Fanfics Brasil - Capítulo 1 O sacrifício

Fanfic: O sacrifício | Tema: Policial, suspense, terror.


Capítulo: Capítulo 1

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                                                                                   1


 


Muitas vezes quando olhamos para o relógio ou quando vamos contar algum fato para alguém percebemos que as horas, dias, semanas e até anos passaram sem que nós tenhamos percebido e isso ocorre com mais frequência do que você pensa.


         A série de fatos, a história, que vou contar para vocês agora se encaixa perfeitamente no que eu disse. Para mim parece que tudo ocorreu ontem, tudo ainda está vivo na minha memória. Consigo lembrar pequenos detalhes, diálogos e muitas outras coisas que se eu não falasse isso você pensaria que eu estava contando algo que aconteceu, no máximo, na semana passada, mas na verdade esta história aconteceu há mais de dez anos.


         Eu sempre achei que minha vida profissional havia sido bem agitada sempre com casos importantes, e alguns chatos é claro, onde eu precisaria usar toda a minha sabedoria e experiência para resolvê-los, mas isso foi até esse dia.


 


                                                                                   2


 


         Eu caminhava a passos largos, mas cuidadosos, por debaixo das marquises das pequenas lojas de bijuterias, sapatos, roupas e todas as outras porcarias que você possa imaginar que é vendida nas lojas do centro de uma grande cidade e tudo isso em apenas uma quadra que não tinha mais de duzentos metros de comprimento, tentando de todas as formas escapar das pessoas que passavam por mim parecendo ônibus desgovernados tendo que muitas vezes entrar nas pequenas lojas para não ser atropelado por essa pessoas que assim como eu tentavam escapar da forte chuva fria de verão.


         Eu carregava pendurado nos braços duas sacola com grandes cachorros quentes e refrigerantes para mim e para meu colega que me fez andar por duas quadras para comprar o maldito cachorro quente do lugar que ele gostava. Neste dia fui obrigado a calçar meu sapato velho que já estava com a sola gasta deixando cada passo nas calçadas de pedras lisas um teste de equilíbrio e sobrevivência.


         Quando ele olhou para mim com uma cara sem vergonha dizendo: “Eu estou com vontade de comer o cachorro do Zeca” fiquei com muita raiva, pois eu teria de descer duas quadras abaixo de chuva e com meus sapatos lisos, mas respirei fundo e fui comprar o cachorro quente. Naquela época minha vida não estava sendo fácil. Muitas brigas em casa, alguns desentendimentos com meu chefe e às vezes até com Gio, meu colega, eu ficava irritado e agora foi um desses momentos. Pensei seriamente em comprar em outro lugar, mas eu não sei como ele saberia que o cachorro quente não era do Zeca e com certeza ele colocaria defeitos no lanche e ficaria uma semana reclamando.


         Na realidade quase que eu não comprei o lanche mesmo já estando na fila do pequeno trailer de ferro branco já descascado e enferrujado em muitas partes depois de olhar bem para o local. Onde ficava o pão não havia ao menos um pano por cima deles e onde as salsichas ficavam estava mais sujo que o centro da cidade e sem falar nas inúmeras moscas que pousavam em tudo. Só de olhar para as condições do local meu estomago embrulhou e depois quando peguei o lanche para comer dentro do carro me lembrei disso e quase não o comi. E eu nem mencionei que o cara que fazia os cachorros quentes estava sem luva e no que pensei quando vi.


         Dizem que esses são os melhores e confesso que depois que a primeira impressão passou e eu comi o cachorro entendi porque ele gosta tanto do cachorro do Zeca. Era uma delícia.


         Os vidros do carro estavam fechados, mas as portas estavam destrancadas facilitando a minha entrada. Eu praticamente me atirei por cima do banco do carona com o tecido rasgado batendo a porta sem querer com muita força que a impressão que tive foi de que o carro velho do meu colega havia balançado de um lado pra o outro, mas é claro que isso não aconteceu.


         Quando entrei me senti em uma danceteria de tanta fumaça que havia lá dentro que quase não me deixava enxergar a rua. Em certo momento achei que meus olhos iriam queimar por causa daquela porcaria de fumaça, mas não adiantaria nada falar alguma coisa para a mula do meu colega.


         Inevitavelmente molhei o meu sobretudo de lã preto e meu sapato velhinho que imitava um couro marrom que já começava a rasgar na parte de trás perto da sola. Meu chapéu também ficou molhado, assim como minha calça social preta desbotada, que molhou até o meio da canela mais ou menos, e minha camisa de manga longa verde escura com a cor um pouco mais viva que a da calça. Os lanches estavam a salvo da chuva, apenas a sacola plástica transparente estava molhada, mas nos lanches não havia caído uma gota de chuva sequer.


         Eu estiquei o braço com a sacola onde estava o lanche dele e ele me olhou com certa raiva pela batida da porta, mas eu estava cagando para isso, largou o cigarro em cima do console do carro e pegou a sacola da minha mão. Tirou primeiro a lata de refrigerante tomando quase meia lata em apenas um gole soltando uma sequencia de pequenos arrotos que era mais o gás do refrigerante rindo como uma criança que faz este tipo de coisa. Depois largou a lata ao lado do cigarro e pegou o cachorro quente da sacola.


         - Pediu sem mostarda? – Disse ele desembrulhando o pacote feito com papel manteiga.


         - Não foi o que você me pediu, sem mostrada? – Ele me irritava muito com essas perguntas.


         Ele apenas resumiu-se a me olhar com uma expressão de raiva enquanto ainda desembrulhava o cachorro quente que depois recebeu uma mordida com muita vontade bem no meio. O molho escorria pelo canto de sua boca e a salsicha quase escapava pelas extremidades, mas com uma das mãos ele a segurou para não escorregasse para fora do pão.


         Ainda irritado joguei sobre as pernas dele dois ou três guardanapos de papel que eu havia pegado junto com os lanches para que ele limpasse as mãos e a boca, mas o que vi na realidade foi ele passar as costas da mão esquerda na boca e depois a lamber e se eu já não o conhecesse a mais de vinte anos e soubesse que aquele era o seu normal eu com certeza teria perdido o apetite naquele exato momento.


         Gio era o típico cara “não tô nem aí”. Mesmo que o nosso capitão já tenha pedido mais de mil vezes para ele fazer a barba, não tirar ela, apenas arrumá-la e para que, se ele não cortasse, pelo menos penteasse o cabelo ele não fazia. Minhas roupas eram velhas e surradas, mas as roupas dele eram usadas por duas ou até três semanas seguidas. Sei que nosso salário não era assim uma maravilha e naquela época as cosias estavam muito ruins para os assalariados só que tem coisas que também passam dos limites e a sorte dele é que ele era muito bom no que fazia, senão ele estaria fodido.


         Além de tudo ele era um monstro para comer. Ele já havia detonado o lanche dele muito antes de eu conseguir chegar à metade do meu e não havia uma gota de refrigerante a muito tempo e tenho certeza que ele comeria outro ou o que sobrasse do meu se tivesse a chance. E o pior disso tudo é que ele era mais magro do que eu.


         Naquele momento eu já estava de saco cheio de muitas coisas e aquela música que estava tocando naquela hora certamente não estava ajudando em nada. Era uma música igual a muitas outras que Gio escutava e dava para ver que ele realmente gostava daquele estilo de música, pois ele cantava todas elas do começo ao fim. Era uma coisa melosa que se botasse um balde abaixo do rádio o enxeria de lágrimas rapidamente. Eu não podia falar nada para ele já que combinamos que seria um dia para cada escolher a música e sei que ele detestava as músicas que escutava e às vezes achava que ele colocava algumas horríveis de propósito, assim como eu fazia com ele.


         Comi o último pedaço do meu cachorro quente e olhei para o meu relógio que estava marcando quinze horas e trinta e três minutos e me dei conta que já estávamos parados ali a mais de cinco horas e o máximo que nós vimos nessas cinco horas foram três homens, que nenhum deles passava dos quarenta anos, entrarem no prédio e sair pouco tempo depois.


         Olhando para o local era mais um prédio comum com uma fachada onde dizia “Dentistas associados Ltda.”, mas quem prestasse mais atenção saberia que não eram dentistas que ocupavam as salas do pequeno prédio de três andares. Na frente do prédio ficava um homem que de longe parecia ter uns dois metros de altura e pelo menos quatro de largura usando uns óculos escuros e uma roupa de porteiro que não enganava muitas pessoas, mas até o momento nada de estranho estava acontecendo ali.


         Até posso admitir que se você fosse uma pessoa um pouco mais distraída seria enganada pelo letreiro bonito, pelo belo revestimento de mármore e com os porcelanatos brilhantes que havia no saguão, mas se parasse e olhasse para o lugar tenho certeza de que não iria tratar seus dentes nos “Dentistas associados Ltda.”.


         A chuva estava muito forte de forma que Gio teve de ligar o limpador do carro para podermos enxergar algo na rua e vimos quando o porteiro de óculos escuros baratos entrou para o saguão do prédio e deixou a porta um pouco aberta para que os interessados vissem que o local estava aberto. Logo depois da chuva uma mulher loura com roupas aparentemente sujas entrou no local e, assim como os outros, logo saiu. Estávamos ali parados e até pensamos em chegar na mulher, mas já estávamos cansados de usuários que estavam mais para lá no que para cá que não falavam coisa com coisa, queríamos os grandes, os graúdos, aqueles que realmente valeria a pena abrir mais uma vaga no presídio para coloca-los.


         O tempo foi passando e aquilo estava conseguindo me deixar ainda mais nervoso, mas tentei ao máximo não expressar isso, pelo menos não de uma forma muito forte, pois eu estava sentindo que Gio também já estava de saco cheio daquela porra toda e que a qualquer momento ele ligaria o carro e sairia em disparado dali. Ele coçava a barba, depois passava a mão pelos cabelos e depois voltava para a barba. Era nítida a irritação nos olhos dele. Ele já havia ligado e desligado o rádio umas dez vezes passando por todas as estações.


         Esse era nosso trabalho, sempre foi o nosso trabalho, mas aquele em especial estava muito chato. Já estávamos a mais de duas semanas andando de rua em rua, de prédio em prédio procurando a coisa maior, mas o resultado era sempre o mesmo. Nada. O capitão sabia que aquele trabalho não seria fácil, ele não havia nos cobrado resultado um dia sequer nessas quase três semanas e nós estávamos cientes disso, mas nós já estávamos putos com a porra toda.


         Claro que ele sabia que demoraríamos a entregar algum resultado neste caso já que não tínhamos pista alguma de quem era o cara, o grande fornecedor que estava virando a cidade de cabeça para baixo. Olhávamos de um lado para o outro, para quem cruzava a frente do nosso carro e para qualquer carro que parasse na frente do prédio sem ao menos saber se era homem ou mulher, mas de alguma forma nós iríamos descobrir quem era esse cara, ou essa mulher, que já estavam o chamando de “O fantasma”.


         O marasmo que estávamos vivendo acabou cerca de quarenta minutos depois de eu novamente ter olhado para o meu relógio falsificado e suspirado impacientemente. Houve um chamado no rádio que pediu especificamente que nós fossemos até o local e antes mesmo de o endereço do local ter sido passado para nós o carro já estava ligado e já havíamos andado cem metros.


 



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Autor(a): J.M.S. Efferon

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