Capítulo 6
CHRISTOPHER
Dulce Saviñón está a fim de um jogador de futebol americano.
Não dá para acreditar nisso, mas como já a ofendi uma vez hoje,tenho de pisar em ovos se quero dobrar a menina.
Espero até estarmos no Jeep e coloco o cinto antes de lançar,com cuidado, a pergunta.
“E aí, há quanto tempo você quer pegar…digo, fazer amor com Kohl?”
Ela não responde, mas posso sentir seu olhar mortal em meu rosto.
“Deve ser bem recente, já que ele só foi transferido há dois meses.” Pressiono os lábios. “Certo, vamos considerar que faz um mês.”
Sem resposta.
Viro-me para ela de relance e vejo que seu olhar é ainda mais ameaçador. No entanto, mesmo com a expressão fulminante, continua gata. Tem um dos rostos mais interessantes que já vi —as maçãs do rosto bem arredondadas, a boca um tanto arrebitada,e, combinados com a pele dourada, os olhos verdes vívidos e uma pintinha perto dos lábios. O visual é quase exótico. E o corpo…
cara, agora que reparei nele, não consigo “desreparar”.
Mas me lembro de que não estou levando Hannah para casa na esperança de me dar bem. Preciso muito dela, e dormirmos juntos só estragaria as coisas.
Hoje, depois do treino, o treinador me chamou num canto e me deu um sermão de dez minutos sobre a importância de manter as notas na média. Bem, chamar aquilo de sermão é bondade minha.
Suas palavras exatas foram: ‘Mantenha as notas azuis, ou vou enfiar o pé com tanta força na sua bun/da que você vai passar anos sentindo o gosto da graxa do meu sapato na boca’.
Inteligente que sou, perguntei se as pessoas ainda engraxam o sapato, e ele respondeu com uma sequência de impropérios eloquentes, antes de sair feito um furacão.
Não estou exagerando quando digo que hóquei é tudo na vida
para mim — e acho que eu não teria escolha, sendo filho de um fodão do rinque como meu pai é. O velho tinha meu futuro inteirinho planejado quando eu ainda estava na barriga da minha
mãe — aprender a patinar, aprender a bater com o taco, chegar à liga profissional, fim. Afinal de contas, Victor Uckermann tem uma reputação a zelar. Quer dizer, imagina só como ele se sentiria se o filho não virasse um jogador profissional…
Não vou negar, tem um quê de sarcasmo aí. E aqui vai uma confissão: não gosto do meu pai. Ou melhor, eu o odeio. A ironia é que o filho da mãe acha que tudo que fiz foi por ele. Os treinos pesados, os hematomas pelo corpo inteiro, me matar vinte horas por semana para progredir no rinque. Ele é arrogante o suficiente para acreditar que faço tudo isso por ele.
Mas está errado. Faço por mim. E, em menor grau, para superar o meu pai. Para ser melhor do que ele. Não me leve a mal — adoro o jogo. Vivo pelo barulho da torcida, a sensação do ar gelado no rosto ao voar sobre o gelo, o som do disco quando acerto uma tacada que acende a luz do gol.
Hóquei é adrenalina. É empolgante. É… relaxante até.
Olho para Dulce mais uma vez, imaginando o que fazer para persuadi-la, quando, de repente, percebo que estou encarando essa situação com o Kohl de forma errada. Porque, de fato, não acho
que ela seja o tipo dele… mas como é que ele pode ser o dela?
Kohl é do tipo forte e calado, mas já conversei com o cara o suficiente para enxergar por debaixo da máscara. Faz pinta de misterioso para atrair as garotas e, assim que elas mordem a isca,ele abusa do seu charme para entrar debaixo da saia delas.
Então por que uma menina centrada como Dulce Saviñón ficaria babando por um cafajeste feito Kohl?
“É só tesão ou você quer namorar com ele?”, pergunto,
curioso.
Um suspiro exasperado ecoa dentro do carro. “Será que dá para mudar de assunto?”
Dou seta para a direita e me afasto da rua das repúblicas, em direção ao campus.
“Me enganei a seu respeito”, digo, com franqueza.
“Como assim?”
“Achei que você fosse mais corajosa. Destemida. Não alguém que fizesse esse drama todo só para admitir que está a fim de um cara.”
Contenho o sorriso ao ver que ela fechou a cara. Não me surpreende que tenha acertado na mosca. Sou bom de ler as pessoas e sei muito bem que Dulce Saviñón não é do tipo que recusa um desafio, mesmo que seja um desafio velado.
“Tudo bem. Você venceu.” Parece estar falando por entre osdentes. “Talvez eu esteja a fim dele. Um pouquinho.”
Meu sorriso se abre. “Nossa, foi tão difícil assim?” Tiro o pé do acelerador à medida que nos aproximamos de uma placa de PARE. “Por que não chamou o cara para sair?”
O nervosismo permeia sua voz. “E por que eu faria isso?”
“Hmm, porque você acabou de dizer que está a fim dele?”
“Nem conheço o cara.”
“E como vai conhecer se não chamar ele pra sair?”
Ela se ajeita no assento do carro, parecendo tão pouco à vontade que não posso deixar de rir.
“Você tá com medo”, provoco, incapaz de disfarçar o quanto estou me divertindo.
“Medo coisa nenhuma”, revida ela imediatamente. Então faz uma pausa. “Bom, talvez um pouco. Ele… me deixa nervosa, tá
legal?”
Tenho de me esforçar para mascarar a surpresa. Acho que não esperava que fosse ser tão sincera. E a vulnerabilidade que irradia dela é ligeiramente desconcertante. Não a conheço há muito tempo, mas tinha me habituado ao seu sarcasmo e autoconfiança. A incerteza em seu olhar parece deslocada.
“Então vai esperar ele tomar alguma iniciativa?”