Fanfic: Royal Blood | Tema: Light Novel
Janelas quebradas, portas arrombadas e tecidos ardendo em chamas. O cenário era de absoluto caos. Observando com seus pequenos e vívidos olhos, uma pequena garotinha via tudo aquilo com desprezo. Andando lentamente pelos corredores inundados de sangue e imundícies, no que um dia já havia sido algo no mínimo limpo e organizado. Era um local muito comum para ela, mas agora não passava de um monte de lixo.
Seu corpo deslizou até o pátio principal, era um local fechado, com amplas janelas que iluminavam todo o ambiente. Corredores simétricos levavam ao segundo andar, onde se alongavam por todo o perímetro. Agarrados aos corrimões se amontoavam assassinos e ladrões de pão. Muitos destes já haviam fugido, mas os mais vingativos estavam à sua espera, pois como foi dito por aquela mulher de ar ambicioso, ela realmente viria pra acabar com tudo aquilo. Seus olhos ferviam com o desejo de vingança. Não era possível contar quantos havia exatamente, mas todos que ali se encontravam tinham um desejo em comum.
Assumindo os olhares sedentos por sangue a sua volta, a garota se colocou no centro do pátio. Levantando a voz sem gritar e mantendo o tom de classe que sempre tivera, impôs o destino de todos que ali estavam:
“SUAS SENTENÇAS FORAM DECIDIDAS: MORTE”.
Todos riram de forma desesperada, afinal, eles sabiam que aquilo era a verdade.
*
Relatório Diário: 18 de junho do ano 201X.
Finalmente cheguei ao Vaticano. As coisas parecem estar como da última vez que estive aqui. Vários cardeais preparando sermões, turistas andando pra lá e pra cá, oficiais se preparando para suas excursões. Foi uma viagem até agradável, mas tive que vir sozinho, e me doeu muito ter deixado Mia para trás. Ela insistiu muito para me acompanhar, porém thaumaturgos não podem entrar aqui sem permissão do Papa, e ele não era tão mole pra aceitar meu egoísmo de trazer a namorada. Eu poderia ter deixado essa missão a cargo de Milena, mas isso era algo que gostaria de tratar pessoalmente, pois foi algo bem pessoal. Além disso, ela precisava ficar pra acalmar e auxiliar Pietro, eu não fui muito... Sensato? Acho que esse tipo de coisa iria acabar acontecendo. Eu não deveria ter dado permissão pra ele se soltar daquele jeito, mas no momento a raiva subiu a minha cabeça e se ele não tivesse feito aquilo, eu o faria. É claro, isso acabou em vários aborrecimentos. O vaticano teme os poderes do sangue Scarlet, até mesmo para os padrões dos thaumaturges, eles são anormais.
Pietro se enfureceu comigo, acredita que poderia ter sido diferente se eu o tivesse soltado antes, ele acha que pode fazer qualquer coisa sem depender dos outros. Eu gostaria de acreditar nisso, gostaria de acreditar que se eu tivesse feito algo teria sido diferente, mas no fundo eu sei que aquilo tudo era inevitável, o destino de Luna estava fadado a acabar naquele momento. É assim que o Grande Mestre coordena as coisas. Eu vou tentar fazer o meu melhor agora pra descobrir o que realmente aconteceu naquela noite, e qual era as intenções daquele mascarado, mas antes de investigar os documentos, tenho uma entrevista com a chefia.
*
“Acabou de escrever no seu diário, meu caro Enzo?”
“Não é um diário Sr. Eliot, é um relatório diário”.
“Oh sim, um caderno de anotações. E o que exatamente anota?”
“Observações e ações que tomo durante o dia”
“Um diário”
“Um... Caderno de Relatórios Diários”.
A imagem do verdadeiro Papa era bem diferente daquele que aparecia na mídia. Um homem de corpo robusto, demarcado com várias cicatrizes de guerra contra os demônios, longa cabeleira loura e olhos azuis penetrantes. Possuía cerca de cinquenta ou sessenta anos, mas sua presença imponente de um paladino não demonstrava sua longa idade, parecia um jovem no auge de suas aventuras. Era o homem mais forte a andar sobre a Terra, apenas a menção do seu nome fazia o próprio Diabo tremer. Carregava sempre consigo sua Waraotle, uma espada de lâmina dupla com várias gravuras sagradas, com a qual despedaçara milhares de pecados.
“Sabe Enzo, você já deve ter ouvido isso de outras pessoas, mas creio que devo concordar com elas. Você se assemelha muito comigo, não apenas em aspectos físicos ou na questão de poder espiritual, a sua alma presa pelos bons valores e jamais abandonar um amigo, eu também era assim na minha adolescência”.
Esse é um fator que eu acho engraçado, eu provavelmente vou ser o novo papa quando o glorioso H. S. Elliot e sua Waraotle se aposentarem. Não que eu não goste disso, mas é muita responsabilidade ser sucessor de alguém como ele. Nenhum homem jamais o alcançaria.
Quando ele diz que me assemelho em poder espiritual é apenas uma forma de dizer. Todo ser humano é dotado de uma alma. Absorvemos matéria e energia do ambiente de tal forma que cada célula (inclusive as nervosas) do nosso corpo é trocada com o tempo, assim como o Navio de Teseu. O que faz de nós o que somos? A nossa alma. “Alma” é uma maneira de se referir ao poder espiritual, também conhecida como energia vital, que percorre nosso corpo enquanto este permanece vivo. É a essência do ser humano que nos acompanha até a morte.
Certas pessoas como eu, Milena e Elliot conseguem controlar e manifestar essa energia. É claro que existem limites, mas quanto mais energia vital uma pessoa possui, maior e mais eficiente vai ser a manifestação desse poder, de tal forma que uma pessoa com uma alma fraca jamais consegue notar os efeitos.
Com o treinamento correto é possível transformar essa energia em matéria, dando origem ao nosso estilo de luta. Cada exorcista deve manifestar sua alma, imaginando alguma arma para combater o mal, e então a natureza da alma fará o resto, materializando a arma mais adequada para a pessoa. Com estímulo e foco, é possível aumentar sua capacidade, tornando as armas mais eficientes em suas funções. A minha alma se manifesta na forma de adagas e agulhas, o que a princípio não parecem ser armas tão ameaçadoras, mas o que as tornam letais é a sua eficiência. Minhas adagas podem cortar carne como tesoura no papel, minhas agulhas podem penetrar até muros de concreto e o melhor de tudo: posso invocar várias e usá-las ao mesmo tempo. Sou obrigado a ser furtivo no combate, mas foi isso que me tornou o futuro sucessor do papa.
Milena é um caso excepcionalmente excepcional. Tirando a sua raper, que ela usa para combates corpo-a-corpo, ela usa armas de fogo. Como você deve imaginar, o padrão são apenas armas brancas, das mais variadas, mas apenas armas brancas. Ela foi o segundo caso de alguém que usasse armas de fogo, o primeiro foi um mexicano que vivia ilegalmente no Texas, mas não se preocupe ele não vai intervir na história, apenas ignore. O mais excepcional de seu poder, é que ela consegue não apenas materializar as armas, mas também a munição. É claro que isso acaba cansando-a mais rapidamente, e se ela exagerar pode acabar morrendo ao esgotar sua “alma”, mas acho que ninguém conseguiria durar muito com tiros com a potência de canhões.
O caso do Papa Elliot é o cúmulo de estímulo e foco, ao invés de criar várias armas pra aumentar seu leque de opções como Milena e eu fazemos, ele utiliza apenas uma espada larga, que carinhosamente apelidou de Waraotle, além é claro de certas técnicas que ele desenvolveu graças ao poder de sua Alma. O formato da Waraotle é carregado em amuletos e cordões como forma de proteção pelo mundo afora e dizem que a arma em si é capaz de cortar montanhas. Dizem que a fé pode mover montanhas, no caso de Elliot, ela corta.
Como a alma de uma pessoa é algo natural e randômico, a escolha dos exorcistas para o Vaticano é feita pelo mundo todo, escolhendo os que mostram um dom excepcional. A fluidez da alma é mais intensa durante os primeiros anos de vida, onde é mais fácil de exercitar sua manipulação, por isso eu fui levado ao Vaticano com cerca de cinco anos de idade e com menos de dezoito já estou comandando exércitos. Também é o caso de Milena. Quando a vi pela primeira vez com sua raper em mãos, achei que seria uma vitória fácil pra determinar o prodígio número um. Fui bobo de achar que estava na vantagem pelo longo alcance das minhas agulhas até ela empunhar o mosquete e começar a me fuzilar, literalmente.
Existem várias memórias boas de quando eu era criança, brincando alegremente junto de Pietro, Milena e... Luna. Era por ela que eu estava aqui hoje. Pra conseguir as respostas que eu tanto busquei, pra conseguir entender porque uma simples garota como ela foi morta de maneira brutal, pra descobrir do que ela foi vítima.
Porém, nem mesmo o próprio Papa tinha as respostas. Não fora descoberta nenhuma conspiração apocalíptica na última semana (o que acontece toda semana por sinal). Não estava sendo escondido nenhum arquivo ou boato dele, pois absolutamente tudo passava pelos ouvidos de Elliot. Mesmo assim ele não sabia e ninguém sabia, e nada fazia sentido.
*
O horário de sua morte foi exatamente na meia noite do dia doze de junho para o dia treze. O local foi na Rua Cleveland, um beco sem saída onde iria demorar pra alguém encontrar os cadáveres de meia dúzia de adolescentes. O motivo da morte foi sufocação pelo congestionamento da traqueia, ocasionado pelo sangue que fluiu pelo corte no pescoço. Degolada. Morta de maneira agoniante. O motivo da sua morte foi... Ninguém sabe ao certo. Mesmo com as declarações do assassino antes da morte, as investigações não chegaram a lugar nenhum. Nenhuma pista que levasse a alguma organização ou coisa do tipo, e o caso foi dado como encerrado, apenas um louco que acabou matando uma garota.
É claro que essa não era a verdade, e essa foi apenas a solução dada para o público, mas por trás disso, a polícia normal, o Departamento de Pesquisas do Vaticano e a Agência de Casos Extraordinários de Queen City estavam procurando por respostas. Todos buscavam encontrar uma agulha no palheiro, mas o caso não havia sido encerrado. Pietro estava sedento de vingança e tomado pela fúria e mesmo tendo matado deliberadamente os outros membros mascarados, teve consciência de poupar ao assassino de Luna para descobrir quem o comandava, mas o assassino engoliu veneno para se matar depois que Pietro arrancou seus membros com força bruta.
O assassino de Luna era um padeiro, ele morava na cidade vizinha e provavelmente nunca havia entrado em contato com ela antes do dia de sua morte. Era um homem comum, tinha uma esposa e duas filhas e nenhuma delas notou algum tipo de comportamento estranho. Pra deixar as coisas mais confusas ainda foram encontradas em seu sótão várias rasuras feitas com tinta vermelha com dizeres sobre “Mate ela” e “Luna Gaigher”, entre esboços do que deveria ser seu retrato. Os outros mascarados foram identificados como outros cidadãos “comuns” da cidade e de cidades vizinhas. Não havia conexão nenhuma entre eles.
O velório de Luna foi realizado no dia treze, ela e os pais eram estrangeiros e não tinham mais contato com suas famílias no exterior. As duas famílias não tinham condições de viajar até aqui para um funeral, então pediram que os corpos fossem encaminhados para seu país onde pudessem ser enterrados. Pietro contestou e usou seus privilégios para que Luna fosse enterrada na cidade. Ao velório compareceram Pietro, Mia, Milena e Bianca, vários alunos conhecidos de Luna de várias salas diferentes, professores, o diretor e vizinhos. Por mais desconhecidos e exclusos que fossem os Gaigher eram queridos por todos.
Como todo velório o clima era de luto, em especial na face de nós quatro que conhecíamos Luna por tanto tempo. Mia também ficou muito abalada, pois era uma amiga que acabara de conhecer e não teve oportunidade de estender sua amizade.
Após o velório, o corpo de Luna foi reencaminhado novamente para o necrotério, pois seriam feitas investigações à procura de algum rastro ou traço de DNA que levasse para alguma pista. Pietro era o responsável pelo corpo de Luna e a princípio recusou, mas acabou cedendo. Ele queria enterrar o corpo de Luna o mais rápido possível, talvez cremá-la e guardar suas cinzas como recordação. Mas no dia dezesseis, três dias após sua morte, seu corpo desapareceu.
*
Um novo mistério surgiu: o que aconteceu com o corpo de Luna? O principal suspeito era o próprio Pietro, todos sabiam o quanto ele a adorava e no momento ele não demonstrava estar muito seguro de sua própria sanidade. No fim das contas, Pietro apenas se tornou mais irritado, frustrado e focado com a morte de Luna e o corpo foi dado como roubado.
Isso era a prova concreta de que havia algo a mais na morte de Luna Gaigher. Um mistério inacabado e incompreensível. Tudo aquilo continuava sem fazer sentido.
Claro que essa conclusão seria frustrante demais e ficar apenas no “isso não faz sentido” não ajudaria muito com nossas investigações. O que foi constatado era:
a) Luna Gaigher foi morta por Theodore Johnson, um padeiro que ficara obcecado com ela sem razão aparente.
b) Este reuniu vários outros homens com a mesma obsessão e organizaram um suposto sequestro, onde a morte de Luna ocorreu.
c) Antes disso, mataram de forma brutal os pais de Luna.
d) Todos os envolvidos, exceto Theodore Johnson foram mortos por Pietro.
e) Theodore Johnson engoliu uma cápsula de veneno antes que pudesse falar algo.
f) Sendo assim, havia algo ou alguém o controlando.
g) Após três dias de sua morte, o corpo de Luna Gaigher foi roubado do necrotério.
h) Nenhum dos vigias viu algum estranho ou algum movimento suspeito, e as câmeras de vigilância pararam de funcionar entre as três e quatro horas da madrugada, quando provavelmente foi realizado o roubo.
Considerando, levantam-se as seguintes perguntas:
a) Por que Theodore Johnson e os outros tomaram esta atitude? Considerando que eles não podiam falar nada mais do que lhes fora ordenado, quem estava os ordenando?
b) O que significava as palavras ditas por Theodore antes de matar Luna?
c) Por que era necessário ser exatamente Luna Gaigher?
d) Levando em conta que os envolvidos eram humanos normais, como mataram os pais de Luna daquela maneira? Podemos afirmar que isso foi obra de um thaumaturgo?
e) Theodore e os outros foram manipulados por livre arbítrio cooperando com alguém ou foram manipulados? Seria então um Unterwerfung?
f) O que aconteceu com o corpo de Luna Gaigher? Porque era necessário sumir com ele?
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Passei o resto do meu tempo no Vaticano preenchendo papeis e sendo bajulado pelos anciões. Pelo visto estão achando que eu já sou o novo papa. Em breve estaria voltando para casa e decepcionando Pietro, talvez tendo mais algumas discussões pelo o que havia acontecido e reforçando o meu sentimento de frustração. Por outro lado, em breve estaria de volta ao colo de minha amada, que esperava ansiosamente pelo meu reencontro.
Uma garota morreu na Rua Cleveland naquela noite, por causa de uma morte o mundo todo estava prestes a ser balançado. Luna Gaigher, por quê?
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Relatório Diário: 20 de junho do ano 201X.
A viagem de volta foi mais confortável e tenho a sensação de que foi até mais rápida. A cidade continua como sempre, mas parece que todos os dias são nublados. Mia continua maravilhosa como sempre, me encontrou na rodoviária com seus lindos olhos sonolenta e cabelo despenteado. É certamente a mulher da minha vida. Milena parece ter superado a morte de Luna, embora ainda evite tocar no assunto. Passei o dia inteiro aproveitando meu tempo de volta com Mia, e ao anoitecer fui para a casa dos Scarlet para relatar minha absoluta falha para Pietro. Encontramos por coincidência Bianca, que estava voltando para casa de Queen City.
Pietro não estava em casa.
Autor(a): killernokto
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).