Fanfics Brasil - Capítulo 4 Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni)

Fanfic: Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni) | Tema: Levyrroni [Adaptada]


Capítulo: Capítulo 4

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Eu estava perto da bandeja onde uma dezena de taças se empilhava quando reconheci o cavalheiro a poucos passos de mim. Abaixei um pouco o rosto e dei meia-volta. No entanto, ele me viu antes.
— Senhorita Maite! É você mesmo?
Reprimindo um gemido, obriguei-me a colocar um sorriso no rosto enquanto me virava para ele.
— Como vai, senhor Prachedes?
— Achei que fosse a senhora! — Deu uma boa olhada em mim. Sua testa se franziu como se não entendesse o que via.
Eu mudara um pouco desde a última vez em que nos vimos, três anos atrás, antes de ele deixar a vila com o pretexto de ir para o seminário. Meu corpo havia se desenvolvido por completo; eu ganhara curvas que antes não tinha e meu rosto perdera um pouco do arredondado tão característico da puberdade.
— Senhor Prachedes? — chamei, na esperança de que ele interrompesse aquela análise pouco cavalheiresca.
Ele pareceu entender, pois seu rosto adquiriu um suave rosado.
— Humm... continua... hã... encantadora. — Mas essa constatação o desagradou. E muito! — Gostaria de apresentá-la a minha esposa. Onde ela... — Esticou o pescoço, procurando, e então seu rosto se iluminou. — Ah, está dançando com meu tio. Vê? A bela jovem de salmão? — Apontou para o casal.
A mulher, pálida dos pés aos cabelos quase brancos, tinha uma beleza suave, que harmonizava com as roupas claras que vestia. Parecia que Prachedes conseguira encontrar a esposa com a qual sempre sonhara, enfim uma que combinasse com suas cortinas.
Um arrepio inesperado me subiu pela nuca. Levei a mão ao pescoço, tentando deter a sensação que havia muito tempo eu não experimentava. Foi então que percebi que um cavalheiro me encarava fixamente do outro lado da sala. Eu podia ver pouco dele. Estava ao lado de um dos grandes arranjos que ajudei a senhora Portilla a compor, de modo que as sombras, a máscara preta e um belo cavanhaque ocultavam seu rosto quase que por completo. Era bem alto, com os cabelos em um tom claro como areia que me lembrou os de William. No entanto, esse homem tinha madeixas mais longas, levemente onduladas, quase lhe tocando os ombros.
— Que tal se fizermos o mesmo? Pelos velhos tempos? — A voz de Prachedes me chegou aos ouvidos.
— O quê? — Olhei para ele, confusa. — Ah, a dança. Lamento, senhor Prachedes, não me sinto muito disposta a dançar esta noite. Acho que torci o pé na última quadrilha. Até mais ver. — Comecei a fazer uma mesura, mas ele continuou falando.
— Como vai o senhor Uckermann? E a sua cunhada?
— Todos estão muito bem, senhor. Agora, se me der...
— Fico feliz em ouvir isso. E o seu marido?
Reprimi uma careta.
— Eu não tenho marido, senhor Prachedes.
— Não? — Seus olhos se alargaram, ficando do tamanho de um pires. — Mas, pelo que bem me lembro, a senhorita estava noiva. Não me diga que o noivado foi desfeito!
Pressionei os lábios com força. Aquele era um assunto que eu preferia não discutir. Sobretudo com Prachedes! Ora bolas, como eu poderia cumprir a promessa que fizera a Dulce e me divertir, se as pessoas continuavam a perguntar por William?
— Não foi cancelado — falei por fim. — Ainda estamos noivos. Mas ele está na Europa.
Prachedes demostrou um horror teatral, mas os cantos de sua boca teimaram em subir.
— Ainda? Que situação mais chocante, senhorita Maite! Já faz quanto tempo desde que o compromisso foi firmado? Dois anos?
— Três anos e meio. — E três anos desde que William partira para a Europa.
Ele me escrevia com certa frequência, mas as poucas linhas que chegavam deixavam clara a falta de entusiasmo do autor. Ninguém além de mim sabia que as cartas de William já não continham palavras bonitas.
Prachedes estalou a língua.
— Três anos e meio! Que constrangedor, senhorita Maite. Um noivado tão longo assim não é bem-visto. Nem um pouco. Fico muito triste em ouvir tais novidades. — Mas ele parecia tudo, exceto triste.
Eu gostaria de ter tido uma criação diferente. Uma que me permitisse esbofetear Prachedes sem me sentir mal depois.
— Entretanto — prosseguiu —, foi o que a senhorita escolheu, não? Preferiu ser ludibriada por esse sujeito a aceitar uma proposta mais vantajosa. Eu avisei que iria se arrepender da escolha que fez.
Eu preferiria ser trancafiada em uma torre repleta de ratos e jamais voltar a ver a luz do sol a ter aceitado o pedido de Prachedes.
— Foi um prazer revê-lo — falei, com pouca cortesia. — Passar bem, senhor.
Prachedes se curvou, ainda mantendo o sorriso satisfeito no rosto. Eu apertei o passo, me esquivando dos convidados, em busca de um pouco de ar enquanto mentalmente amaldiçoava aquele homem. E William, pois parte do que Elias Prachedes dissera era verdade. Um noivado tão longo como o nosso era malvisto, e só naquela noite tive de explicar para oito pessoas a razão da ausência de William.
Acabei de frente para as portas que davam para o balcão. Passei por elas sem olhar para os lados e tirei a máscara, apoiando-a no parapeito da balaustrada. Assim que senti diminuir a vontade de enfiar a cabeça de Prachedes na tigela de ponche, soltei um suspiro desolado.
Por mais que odiasse admitir, eu não podia culpar William por se manter afastado, considerando a maneira como nos separamos.
Eu sabia muito pouco sobre ele agora; William estava na Itália, trabalhando em um hospital renomado e acompanhando um pesquisador que estudava bichos-da-seda havia décadas. Eu não tinha certeza se ele estava avançando ou não. William não me contava nada relevante. Por isso secretamente eu nutria a esperança de que ele ainda estivesse longe de concluir suas investigações e que levaria muito, muito tempo para retornar ao Brasil.
O mais irônico era admitir que eu o amei de verdade. Houve um tempo em que eu teria jurado por tudo que me era mais sagrado que William Levy seria a pessoa que poderia preencher aqueles hiatos em minha alma. Mas tudo não passou de um sonho juvenil.
Então, no fim das contas, a viagem à Europa fora uma dádiva. Esse tempo afastada dele me ajudou a esquecê-lo. Eu estava certa de que William não exerceria qualquer efeito sobre mim agora. Quando eu fosse cumprir minha palavra e entrar na igreja para recebê-lo como marido, seria apenas uma tarefa a desempenhar, sem qualquer sentimento envolvido além do medo do que viria depois.
Mais de uma vez me passou pela cabeça cancelar o noivado. Preocupava-me pensar no que ele pretendia fazer comigo depois que nos casássemos. Essa incerteza me fizera pegar a pena diversas vezes e me sentar à mesa para lhe escrever. Mas eu sempre acabava desistindo. Eu era uma Uckermann, ora bolas!
Não ia fugir de minhas responsabilidades por algo tão pequeno como me casar com um homem que me odiava. Era preciso mais que isso para que eu batesse em retirada.
Senti aquele arrepio novamente, como se dedos invisíveis tocassem meu pescoço. Eu me virei e deparei com o grandalhão que andara me observando dentro do salão. Estava me encarando de novo.
Havia uma aura em torno dele que parecia dizer perigo — ou talvez a culpa fosse daquela máscara negra que, com o cavanhaque, lhe ocultava quase todo o rosto.
Ele veio em minha direção.
Achei prudente entrar.
— Nenhum problema com os seus sapatos desta vez, Maite? — ele perguntou.
A voz macia e levemente rouca acariciou meus ouvidos, intensificando o arrepio na nuca.
Eu o encarei. Sua aparência não condizia com minha lembrança, mas aqueles olhos iridescentes — castanhos naquela noite — eram os mesmos de que eu me lembrava. Meu coração começou a bater tão forte, meu sangue a correr tão rápido, que temi desmaiar.
— William! — arfei.
Não era possível. Não podia ser ele. Eu devia estar vendo coisas. Falar com Prachedes me trouxera recordações que eu raramente me permitia acessar, e agora meu maior medo se materializava bem diante dos meus olhos. Ele não passava de uma alucinação. Uma fantasia — bastante máscula e atraente — que minha cabeça criara como defesa. Porque eu precisava me preparar para reencontrá-lo um dia. Sim, podia ser isso!
Justamente quando eu estava quase convencida de que ele não passava de uma fabricação de minha mente ansiosa, o homem levou a mão a sua máscara e a tirou, revelando o belo rosto.
Meus joelhos cederam e eu comecei a tombar para a frente. No entanto, mãos fortes se prenderam em minha cintura, de modo que colidi em cheio com uma muralha de músculos.
A proximidade e a parca iluminação do balcão foram suficientes para que eu pudesse ver cada detalhe dele. Havia algumas mudanças. A mais óbvia era o cabelo. Tinha crescido e ele não o aparara — se por falta de tempo ou mero desleixo, eu não sabia. Caía em ondas suaves sobre sua testa, ocultando as orelhas. O cavanhaque que recobria o queixo bem desenhado lhe emprestava gravidade e ao mesmo tempo sugeria sensibilidade intelectual. Seus olhos ainda continham aquelas manchas verdes ao redor das íris castanhas, mas agora exibiam uma frieza que eu não conhecia.
Um calor silencioso percorreu meu corpo, concentrando-se em minhas bochechas e no baixo-ventre.
Era a surpresa. Sim, com certeza era a surpresa que me fazia corar, o estômago revirar e o coração galopar feito um dos cavalos de meu irmão. Não tinha relação alguma com sentimentos do passado.
Nenhuma!
Percebi, com certo atraso, que ele também me examinava com atenção. Pelo franzir das sobrancelhas, deduzi que também ficou surpreso com os efeitos que os últimos três anos tiveram sobre
mim. E eu juro: por um instante, pensei ter visto uma faísca em seu olhar.
— Como vai Maite?
Oh, aquela voz! Pensei que tivesse esquecido o tom grave ou a maneira aveludada como me chegava
aos ouvidos. Mas bastou que dissesse meu nome para que eu me recordasse dela e... de momentos em que
estivemos tão juntos que eu a sentira vibrar em minha pele.
— O que foi? — Arqueou uma sobrancelha, escarnecendo. — Perdeu a fala ou apenas os bons
modos?
Engolindo em seco, elevei o queixo. Eu tinha um papel a desempenhar.
— Que surpresa vê-lo, doutor. Como tem passado? — Fiz o melhor que pude para minha voz não
deixar transparecer o tumulto dentro de mim.
— Sacolejando em um navio por dois meses. E você?
— Nunca sacolejei em um navio.
Seus lábios se esticaram sobre os dentes brancos, alinhados à perfeição. Oh, aquele sorriso! Havia me esquecido das palpitações que ele me causava. Mas ali estavam elas, fortes e impacientes.
— Eu esperava surpreendê-la, Maite, mas não imaginei que seria a ponto de fazê-la perder a linha de raciocínio.
— Eu não perdi o raciocínio. — Objetei, e, infelizmente, não pude fazer nada quanto ao rubor que me subiu pelo rosto. — Apenas lhe contei que nunca estive em um navio, por isso não sei como é a sensação de sacolejar em alto-mar. Parece que é o senhor quem está com problemas de raciocínio.
Seu sorriso ampliou.
— Não sei se posso contradizê-la. É muito difícil para um homem manter alguma coerência quando tem uma bela mulher pressionada contra seu corpo. — Aqueles olhos castanhos percorreram meu rosto, meu pescoço, meu colo e se prenderam no decote do meu vestido.
Foi então que percebi que ele ainda tinha as mãos em minha cintura e que meus dedos tinham se fechado nas lapelas de seu paletó escuro. Absurdamente envergonhada, eu me aprumei. William pareceu satisfeito com meu constrangimento, o canto da boca se erguendo em um sorriso torto irritante, repleto de cinismo.
— Por que não avisou que estava voltando ao Brasil? — eu exigi saber. — Ou seria uma
consideração dispensável para com sua própria noiva?
— Eu escrevi, Maite. O navio cancelou duas paradas na América Central, por isso chegamos uma semana antes.
Ele colocou as mãos nos bolsos da calça, caminhando calmamente pelo balcão até parar diante da balaustrada. Imitei sua postura, olhando para o jardim. Ele ficou quieto por tanto tempo que o nervosismo ameaçou tomar conta de mim.
— O senhor teve uma boa estadia na Itália? — questionei.
— Sim.
— E fez amigos por lá?
— Alguns.
Ah, minha nossa. Como estamos falantes, não?
— Conseguiu ter êxito em sua pesquisa? — insisti.
Ele virou o rosto, uma emoção sombria enevoando seu olhar.
— Não faça isso, Maite.
— Fazer o quê? — perguntei, sem entender.
— Fingir que se importa comigo.
— Eu estava apenas tentando ser educada!
Um sorriso que era puro cinismo lhe contorceu os cantos da boca.
— Ah. Perdoe-me. Creio que não esteja desempenhando meu papel adequadamente, então. Como tem passado, minha querida? O que fez desde a última vez que nos falamos? Espero que não tenha tentado colocar fogo na casa outra vez.
Lancei a ele um olhar aborrecido.
— Não fiz nada além do que relatei nas cartas. — Ao contrário dele, eu escrevia páginas e mais páginas. Está bem, eram repletas de nada. Na última, utilizei seis delas para descrever um beija-flor que tinha avistado no jardim. Mesmo assim, ao menos eu dedicava algumas horas a lhe escrever. Devia valer para alguma coisa. — E eu nunca tentei colocar fogo na casa. Se o senhor não tivesse me surpreendido de maneira tão pouco civilizada naquela noite, nada daquilo teria acontecido.
— Permita-me discordar. — Sua voz baixou algumas oitavas. Com seus olhos cravados nos meus, achei tão difícil respirar...
— O que quer dizer com isso?
Ele piscou uma vez, e voltou a examinar o jardim. Se William chegou a me ouvir, não deixou
transparecer. Aproveitei que ele olhava para a frente e dei uma boa examinada em seu perfil. Ainda era tão belo quanto eu me lembrava, o nariz retilíneo, os lábios cheios, a mandíbula bem desenhada ainda mais proeminente com a adição daquele cavanhaque de aspecto sedoso...
— Eu soube que sua vida social continua agitada — ele comentou sem se virar. — Recebeu mais alguma proposta de casamento nesse período? Era isso que Prachedes fazia ainda agora?
Ele mantinha a expressão desinteressada, quase como se estivesse entediado, mas vislumbrei uma pontinha de interesse na maneira como apertou o maxilar.
— Ele apenas me pediu uma dança. Recebi uma proposta de casamento enquanto esteve ausente, mas não do sr. Prachedes.
Espalmando as mãos no mármore, ele se inclinou para a frente, os olhos estreitos como os de Bartolomeu.
— E qual foi a sua resposta?
Como ele podia me fazer essa pergunta? Estávamos noivos, ora bolas! Ele se esquecera desse detalhe?
— Bem, imagino que o senhor saiba quanto eu aprecio um bom escritor — respondi, irritada. — E ele escreveu uma ode à minha pessoa...
— Uma ode? — Voltou o rosto para mim, uma veia saltando em sua têmpora.
— Sim. “A magnífica Maite”. Bastante lisonjeiro, não? — Se se ignorasse a parte segundo a qual meus cabelos eram “tão brilhantes quanto as penas de uma galinha-d’angola” e a que dizia que meu olhar “tinha tanta intensidade que quase causava hematomas”. William não precisava saber desses pormenores.
A julgar pela maneira como cerrou os punhos e tensionou a mandíbula, ele não apreciou a novidade.
Nem um pouco.
Um sorriso teimou em se insinuar em meu rosto. Irritá-lo me agradava. Ora, isso era uma surpresa.
— E posso saber quem foi o mald... o feliz poeta apaixonado? — escarneceu, embora o brilho em seu olhar sugerisse outra coisa.
— Foi o sr. Lacerda, o afilhado do sr. Domingos. Imagino que se lembre dele. Dançamos ainda agora. O senhor não viu?
— Cheguei faz pouco tempo. Você já estava falando com Prachedes. — Seus olhos se estreitaram de leve. — Mas eu me lembro de um sujeito com sérios problemas capilares e péssimo senso crítico.
Então ele conhecia o sr. Lacerda.
— É um ótimo rapaz — provoquei.
— Aceitou o pedido, Maite? — Disparou um olhar impaciente.
— Ah, não pude. Como bem sabe, já estou noiva. Mas aceitei a ode. Achei que seria rude recusar.
Ele se virou, rápido e majestoso feito um felino, uma sombra lhe turvando o olhar, como se uma tormenta estivesse a caminho.
— Se está tentando me aborrecer com esta conversa sobre Lacerda, saiba que está perdendo seu tempo.— Não é a impressão que eu tenho agora.
Aquilo era uma pontinha de diversão? Ali, no canto da boca e ao redor dos olhos?
— Não me lembrava dessa sua língua afiada, Maite.
Para ser franca, eu também não. Mas o William que estava a minha frente parecia despertar o pior em mim. Libertava-me das amarras às quais fui ensinada a me agarrar. Bem... não era a primeira vez que aquilo acontecia, era?
— O senhor não foi o único a mudar nesse período em que estivemos em continentes separados.
— Não. — Ele escrutinou meu rosto demoradamente. Então, seus olhos desceram sem pressa pelo meu corpo. — Não fui o único.
Eu me empertiguei. E enrubesci. Algo na maneira como ele me examinava me deu a sensação de intimidade. Seu olhar era tão intenso que senti como se realmente me tocasse, como se a ponta de seus dedos estivessem percorrendo meu rosto, meu pescoço, a pele sensível do meu ombro. Meu sangue fervilhou nas veias, um arrepio subiu pela minha nuca e... algo bastante constrangedor aconteceu dentro das taças do meu espartilho.
Oh, meu Deus. Que ele não perceba.
Por garantia, cruzei os braços sobre os seios. O movimento o fez despertar, e, quando seus olhos se voltaram para os meus, refletiam uma frieza vazia.
— Ainda não desistiu da ideia de manter nosso compromisso? — ele quis saber.
— O senhor desistiu?
— Não. Eu lhe disse na época. Serei seu por honra. Mas você não passava de uma menina quando assinamos o contrato de noivado. 


E as circunstâncias permaneciam as mesmas. Se eu ainda tinha uma reputação com a qual me preocupar, era graças àquele noivado. Eu não podia rompê-lo. Mas William podia.
— Minha palavra também foi dada, doutor, e eu pretendo cumpri-la. Se deseja se livrar de sua promessa, é melhor encontrar outra maneira. Sinto dizer que terei de processá-lo por me abandonar, porque é o que se espera que uma moça faça, mas será apenas para cumprir uma convenção social. Não quero nada que venha de você. Estou certa de que, dependendo de sua alegação, sairá do julgamento sem qualquer prejuízo. Poderia dizer que se apaixonou por uma bela italiana... — Eu me interrompi, piscando conforme uma fisgada me atingia o peito.
Ele recostou os quadris no peitoril, rindo. Estava tão perto que seu perfume me envolveu em um abraço cheio de saudade. Era o mesmo de que eu me lembrava, e isso me confundia. O William que eu amei e aquele diante de mim não eram a mesma pessoa, mas o seu cheiro... ah, aquele delicioso aroma amadeirado, levemente salgado... era exatamente igual.
— Você não era tão direta. — Cruzou os braços. — Nem tão tola.
Eu me empertiguei, o sangue rugindo nas veias.
— Se o senhor pretende me ofender...
— O que eu pretendo — atravessou — é saber se vai honrar sua palavra, agora que é adulta. Eu não penso em cancelar esse compromisso.
— Por que não? — questionei, um tanto frustrada. — Por que insistir com essa vingança? Sei que o magoei no passado, mas você já me castigou o suficiente com esse noivado ridiculamente longo. Até onde pretende ir para me ferir?
Suas sobrancelhas arquearam, como se estivesse surpreso. Com o quê? Minha franqueza?
— Não tenho o desejo de feri-la, Maite — murmurou.
— Não? — Então, por que continua com isso?
— Não. Não cheguei a concluir minhas pesquisas, apenas uma parte. Voltei pela promessa de que, assim que tivesse me estabelecido, nós nos casaríamos. E isso aconteceu. — O olhar fixo em meu rosto não devolvia nada. — Pretendo honrar minha palavra. Vamos viver na mesma casa durante um período aceitável. Acredito que um mês deva ser o suficiente. E então eu vou voltar para a Europa.
Meu coração batia tão alto em meus ouvidos que tive de piscar uma vez, me perguntando se eu tinha entendido direito.
— O senhor está me dizendo que...
— Estamos a sós, Maite. Podemos deixar a formalidade de lado.
— ... provavelmente irá viver na Itália?
Oh! O milagre que eu tanto esperava! William poderia passar anos fora. Quem sabe a vida toda! E eu ficaria bem ali, longe dele, sem precisar fingir ser alguém que não era.
— Devia ao menos se esforçar um pouco para não parecer tão contente com a notícia. — Mais uma daquelas risadas cínicas lhe escapou.
— Bem, acredito que, diante das circunstâncias, pareça o arranjo perfeito.
Uma parte de mim estava tão contente que mal consegui me manter parada. Mas outra parte, que com muito custo eu mantinha enterrada nos confins da alma, queria chorar de desespero.
— Foi isso que sonhou? — Encrespou a testa.
Não. Claro que não. Em meus sonhos, nós nunca teríamos nos desentendido. E, quando ele me pedisse em casamento, diria palavras tão belas que deixariam marcas profundas em mim. Em meus sonhos ele não me odiava. Em meus sonhos, ele nunca teria desejado ficar longe de mim, a ponto de colocar um oceano entre nós.
Mas a verdade é que sonhos são apenas isto: fantasias que nos ajudam a tolerar a realidade. Ele nunca olharia para mim como eu fantasiava. Da maneira como eu via Christopher olhar para Dulce, como se estivesse admirando o mais belo pôr do sol de toda a história do mundo.
Mas estava tudo bem. Eu não seria a primeira mulher a me casar por contrato, nem seria a última.
Estava tudo bem. Honestamente.
— O que eu sonhei não tem mais importância. — Fitei a máscara em minhas mãos. — Tudo não passou de aspiração de uma jovem tola que vira muito pouco do mundo. Faz tempo que deixei de sonhar.
William soltou um pesado suspiro, me obrigando a olhá-lo.
— Não devia ser assim. — Ele descruzou os braços, apoiando as mãos na balaustrada, o olhar voltado para o bico de seus sapatos lustrosos.
Pela primeira vez desde que entrara naquele balcão, ele soou como o William por quem eu havia me apaixonado.
Porém tão rápido quanto surgiu, o velho William desapareceu.
— Muito bem — falou, por fim, e se endireitou, ficando uma cabeça e um pescoço mais alto que eu.
— Se está decidida a ir até o fim, então devemos entrar.
— Por quê? — perguntei, cautelosa.
Seus lábios se esticaram, selvagens, sobre os dentes perfeitos.
— Estive ausente por muito tempo, Maite. Será necessário fazer um pequeno espetáculo para aplacar os mexericos.
Não tive certeza se compreendi o que ele pretendia — embora aquele sorriso jocoso me desse uma ideia —, mas não vi alternativa para que as pessoas parassem de zombar de mim. Por isso assenti, encaixando a máscara no rosto.
— Não. Não precisamos desta. Usaremos máscaras mais convenientes. — Com um movimento ágil, ele a apanhou dos meus dedos e a deslizou para dentro do bolso do paletó. Então, franziu o cenho. — Ah, quase me esqueço. Tenho algo para você. — E me estendeu um saquinho de cetim azul.
— Não devia ter se incomodado. — Surpresa, com os dedos um tanto instáveis, eu o peguei.
— Não se anime. Não é grande coisa. — Ele ergueu os ombros. — É apenas uma bugiganga que comprei no cais, para ajudar um velho senhor faminto que perdeu o braço durante a guerra.
Pisquei, atordoada, mirando o pacotinho conforme meu coração ameaçava parar. Ele me dissera algo parecido anos antes, em uma época em que meus sentimentos e os deles eram tão, tão diferentes dos de agora. Ele tinha dito aquilo de propósito, apenas para me machucar?
Comecei a desfazer o laço do saquinho, tentando ocultar minhas emoções. Ao virá-lo de boca para baixo, uma delicada pulseira caiu em minha palma. Era dourada, fina como um fio de espaguete, tecida em um trabalho intrincado e muito delicado que lembrava renda.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, William pegou a pulseira, tomando cuidado para que seus dedos não tocassem minha pele e, com mãos treinadas para a precisão, fechou o adorno ao redor do meu pulso. Em contraste com a luva branca, o dourado da peça reluziu ainda mais.
— É... é linda. Obrigada. — Ergui os olhos para agradecê-lo, mas ele estava mais perto do que eu havia me dado conta.
William não disse nada. Apenas continuou ali, os olhos atrelados aos meus, uma pequena chama se inflamando naquelas íris castanhas que agora ganhavam nuances esverdeadas. Minha respiração perdeu a cadência, voando de tal maneira que minhas costelas se comprimiram dolorosamente contra o espartilho.
O ruído, como o estilhaçar de um cristal, me sobressaltou. William também olhou para dentro, em direção à algazarra que eu não vi, já que não conseguia desgrudar os olhos dele. Ao voltar o rosto para o meu, notei que o calor que eu pensava ter visto antes se fora.
— É melhor entrarmos. — Me ofereceu o braço.
Esperei que William não notasse a maneira como meus dedos tremiam quando os pousei na dobra de seu cotovelo. Mas ele percebeu, e interpretou de outra maneira — graças aos céus —, pois avisou: — Não se preocupe, Maite. Não faremos nada muito escandaloso. Você vai ficar bem.
Mas eu não estava tão convicta disso. Porque, no instante em que ficamos tão perto, ele me olhando da maneira como o antigo William uma vez olhara, algo dentro de mim se agitou. E estava tentando se libertar.




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Autor(a): Fer Linhares

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Não era comum William se distrair tão facilmente. Desde pequeno ele prestava atenção a quem quer que estivesse falando, mesmo que a conversa não fosse com ele. Isso o ajudara no período em que cursou a escola de medicina, sobretudo nas aulas de patologia. Naquela noite, no entanto, ele estava tão concentrad ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 32



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  • poly_ Postado em 13/09/2019 - 14:11:41

    Desculpa a demora pra comentar, tô com muitos trabalhos, mas finalmente consegui vir aqui. E Simmm, posta a continuação, vou adorar. Bjuss!!!

  • poly_ Postado em 05/09/2019 - 12:28:41

    Menina quem imaginaria que era o Matias? Fiquei pasma. Nem acredito que tá acabando, vou sentir muita falta. Depois desse vc podia fazer uma adaptação Levyrroni do livro A Lady de Lyon, tô louquinha pra ler esse livro, dizem que é muito bom. Bjuss!!!

    • Fer Linhares Postado em 07/09/2019 - 19:22:35

      Vou ler esse livro, assim que eu terminar eu posto, bjss ;)

  • tehhlevyrroni Postado em 02/09/2019 - 11:58:23

    continua amo esse livro e vou amar mais ainda adaptado para Levyrroni

    • Fer Linhares Postado em 03/09/2019 - 20:09:23

      Continuando linda, bjss ;)

  • poly_ Postado em 31/08/2019 - 00:27:37

    Certeza q é o Duarte q fez isso, esse nojento. Mas tenho fé que o Will vai salva-la, tomara que ele consiga e ninguém fique ferido. Q momento fofo deles dois, amei. Continuaaa

    • Fer Linhares Postado em 31/08/2019 - 11:40:07

      Eles precisavam de um tempo só pra eles bjss ;)

  • poly_ Postado em 30/08/2019 - 13:02:45

    Aí mds, posso bater no William? Kkkkkk Continuaaaa

    • Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 17:02:44

      Pode kkk , me chama pra ajudar tbm kkk bjs ;)

  • poly_ Postado em 27/08/2019 - 23:50:45

    Tomara que eles sentem e se resolvam, e q Maite fale logo a verdade. Continuaaa

    • Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 11:17:06

      Do jeito que eles são, duvido que eles se resolvam calmamente kkk bjs ;)

  • poly_ Postado em 27/08/2019 - 15:26:50

    Aí q ódio de td mundo, da Maite por ser inocente ao ponto de ir atrás do homem, do William por ser um teimoso e principalmente desse Alex. Continuaaa

  • poly_ Postado em 26/08/2019 - 22:19:08

    Não vejo a hora de saber o que vai acontecer, parou na melhor parte. Continuaaaa

    • Fer Linhares Postado em 26/08/2019 - 23:53:59

      Do próximo capítulo em diante as coisas vão começar a esquentar, amanhã eu volto a postar, bjsss ;)

  • poly_ Postado em 26/08/2019 - 01:05:46

    Tô amando mulher, continuaaa (OBS: Ri demais com a briga do William com o irmão KKKKKKKKK)

  • poly_ Postado em 24/08/2019 - 13:34:10

    Ahh não acredito que Berta interrompeu esse momento. Pelo menos já estamos tendo um sinal de redenção né. Continuaa

    • Fer Linhares Postado em 25/08/2019 - 01:13:21

      Berta não e o problema agr kk, tem coisa ainda pra acontecer bjs ;)


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