Fanfic: O sacrifício | Tema: Policial, suspense, terror.
1
- Pensei que não precisaríamos fazer este tipo de coisa neste caso? – Disse Gio um pouco descontente.
- Eu também, se é que isso lhe consola. – Eu disse. – Achei que não precisaríamos fazer muitas coisas. Para ser sincero eu acreditava que á esta altura o caso já estaria resolvido, mas pelo visto ele é um pouco mais complicado do que pensei.
Gio apenas assentiu positivamente olhando para a porta do prédio.
Este era o segundo dia em que Gio e eu estávamos parados em frente ao prédio de número 157 na Rua José Carlos Goldwin, local onde a terceira vítima, Adriana, morava. Na verdade, estávamos em frente ao número 128, trinta metros afastados do prédio e Adriana e de Peterson Leal.
Era um sábado que parecia não fazer parte desta mesma semana. Não estava calor como antes. A temperatura estava amena, suportável. Havia muitas nuvens no céu e o sol pouco aparecia em sinal de que até o final daquela tarde iria chover.
Passava das quatro horas da tarde e como de costume já estávamos ficando cansado de ficar ali parado sem movimento algum. Desde o dia que visitamos Peterson e Maria Leal o máximo que eles fizeram foi ir ao mercado ou a loja de ferragens na outra rua, mas nada mais do que isso. Não sei se eles não trabalhavam, estavam de férias ou folga, mas esse foi o único movimento até então.
Eu já havia bocejado 47 vezes na ultima hora e Gio incontáveis vezes quando Peterson Leal sai dirigindo seu pequeno carro popular duas portas que certamente não havia ar-condicionado, pois os dois vidros estavam escancarados.
Gio ligou seu carro velho e com a margem de segurança que sempre deixamos seguimos Peterson por mais de quarenta quilômetros. Ele seguiu sempre pela avenida principal e a quando ele pegou uma rua secundária, andou por menos de dois quilômetros e logo parou em frente ao portão de um estabelecimento. Ficamos um pouco atrás e esperamos ele entrar no estacionamento do local para chegarmos mais perto.
“Casa dos prazeres” estava escrito em grandes letras desenhadas e vermelhas na fachada do prédio. Gio e eu nos olhamos sem entender o porquê ele estava ali, ou na verdade estávamos entendendo.
Eu conhecia aquele lugar. Depois eu o conheci mais do que queria.
Era uma das mais famosas e a mais antiga casa de prostituição da cidade. Funcionava há mais de trinta anos só naquele endereço, mas antes já havia passado por outros lugares. Até então eu nunca havia entrado ali, e pela cara Gio também não. Era um lugar grande, com luzes baixas, dois palcos para apresentações, um amplo espaço com mesas e cadeiras e grandes sofás vermelhos que eu não queria pensar o que já havia acontecido ali.
Como de costume, coloquei meus óculos pendurados na camisa e segurava meu chapéu com a mão direita, sempre com a direita já que sou canhoto e se for necessário puxar o revolver farei melhor com minha mão esquerda. Estávamos parados em um canto do salão principal procurando por Peterson e foi quando eu a vi. Um metro setenta e cinco de salto, um e setenta sem eles. Pele morena como se estivesse bronzeada, cabelos pretos ondulados um palmo abaixo do pescoço, seios pequenos, no tamanho certo na verdade, lindos olhos escuros e um sorriso perfeito.
Ivana.
Quem anos depois eu descobriria que seu nome verdadeiro era Gabriela Santana.
Ela veio em nossa direção e no meio do caminho dois homens a pararam, mas ela disse algo para eles e continuou vindo até nós. Gio tinha um sorriso malicioso no rosto olhando Ivana se aproximar vestida com uma calça escura (não dava para identificar a cor por causa da luz), uma blusa rosa que deixavam seus pequenos, mas perfeitos, seios em evidência e um salto fino acredito que preto.
Ela praticamente ignorou a presença de Gio e veio diretamente até mim colocando a mão esquerda em minha cintura e direita colocou em meu rosto e me deu um beijo na bochecha. Eu nunca havia ido a esses lugares, só a trabalho é claro, mas imaginava que não era assim que elas agiam. Ou ela gostou de mim.
Eu gostei na hora.
- Oi querido! – Disse ela ainda com aquele sorriso encantador falando de uma forma muito sexy. – Sou Ivana. – Ela olhava dentro de meus olhos como se lesse cada pensamento que eu tinha.
- Osório. – Eu disse um pouco nervoso, mas controlado. – Detetive Osório. E esse é meu colega Giovanilsson... Detetive Gonçalves. (Gio percebeu que eu estava nervoso. Eu disse o nome dele, mas por sorte ela não prestou atenção nessa parte.).
- Aqui você pode relaxar. Você veio para se divertir, não foi? – Fiquei um pouco sem palavras. – Então nada de detetive, mas entendo se não quiser falar seu nome, mas quem sabe você não passa ali no guarda volumes – Ela apontou para o lado do bar – e deixa seu chapéu, seus óculos e o que mais você quiser e depois vamos no divertir um pouco. O que você acha?
Gio ficou parado olhando para o que estava acontecendo um pouco sem entender as coisas, mas pelo seu sorriso isso ia render histórias por meses.
Eu ainda estava um pouco nervoso, acredite isso é uma coisa que me deixa nervoso, mas consegui soltar algumas palavras. Não as que eu queria, mas as que eram o certo a se dizer por mais de um motivo.
- Desculpe Ivana, - Eu quase gaguejei. – mas estamos aqui a trabalho.
- Você tem certeza de não quer se divertir. – Ela insistiu.
- Ah! Com certeza eu quero. – Eu disse sem pensar, saiu sem querer e Gio fez uma cara estranha para mim. – Mas creio que hoje realmente será impossível. Estamos mesmo à trabalho.
- É uma pena. – Disse ela afastando-se. – Mas quando terminar seu trabalho, não se esqueça do meu nome. Ivana. – Ela acenou e não sei por que eu também acenei. Nunca vou esquecer seu nome eu pensei.
- Que merda foi essa que aconteceu aqui? – Perguntou Gio olhando para Ivana se afastar, assim como eu.
- Eu não faço ideia. – Agora eu estava de certa forma assustado.
Gio sorriu.
- Veja quem está na última mesa da direita. – Gio disse.
Olhei e Peterson estava sentado ao lado de uma das garotas. Uma linda ruiva que aparentava ter vinte, no máximo vinte e três anos.
Ele passava a mão por suas pernas e falava algo em seu ouvido e ela, é claro, derretia-se em sorrisos. Tentamos nos aproximar sem ser vistos, mas não tivemos sucesso. Ele olhou para frente e nos viu. Tentamos disfarçar, mas não teve jeito. O sorriso do sujeito broxou na hora, assim como outra coisa creio eu, e levantou-se abruptamente deixando a garota sem entender nada.
Ele foi em direção aos fundos do local e Gio e eu começamos a segui-lo. Não haveria problema algum se ele tivesse ficado com a garota ou, sabe-se lá por que, viesse nos dar explicações, mas não. Ele preferiu fugir e isso deixava tudo mais suspeito.
Ele conhecia o lugar, nós não. Perdemo-nos em algumas portas e depois de algum tempo achamos a porta certa, a porta que chegava ao estacionamento. Quando chegamos no estacionamento ele já estava dentro do carro e estava saindo da vaga então Gio e eu corremos e sacamos nossos revolveres parando em frente ao seu carro. Por um minuto achei que ele fosse nos atropelar, mas não foi isso o que ele fez.
- Pare o carro! – Gritamos quase ao mesmo tempo e escutamos o barulho dos pneus sendo arrastados pelo chão. – Desça agora do carro. – Eu disse e ele levantou as mãos.
2
Entramos no local que carinhosamente chamamos de “aquário branco” pelo fato de ser todo pintado de branco e ter um grande vidro escuro do tamanho de toda uma parede. Este local nada mais era do que nossa sala de interrogatório.
Peterson estava de cabeça baixa, olhando para a mesa de ferro com as mãos algemadas presas a ela. Ficamos o observando por algum tempo do outro lado do grande vidro e o único momento que ele levantou a cabeça foi quando nós entramos na sala.
- Isso é realmente necessário? – Perguntou ele levantando as mãos algemadas.
- Sim. – Disse Gio rudemente.
- Escutem – Começou ele. – Isso é um engano. Eu não deveria estar aqui. É sério. – Disse ele.
- Sempre é um engano. – Eu disse. – Ninguém nunca deveria estar aqui. – Eu debochei um pouco.
- Se ganhássemos um real para cada vez que um de vocês fala isso, eu e o detetive Osório já estaríamos aposentados curtindo a Europa.
- Mas estou falando sério. Eu juro para vocês.
- Se você não está devendo nada por que fugiu daquele jeito? – Eu perguntei.
- Vocês sabem que eu não podia estar ali, sabem que não é o certo.
- Olha Peterson, - Eu comecei. – se você trai sua esposa ou não isso não é problema nosso.
- Transamos apenas nas épocas que diz ser a certa para engravidar. Ela diz que Deus não permite o sexo se não for para procriação.
- Isso continua não sendo problema nosso. Mas poderia ter nos falado desde o início e teríamos evitado todo esse circo. – Disse Gio.
- E vocês acreditariam em mim?
- Faríamos algumas perguntas, mas muito provavelmente sim. – Eu disse.
Ele baixou a cabeça.
- Nós já voltamos – Eu disse.
Fomos até a sala ao lado, do outro lado do grande vidro onde nosso capitão observava o interrogatório.
- O que o senhor acha capitão? – Perguntei.
- Acredito nele. – Ele disse. – Acho que não há motivos para mantê-lo aqui.
- Sim. – Eu disse e Gio concordou.
- Então vamos soltá-lo. Continuaremos de olho nele, mas deixem-no solto e garantam a ele que a esposa nunca vai saber disso.
- Sim senhor. – Eu disse saindo da sala e voltando para o “aquário branco”.
- Vamos liberá-lo. – Gio disse abrindo a primeira algema. – E pode ficar tranquilo que não falaremos nada para sua esposa de onde você estava.
- Obrigado. – Disse ele.
3
Bia desligou o telefone e no mesmo momento olhou para mim. Seu semblante era assustador e isso que eu já havia visto muita cara feio em minha vida.
Eu estava sentado em minha poltrona olhando um filme em minha tv à cabo junto com meus filhos. Bia as vezes espiava o filme, mas não sentava junto de nós para vê-lo. Ela ainda estava muito brava e depois da ligação que ela recebeu tudo ficou ainda pior.
- Crianças subam para seus quartos. – Ela disse e eles pensaram em falar algo, mas desistiram quando viram sua cara assustadora e subiram sem respirar praticamente. - O que você estava fazendo em um prostibulo (não tinha certeza se ainda se usava aquela palavra) com seu parceiro? – Disse ela parada perto do telefone.
- Eu estava seguindo uma pista.
- Naquele lugar? – Ela era extremamente ciumenta e possessiva.
- Beatriz, você sabe que estou seguindo um caso de assassinato de prostitutas e é nesses lugares que elas estão.
- E por que diabos você não pediu para seu parceiro putanheiro ir no seu lugar? Por que você tinha que estar lá?
- Nós estamos investigando juntos. Como você mesmo disse nós somos parceiros.
- Mas eu sei que inúmeras vezes vocês iam fazer suas investigações em lugares diferentes.
- Mas era diferente meu amor, era outro tipo de caso que necessitava que nos separássemos.
- Sim. Era diferente porque não tinha putas para você se esfregar.
Gelei quando ela falou isso.
- Do que você está falando? – Perguntei tentando fazer uma cara de surpreso.
- É isso que essas putas fazem, não é? Ficam se esfregando nesses homens nojentos.
Acho que ela não sabia do que houve lá dentro. Fiquei mais aliviado.
- Não é nada do que você está pensando Beatriz. Fomos seguindo uma pista.
Ela balançava a cabeça negativamente.
- Começou com as bebidas e agora você vai começar a ir atrás de putas na rua. Era só o que me faltava.
- Você está ficando maluca. – Eu disse já bravo.
- Eu maluca? – Ela disse apontando para ela. – Não é isso que aquela garrafa de uísque me diz.
Fiquei sem resposta.
- Sim. Eu vi a garrafa. Você pode ser bom em descobrir coisa, mas é péssimo para escondê-las. – Ela deu um sorrisinho e balançou a cabeça negativamente quando eu não disse nada, apenas fiquei olhando para a tv. – Quer saber, já estou cansada disso.
- Só por causa de um uísque? – Eu disse. Foi só o que consegui dizer.
- Nós sabemos o que “só” o uísque pode fazer Paulo. Sabemos muito bem.
4
Tínhamos apenas nossa filha naquele dia que ela nunca mais iria esquecer.
E eu não tiro a razão dela.
Morávamos em uma pequena casa de madeira em um bairro um pouco duvidoso da cidade e não tínhamos dinheiro para nada. Lulu tinha um ano e meio e ainda não era “o detetive Osório”, era só Paulo Osório.
Naquela época brigávamos muito por causa de dinheiro, naquela não era a situação que sonhávamos quando começamos a namorar, mas foi o que de certa forma procuramos.
Um dia brigamos feio e sai de casa e fiquei andando pela rua até chegar em um bar. Bebi como se aquele fosse meu último dia na terra. Quando voltei para casa e não sabia o que era banheiro e o que era geladeira, gastei meu único dinheiro em uísque barato.
Fiz uma enorme sujeira, vomitei por toda a casa e urinei dentro d geladeira. Tivemos que colocar metade da nossa já pouca comida fora.
Novamente brigamos e novamente fui para o bar.
A frequência das brigas e dor bar foram aumentando e um dia comprei uma garrafa de uísque e comecei a beber em casa. Bia não estava naquele momento. Ela estava na mãe dela e quando voltei eu estava para lá de Bagdá. Eu estava muito louco.
Ela colocou Lulu em seu berço improvisado e novamente começamos a discutir até chegar o momento que ela me empurrou e eu bati nela.
Foi uma única vez, um único tapa que nem todas as rosas e todas as desculpas do mundo vão pagar o que fiz à ela.
Ela não esqueceu.
Eu não esqueci.
Bia pegou Lulu chorando do berço de resto de pellet e madeiras de obra e voltou para a casa de sua mãe que ficava à quase uma hora à pé de nossa casa. Eram mais de dez horas da noite e deixei minha esposa com minha filha sair sozinha em um bairro perigoso. Nunca vou me perdoar. Elas estão bem, como vocês sabem, mas nunca vou me perdoar.
Não sei como e nem porque Bia me perdoou e uma semana depois voltou para casa. Eu não faria isso. Mas ela fez.
Nunca mais coloquei uma gota de uísque na boca, às vezes, como vocês bem sabem, bebo uma cervejinha com amigos e até em festas, mas até alguns dias atrás uísque eu nunca mais havia bebido.
Não sei por que eu tinha aquelas merdas de garrafas em casa, talvez para mostrar a mim mesmo que eu havia superado aquilo tudo.
Mas eu pensava: Se eu bebo cerveja e nada acontece porque não um ou dois copinhos de uísque?
Não sei exatamente o que acontece, mas uísque me afeta de uma forma que deixo o pior de mim escapar. E ele não é um bom cara.
Autor(a): J.M.S. Efferon
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