capaz de aprender.
O menino arqueou as sobrancelhas, abriu a boca para dizer alguma coisa, mas mudou de ideia.
— Será que podemos comê? Eu estou com fome. — Ele não esperou que um de nós respondesse e rapidamente subiu na carruagem, sentando-se ao lado de Eustáquio.
William olhou para mim, uma expressão divertida no rosto corado de sol.
— Eu diria que o apetite de Samuel é algo a ser estudado. Não faz duas horas que almoçamos.
— Então... estamos indo comer alguma coisa na confeitaria? — perguntei, curiosa.
— Vamos comer. — Ele pegou minha mão e segurou a porta para que eu entrasse, aquele meio sorriso iluminando seu rosto. — Mas não na confeitaria.
— Onde, então?
— Você vai ver.
A carruagem deixou a vila e tomou a direção da cidade. Acompanhei a paisagem mudar de campos verdejantes para montanhas rochosas e de novo para planícies. Pensei que ele estivesse me levando a algum restaurante na cidade, mas a carruagem parou na metade do caminho, em uma taberna de beira de estrada.
Olhei para o lugar pela janela. O prédio de dois andares tinha tábuas em toda a fachada e uma larga varanda em um dos lados. Lá dentro havia música e a chaminé cuspia fumaça sem parar. O aroma de comida dançava no ar.
— Imagino que conheça os mais finos restaurantes — William abriu a porta —, mas aposto que nunca tomou uma boa caneca de cerveja em uma taberna.
— Eu nunca tomei uma caneca de cerveja em lugar nenhum.
Seus olhos se arregalaram em um espanto fingido.
— Uma jovem refinada como você nunca tomou uma caneca de cerveja? Não! Não pode ser! Tenho que retificar esse erro imediatamente! Venha.
Dei risada, aceitando a mão que ele me ofereceu para me ajudar a descer.
E não a soltou de imediato quando eu estava do lado de fora.
— Você me disse que viu pouco do mundo. — Ele me encarou com ansiedade. — Sei que uma taberna não parece ser grande coisa, mas achei que gostaria de ampliar seus horizontes.
— Foi por isso que me trouxe aqui? — Pisquei, surpresa.
— É um dos motivos. — Seu polegar agora acariciava a pele sensível do meu pulso, rente à luva. — O outro é que eu quero passar uma tarde com você sem ter minha família por perto. Por mais que eu os ame, quero estar apenas com você. E Samuel — adicionou, relanceando o menino, que pulava da carruagem. — Contanto que ele tenha comida no prato, teremos paz.
— Por quê? Por que quer ficar sozinho comigo?
Eu não estava conseguindo pensar com muita clareza naquela tarde. Como poderia, se os cantos da boca de William se ergueram de leve em um sorriso travesso que fez meus joelhos tremerem?
Ele estava... flertando comigo?
— Porque somos amigos. — O sol da tarde fez com que seus cabelos brilhassem como ouro. — E porque eu seria um tolo se não quisesse ter alguns momentos a sós com uma mulher como você. A propósito, este seu vestido é demoníaco, Maite.
Oh, sim, ele estava! Senti as bochechas esquentando e baixei os olhos para meu traje verde-escuro com renda dourada na cintura e no decote. Estava tão aturdida que mal registrei que ele e Samuel me escoltaram para dentro da taberna.
O lugar tinha cheiro de álcool, comida e suor. Um homem cuja uma perna lhe faltava tocava animadamente um violino em um canto. As mesas de madeira rústica estavam todas ocupadas. Ao passar por uma delas, meus olhos cruzaram com os do sr. Matias. O rapaz estava sozinho, um jornal nas mãos, e pareceu surpreso ao me ver ali. Ainda assim, fez um educado aceno de cabeça. William não foi tão entusiasmado ao cumprimentá-lo enquanto puxava uma cadeira para mim.
Um garçom logo apareceu e William pediu alguns petiscos, um refresco e duas canecas de cerveja. Samuel olhou pela janela, para um grupo de crianças que brincava com tacos nos fundos do estabelecimento.
William foi todo atenção, perguntando sobre minha manhã pouco produtiva — eu havia almoçado com a mãe dele e elaborado o cardápio da semana. Fim.
Assim que o garçom trouxe a comida e as bebidas, Samuel voltou sua atenção para os pratos. Salsichas, carne de porco, pão, manteiga, batata cozida, tortas frias e cerveja. Experimentei um gole da bebida...
E quase a cuspi de volta. Era amarga e densa. Não tinha bolhas, mas a espuma que se prendeu em meus lábios fez cócegas, e achei interessante a maneira como adormeceu de leve minha língua. No segundo gole eu a apreciei ainda mais.
Samuel comeu em menos de um minuto a pequena montanha que William colocara em seu prato, e tudo o que restou sobre a porcelana decorada em azul foram migalhas. Voltou a olhar as crianças.
— Por que não vai até lá? — sugeri. — Talvez precisem de mais um na equipe. Mas fique sempre onde eu possa vê-lo, está bem?
— Sim, está bem!
Com quatro saltos, ele estava na saída. Mais alguns e parava ao lado de um garoto. No instante seguinte, tinha um taco nas mãos.
— Que tal a cerveja? — William perguntou, atraindo minha atenção.
— Bem, não tem bolhas, mas eu diria que pode ser promissora. — Levei a caneca de volta aos lábios.
Os cantinhos de sua boca estremeceram enquanto ele pegava sua bebida.
— É verdade. Você gosta da sensação das bolhas em seus lábios. E do meu cavanhaque. — Deu um gole em sua cerveja.
Engasguei com a minha.
William fez menção de se levantar para me acudir, mas fiz um gesto para que permanecesse onde estava. Procurei um guardanapo sobre a mesa enquanto tossia e não encontrei nenhum. Ele me estendeu seu lenço.
— Costumava frequentar a taberna? Achei que o garçom o reconheceu — falei, assim que me recompus, tentando distraí-lo. Por que ele não esquecia que eu tinha dito aquilo?
— De vez em quando. A comida é muito boa. — Espetou um pedaço de porco frito. — Às vezes meu horário de almoço é um tanto tumultuado.
Ele começou a me contar um pouco mais sobre seus atendimentos, que às vezes acabava almoçando na casa de um paciente e, quando chegava em outra casa, o convidavam para almoçar de novo e William aceitava para não ofender a família, mesmo sentindo que se comesse mais um pedaço de pão ele lhe sairia pelas orelhas. Depois me narrou algumas histórias de sua infância, e eu fiz o melhor que pude para prestar atenção. Não foi fácil, já que meu cérebro parecia flutuar dentro da cabeça.
— Passei a maior parte da infância de castigo — confessou. — Beca sempre me culpava, e minha mãe acreditava nela. Ela era a queridinha de todos nós, então ninguém a achava capaz de aprontar alguma traquinagem. Se ela havia aprontado alguma, a culpa só podia ser minha. Eu a influenciara a sair da linha. E isso acontecia só de vez em quando.
Acabei rindo.
— Você não devia rir. — Ele fitou sua caneca, a desolação estampada no rosto. Exceto nos olhos. Havia diversão neles. — Devia ficar com pena de mim e um pouco revoltada com tamanha injustiça. Desmoralizado outra vez... — Abanou a cabeça. — Eu já devia estar acostumado.
Gargalhei de novo, e ele prosseguiu com sua história. Fui beliscando um pouco da comida, bebericando a cerveja enquanto o ouvia falar, fascinada. Ele não era exatamente o William por quem eu me apaixonara aos quinze anos, e também não era o homem com quem me casara aos vinte, mas uma mistura perfeita dos dois. E falou mais naquela tarde do que todo o período em que estávamos casados. Não vi o tempo passar, assim como também não sei o que aconteceu com o conteúdo da minha caneca. Só percebi que estava vazia quando o garçom apareceu com outra cheia.
O grito animado das crianças me fez olhar para fora. Samuel ria às gargalhadas enquanto corria de um lado para o outro com o taco na mão. William também o observava.
— Você também sonhava em ser médico quando tinha a idade de Samuel?
— eu quis saber.
Ele ergueu os ombros.
— Não sei se era tão curioso quanto ele, mas as doenças nunca me assustaram. Até a Beca ficar doente — adicionou em voz baixa.
— Ela deve estar orgulhosa de você, William. Esteja onde estiver.
Ele fez um gesto de cabeça, mas seus lábios estavam apertados enquanto seu dedo desenhava a alça da caneca.
— Quer ouvir algo engraçado, Maite? Não sou capaz de contar quantas vidas eu ajudei a salvar desde que me tornei um médico. Foram centenas. Acho até que milhares. Mas não consigo lembrar quantos pacientes foram, nem os nomes da maioria. — Seu olhar vagou para a janela outra vez. — Já os que eu não pude ajudar, lembro-me de cada um dos vinte e sete nomes, de cada um dos vinte e sete rostos. Às vezes sonho com eles.
— Eu imagino que não seja fácil. Mas você não pode se sentir culpado. Fez o que pôde por eles.
— Não tenho certeza disso. Ao menos com um deles. — Voltou o rosto para mim. — Conheci um jovem médico inglês, enquanto estive na Itália, que também não acredita na teoria miasmática.
Eu devia ter bebido muito àquela altura, porque não entendi para onde ele estava indo com aquela conversa. Ao perceber que o que falou não fez sentido para mim, William acrescentou:
— A teoria afirma que doenças como o cólera ou o tifo são causadas pela poluição ou pelo ar venenoso. Assim como eu, John Snow tem outra teoria.
Suspeita de que a doença ocorra por meio de contaminação direta, em alimentos ou bebidas, por aqueles minúsculos animais que eu lhe disse que existem no ar.
Ele está determinado a descobrir a origem do cólera. Os casos da doença só aumentam em Londres.
— Espero que consiga — falei, pensando em tia Margareth, que vivia naquela cidade. — Mas não entendo o que isso tem a ver com o que estávamos discutindo.
Ele cruzou os braços sobre a mesa, inclinando-se para mais perto.
— Acontece que a sra. Albuquerque foi a única vítima de tifo na região no ano em que morreu. Como isso soa para você?
Pisquei uma vez. Não estava certa se queria pensar no que ele sugeria, embora a compreensão já estivesse se instalando sorrateiramente em meu cérebro.
— Se considerarmos a teoria miasmática — prosseguiu —, então o ar seria o causador da doença e teria contaminado a vila toda. Não foi o que aconteceu.
Se levássemos em consideração a teoria de Snow, segundo a qual a água ou os alimentos estariam contaminados pela doença, acabaríamos com o mesmo resultado.
Franzi as sobrancelhas.
— Está me dizendo que não foi o tifo que matou Adelaide?
— A sra. Albuquerque não tinha viajado recentemente, então, não, eu não acredito que tenha sido tifo. — Ele pegou sua cerveja, mas não a bebeu. — Eu vi o tifo acabar com a minha irmã, Maite. Vi a doença recair sobre a região onde morávamos e levar ao menos uma pessoa de cada família. Apesar de algumas semelhanças, o quadro de Adelaide era diferente. Não houve febre, por exemplo. Eu não tinha experiência suficiente para manter minha convicção na época, mas hoje, depois de tudo o que vi no hospital de Lodi, eu apostaria minha vida nisso. Salvei uma criança com um quadro muito semelhante ao da sra. Albuquerque. Eu suspeito de que o que a matou foi o oleandro, uma planta altamente venenosa cuja ingestão causa sintomas parecidos com os do tifo e outras doenças do estômago.
Meu coração começou a retumbar em meus ouvidos conforme meus pensamentos se organizavam e eu compreendia o que ele havia dito.
— William, você está me dizendo que Adelaide foi...
— Envenenada. Sim, eu estou. — Seus olhos foram nublados por uma cortina sombria.
— Mas, William, isso não faz sentido! Quem teria intenção de fazer mal à sra. Albuquerque?
Assim que a pergunta deixou meus lábios, a imagem de Miranda saindo da confeitaria enquanto Adelaide se contorcia me veio à mente. Ela tinha muito a lucrar se a esposa do amante morresse. Como de fato aconteceu depois.
William pareceu ler meus pensamentos, recostando-se na cadeira e soltando uma pesada lufada de ar.
— Foi o que Almeida me perguntou quando lhe contei de minhas suspeitas.
Mas acredito que você tenha chegado à mesma conclusão que eu.
— Mas... meu Deus! — Se ele estivesse certo, então Adelaide havia sido assassinada pela amante do marido. Pela madrasta de Valentina! — William, não pode ser. Eu estava com Adelaide. Miranda não se aproximou dela naquela tarde.
— Ela pode ter sido envenenada antes de sair de casa. O oleandro pode demorar a agir ou matar instantaneamente. — Encolheu os ombros. — Tudo depende da quantidade usada.
Antes de sair? Ele estava sugerindo que o sr. Albuquerque, o pai de uma de minhas melhores amigas, o homem a quem meu pai recebera em casa toda semana durante mais de uma década, tramou a morte da esposa? Teve participação nela?
Um arrepio gélido me subiu pela espinha e eu tremi na cadeira. Um ruído agudo vindo do meu lado direito me sobressaltou. Virei a tempo de ver o sr. Matias meio em pé e o garçom tentando equilibrar a bandeja para que o caldo fumegante sobre ela não tombasse. Mas não deu tempo. O sr. Matias gritou quando a sopa quente lhe escaldou o peito.
Houve uma comoção. As pessoas falavam ao mesmo tempo em que o garçom tentava se desculpar e Matias gemia de dor. William estava ao lado dele em um piscar de olhos.
— Tem algum lugar para onde eu possa levá-lo? — perguntou ao garçom.
— Há uma despensa nos fundos, doutor.
William olhou para mim.
— Poderia pegar minha maleta na carruagem?
Fiz que sim e saí correndo.
* * *
— Conseguiu ver alguma coisa quando levou a maleta pro doutor? — Samuel quis saber.
— Humm... bem pouco.
Eu tinha batido à porta, um dos garçons abrira apenas uma fresta a mando de William e pegara sua valise. Tudo o que pude ver foi parte das pernas do sr. Matias e William meio curvado, aplicando alguma coisa em seu tórax.
Samuel e eu esperávamos William do lado de fora da taberna, sentados no degrau da varanda. O menino cogitara entrar na despensa do estabelecimento, mas acabou desistindo da ideia para não me deixar sozinha, o que achei muito galanteador. Mas eu estava desatenta, mal ouvia o que ele dizia. Tudo o que
William me contara girava por minha cabeça até ela começar a doer.
Não era possível. Adelaide não podia ter sido assassinada. E o sr.
Albuquerque não podia ter qualquer relação com isso. Eu o conhecia a vida toda!
Ele era o pai de Valentina, um pai um tanto relapso nos últimos tempos, mas, antes de Miranda aparecer, ele sempre foi um pai... bem, amoroso não seria a palavra, mas atencioso. Ele não podia estar envolvido em um assassinato.
E Valentina... meu Deus, se tudo aquilo fosse verdade, minha amiga estaria correndo perigo?
— Eu gosto de assistir o doutor consertando as pessoas. — A voz de Samuel me chegou aos ouvidos. — Ele é bom. Você tinha que ver como o paciente do acidente reclamou hoje de manhã, Maite. Parecia um bebê! Mas o dr. William nem ficou irritado e não respondeu às provocações. Ele é muito concentrado. Quer dizer, se você não estiver por perto. Aí então ele se embanana todo.
Afastei uma mecha que me caía no rosto.
— Isso não é verdade, Samuel.
— É sim. Pode perguntá para qualquer um. É por isso que eu nunca vou me apaixonar. Homens apaixonados se tornam uns bobalhões!
— Samuel! — Meu rosto pegou fogo. — William não está apaixonado por mim.
— Está sim. Ele a importuna o tempo todo! E pensa em você o tempo todo.
Sei disso porque ele fica com a cara esquisita assim. — Fez uma careta.
— É mais provável que ele faça essa cara engraçada porque está irritado comigo o tempo todo.
— Pois então! Uma mulher só consegue irritá um homem desse jeito se ela é importante para ele. Acredite em mim. Eu sou um homem. Sei como os homens pensam — falou, como quem sabe das coisas. — Por falar nisso, Maite, eu andei pensando em outra coisa também. Você acha mesmo que eu posso aprendê as letras? Mesmo que a professora tenha falado que...
— Já falei para esquecer o que ela disse. — Apertei sua mão. — Foi crueldade, Samuel. Se você quiser aprender, eu vou ter prazer em ensinar.
— Eu quero. E prometo que vou ser um bom aluno! Ou vou tentá, pelo menos. Eu preciso aprendê a ler bem depressa. — Uma ruga de preocupação surgiu entre suas sobrancelhas. O hematoma ainda era visível, mas começava a esmaecer nas bordas.
— Ora, e por quê?
— O dr. William só vai me deixá mexê nos vidros de remédio quando eu puder ler as etiquetas neles.
Foi nesse instante que William saiu da taberna, a maleta pendendo na mão.
— Ele está bem? — eu quis saber, me levantando.
— Sim. Eu o levei para um dos quartos, no andar de cima. Tive que dar a ele um pouco de ópio para que eu pudesse cuidar das queimaduras. O pobre acabou desmaiando. — Soltou o ar com força. — Eu sinto muito, Maite. Não era esse o fim que eu havia planejado para esse encontro.
Queria ter perguntado qual final ele havia imaginado. Mas Samuel se adiantou.
— Então, se já acabô, a gente pode ir jantar?
— Outra vez? — William e eu perguntamos, em uníssono.
— É que o cheiro que está vindo lá de dentro está me deixando com fome.
William olhou para mim, uma sobrancelha arqueada.
— E por que não? — Dei de ombros. — Deve ter mais um pouco de cerveja, não? Você parece precisar de uma, doutor.
— Deus, sim! — Esfregou o rosto. — Obrigado.
Nós retornamos para dentro e aos poucos William voltou ao humor de antes. O meu, porém, sofrera uma drástica mudança. No canto, perto do sujeito com o violino, um grupo de homens jogava cartas. Houve uma pequena discussão e então eles ficaram de pé. Pensei ter visto o rosto do sr. Duarte surgir entre a baderna. Estendi o braço, pegando a mão de Samuel.
— Maite, assim eu não consigo comê! — resmungou.
— O que foi? — William me perguntou.
Uma senhora de pouco mais de um metro e meio e em idade avançada se interpôs entre os cavalheiros, desferindo golpes com uma longa colher de pau enquanto falava palavras que eu pouco ouvia fora do estábulo. A confusão se dissolveu e os homens voltaram a se sentar. E, Duarte, graças a Deus, não estava entre eles. Eu devia ter imaginado ou confundido a figura dele com outro homem.
— O que foi, Maite? — William perguntou de novo, soando preocupado.
Voltei o rosto para ele e tentei sorrir.
— Não é nada. — Soltei a mão de Samuel, que rapidamente voltou a comer.
— Foi bobagem minha.
Depois de estudar meu rosto por um instante, um pequeno V se formou entre as sobrancelhas de William.
— Você também parece precisar de uma cerveja, Maite.
— Sim. Creio que sim.
A história de Adelaide mexera comigo muito mais do que eu havia me dado conta, e agora estava vendo coisas. E a cerveja, aliada à conversa macia de William, me ajudou a colocar as emoções no lugar, e então entorpecê-las. O que deveria ser uma caneca tornou-se duas, depois três, e então parei de contar, pois o mundo começou a girar e tudo me parecia engraçado. Tão engraçado!
— Acho que é hora de irmos. — Rindo, William puxou minha caneca.
Precisei de ajuda para sair da taberna. Minhas saias teimavam em encontrar as mesas... ou as mesas é que encontravam minhas saias... Não tenho certeza. Ao chegar ao lado de fora, longe das vistas curiosas, William passou um braço pelas minhas costas, o outro sob meus joelhos, e me içou do chão. Seu rosto ficou a poucos centímetros do meu, de modo que meus dedos foram atraídos para aquele queixo bem desenhado e o cavanhaque aveludado.
— Eu realmente gosto dele — murmurei.
— Tenho certeza de que amanhã você não vai se lembrar de ter me dito isso, mas, ah, eu vou. — Seus olhos faiscaram.
— É provável que eu não lembre. — Abri os braços. — Sinto que posso voar... opa! — Me agarrei a seu pescoço quando me desequilibrei. — Não, não posso.
— Não sei, não, Maite. Você parece tão leve quanto uma de suas bolhas agora.
Senti um arrepio perpassar meu corpo, mas não era um daqueles bons, como os que William provocava. Ao olhar para trás, pensei ter visto um vulto no andar de cima, me encarando. Balancei a cabeça para tentar me livrar da visão embaralhada e, quando voltei a fitar a janela, não havia nada ali.
William me acomodou na carruagem e se sentou a meu lado. Samuel preferiu ir na frente com Eustáquio. Assim que nos pusemos a caminho de casa, o movimento me deixou sonolenta. Deitei a cabeça no braço de William.
— Durma — sua voz suave soou como uma cantiga de ninar. — Eu ficarei aqui, velando seu sono.
— Não posso dormir com você. — Mas fechei os olhos, me aconchegando mais a ele. — Nós fizemos um acordo.
— Não há um dia em que eu não me lembre disso — murmurou, mas seus braços me puxaram para mais perto.
Minha cabeça encontrou apoio em seu peito, o tum-tum-tum urgente ali dentro criando uma melodia sussurrada. William fez tudo ficar ainda melhor quando espalmou uma das mãos em minhas costas e a outra se prendeu a meus cabelos, acariciando-os lentamente. Suspirei, contente, sentindo-me tão bem e protegida, como se tivesse acabado de chegar em casa depois de uma longa e cansativa jornada.
Acabei adormecendo, mas, em vez de voar, fui lançada a um pesadelo onde eu retornava àquela confeitaria e assistia a Adelaide morrer enquanto o sr. Albuquerque e sua amante riam em júbilo.
Autor(a): Fer Linhares
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Comentários da Fanfic 32
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poly_ Postado em 13/09/2019 - 14:11:41
Desculpa a demora pra comentar, tô com muitos trabalhos, mas finalmente consegui vir aqui. E Simmm, posta a continuação, vou adorar. Bjuss!!!
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poly_ Postado em 05/09/2019 - 12:28:41
Menina quem imaginaria que era o Matias? Fiquei pasma. Nem acredito que tá acabando, vou sentir muita falta. Depois desse vc podia fazer uma adaptação Levyrroni do livro A Lady de Lyon, tô louquinha pra ler esse livro, dizem que é muito bom. Bjuss!!!
Fer Linhares Postado em 07/09/2019 - 19:22:35
Vou ler esse livro, assim que eu terminar eu posto, bjss ;)
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tehhlevyrroni Postado em 02/09/2019 - 11:58:23
continua amo esse livro e vou amar mais ainda adaptado para Levyrroni
Fer Linhares Postado em 03/09/2019 - 20:09:23
Continuando linda, bjss ;)
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poly_ Postado em 31/08/2019 - 00:27:37
Certeza q é o Duarte q fez isso, esse nojento. Mas tenho fé que o Will vai salva-la, tomara que ele consiga e ninguém fique ferido. Q momento fofo deles dois, amei. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 31/08/2019 - 11:40:07
Eles precisavam de um tempo só pra eles bjss ;)
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poly_ Postado em 30/08/2019 - 13:02:45
Aí mds, posso bater no William? Kkkkkk Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 17:02:44
Pode kkk , me chama pra ajudar tbm kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 23:50:45
Tomara que eles sentem e se resolvam, e q Maite fale logo a verdade. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 11:17:06
Do jeito que eles são, duvido que eles se resolvam calmamente kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 15:26:50
Aí q ódio de td mundo, da Maite por ser inocente ao ponto de ir atrás do homem, do William por ser um teimoso e principalmente desse Alex. Continuaaa
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 22:19:08
Não vejo a hora de saber o que vai acontecer, parou na melhor parte. Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 26/08/2019 - 23:53:59
Do próximo capítulo em diante as coisas vão começar a esquentar, amanhã eu volto a postar, bjsss ;)
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 01:05:46
Tô amando mulher, continuaaa (OBS: Ri demais com a briga do William com o irmão KKKKKKKKK)
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poly_ Postado em 24/08/2019 - 13:34:10
Ahh não acredito que Berta interrompeu esse momento. Pelo menos já estamos tendo um sinal de redenção né. Continuaa
Fer Linhares Postado em 25/08/2019 - 01:13:21
Berta não e o problema agr kk, tem coisa ainda pra acontecer bjs ;)