Capítulo 9
CHRISTOPHER
Greg Braxton é um monstro. Estou falando de um metro e noventa e cinco de altura e cem quilos de pura força, e do tipo de velocidade e precisão que um dia vai lhe render um belo contrato com um time da Liga Nacional de Hóquei. Bom, isso se a liga estiver disposta a ignorar o tempo que passa no banco, por causa de uma falta. Estamos no segundo período do jogo, e Braxton já cometeu três pênaltis, um dos quais resultou num gol, cortesia de Logan, que passou deslizando diante do banco adversário com um sorriso presunçoso no rosto. Grande erro, porque agora Braxton voltou ao gelo e está determinado.
Ele me espreme contra o vidro de proteção do rinque com tanta força que sacode todos os meus ossos, mas, por sorte, consigo dar o passe e chacoalho as teias de aranha do meu cérebro desorientado em tempo de ver Tuck acertar uma tacada de pulso e desviar do goleiro do St. Anthony. O placar acende, e mesmo as vaias da torcida não diminuem a sensação de vitória em minhas veias. Jogar fora de casa nunca é tão emocionante quanto jogar no próprio rinque, mas a energia da multidão me alimenta, mesmo
quando é negativa.
Quando o relógio apita, vamos para o vestiário com uma vantagem de dois gols no St. Anthony. Está todo mundo nas nuvens porque não tomamos gol por dois períodos, mas o treinador Jensen não deixa ninguém comemorar. Não importa que estejamos na frente… ele nunca nos deixa esquecer o que estamos fazendo de errado.
“Di Laurentis!”, grita com Dean. “Você tá deixando o número 34 fazer gato e sapato de você! E você…” Olha para um dos nossos defensores do segundo ano. “Deixou a defesa aberta para eles duas vezes! Seu trabalho é ficar em cima daqueles desgraçados. Viu o empurrão do Logan no início do período? É esse tipo de jogo físico que espero de você, Renaud. Chega dessa frescura de ficar esbarrando de leve neles. Bate com vontade, rapaz.”
O treinador caminha até o outro canto do vestiário para continuar distribuindo críticas, e Logan e eu trocamos um sorriso.
Jensen é um cara durão, mas é muito bom no que faz. Elogia quando merecemos, mas, no geral, exige muito de nós e melhora o nosso jogo.
“Foi uma pancada feia.” Tuck me lança um olhar de
comiseração à medida que levanto a camisa para examinar com cuidado o lado esquerdo do meu peito.
Braxton me deu uma surra, e já posso ver uma coloração azulada surgindo na pele. Vai deixar um hematoma gigante.
“Vou sobreviver”, respondo, dando de ombros.
O treinador bate palmas para sinalizar que é hora de voltar para o gelo; tiramos os protetores das lâminas dos patins e seguimos em fila pelo túnel até o rinque.
A caminho do banco, posso sentir seus olhos em mim. Não o procuro, mas sei que vou vê-lo se me virar. Meu pai, encolhido em seu lugar de sempre no alto das arquibancadas, um boné do Rangers cobrindo o rosto, os lábios comprimidos numa linha fina.
O campus do St. Anthony não é muito longe da Briar, o que significa que ele só teve de dirigir uma hora de Boston para chegar aqui. Mas, mesmo que estivéssemos jogando a horas de distância num torneio de fim semana, durante a tempestade de neve do século, ele estaria lá. Meu velho nunca perde um jogo.
Victor Uckermann, lenda do hóquei e pai orgulhoso.
Até parece.
Sei muito bem que não vem assistir ao filho jogar. Vem assistir a uma extensão de si mesmo jogar.
Às vezes, me pergunto o que teria acontecido se eu fosse um perna de pa/u. Se não soubesse patinar? Não conseguisse dar uma tacada decente? Se tivesse virado um magricela com a coordenaçãode um rolo de papel higiênico? Ou se tivesse nascido com talento para arte, música ou engenharia química?
Ele provavelmente teria infartado. Ou talvez convencesse minha mãe a me dar para adoção.
Engulo o sabor amargo de desgosto e me junto aos meus colegas de time.
Esquece esse cara. Ele não é importante. Ele não está aqui.
É o que digo a mim mesmo toda vez que pulo a barreira e pouso os patins no gelo. Phil Graham não é nada para mim. Deixou de ser meu pai há muito tempo.
O problema é que meu mantra não é infalível. Tudo bem, sou capaz de bloqueá-lo, e ele não é importante para mim, nem um
pouco. Mas está aqui. Está sempre aqui, cacete.
O terceiro período é intenso. St. Anthony está dando tudo de si, desesperado para não ser desclassificado. Simms está na mira deles desde o apito inicial, e Logan e Hollis lutam para manter o ataque do St. Anthony longe da nossa rede.
O suor escorre por meu rosto e meu pescoço, à medida que nós, da linha de frente — eu, Tuck e um aluno do último ano com apelido de Birdie —, partimos para a ofensiva. A defesa do St. Anthony é uma piada. Os caras dependem de os atacantes fazerem gol e de o goleiro defender as tacadas que eles deixam livres por pura falta de habilidade. Logan se embola com Braxton atrás do nosso gol e consegue sair com o disco. Passa para Birdie, que dispara feito um raio em direção à linha azul. Birdie joga o disco para Tucker e nós três voamos no território inimigo com um homem a mais, caindo em cima dos defensores desesperados que não têm nem ideia do que aconteceu.
O disco vem na minha direção, e o rugido da multidão pulsa em meu sangue. Braxton cruza o rinque comigo em sua mira, mas não sou bobo. Passo o disco para Tuck, esbarrando em Braxton,
enquanto meu colega dribla o goleiro, finge uma tacada e me devolve o disco para eu rebater de primeira.
Minha tacada desliza até a rede, e o cronômetro zera.
Vencemos o St. Anthony por 3 a 0.
Até o treinador está de bom humor quando fazemos fila em direção ao vestiário depois do terceiro período. Fechamos a defesa, paramos o monstro do Braxton e acrescentamos uma segunda vitória ao nosso recorde. A temporada ainda está no início, mas estamos certos de que o campeonato é nosso.