Fanfic: Azul & Violeta | Tema: A Bela e a Fera
— Professora? Mas que honra! – o conde Edgar exclamou.
Eu não poderia negar que ele é charmoso, com sua camisa branca perfeitamente passada, a gola levemente mais alta que o normal, o colete preto e a gravata azul, que destacava seus olhos da cor do céu e seus cabelos castanhos penteados para trás, uns fios rebeldes na frente. Sim, ele era atraente.
— A honra é toda minha por conhecê-lo, senhor.
Ele parou, como se tivesse ouvido um comentário e franziu o cenho. Mas seu sorriso não diminuíra, parecia ter sido pintado em seu rosto. Soltou minha mão e começou a andar na ampla sala. Seu andar era confiante e elegante, típico de um conde.
— E o que traz uma professora em minha casa?
Conde Edgar parou com a sobrancelha erguida e eu pude ver que seus olhos azuis me analisavam desconfiadamente. Meu sorriso diminuiu para um simples sorriso torto. Eu já conversei com milhares de condes, duques, príncipes, qualquer tipo de jovem rico. Essa era uma das minhas desagradáveis experiências que adquiri quando morara com minha mãe, e com o tempo – e um punhado de festas onde eu tinha que ser educada com a maioria desses bocós-, eu aprendi a lidar com eles. Pessoas que nem ele amam o poder, seja de qualquer tipo ou qualquer tamanho, contudo, que esteja em suas mãos. Eles tinham que ser o elo dominante e o resto o elo passivo. Achei que eu tinha me livrado disso quando parti, mas aqui estou eu de novo...
— Eu estava na floresta, seguindo uma trilha quando me perdi.
— E o que a trouxe para esta trilha, senhorita Líbia?
Se eu dissesse que era para pensar, ele não acreditaria, pois moças solteiras não vão para dentro da floresta para pensar. Decidi falar a verdade, já que seria um motivo que ele consideraria besta – qualquer coisa que não os envolva normalmente é besta – e eu não teria que me aprofundar no assunto.
— Eu estava... – abaixei o olhar e criei coragem, não é fácil falar dele. Aspirei e expirei o ar, então murmurei – Procurando meu irmão.
Silencio. Meu peito doeu e por isso não olhei em seu rosto.
— E por que procurava seu irmão, senhorita Líbia? – ele falou lentamente.
Me surpreendi. Espera, ele se comoveu? Ele realmente teve empatia perante minha dor? Por quê? Sou apenas uma intrusa em sua casa. Por causa disso, reparei em seu rosto novamente, agora sem usar minhas experiências ou preconceito, realmente reparando no homem chamado Edgar Borchacell. Compreendi que sua beleza estava na mesclagem entre suas feições e sua expressão, que seus olhos azuis transmitiam uma bondade e uma empatia verdadeira, que não era algo fingido igual acontecia com os outros nobres - um bondade extremamente mal fingida por sinal, eles não convenciam ninguém - e então percebi que ele tinha caráter. Aprendi a analisar a expressão dos outros com a minha mãe, ela sempre dizia que na maioria das vezes o instinto feminino era sempre preciso.
— Porque ele sumiu na última quinta-feira.
Continuei a analisar sua expressão. Em um segundo seus olhos se arregalaram e ele ficou atônito. No outro, com os olhos fechados foi até um armário de bebidas e pegou um uísque. Suas mãos tremiam.
— Des-desculpe pelo seu irmão – parou e olhou para o chão – não sei de nada sobre ele.
— Mas age como se soubesse – sua insegurança me provocou uma súbita curiosidade e por isso essas palavras saíram sem pensar. Por mais estranho que pareça, eu ainda tive coragem de ir até ele, decididamente, o que era estranho para mim, pois eu era extremamente comportada.
Fiquei na sua frente a uma distância segura e busquei seus olhos, tentando parecer confiante como minha mãe sempre era. Olhe nos olhos dele Angelina, era o que ela diria, estabeleça contato visual.
— O que você sabe? – perguntei lentamente.
Seus olhos de um azul profundo se arregalaram como os de um louco atormentado e seu sorriso falso voltou. Ele esconde algo.
— Quem você pensa que é vindo até minha casa e me interrogando? – disse rispidamente.
Virou-se de repente e andou até a lareira. Parece que seu jeito de conde rico e metido era mais forte do que sua empatia. Reparei que os empregados foram embora.
— Eu só quero saber sobre meu irmão, perguntar não ofende – repliquei exasperada, seu jeito estava tirando minha paciência.
De seus olhos saiam chispas de ódio, mas seu sorriso continuou.
Até quando ele vai manter a pose?
— Não sei de nada sobre seu irmão.
— Tem certeza? – caminhei até ele.
— Tenho.
— Sabe que eu preciso saber, não é?
Parei na sua frente a um metro de distância e Conde Edgar se afastou.
— Eu sei, lhe contaria se pudesse.
— Se pudesse?
— É! – parou – Não! Quero dizer, se eu soubesse de algo.
— E o que você não sabe?
Conde Edgar me encarou furioso. Finalmente seu sorriso desapareceu.
— Quem você pesa que é para me interrogar? Sou o Conde Edgar Borchacell! Com um estalar de dedo poderia bota-la em uma masmorra para sempre.
Tive que parar. Infelizmente ele poderia mesmo me prender. Isso me fez ficar frustrada.
— Desculpe – abaixei a cabeça. Meus olhos se encheram d’agua – Estou desesperada.
Para meu constrangimento, minha voz saiu embargada. Por que eu sempre choro? Por que nunca consigo controlar? Eu devia ser mais forte!
Faz uma semana que perdi meu irmão, quando ele havia saído para dar comida aos porcos. Eu não consegui aguentar ver minha madrasta chorando e passei a procura-lo sozinha, andando por toda a floresta, gritando seu nome.
O conde Edgar é o único indicio que consegui encontrar de uma pista. E agora estou estragando tudo com esse choro. Droga, por que não sou forte como a mamãe?
Em meio às lagrimas de saudade, eu sorri.
— Desculpe –balbuciei novamente – Não vou mais incomodá-lo, conde Edgar.
Conde Edgar me encarava surpreso. Me virei, sem vontade de encara-lo. Comecei a andar.
— Não é seguro para a senhorita caminhar lá fora a essa hora da noite. Pode passar a noite aqui se desejar. – Ele exclamou inseguro.
Fiquei atônita. Ele continuou, agora mais confiante:
— Apesar de tudo, sou um cavalheiro. Não poderia deixa-la sofrer na floresta. Fique, durma em um dos quartos e tome um banho.
Isso fez minhas lagrimas aumentarem. Fazia meses que eu não sabia o que era ser a preocupação de alguém. Tinha consciência de que agora meus irmãos nem estavam se importando muito com a minha demora, e que eles só notariam a minha falta amanhã, na hora de colher o milho.
Eu poderia mentir pra mim mesma dizendo que isso não importava, que eu os amava do mesmo jeito, mas mesmo assim não deixava de me doer.
— Obrigada – sussurrei, me virando para ele.
— Disponha – sorriu, satisfeito.
Passar a noite em uma casa desconhecida com pessoas estranhas deveria ser a última coisa que eu aceitaria, porém, as suas palavras carinhosas me diziam que eu podia confiar nele. De alguma forma, eu sabia que seria seguro ficar aqui. E que seria bom passar uma noite sem ouvir o choro da minha madrasta e sem ver a tristeza dos meus irmãos, toda vez que passavam na porta do quarto dele.
Pensar em seu nome me fazia recordar toda a dor guardada em meu peito. Por isso eu não pensava.
— Desculpe, vou ter de deixá-la. Fique e se acomode – ele disse, gesticulando para o sofá em um canto.
Ele voltou a sorrir com seu olhar arregalado. Era estranho, parecia que estava ficando louco.
— Para onde o senhor vai? - limpei as lágrimas.
Ele me ignorou e caminhou até a porta.
— Negócios – respondeu calmamente.
— Agora? – questionei surpresa, novamente incapaz de controlar a minha língua. O que será que está acontecendo comigo?
Ele abriu a enorme porta do outro lado desta sala e chegou ao salão de entrada, que estava totalmente escuro por causa do temporal forte lá fora. Então me dei conta do perigo que ele estava prestes a correr. Eu corri até ele, subitamente assustada:
— Espere! É perigoso sair sozinho – exclamei assustada, quando cheguei ao vão da enorme porta da sala em que eu estava.
Continuou a andar apressadamente.
— Está chovendo! É noite! – continuei a exclamar para que ele ao menos me olhasse.
Ele nem vacilou.
— Não sabe o que acontece com o vilarejo?
O conde vacilou por um segundo e prendi a respiração. Mas depois decidiu continuar.
— Tem um monstro a solta! – gritei, corando quando minha voz saiu esganiçada.
Ele riu alto e respondeu:
— Eu sei! – disse de forma totalmente descontraída, e não notei nem um pouco de medo em sua voz.
Ele não está acreditando.
— É serio, tem um monstro mesmo a solta – exclamei.
Mais gargalhadas.
— Eu sei disso. Pode deixar, ficarei seguro – contrapôs sarcasticamente.
— Você não entende? Ninguém sobrevive a ele – rebati, já sabendo que esta batalha estava perdida. Ele não parara um segundo para me escutar.
— Eu sobrevivo – disse confiante e nesse momento não o vi, mas sim a meu irmão no momento em que ele partira. Eu havia pedido para ele dar comida aos porcos no outro dia, que já era tarde, mas ele não me escutara. Se talvez, se apenas talvez eu tivesse dado comida mais cedo naquele dia, em vez de cochilar no meu quarto, eu o teria aqui comigo.
Talvez agora seja a chance de corrigir o meu erro. Cheguei ao seu lado rapidamente e segurei o seu braço, superando qualquer vergonha ou educação que eu já tivera.
— Pare, por favor! É perigoso – pedi, vendo em seu rosto a mesma expressão paciente do meu irmão.
— Me solte – ordenou baixo, com um leve sorriso nos lábios.
— Você vai morrer por uma bobagem – sussurrei, usando minhas últimas forças para segurar o nó que subia em minha garganta. Novamente, eu não conseguiria salvar uma vida. Novamente, alguém sairia numa quinta feira e colocaria sua vida em perigo sem que eu pudesse impedir. Novamente, mais uma pessoa do vilarejo de Santa Liberdade iria morrer.
Ele me encarou seriamente com os olhos franzidos. Então eu reparei na profundidade de seu olhar, como se o azul claro de seus olhos tivesse sido dominado pela sua pupila dilatada, mas mesmo assim não deixasse de brilhar com vida. Não consegui desviar meu olhar dele, mesmo se eu quisesse.
— Ele não vai me matar – falou baixo, sua voz desdenhosa. Pude notar o quanto essa conclusão lhe partia o coração.
Gentilmente tirou minhas mãos de seu braço. Olhou para trás de mim e disse:
— Rubens, cuide dela.
Como se eu tivesse sido acordada de um transe, voltei a pedir.
— Não faça isso!
Ele se virou e quando me movi, Rubens me segurou.
— Edgar – chamei – Edgar! Edgar! Você vai morrer!
Edgar abriu a porta deixando uma forte corrente fria de chuva entrar. Foi embora, sem nem me olhar.
Ele é tão idiota!
— Senhor Rubens, no vilarejo, toda quinta-feira à noite, alguém morre. Tem um monstro a solta, não deixe o conde Edgar ir - falei assustada.
Senhor Rubens me sacudiu e gritou:
— Quieta menina! O que o senhor Borchacell faz ou deixa de fazer não é da sua conta!
Lágrimas de frustração surgiram.
— Por favor, Rubens! Não o deixe ir!
Ele me puxou pelo braço, de volta a sala da lareira. Então gritou:
— Sarah! Sarah! Venha cá!
Senhora Sarah abriu assustada uma das portas do andar debaixo, fazendo-a bater com força na parede. Olhou-me e se assustou:
— O que você fez, Rubens? – disse alarmada.
— Nada! Ainda.
— Senhorita Líbia, o que aconteceu?
— O conde está indo embora agora, mas é perigoso porque tem um monstro a solta – falei nervosa.
— Monstro? – arqueou as sobrancelhas, mas seu rosto continuou sereno.
— Toda quinta-feira alguém morre. Ninguém sobrevive – continuei.
Senhora Sarah encarou senhor Rubens:
— Pode soltá-la. Iremos jantar – disse seriamente, como se estivesse na frente de uma criança.
.....||.....
Seguimos de volta ao salão escuro, senhora Sarah na frente, era tão pequena e ao mesmo tempo tão seria. Usava uma roupa de empregada, o seu avental tinha até alguns babados e debaixo da sua boina havia alguns fios ruivos. Envolta dos seus olhos castanhos havia rugas e uma bochecha cheia. Teria talvez uns cinquenta anos e lembrava uma senhora que cuidava de mim quando eu era pequena. Entretanto, tinha os olhos franzidos demais para ser boazinha como aquela senhora, talvez tenha passado por coisas demais na vida para ser tão bobinha. Me olhou de relance e eu olhei para a parede, já que estava a analisando.
Agora que Edgar foi embora, pude observar o lugar. O salão era enorme, com os azulejos xadrez, um lustre enorme, mobílias elegantes em volta e a porta dupla enorme de madeira desenhada. Escutei o som da chuva forte e depois um raio. Onde estará o conde Edgar? Será que ele não acreditou no que eu disse? Será que ele nunca foi ao vilarejo? Será que ele foi atrás do monstro? Será, será, será?... Mas a pergunta que mais dominava meu coração era: será que ele vai ficar vivo?
Eu nunca fui de me importar tanto com as pessoas, na verdade, as pessoas saiam e entravam na minha vida a todo o momento, então o que acontecia com elas pouco me importava. Ate eu me mudar para esta cidade pequena. Todos aqui se conhecem e sabem da vida um do outro, criando uma espécie de ligação com todo mundo. O padeiro precisa saber da vida das senhoras que sempre compram seus pães de manhã para que tenha controle sobre suas vendas e as senhoras precisam saber sobre as moças solteiras que andam por ai para que pudessem vigiar seus maridos e por ai vai. Tudo estava ligado e esse ataque desse monstro uniu ainda mais o povo, me fazendo criar a teoria de que problemas de nível geral fazem as pessoas se unirem e cuidarem um do outro. Um vigia o outro, eu também aprendi a ser assim.
Viramos para a esquerda e entramos em uma sala com as paredes e o chão igual ao salão de entrada, acrescentado apenas pelos desenhos angelicais nas paredes. Mas o que mais se destaca era a enorme mesa retangular de madeira no centro, que poderia caber umas doze pessoas, onde havia algumas bandejas fechadas.
— Senhora Sarah, estava esperando a senhora me dar uma explicação – exigi com educação.
Ela continuou em frente e tirou a tampa das bandejas. Meu estomago roncou. Não comi desde a tarde.
— Não há nada para explicar, senhorita Líbia, ele apenas vai visitar sua irmã.
— Irmã?
— Sim, só vou continuar a explicar quando a senhorita sentar aqui – apontou para a cadeira em frente ao prato de sopa, alguns pães torrados e agua. Sentei-me.
— Continue, por favor.
— Bom, Edgar perdeu a irmã mais nova em uma quinta-feira. A partir disso, toda quinta ele vai visitá-la.
— À noite? –disse cética.
— Sim, ela morreu a noite – disse, e vi que minhas perguntas estavam tirando um pouco a sua enorme paciência. As pessoas se esforçam para ser educadas com quem não tem intimidade, principalmente os empregados. Ignorei isso.
— Meu Deus. Mesmo assim, é perigoso.
— Edgar não vai muito longe.
— Mas não se pode brincar com a sorte.
— Bom, isso foi a escolha dele – apontou para o prato – Agora coma, por favor.
Senti-me mal por ter finalmente conseguido acabar com a sua paciência, entretanto, não consegui me arrepender por causa disso. Sinto remorso por causa do conde, como se seus atos fossem de minha responsabilidade e eu estivesse tentando justificar meus atos.
— Tudo bem, obrigada pela informação.
— E, por favor, não conte sobre ele para as pessoas. Nem tudo o que ouviu aqui – pediu seriamente.
— Ok, eu sei guardar segredo.
Na verdade, guardar segredo é uma das coisas do qual eu faço melhor. Sei de muitas coisas e tenho certeza de que levarei esses segredos para o meu tumulo. Eu continuava preocupada com ele, mas eu tenho que parar de me culpar por alguém que nem conheço direito, além do mais, se ele sempre fazia isso, talvez o monstro não ataque nessa área. Ficar preocupada não ajudava em nada, e essa situação me fazia lembrar o meu irmão, então sorri para ela quando terminei de comer e me levantei.
— A senhora poderia me mostrar onde irei dormir?
Autor(a): tslopes
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
No andar de cima da mansão estava o meu quarto. Se meu pai estivesse em casa agora, provavelmente estranharia a minha ausência, mas uma noite com certeza não iria preocupa-lo. Não era de seu feitio perder tempo se preocupando com o que eu fazia. Isso era bom, me dava certa liberdade com a qual eu não estava acostumada quando morava com ...
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