Dulce sorri. “O que ela fazia?”
“Arranhava sempre que podia, mijava nos sapatos dele, esse tipo de coisa.” De repente, desato a rir. “Ai, merda, a melhor coisa que ela fez? Era dia de Ação de Graças, e estávamos na casa dos meus avós, em Buffalo. Todo mundo reunido à mesa, prestes a comer, quando Peaches entra pela portinhola de gato. Logo atrás da casa tinha um barranco, e ela costumava rondar por lá. Enfim, ela entra pela casa trazendo uma coisa na boca, mas ninguém consegue ver o que é.”
“Meu Deus. Isso não tá cheirando bem.”
Estou sorrindo tanto que minhas bochechas doem. “Peaches salta em cima da mesa como se fosse a rainha da cocada ou sei lá o quê, caminha ao longo da beirada e despeja um coelho morto no prato do meu pai.”
Dulce arqueja. “Sério? Que nojo!”
“Meu avô se escangalhou de rir, minha avó teve um treco porque achou que toda a comida em cima da mesa tinha ficado contaminada, e meu pai…” Meu humor desaparece, quando lembro o olhar no rosto dele. “Vamos apenas dizer que não ficou muito
satisfeito.”
Eufemismo do ano. Um arrepio corre por minha espinha à medida que vou me lembrando do que aconteceu quando voltamos para Boston, alguns dias depois. O que fez com minha mãe como punição por “envergonhá-lo”, conforme a acusou durante seu ataque de raiva.
A única coisa positiva é que minha mãe morreu um ano depois. Não estava lá para testemunhar quando ele voltou sua raiva contra mim, e sou grato por isso todos os dias da minha vida.
Ao meu lado, Dulce também fica sombria. “Não vou encontrar meus pais no dia de Ação de Graças.”
Olho para ela, avaliando seu rosto. É óbvio que está chateada, e sua confissão me distrai das memórias esmagadoras apertando meu peito. “Você costuma ir para casa?”
“Não, passamos as férias na casa da minha tia, mas este ano meus pais não podem pagar a passagem, e eu… não posso bancar uma viagem para a casa deles.”
Parece estar escondendo alguma coisa, mas não consigo imaginar sobre o que estaria mentindo.
“Não tem problema”, murmura, ao notar o olhar de simpatia em meu rosto. “Sempre tem o Natal, não é?”
Faço que sim, embora, para mim, não existam esses feriados.
Prefiro cortar os pulsos a voltar para casa e passar as festas com meu pai.
Coloco minha tigela de pipoca na mesa de cabeceira e pego o controle remoto. “Pronta para a segunda temporada?”, pergunto, casualmente. A conversa ficou muito pesada, e estou ansioso para mudar de assunto.
“Manda ver.”
Desta vez, sento ao lado dela, mas ainda tem uns sessenta centímetros entre a gente. É estranho como estou gostando disso — passar o tempo com uma garota sem me preocupar sobre como vou me livrar dela ou sobre as exigências que ela logo vai começar a fazer.
Assistimos ao primeiro episódio da segunda temporada, e ao segundo, terceiro… e, quando dou por mim, são três da manhã.
“Ai, merda, que horas são?”, Dulce deixa escapar. Assim que termina de falar, um enorme bocejo se abre em seu rosto.
Esfrego os olhos cansados, incapaz de entender como pode ter ficado tão tarde sem nenhum um de nós perceber. Assistimos literalmente a uma temporada e meia da série numa sentada só.
“Merda”, murmuro.
“Não acredito que já é tão tarde.” Ela boceja de novo, o que desencadeia um bocejo em mim, e, em pouco tempo, estamos os dois sentados no meu quarto escuro — não me lembro de ter desligado a luz —, bocejando feito duas pessoas que não dormem há meses.
“Tenho que ir.” Ela tropeça para fora da cama e ajeita o cabelo com as mãos. “Onde tá meu celular? Preciso chamar um táxi.”
Meu próximo bocejo quase quebra meu maxilar. “Levo você”, digo, grogue, escorregando para fora da cama.
“De jeito nenhum. Você bebeu duas cervejas.”
“Horas atrás”, argumento. “Estou bem para dirigir.”
“Não.”
Deixo a irritação tomar conta de mim. “Você não vai entrar num táxi e andar pelo campus às três da manhã, de jeito nenhum. Ou eu levo você ou você fica aqui.”
Ela parece assustada. “Não vou ficar aqui.”
“Então eu levo você. Sem discussão.”
Seu olhar recai sobre as duas garrafas de Bud na mesa de cabeceira. Sinto sua relutância, mas também vejo o cansaço encobrindo suas feições. Depois de um instante, ela relaxa os ombros e deixa escapar um suspiro. “Tudo bem. Durmo no sofá.”
Balanço a cabeça depressa. “Não. Melhor dormir aqui.”
Foi a coisa errada a se dizer, porque ela fica mais rígida do que um poste. “Não vou dormir no seu quarto.”
“Moro com três jogadores de hóquei, Saviny. Que, aliás, ainda não chegaram em casa de uma noitada. Não estou dizendo que alguma coisa vá acontecer, mas há uma chance de um deles, sei lá, tropeçar bêbado na sala e passar a mão em você se a achar no sofá. Eu, por outro lado, não tenho o menor interesse em passar a mão em você.” Aponto para a cama enorme. “Cabem sete nessa coisa. Você nem vai reparar que estou aqui.”
“Um cavalheiro se ofereceria para dormir no chão, sabe?”
“Pareço um cavalheiro para você?”
Ela ri disso. “Não.” Há um momento de silêncio. “Certo, vou ficar aqui. Mas só porque mal consigo manter os olhos abertos, e realmente não quero ter que esperar por um táxi.”
Vou até minha cômoda. “Quer alguma coisa para dormir?
Camiseta? Moletom?”
“Uma camiseta seria ótimo.” Mesmo na escuridão, posso senti-la corando. “Você tem uma escova de dentes sobrando?”
“Tenho. No armário embaixo da pia.” Entrego uma camiseta velha a ela, e Dulce desaparece no banheiro.
Tiro a camisa e a calça jeans e entro na cama de cueca. Ao me ajeitar para dormir, ouço a descarga e a torneira da pia ligar e desligar. Em seguida, Dulce volta, os pés descalços batendo suavemente no piso de madeira. Fica parada ao lado da cama por tanto tempo, que acabo resmungando de irritação.
“Dá para deitar na cama logo?”, reclamo. “Não mordo. E mesmo que mordesse, estou quase dormindo. Então para de ficar aí me olhando feito uma doida e vem dormir.”
O colchão afunda ligeiramente à medida que ela sobe na cama.
Sinto um puxão no cobertor, um farfalhar de lençóis e um suspiro, e Dulce está deitada ao meu lado. Bem, não exatamente. Está lá do outro lado da cama, no mínimo agarrada à beirada do colchão, para não cair.
Estou cansado demais para fazer uma observação sarcástica, então apenas murmuro: “Boa noite”, e fecho os olhos de novo.
“Boa noite”, ela sussurra de volta.
Poucos segundos depois, estou morto para o mundo.
Oii lindas!!
Bom eu não vou seguir adiante com a sugestão da minha prima!
Acho que assim está melhor,então vou deixar do jeito que está!
O que acharam do capítulo de hoje?
*Cadê os comentários?
Beijosss ♡♡