Fanfic: A Segunda Mulher - Adaptada - Finalizada | Tema: Vondy

1886

 Illinois

Os dedos longos e finos de Dulce Maria Savinon mantinham-se firmes ao abotoar o vestido preto.Naquela manhã de final de setembro, necessitava de um bom disfarce para sair às ruas de Chicago.

Pôs o chapéu na cabeça e escondeu as mechas crespas sob a copa arredondada. Isso feito, não havia como fugir a um exame no espelho. Precisava ter certeza de que nada do cabelo avermelhado ficava exposto. Ergueu a-cabeça em desafio e olhou-se. A visão do próprio rosto a fez prender a respiração. Não havia como melhorar a aparência, mas poderia esconder o rosto maltratado. Desceu o véu preto, que chegava ao queixo.

 Afastou roupas e sapatos, até encontrar o que procurava: uma caixa forrada de veludo púrpura.

O estojo de jóias da mãe.

Foi até a cômoda e apanhou as luvas calçando-as com rápidos puxões. Vestida e disfarçada, pegou o recorte de jornal que prendera sob uma caixinha de vidro, no topo da cômoda. "Hotel Arms, quarto 204.

Dobrou o recorte em quatro e escondeu-o no punho da luva esquerda. Lançou um olhar para a cama onde a irmã dormia e caminhou para a porta

Na esquina virou à esquerda, mantendo o queixo quase encostado no peito  Ali todos andavam com pressa, e Dulce sentiu-se aliviada em poder apressar o passo. Mais alguns quarteirões e chegaria ao hotel

Seu alívio durou pouco. O olhar cauteloso para trás caiu não sobre o policial, mas num rosto familiar: David Stern, seu padrasto, que descia do carro de aluguel. Ele não a vira. Voltou-se abruptamente, virando as costas para o padrasto e recomeçando a andar, depressa.

Talvez o padrasto fosse para outro lado. Ela arriscou um olhar por cima do ombro. Lá estava ele, alguns passos atrás. Com a pulsação acelerada, Dulce deslizou para dentro do armazém.

Não demorou muito para que David Stern aparecesse. O coração de Dulce começou a bater em ritmo descontrolado. Sentindo-se exposta, Dulce rodopiou, deparando com um jovem balconista que a fitava intrigado.

 Sorriu para o jovem, disfarçando o pavor.

 — Posso ajudá-la? — o rapaz perguntou numa voz de falsete, própria da adolescência.

 — Não, obrigada — ela respondeu, ignorando-lhe o olhar curioso.

 Jarros com sementes de flores alinhavam-se sobre o balcão e ela fingiu examiná-los. Margaridas, gerânios, peônias, flocos.

— Temos bulbos de tulipas, importados da Holanda — o mocinho ofereceu. — Se os plantar agora, terá flores na primavera.

Dulce afundou o queixo contra o peito.

— Não, obrigada — respondeu, pensando que, se tivesse alguns níqueis, compraria alguma coisa, apenas para afastar suspeitas.

 — Está esperando alguém? — o rapaz insistiu.

— Estou — ela respondeu rapidamente, agradecida pela ajuda inesperada e olhando novamente para a vitrine, como para confirmar.

David deu um passo na direção da porta. Juntando as saias, Dulce ultrapassou o balcão, levantou a cortina e entrou no depósito, colidindo com o balconista, que caiu para trás, arrastando um cesto com sementes.

 — Que diabo...

— Peguem essa mulher! — David berrou, entrando no armazém.

Escorregando nas sementes espalhadas,  Dulce segurando as saias com ambas as mãos, ela correu como se o próprio demônio a perseguisse.. Tinha de chegar ao hotel, não importava o que tivesse de fazer.

Ao atravessar uma rua.Entrou na igreja fresca e silenciosa.. Dulce sentou-se no banquinho do confessionário perto da porta e fechou a cortina. Tudo estava em silêncio. Afastando a cortina, espiou para fora. David Stern não entrara na igreja. Estava salva.

Quando se sentiu mais descansada e tranquila, saiu da igreja por uma porta lateral, olhando para um lado e para o outro antes de mistura-se ao povo que andava pela calçada de madeira. Ao longe, viu a estrutura de pedra avermelhada do Hotel Arms. Um porteiro de libre abriu a pesada porta de nogueira para"ela. Dulce engoliu em seco, encarou o porteiro e apertou as mãos nervosamente. Não havia escolha. Tinha de entrar.

O vestíbulo fresco acolheu-a. As paredes eram forradas de brocado verde e, perto de uma samambaia exuberante, um homem lia o jornal, sentado numa poltrona cor de vinho. Outro, caminhando para a saída, tirou o relógio do bolso, olhando-o apressado.

Dulce retirou o recorte da luva e leu-o, talvez pela centésima vez. Que tipo de mulher responderia a um anúncio daqueles? "Uma mulher desesperada", como eu, pensou, umedecendo os lábios com a língua.

Olhou para a escadaria que subia aos dormitórios. Alta como a mais desafiadora das montanhas. Dobrou o recorte e tornou a guardá-lo no punho da luva. Ajeitou o vestido ao redor da cintura, puxou as mangas para baixo. A seguir erguendo os ombros numa atitude de coragem, dirigiu-se para a escada.

 Ia ao quarto 204.