Fanfic: O sacrifício | Tema: Policial, suspense, terror.
1
Aquele dia o calor tinha sido insuportável. Não houve trégua do sol em momento algum. Ele ficou o dia todo lá no alto do céu brilhando e queimando nossas cabeças com seus raios de calor luminosos. Eu sei que o sol está sempre lá em cima, mas hoje não havia uma única nuvem para cobri-lo, nem que fosse por um minuto sequer.
Cheguei em casa e antes de qualquer coisa, sentei em minha poltrona da sala, joguei meu chapéu sobre o sofá que ficava ao lado dela, tirei meus sapatos e minhas meias empurrando o encosto da poltrona que fazia a parte de baixo dela levantar deixando ela quase como uma cama. Fiquei de olhos fechados por quase cinco minutos e senti que minha cabeça começa a latejar. Ainda era uma dor leve, mas eu sabia que logo iria se tornar quase insuportável.
Eu não queria dormir, mas pensei rapidamente que um cochilo de quinze minutinhos que fosse não seria nada mal, mesmo como todo aquele calor. Mas acabei não dormindo, fiquei pensando no caso que eu estava tentando resolver.
Notei que Bia não estava ali e demorei um pouco para perceber isso. Abri os olhos e prestei mais atenção na casa e tudo estava em silêncio. Som de panelas, água da torneira ou televisão. Não havia nada. Um ruído sequer.
Ajeitei novamente a poltrona para a posição original dela e levantei-me indo lentamente em direção à cozinha. Passei pela porta e vi que tudo estava arrumado. Não havia louça na pia e as panelas estavam em cima do fogão com alguns panos por cima, mas nem sinal de Bia. Comecei a achar um pouco estranho, pois Bia sempre estava em casa quando eu chegava e por mais que ela estivesse brava comigo ela não sairia sem ao menos deixar um bilhete.
De pés descalços fui subindo lentamente as escadas ainda sem ouvir nada no andar de cima. Passei a mão pela minha cintura à procura de meu revolver por instinto, mas sempre o deixo dentro do meu carro, pois Bia não gosta de armas dentro de casa embora eu tenha uma escondida dentro do roupeiro e eu sei que ela sabe disso.
No segundo andar, a primeira porta é a do nosso quarto e pude ver da ponta da escada que ela estava entreaberta. Aproximei-me com cuidado para não fazer barulho e a abri com ainda mais cuidado e quando olhei para dentro vi Bia. Ela estava deitada na cama n posição que ela sempre ficava. Estava virada para o lado do banheiro, com os dois joelhos dobrados deixando as coxas quase retas com a cintura, sua mão direita embaixo da cabeça e à esquerda esticada para fora da cama. A maioria das pessoas não gosta de ficar com as mãos fora da cama, mas Bia não era uma delas. Ela não tinha medo deste tipo de coisa. Eu confesso que na época eu era um pouco medroso quando se tratava do sobrenatural.
Não entrei no quarto, fiquei parado na porta primeiro olhando para os lados para me certificar de que tudo estava dentro dos conformes e depois fiquei parado olhando para ela deitada. Quando virei para sair do quarto ouvi o barulho dela na cama parei no mesmo instante em que ela falou.
- Eu estou ouvindo sua respiração. – Disse ela. – Estou bem acordada. – Ela tinha uma ótima audição e minha respiração sempre foi um pouco descompassada.
- Você está bem?
- Estou ótima. Por que eu não estaria?
- São sete horas e você já está deitada. Isso não é muito comum para você.
- Eu estava um pouco cansada. – Ela demorou um pouco para responder. – Estava muito quente e acho que tive uma queda de pressão então achei melhor deitar um pouco.
- Se está com calor por que não ligou o ar-condicionado?
- Eu não estava com calor para tanto.
- Hoje fez 40º o dia todo. Qualquer um ia querer um ar-condicionado.
- Mas eu não sou todo mundo. – Lembrei-me de quando falávamos isso para nossos filhos quando eles diziam que todo mundo tinha algo que eles queriam ou iam a algum lugar que eles queriam ir. “Papai, todo mundo tem menos eu. – Você não é todo mundo meu filho”.
- Você ainda está brava comigo por causa de ontem?
Ela não me respondeu, apenas soltou uma risadinha debochada.
- Você sabe que isso foi uma bobagem sem importância.
- Bobagem sem importância? – Disse ela começando a levantar-se da cama. – Isso não foi apenas uma bobagem sem importância Paulo. O que você pensaria se alguma de minhas amigas ficasse me empurrando homens, hein?
- Fique calma querida, tudo já foi resolvido.
- Eu não tenho que me acalmar, eu não quero me acalmar e eu não vou me acalmar Paulo – Ela começou a alterar a voz e eu não gostava disso. - porque você sabe muito bem que não é só por causa de ontem. Você sabe que já faz tempo que tudo anda desmoronando.
- Mas o que está desmoronando, não há nada desmoronando aqui.
- Eu vi que você mexeu nas garrafas.
- Ah querida, isso realmente não é nada. Foi só um drinque.
- Para um detetive você não consegue enxergar nada. - Ela veio até mim e começou a me empurrar para fora do quarto. - Me deixe sozinha. – Disse ela batendo a porta do quarto no meu nariz.
Dei meia volta e voltei para a cozinha. Como eu disse, nada tira meu apetite então comi como se nada tivesse acontecido e depois sentei em minha poltrona na sala de estar. Fiquei olhando para a estante no canto direito da sala e depois de algum tempo fui até ela abrindo a porta inferior pegando uma garrafa de uísque doze anos que estava ali à quase cinco. Como eu já havia falado, duas quartas por mês eu saia para umas cervejas com meus amigos, mas era só isso o que eu bebia. Eu já havia parado com as coisas mais fortes há algum tempo. Eu bebi um ou dois copos alguns dias atrás, mas não era nada para se preocupar. Não até agora.
Então eu bebi como se tudo realmente tivesse acontecido.
2
Minha cabeça estava explodindo naquela manha. Eu sentia como inúmeras baterias de heavy metal tocassem ao mesmo tempo dentro dela. Era uma sensação horrível que eu já não sentia a anos. Meus olhos estavam pesados e boca seca mesmo depois de eu ter bebido uns dez litros de água desde que cheguei ao escritório.
- Meu Deus Osório, o que houve com você? Hoje está pior do que nunca. – Disse Corrêa. O que cara que eu já não gostava antes. Cheio de piadinhas idiotas e discriminatórias, um humor negro e muitas vezes mórbido. Mas desde esse dia, o que muitos podiam chamar de má impressão tornou-se um ódio quase mortal.
- Não é da sua conta Corrêa.
- Vejo que tem alguém que não dormiu bem essa noite. Ou “trabalhou” a noite toda, não é mesmo? – Ele soltou sua tradicional risada engasgada e eu apenas me resumi a balançar negativamente a cabeça. – Claro, não que você ficou a noite inteira em ação por que na sua idade não sei se tudo funciona como deve funcionar. – Ele ria como uma criança.
- Você não tem o que fazer? – Perguntei sem olhar para ele, mas ele viu que eu estava nervoso.
- Bom. Pelo que vejo não funcionou seu brinquedinho. – Agora eu estava olhando para ele. – Mas foi você que falhou ou sua velha já não te excita mais?
Levantei-me mais rápido do que eu mesmo acreditaria que podia fazer derrubando alguns papéis, canetas e qualquer outra porcaria que estava na minha mesa ainda bagunçada. Cheguei bem perto dele e olhei para cima, pois batia quase no peito dele, mas ele era um fraco e vi no rosto dele o medo. Ele nunca havia me visto furioso e ele conseguiu me deixar furioso.
- Olhe aqui seu “borra botas” idiota. – Disse eu encarando ele com fogo nos olhos. Se você falar mais alguma coisa eu juro pelo meu pau que funciona que vou meter uma bala no meio da sua testa.
- O que está acontecendo aí? – Disse o capitão da porta de sua sala. Ele conhecia bem o seu genro, mas era genro.
- Nada não chefe. – Disse ele sabendo que mesmo sendo casado com a filha do homem em algum momento a situação ficaria contra ele.
- Se eu fosse você tomaria cuidado com as próximas palavras daqui para frente.
Ele apenas assentiu com a cabeça e saiu de minha frente.
Voltei a sentar em minha mesa e agora o mundo gritava em minha cabeça.
3
Como já era de costume Gio chegou atrasado e antes mesmo do bom dia ele me disse algo que eu já sabia.
- Que merda você está hoje Paulo.
O máximo que fiz foi olhar para ele e voltar minha atenção para o que estava fazendo, ou seja, revisando os arquivos do caso das prostitutas.
Não era meu costume, mas aquele dia eu estava com a barba por fazer, peguei qualquer roupa que estava na minha frente, meu sapato era o marrom que ainda estava bom e meu cabelo estava despenteado, mas como passava muito tempo de chapéu quase ninguém notou.
- Aqui não diz nada se elas se conheciam. – Eu disse ignorando a colocação anterior de Gio. – Apenas diz que a única coisa que havia em comum entre elas era no que elas trabalhavam e a proximidade nas idades.
- Você acha que elas tinham alguma ligação?
- Sempre tem, pelo menos na maioria das vezes. A maioria dos casos que pegamos por mais que seja quase imperceptível sempre há uma ligação que une as vitimas uma com a outra e com o assassino.
- Sim, na maioria como você disse, mas não é regra. Ele pode ser apenas mais um maluco que não gosta de putas.
- Não. Eu duvido muito.
- Talvez você tenha razão. Quase sempre você tem razão.
- É como eu espero que seja, meu amigo.
- O que sabemos é que ele não vai facilitar as coisas para nós. – Disse Gio escorado em sua mesa balançando a cabeça. – Sempre há alguma coisa nos corpos, mas nos delas não havia nada. Um fio de cabelo sequer.
- Verdade. Como vimos ontem no apartamento de Patrícia o assassino foi muito cuidadoso com digitais. Ele as matou de formas tradicionais, duas com facadas, uma estrangulada e a última com uma batida na cabeça. Ele não escondeu como queria mata-las. Acho até que ele não sabia como matar elas, ele “improvisou” digamos assim. Mas não deixou nenhum rastro para trás.
- Na verdade deixou sim. – Disse Gio não com um tom de esperança, mas só me corrigindo mesmo. – Temos um retrato falado e algumas imagens da câmera de segurança.
- É. Uma imagem ruim, mas que sabemos que não há nada dele no sistema e um retrato que pelo visto não vai nos ajudar.
- Quem fez o retrato?
- Foram Peterson e Maria Leal. Eles eram vizinhos de porta de Adriana, a terceira vítima.
- Que tal irmos falar com eles e depois já fazer aquela boa vasculhada no apartamento dela.
Eu olhei para Gio que estava com aquele sorriso de quem estava com muita vontade de trabalhar.
Minha ressaca acabou naquele exato momento.
Autor(a): J.M.S. Efferon
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