O suspiro me escapa. “Não tenho tempo pra isso agora. Tô procurando Jae.”
“Ah, ele tá na sala verde no palco leste. Acabei de ver.”
“Obrigada.”
Começo a me afastar, mas ela bloqueia meu caminho.
“Dulce, por favor. Preciso muito falar com você.”
Sinto a irritação me subir até a garganta. “Olha, se você tá tentando se desculpar, não perca seu tempo. Desculpas não aceitas.”
Vejo a mágoa em seus olhos. “Por favor, não diga isso. Porque estou mesmo triste. Muito, muito triste pelo que fiz. Não deveria ter deixado Cass me convencer.”
“Não brinca!”
“Eu… eu simplesmente não conseguia dizer ‘não’ para ele.” Sua voz oscila com um acorde de impotência. “Gostava tanto dele, e ele foi tão atento e encorajador, insistiu que a música foi feita para um cantor só e que apenas ele seria capaz de lhe fazer justiça.” O rosto de Mary Jane parece se desfazer por inteiro. “Não podia ter agido pelas suas costas. Não podia ter feito isso com você. Me perdoa.”
Não me escapa o fato de que está se referindo a Cass no passado. E embora eu seja uma ca/nalha por fazer isso, não consigo conter o riso. “Ele terminou com você, né?”
M.J. evita os meus olhos, os dentes afundando em seu lábio inferior. “Logo depois de conseguir que a música virasse um solo.”
Não sinto pena de muita gente. Mas empatia? Ofereço isso abertamente. Pena é algo que reservo para pessoas por quem sinto algo muito mais profundo.
Tenho pena de Mary Jane.
“Preciso perder meu tempo falando ‘Eu não disse’?”, pergunto.
Ela balança a cabeça. “Não. Você tinha razão. Eu fui muito burra. Queria acreditar que um cara como ele estivesse mesmo interessado em alguém como eu. Quis tanto que aquilo fosse verdade que estraguei minha amizade com você.”
“Não somos amigas, M.J.” Sei que estou sendo dura, mas acho que minha noção de tato quebrou junto com meu coração, porque não me incomodo em suavizar o tom ou censurar minhas palavras.
“Nunca passaria a perna numa amiga desse jeito. Principalmente por causa de um cara.”
“Por favor…” Ela engole. “Será que a gente não pode começar de novo? Sinto muito.”
“Sei que você sente.” Ofereço um sorriso triste. “Olha, tenho certeza de que, um dia, vou ser capaz de falar com você sem pensar nessa merda toda, talvez até confiar em você de novo, mas ainda não cheguei lá.”
“Entendo”, responde ela, com a voz fraca.
“Preciso mesmo encontrar Jae.” Forço um último sorriso.
“Tenho certeza de que Cass vai fazer um grande trabalho com a sua música, M.J. Ele pode ser um idiota, mas canta bem pra caramba.”
Disparo antes que ela possa me responder.
Encontro Jae e ficamos nos bastidores até as apresentações começarem. Depois de semanas de ensaios ininterruptos, viramos amigos, embora Jae continue muito tímido e com medo da própria sombra. Mas ele está só no primeiro ano, então estou torcendo para que saia da concha quando se adaptar à vida da faculdade.
Os alunos dos dois primeiros anos se apresentam primeiro.
Jae e eu ficamos de pé nas coxias, à esquerda do palco, assistindo a um ato depois do outro, mas tenho dificuldade de me concentrar no que estou ouvindo e vendo.
Não estou com vontade de cantar esta noite. Só consigo pensar em Christopher e na agonia em seus olhos quando terminei com ele, na forma como seus ombros caíram quando saiu do meu quarto.
Preciso me lembrar de que fiz isso por ele, para que pudesse continuar na Briar fazendo o que ama sem ter que se preocupar com dinheiro. Se tivesse lhe contado das ameaças do pai, Christopher teria escolhido o nosso relacionamento em detrimento de seu futuro, mas não quero que ele trabalhe em tempo integral, caramba. Não quero que vá embora ou abandone o hóquei ou viva estressado com pagar o aluguel ou o carro. Quero que se torne profissional e mostre a todos o quanto ele é talentoso. Que prove ao mundo que está no gelo porque é o lugar dele, e não porque o pai o levou até lá.
Quero que seja feliz.
Mesmo que isso signifique a minha infelicidade.
Há um curto intervalo após a última apresentação do segundo ano, e os bastidores são atingidos por outra confusão. Jae e eu somos quase derrubados, quando um fluxo interminável de estudantes vestidos de toga invade o palco. Percebo que são os membros do coral de Cass.
“Poderíamos estar ali.” Sorrio para Jae, enquanto assistimos o coro entrar em posição no palco escuro. “O exército de minions de Cass.”
Seus lábios se contorcem. “Acho que nos livramos de uma.”
“Concordo.”
Desta vez, quando a apresentação recomeça, volto-me para ela com total atenção, porque o maravilhoso Cassidy Donovan chegou ao palco. Quando o pianista toca os acordes de abertura da canção de M.J., experimento uma pontada de ciúme. Droga, é uma música e tanto. Mordo o lábio, preocupada que minha simples balada fique muito aquém se comparada à bela composição de Mary Jane.
Não posso mentir. Cass canta pra caramba. Cada nota, cada vibrato, cada maldita pausa é da mais absoluta perfeição. Está lindo no palco e soa ainda mais bonito. Quando o coro se junta e dá uma de Mudança de hábito, a apresentação ganha uma energia totalmente nova.
Só tem uma coisa faltando — emoção. Quando M.J. tocou a música para mim pela primeira vez, eu a senti de verdade. Senti a conexão dela com a letra e a dor por trás dos versos. Hoje, não sinto nada, embora não saiba se é por uma falha de Cass ou se foi o término com Christopher que me roubou a capacidade de ter emoções.