Fanfic: Prometida - Uma longa jornada para casa (Levyrroni) | Tema: Levyrroni [Adaptada]
A primeira vez que vi William estava gravada em minha memória a ferro quente. Acontecera em um baile no verão de 1830, quando eu tinha quinze anos.
Eu estava ansiosa por aquele evento havia meses. E, depois da chegada de Dulce a nossa casa, eu tinha ainda mais motivos para acreditar que aquela noite poderia mudar a nossa vida de alguma maneira.
Bastava observar Christopher. Meu irmão mal conseguia disfarçar a admiração por ela. Não era tão descabido assim pensar que ele poderia aproveitar a ocasião para pedir sua mão, pois, obviamente, o flerte entre eles havia se tornado algo mais.
Anahí foi uma das primeiras a chegar e me ajudou a recepcionar os convidados. Chistopher ainda não tinha aparecido, e eu suspeitava de que estivesse esperando Dulce terminar de se arrumar.
— Minha cara, Maite! — Saudou a sra. Albuquerque assim que passou pela porta, examinando a sala. — Mas que ambiente mais encantador! Quanto bom gosto!
Anahí me dirigiu um olhar pouco sutil, ao passo que Valentina fez uma mesura, corando levemente.
— Obrigada, sra. Albuquerque. — Acabei sorrindo. Não havia nada novo na sala, exceto a falta de mobília. Os móveis agora estavam espalhados pela casa, a fim de que pudéssemos ter espaço para a dança. Os comentários tendenciosos da sra. Albuquerque tinham começado no verão anterior, quando Valentina completou dezessete anos e a mãe julgou que meu irmão seria um ótimo marido para ela. Por um tempo, cheguei a pensar que as investidas da sra. Albuquerque acabariam surtindo algum efeito ou, pelo menos, vencendo Chistopher pelo cansaço. Porém, depois de observá-lo perto de Dulce, percebi que isso nunca poderia acontecer. Meu irmão estava irrevogavelmente apaixonado, e eu duvidava de que se contentasse com um casamento de conveniência agora que experimentara a doçura do amor.
Não que naquela época eu soubesse o que isso queria dizer, é claro. Tinha lido diversos romances, e ficara muito interessada nas palavras que os poetas usavam para descrever a paixão, como palpitações, usando-as como parâmetro para meus próprios sentimentos. Mas não. Até então eu nunca sentira nada nem remotamente parecido com os arroubos que eles descreviam.
— De fato, muito bom gosto — ecoou o sr. Albuquerque mais atrás, relanceando o imenso cordeiro assado sobre a mesa. — Srta. Anahí, seu pai já chegou?
— Sim, senhor. — Minha amiga indicou o sr. Portilla, próximo ao quarteto de cordas, conversando animadamente com o sr. Estevão, da joalheria.
— Excelente. Preciso ter uma palavrinha com ele.
O sr. Albuquerque seguiu para o canto da sala, enquanto sua esposa puxava a mão de Valentina e a colocava em seu braço.
— É isso, minha querida. — Bateu de leve os dedos enluvados nos da filha. — Esta pode ser sua grande noite. Não desperdice a chance!
— Mamãe! — Valentina reclamou baixinho, as bochechas rosadas como duas papoulas.
Mais convidados chegaram, e a presença de lady Catarina Romanov e seu filho Dimitri causou uma súbita sede em Anahí, que decidiu me abandonar e se juntar aos convidados justamente quando o dr. Almeida entrou na sala com sua belíssima esposa. E mais alguém.
Ele era quase tão alto quanto Christopher, e seus cabelos em um tom claro como areia pareciam se iluminar em contraste com o paletó escuro. O rosto demonstrou espanto assim que me viu, mas eu não podia imaginar o que o surpreendera tanto. Quando seu olhar encontrou o meu, senti... ah, senti coisas demais ao mesmo tempo. Um revirar sutil no estômago, um calor me cobrindo a pele — sobretudo no rosto —, um leve tremor nas mãos, a boca seca.
O doutor nos apresentou. William Levy era o nome do rapaz que estava de visita na vila.
Estudava na cidade com o sobrinho de Almeida e em breve seria médico também. O dr. Almeida pretendia se tornar seu mentor.
Trocamos um cumprimento — um verdadeiro feito já que minhas pernas subitamente adquiriram a mesma firmeza das algas —, e meu coração fez algo diferente: disparou de maneira selvagem,
retumbando em meus ouvidos e naquele vão na base do pescoço.
Céus! Eu estava tendo as tais palpitações?
— Onde estão o sr. Uckermann e sua adorável hóspede? — o dr. Almeida quis saber.
Nesse instante, Chistopher e Dulce entraram na sala. Todas as cabeças se voltaram em direção a eles, e as conversas cessaram. Ela estava tão linda naquele vestido branco de baile!
Um arrepio subiu pela minha nuca. Toquei o local, voltando a atenção para a família Almeida, e então percebi que nem todos tinham os olhos em Dulce. Os do sr. Levy estavam em mim. O rubor se intensificou em minha bochecha, de modo que olhei para minhas mãos.
— Ali estão eles — comentou Almeida. — Venham. Quero apresentá-los a esta adorável e singular criatura.
Oferecendo-lhe o braço, o médico conduziu a esposa para o interior do aposento, enquanto William se demorou mais um instante. Mantendo os olhos nos meus, ele se curvou em uma reverência elegante antes de seguir os amigos. Aspirei uma grande quantidade de ar assim que fiquei sozinha, pois estava tendo dificuldade para manter a respiração estável. Presumi que Madalena tivesse apertado meu espartilho mais do que de costume.
— Quem é o jovem com o dr. Almeida? — Anahí quis saber, indicando o rapaz com a cabeça quando a encontrei, mais tarde.
— É o sr. William Levy. Ele é amigo de Júlio Almeida. Lembra-se dele?
— Um pouco taciturno e esquivo. Sim, eu me lembro do sobrinho do médico. Este cavalheiro, no entanto... — Estudou William dos pés à cabeça. — Ele não se parece nem um pouco com o amigo. Oh, ele está vindo para cá, Maite. Sorria. Mamãe diz que um belo sorriso é capaz de garantir um anel no dedo anular. Vamos, Maite! Uma de nós tem que se casar logo, para poder contar para a outra como é! Sorria!
— Anahí, pare de brincadeira! — Inspirei fundo, ordenando que minhas mãos parassem de tremer.
—Srta. Maite — disse simplesmente.
— Sr. Levy. — E, bem... sorri para ele.
Anahí clareou a garganta com delicadeza.
Ah, sim!
— Sr. Levy — comecei —, permita-me apresentá-lo a uma de minhas amigas mais queridas, a srta. Anhí Portilla.
Assim que eles trocaram cumprimentos e umas poucas frases educadas, o rapaz voltou sua atenção para mim.
— Posso ter a honra de acompanhá-la na próxima dança?
Assenti com a cabeça, pois estava tendo dificuldade para fazer as palavras saírem enquanto ele me conduzia pela sala — e Anahí me lançava uma piscadela nada sutil. Ficar tão perto dele fez todas aquelas sensações voltarem, e com mais intensidade.
William se mostrou um ótimo dançarino, porém não era tão hábil com as palavras. Passamos grande parte da dança sorrindo constrangidos um para o outro, e por sorte não tropecei na barra do vestido. Eu me sentia diferente perto dele. Havia uma vibração dentro de mim, e se intensificava cada vez que a mão dele tocava a minha, quando a dança exigia o contato.
— Hum... A senhorita está se divertindo? — perguntou depois de um longo, longo silêncio.
— Sim. E o senhor?
— Muito.
Ele desviou o olhar para o outro lado da sala e eu mantive os olhos em um arranjo de flores. O silêncio cresceu entre nós, a ponto de me deixar zonza.
— Não devia ser tão difícil assim — pensei ter ouvido ele murmurar.
— Como disse, senhor?
— Que o ponche está delicioso!
— Ah. Está... está gostando da região? — me obriguei a perguntar.
— Bastante — respondeu, parecendo aliviado. — É muito agradável. O dr. Almeida é muito gentil. Júlio sempre menciona o tio nos melhores termos possíveis, mas não imaginei que o bom doutor pudesse ser ainda mais amável do que Júlio dizia.
— Ele veio com o senhor?
William negou com a cabeça.
— Ele resolveu mudar de curso. Preferiu ficar para adiantar a burocracia. Como eu estava a caminho de casa, pediu que eu trouxesse uma carta para o tio. O bom doutor me acolheu e me convenceu a ficar por uns dias. Não tive como recusar. — Ele me olhou pelo canto do olho. — Ainda bem que aceitei o convite.
Minhas bochechas esquentaram.
— Então o senhor será médico — falei a primeira coisa que me veio à mente. Ora, era difícil pensar com ele assim, tão quente e perto de mim, e seu perfume amadeirado a espiralar ao meu redor. Meus sentidos pareciam estar rodopiando ao ritmo da música.
— Com um pouco de sorte. Não é tão fácil quanto eu tinha imaginado. Veja o caso de Júlio. O pobre não teve estômago para lidar com os porcos... — Ele se deteve, comprimindo os lábios (rosados e largos, de aspecto muito macio) como se tivesse dito algo errado.
— Porcos? — perguntei, intrigada.
Ele soltou o ar com força, mas voltou a falar, mesmo um tanto constrangido.
— Um cirurgião começa operando porcos antes de ser colocado diante de um paciente com um bisturi na mão. Acredite em mim, é bem mais seguro assim. Sobretudo para o paciente. — Mostrou uma cara muito séria, que me fez rir. Isso pareceu encorajá-lo a continuar. — Já operei muitos porcos, mas Júlio desistiu logo no primeiro. Acabou botando o café da manhã nos sapatos do professor. Eu realmente acredito que ele se sairá melhor na política do que na medicina.
— Suponho que o seu estômago seja menos sensível.
Ele abriu um largo sorriso, repleto de dentes e ruguinhas ao redor dos olhos. Meus joelhos bambearam e meu pulso já instável enlouqueceu de vez.
— Na verdade, não. Ele se rebelou também, mas ao menos tive tempo de terminar minha primeira cirurgia e sair da sala.
Dei risada de novo. Algo reluziu nos olhos dele. Não eram exatamente verdes, mas também não eram castanhos. Tinham uma cor única, que parecia mudar conforme a luz incidia nas íris.
— Hoje já não me incomoda mais — prosseguiu. — É preciso fazer, então deve ser executado com precisão e atenção. De posse de um bisturi, nada mais me importa além do meu porco. Consigo ignorar todo o restante, inclusive meu estômago. Quando começar a lidar com pessoas, porém, meu estômago e eu não garantimos nada.
Tentei reprimir outra gargalhada. E falhei. William acabou rindo comigo, mas balançou a cabeça.
— Devo parecer um tolo para você. Falando de porcos e estômago fraco em um baile. Eu normalmente consigo entabular conversas sobre os mais variados assuntos, senhorita, mas parece que esta noite o meu cérebro está determinado a me deixar à deriva. — Voltou a olhar para o outro lado, as bochechas levemente rosadas.
— Pois eu acho que o senhor está se saindo muito bem. Achei bastante interessante sua história com os suínos.
Ele virou a cabeça, o nervosismo evidente em cada traço do belo rosto.
— Então não está pensando algo como: “Que sujeito entediante. Insistiu em dançar comigo e agora desatou a dizer besteiras sobre porcos”?
— Eu não estou pensando nada nem parecido com isso, senhor.
William soltou o ar com força, aliviado. Então, como se o que eu havia dito tivesse lhe dado confiança, mirou os olhos levemente esverdeados em mim.
— Posso dizer o que eu gostaria que estivesse em sua mente agora?
Assenti uma vez, incapaz de proferir palavra alguma.
— “Pobre rapaz. Minha presença o perturbou de tal maneira que mal consegue abrir a boca. Mas ele está se esforçando para demostrar que pode ser uma companhia agradável. Não vou pensar mal dele. Talvez na próxima vez que nos encontrarmos ele consiga se sair melhor e possamos ser amigos” — acrescentou em voz baixa.
A essa altura meu coração batia mais rápido que as asas de um beija-flor. Minha presença o perturbava? Ele queria que eu desejasse vê-lo outra vez?
Mantendo o olhar no meu, ele parou de dançar inesperadamente. Um pouco atabalhoada por sua presença — e suas palavras —, não percebi que devia ter feito o mesmo e meu corpo se moldou ao dele, do peito às coxas.
— Para ser franca, senhor — murmurei —, meu cérebro também parece ter me deixado à deriva esta noite.
Uma faísca, um lampejo iluminou seu rosto e um sorriso tímido lhe esticou a boca, a princípio. Bem largo e muito branco, instantes depois.
Os aplausos ao fim da dança me despertaram, e William me conduziu até um canto da sala. Soltei seu braço e tentei sorrir para ocultar a tempestade dentro de mim. Nem bem ele tinha se afastado quando fui abordada por Prachedes.
— Com licença. Posso ter a próxima dança, senhorita?
Eu conhecia Elias Prachedes desde a infância. Era filho de um rico criador de gado e visitava nossa fazenda, com o pai, com certa frequência, em busca de cavalos bem treinados que os ajudavam a apartar o rebanho. De constituição física delicada, o rapaz era acanhado; toda vez que me pedia uma dança, o pobre parecia que ia sofrer um ataque apoplético. Eu aceitei, mas meus pensamentos não estavam nos passos que eu deveria executar, e sim em meu parceiro anterior. Mesmo mantendo os olhos em
Prachedes, sentia o olhar de William sobre mim, provocando arrepios incessantes em minha nuca.
Quando aquela dança terminou, eu ainda não havia conseguido me recuperar de todo, mas apenas o suficiente para poder aceitar outros parceiros sem parecer uma tola. Dancei com tantos cavalheiros que não me recordava de todos os nomes. A certa altura, meus pés começaram a cobrar a conta. Os sapatos novos estavam me machucando.
Antes que mais algum cavalheiro pudesse me abordar, escapuli pela porta da frente sem ser vista.
Dei as boas-vindas ao ar fresco da noite, que acariciou meu rosto. Alguns homens fumavam nas escadas, então contornei a casa e me sentei nos degraus laterais, gemendo de puro alívio ao pressionar um pé no outro e descalçar os sapatos com alguma dificuldade. Chutando-os mais para o lado, eu os apanhei e desfiz os laços de cetim.
— Srta. Maite? — alguém chamou à meia-voz.
Olhei por sobre o ombro e arfei.
— Sr. Levy! — Escondi os sapatos entre as saias amplas.
Devagar, ele chegou mais perto, descendo alguns degraus para que eu não tivesse de inclinar muito o pescoço para olhar em seu rosto.
— Parece que nos encontramos novamente — brincou. — Vi a senhorita saindo da casa e fiquei preocupado. Está tudo bem?
— Ah, sim. Eu só queria me sentar por um instante.
— Compreendo. — Ele colocou as mãos nos bolsos. — A senhorita foi bastante requisitada esta noite.
— Bem, sim. Sou a anfitriã, afinal.
— Não foi por isso que todos aqueles sujeitos a convidaram. Acredito que nenhum deles precise se preocupar com a visão. Os olhos deles estão em perfeito estado.
— Aaaah... O senhor sempre viveu na cidade? — perguntei, para distraí-lo do rubor que me subia pelo rosto.
— Minha família mora no interior. Aluguei um pequeno apartamento com dois amigos na cidade para poder terminar o curso.
Afofei a saia para que o sapato permanecesse bem escondido.
— Seu pai também é médico?
— Não, sou o primeiro da família. Meu irmão é o primogênito, e graças ao bom Deus coube a ele comandar a vinícola da minha família. Eu não tenho o talento que alguns homens têm para lidar com a terra.
— Então, sempre sonhou com a medicina?
— De certa forma. — Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e fitou o chão. — Eu cuidava das bonecas de minha irmã gêmea quando caíam doentes. Mas só comecei a pensar nisso a sério aos treze anos, depois que ela contraiu tifo.
— Tifo? — Meu Deus. Eu era apenas dois anos mais velha que a menina. — Ela... — comecei, o nó em minha garganta me impedindo de continuar.
Mas ele compreendeu.
— Sim, Rebeca não resistiu. — Ele se recostou no pilar, exalando tristeza e desalento.
Um tremor me sacudiu por dentro enquanto meus pensamentos voaram para meu irmão. Se Chistopher caísse doente... Por Deus, eu não conseguia nem pensar nisso!
— Eu não pude aceitar que nada pudesse ser feito por ela — contou William. — Meti na cabeça que a morte de Rebeca tinha sido causada pela incompetência. Que um médico mais dedicado a teria salvado. E decidi que eu seria esse médico, e que outras Rebecas não iriam deixar suas famílias tão cedo. Hoje eu sei que nada no mundo a teria curado, exceto um milagre. E é por isso que me dedico tanto à medicina, senhorita. Cada vida que eu conseguir poupar será como se eu estivesse dando uma nova chance a Beca.
Ele tentou manter a dor longe do rosto, mas foi incapaz de ocultá-la do olhar. Eu conhecia aquele sentimento intimamente. Perder alguém querido é insuportável, excruciante, e encontrar um motivo qualquer pelo qual lutar muitas vezes parece impossível. Eu me amparara em Chistopher quando nossos pais partiram, na ideia de cuidar do meu irmão mesmo que eu mal tivesse idade para cuidar de mim mesma.
William se apoiara na esperança de salvar outras pessoas ao perder a irmã. Meu coração se encheu de compaixão por aquele rapaz. E de uma admiração profunda também.
Uma gargalhada grave me chegou aos ouvidos. Eu me virei e avistei um dos cavalheiros rindo de alguma piada que o amigo lhe contara. E então — só então — me dei conta de que estava no jardim, tarde da noite, a sós com um rapaz.
— Ah, não! Não posso ficar aqui com o senhor! Se nos virem irão pensar coisas horríveis e começarão a fazer mexericos!
Ele anuiu uma vez.
— Vá na frente. Ficarei aqui mais um pouco para que não pensem mal da senhorita se nos virem entrar ao mesmo tempo.
— Mas... eu não posso! — falei, mortificada.
Sua testa se franziu.
— Por que não?
— Bem... Acontece que... — Abaixei os olhos, sem graça. — Os meus sapatos são novos. Meus pés estavam doendo muito e eu achei que não teria problema se eu os... tirasse por apenas alguns instantes. E para calçá-los agora eu precisarei suspender a... o senhor sabe como isso funciona.
— Suponho que saiba. — Ele tentou conter o riso, mas não conseguiu e procurou disfarçá-lo com uma crise de tosse.
Bem, pelo menos ele não está mais deprimido.
— E não ficaria nada bem se eu suspendesse as saias na presença de um cavalheiro.
— Não ouso discordar. — Ponderando por um instante, ele ficou de costas para mim, olhando para o alto, para as nuvens escuras que se aproximavam velozmente.
Levantei a saia até os tornozelos e me apressei em enfiar os pés nos sapatos. O problema foi que o espartilho restringia meus movimentos, e não consegui amarrar as fitas de cetim. Como não podia voltar para o baile descalça, teria de usá-los assim mesmo, apenas encaixados. Experimentei ficar de pé. As meias de seda me fizeram escorregar para a frente.
Ajeitei o vestido, as luvas e algumas forquilhas que se desprendiam de meus cabelos.
— Bem, devo entrar agora. Até mais ver, sr. Levy.
William se virou.
— Até breve, srta. Maite. — Fez uma reverência.
Segurei um dos lados do vestido e subi o degrau. O sapato direito, no entanto, escorregou do meu pé e caiu no degrau de baixo. Com o rosto quente, me virei para pegá-lo.
William se adiantou e o apanhou para mim. Ele estava dois degraus abaixo, e só então nossos olhos ficaram na mesma altura.
— Suponho que não tenha conseguido amarrá-los — falou, com um meio sorriso.
— Não — gemi. — O espartilho é muito rígid...
— Srta. Maite, minha querida, está falando sozinha?
Eu me virei. A sra. Henrieta Baglioli abanava seu leque em minha direção.
Oh, não! Ela não podia flagrar William ali. Henrieta era uma das células mais importantes na rede de intrigas e fofocas da vila. Se o visse, logo tiraria conclusões e pela manhã eu estaria arruinada. Minha nossa, que confusão! Eu só queria descansar por um instantinho!
Respirei fundo e tratei de agir com naturalidade — ou o mais perto disso que pude chegar.
— Sra. Henrieta, como é bom vê-la tão bem-disposta.
— Obrigada, querida. Mas lá dentro estava um pouco abafado. Uma mulher da minha idade não consegue ficar em ambientes tão cheios por muitas horas. São os calores da maturidade. Mas com quem a senhorita conversava? — Ela se inclinou para o lado e deu uma espiada.
Mordi o lábio e segui seu olhar, me perguntando quanto meu irmão ficaria decepcionado comigo assim que a fofoca começasse. Entretanto, não havia ninguém por perto. Girei sobre os calcanhares, vasculhando o jardim, mas William havia desaparecido. Para onde ele...
O farfalhar de minhas saias me fez olhar para baixo.
— Ah, meu...
William colocou o indicador sobre os lábios, sibilando um “shhhhhhhhh!” para mim.
Virei-me depressa para a frente, esperando que o movimento não fizesse minha saia balançar muito e assim revelasse o rapaz que se escondia atrás dela.
— Eu estava apenas cantarolando, sra. Henrieta — respondi à mulher que me fitava com a testa franzida.
— Ah. A senhorita tem um talento excepcional para a música.
— A senhora é muito gent... aahhh! — Não tive a intenção de gritar. Mas eu não esperava sentir uma mão grande se enrolando em meu tornozelo, com uma suave pressão.
— Srta. Maite! A senhorita está se sentindo bem?
— Estou! Achei que fosse uma abelha. — Abanei a mão em frente ao rosto, espantando o inseto imaginário.
Quando William fez mais pressão e tentou levar meu pé para trás, tive de apoiar a mão na pilastra para não perder o equilíbrio. O sapato se encaixou em meu pé. Virei a cabeça de leve e vi seu rosto praticamente escondido nas dobras de minha saia enquanto suas mãos trabalhavam às cegas nas fitas do sapato
.— Uma abelha? — perguntou Henrieta.
— S-sim — voltei minha atenção para a mulher. — Mas já se foi.
— Ah, bem, tanto melhor. Odeio esses insetos. Outro dia mesmo eu conversei com minha querida irmã Ofélia sobre esse assunto, e chegamos à conclusão de que os insetos estão dominando o mundo. Nunca vi tantos mosquitos como neste verão...
Ela continuou falando, mas achei difícil prestar atenção, com toda aquela movimentação sob minhas saias. Era estranho que alguém me tocasse ali, e tive de reprimir a vontade de chutar William, já que seus dedos se mantiveram abaixo dos meus tornozelos o tempo todo. Além disso, havia uma sensação diferente provocada pelo seu toque. Um arrepio quente, que fez meu estômago dar uma cambalhota e minhas mãos suarem.
Assim que ele terminou o laço, agarrou meu tornozelo esquerdo com uma mão, enquanto a outra buscava a fita. Dobrei o joelho para facilitar. Ele conseguiu fechar o sapato antes que a sra. Henrieta terminasse seu discurso.
— ... um absurdo. Mas como seria diferente, se cada vez os jardins estão mais cheios? Eu disse para Ofélia que tantas flores não poderiam dar em boa coisa. Parece-me que as pessoas estão mais ocupadas em exibir plantas do que criados de boa qualidade. Aliás, o seu jardim está muito bonito, srta. Maite.
Quem é o seu jardineiro?
— O sr. Gomes não permite que outra pessoa cuide das plantas.
— Tanto melhor — Bateu o leque fechado na palma da mão. — Evita despesas. Mas espero que ele faça isso em seus dias de folga. Oh, escute, minha querida! Um minueto está começando! Vamos! É a dança que mais aprecio.
Eu não podia me mover ou acabaria revelando William. Virei a cabeça ligeiramente, esperando que ele pudesse ter alguma ideia para nos livrar daquele sufoco, mas não havia ninguém nos degraus. Olhei ao redor. Para onde ele tinha ido?
— Srta. Maite, procura alguma coisa?
— Hã... Não, senhora. Só estava... verificando se ia chover.
Ela enrugou os olhos ao fitar o céu.
— É o que parece. Espero estar em casa quando começar. Mas, como eu estava dizendo, o minueto é a dança mais bonita já inventada. Cá entre nós, acho essa tal valsa uma pouca-vergonha. Onde já se viu uma mulher se deixar abraçar por um cavalheiro dessa maneira? É pura depravação!
Comecei a andar ao lado dela, os sapatos firmemente presos. Ao chegar à porta, porém, lancei um último olhar ao jardim. William saiu da escuridão e se colocou diretamente sob a luz amarelada de uma lanterna. Mantinha as mãos nos bolsos da calça escura e um meio sorriso no rosto.
“Obrigada”, fiz com os lábios.
— Sempre que precisar — pensei tê-lo ouvido dizer enquanto eu entrava.
Autor(a): Fer Linhares
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Depois daquela noite, William se tornou uma presença constante na vila. Nosso relacionamento foi se estreitando e, em pouco tempo, suspeitei de que nossas conversas haviam se tornado algo mais que amizade. Pelo menos para mim. Nós nos esbarrávamos com frequência, mas as coisas começaram a ficar realmente sérias quando ele teve de reto ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 32
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poly_ Postado em 13/09/2019 - 14:11:41
Desculpa a demora pra comentar, tô com muitos trabalhos, mas finalmente consegui vir aqui. E Simmm, posta a continuação, vou adorar. Bjuss!!!
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poly_ Postado em 05/09/2019 - 12:28:41
Menina quem imaginaria que era o Matias? Fiquei pasma. Nem acredito que tá acabando, vou sentir muita falta. Depois desse vc podia fazer uma adaptação Levyrroni do livro A Lady de Lyon, tô louquinha pra ler esse livro, dizem que é muito bom. Bjuss!!!
Fer Linhares Postado em 07/09/2019 - 19:22:35
Vou ler esse livro, assim que eu terminar eu posto, bjss ;)
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tehhlevyrroni Postado em 02/09/2019 - 11:58:23
continua amo esse livro e vou amar mais ainda adaptado para Levyrroni
Fer Linhares Postado em 03/09/2019 - 20:09:23
Continuando linda, bjss ;)
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poly_ Postado em 31/08/2019 - 00:27:37
Certeza q é o Duarte q fez isso, esse nojento. Mas tenho fé que o Will vai salva-la, tomara que ele consiga e ninguém fique ferido. Q momento fofo deles dois, amei. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 31/08/2019 - 11:40:07
Eles precisavam de um tempo só pra eles bjss ;)
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poly_ Postado em 30/08/2019 - 13:02:45
Aí mds, posso bater no William? Kkkkkk Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 17:02:44
Pode kkk , me chama pra ajudar tbm kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 23:50:45
Tomara que eles sentem e se resolvam, e q Maite fale logo a verdade. Continuaaa
Fer Linhares Postado em 30/08/2019 - 11:17:06
Do jeito que eles são, duvido que eles se resolvam calmamente kkk bjs ;)
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poly_ Postado em 27/08/2019 - 15:26:50
Aí q ódio de td mundo, da Maite por ser inocente ao ponto de ir atrás do homem, do William por ser um teimoso e principalmente desse Alex. Continuaaa
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 22:19:08
Não vejo a hora de saber o que vai acontecer, parou na melhor parte. Continuaaaa
Fer Linhares Postado em 26/08/2019 - 23:53:59
Do próximo capítulo em diante as coisas vão começar a esquentar, amanhã eu volto a postar, bjsss ;)
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poly_ Postado em 26/08/2019 - 01:05:46
Tô amando mulher, continuaaa (OBS: Ri demais com a briga do William com o irmão KKKKKKKKK)
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poly_ Postado em 24/08/2019 - 13:34:10
Ahh não acredito que Berta interrompeu esse momento. Pelo menos já estamos tendo um sinal de redenção né. Continuaa
Fer Linhares Postado em 25/08/2019 - 01:13:21
Berta não e o problema agr kk, tem coisa ainda pra acontecer bjs ;)