Fanfic: Azul & Violeta | Tema: A Bela e a Fera
No andar de cima da mansão estava o meu quarto. Se meu pai estivesse em casa agora, provavelmente estranharia a minha ausência, mas uma noite com certeza não iria preocupa-lo. Não era de seu feitio perder tempo se preocupando com o que eu fazia. Isso era bom, me dava certa liberdade com a qual eu não estava acostumada quando morava com a minha mãe. Entretanto, esse afastamento não permitiu que acontecesse aquele amor entre pai e filha que eu esperava, mas eu não podia reclamar dele. Fora muito bondoso me aceitando em sua casa.
Entrei no quarto e observei o quanto ele era enorme, com uma cama de casal que se recostava a parede direita, coberta com cobertores caros e muito bem feitos, a janela grande ficava a frente, junto a uma cortina vinho. Na esquerda estava um enorme guarda roupa e o banheiro. Lembra-me os tempos de antes, quando eu vivia em ambientes assim. Essa era umas das poucas coisas que eu sentia falta.
Observei admirada os anjos pintados nas paredes alaranjadas e tirei o sapato para sentir o tapete macio. Senhora Sarah, que fez questão de me acompanhar até o quarto, falou:
— Tem uma roupa na cama que talvez lhe sirva.
— Obrigada.
— E tome um banho – exigiu.
— Por quê? Estou fedida?
Ela se espantou, mas depois viu que eu estava brincando porque eu estava rindo.
— Não, senhorita – sorriu – É porque está frio e a água vai esfriar.
— Tudo bem, obrigada.
Sr.ª Sarah saiu e eu fui direto para o banheiro. Havia um espelho enorme, vários tipos de sabonetes de ervas e uma banheira enorme. Ela fora muito gentil me concedendo um quarto e um banho, eu tinha que admitir. Entrei na banheira rapidamente, me deliciando com a água quente. Como eu sentia falta desse conforto. Hoje em dia, só tomo banho quente no balde.
Passei o sabonete de rosas, voltando a pensar no conde Edgar. Será que ele está bem?
Suspirei. Eu devia parar de cuidar da vida dos outros.
Quando saí do banheiro de roupão, fui até a cama tremendo. Estava muito mais frio fora da banheira. Rapidamente vesti o vestido vermelho simples, com a manga balão e sem nenhum desenho. Antes, até que eu me importaria, mas agora não me importo mais com o que eu visto.
Fui para debaixo das cobertas e fechei os olhos. Concentrei-me em relaxar e não pensar em mais nada. Apenas aproveite essa cama macia, me ordeno. Mesmo que ela não me pertença. Mesmo que o dono desse lugar esteja lá fora arriscando sua vida igual meu irmão fizera. Mesmo que eu não deva estar aqui. Mesmo que...
Não consegui pegar no sono. Rolei na cama durante uns trinta minutos até que finalmente eu desistisse e me levantasse.
Voltei para o corredor de madeira localizado no andar de cima da sala onde havia a lareira, com o tapete vermelho e alguns vasos de rosas nos cantos. Sr. ª Sarah estava do outro lado, carregando alguns cobertores. Fui até ela:
– Sr.ª Sarah! Deixe que eu os leve para você. – Requisitei, seguindo em sua direção.
— Oh não precisa, senhorita Líbia – disse surpresa com minha aparição repentina.
— Me chame de Angel, por favor.
Peguei alguns dos cobertores.
— Angel? – disse confusa.
— É – sorri, eu amo sorrir – de Angelina.
Meu apelido Angel e minha mania de sorrir foram coisas que sempre estiveram em meu coração. Desde pequena, eu queria ser chamada de Angel, em vez de An, Lina ou simplesmente Angelina, e também amava sorrir, porque eu sabia que tinha um belo sorrido e isso me trazia uma sensação gostosa de paz e alegria. Sorrir sempre me fez bem, entretanto, minha mãe nunca me permitiu ficar sorrindo para qualquer um e ser chamada de Angel. Fica rindo assim para qualquer um e deixe ser chamada de Angel pra você ver a quê será comparada, minha mãe dizia. Entretanto, depois daquele fatídico dia, mandei se danar os costumes e passei a sorrir e ser chamada de Angel. Bom, até agora ninguém me comparou com uma prostituta.
— Ah sim. Então me chame de Sarah. Pareço mais jovem – olhou para cima, fingindo falsa modéstia.
Nós duas rimos. Sarah voltou a andar.
— Onde levo isso? – perguntei.
— Para o seu quarto e depois o de Edgar – explicou.
— Ele já voltou?
— Não. Mas vamos deixar o quarto arrumado.
Ele não voltou ate agora? Não Angel, não pense muito nisso. Deixamos dois cobertores na minha cama.
– Tudo bem.
— É bom estar bem coberto, Angel, porque de madrugada faz muito frio, e se não estiver bem coberto pode até acordar congelada.
— Congelada?
— É – voltamos para o corredor – Uma vez, eu soube de um homem que dormiu sem cobertor e acordou congelado.
— Mas ele estava fora de casa?
— Não, ele estava em seu quarto.
— Nossa! Quem te contou isso?
— Minha mãe, quando eu era pequena. É que eu não gosto de cobertor.
— Por quê?
— Me pinica. E eu também mexo muito na cama, sabe? Tenho o sono muito agitado.
— Já eu tenho insônia.
Ela riu.
— Deu para perceber. Minha avó sabia fazer um chá tiro e queda para isso. Minha prima sofria disso, até que ela se casou. Depois passou a dormir rapidinho.
Descemos a escada e atravessamos a enorme sala. Do outro lado havia o outro corredor. Sarah é aquele tipo de senhora que eu adoro: faladeira. Muitas pessoas normalmente odeiam quando velhas começam a falar e não param, mas eu amo escuta-las, pois me traz uma sensação gostosa de aconchego. Além do mais, pessoas de idade sempre tem assuntos de maior conteúdo.
— Uma vez, o irmão mais velho de Edgar, ainda pequeno, andou dormindo e acabou caindo da escada.
— Credo, ele ficou bem?
— Ficou, só esteve de cama durante uns dias. Os irmãos ficaram o tempo todo perguntando se podiam brincar com ele. Edward era o líder das brincadeiras.
— E esse irmão gostava disso?
— Oh se gostava – suspirou, perdida em pensamentos com um sorrisinho nos lábios – Ele queria brincar o tempo todo com os meninos. Uma vez o peguei engessado brincando de pique-pega – ela riu – A mãe dele teve um ataque quando descobriu.
Eu ri. Entramos no quarto do conde Edgar. É igual ao meu, a diferença é que a cama é bem maior e havia estantes com livros por todo o lado.
— Mas que quarto enorme – exclamei, mesmo não ficando verdadeiramente impressionada. Era isso o que camponesas diziam quando viam algo chique. Mesmo que eu não fosse uma camponesa legítima, sabia que eu tinha um papel a interpretar. Jamais consegui deixar de respeitar os costumes da sociedade. Talvez eu nunca consiga.
Sarah foi até a cama e abriu os cobertores.
— Angel poderia, por favor, organizar os livros na mesa?
— Claro.
Na mesa havia alguns papéis rabiscados e livros sobre seres mitológicos. Peguei um deles para ler.
— Angel, o que está lendo?- disse, enquanto esticava o lençol.
— Um dos livros – coloquei-o na pilha organizada, não era muito interessante - Quer ajuda?
— Não, já acabei. Edgar não passa muito tempo no quarto. Prefere o escritório.
— Eu não gosto de ficar muito tempo em um lugar.
— O irmão de Edgar também é assim – continuou a arrumar a cama - Para o pesadelo do pai dele.
— Já o conde Edgar gosta de ficar trancado - supus. Seu jeito misterioso me fez entender que ele é bastante fechado.
— Às vezes, ele sai para cavalgar. Ultimamente isso é muito raro.
Sarah franziu o cenho.
— Por quê? Muito trabalho?
— Não sei – murmurou.
Ignorei sua expressão e voltei a organizar os livros. Edgar é mesmo muito introvertido, mas isso não é da minha conta. Pouco tempo depois, me virei para Sarah, que já terminava de guardar algumas roupas.
— E você, Sarah? Nunca quis dormir nessa cama?-
Só depois que a ultima palavra saiu dos meus lábios que eu percebi a minha indelicadeza. Eu acabara de perguntar se ela como funcionara já dormira na cama do seu patrão. Mas que gafe. Mas para minha sorte, ela riu e eu relaxei.
— Como, se Edgar é um dorminhoco?
Essa me surpreendeu. Não conseguia imagina-lo sendo preguiçoso, apenas como alguém sistemático.
— Ele?
— Sim, uma vez ele dormiu até às três da tarde.
— Ah, mentira.
— Verdade, eu tive que acorda-lo.
Nós rimos.
— Isso me lembra de uma história – eu disse.
— Qual?
— Uma princesa que dormiu durante cem anos.
— Cem anos?
— E só acordou com o beijo de um príncipe.
— Nossa, onde você ouviu essa história?
Como o quarto estava arrumado, voltamos para o corredor.
— Não ouvi, eu li. Para as crianças do vilarejo – expliquei.
— Eu gostaria de escutar essas histórias dos livros. Parecem tão interessantes - murmurou com certa melancolia
— E por que não lê?
Ela ficou vermelha.
— Ora, porque nunca me ensinaram.
— Nunca? – olhei-a, perplexa.
— Nunca – disse olhando para frente e isso me fez encarar pensativamente o tapete.
Se eu fosse uma cidadã qualquer, provavelmente não me importaria com o fato dela não saber ler. Mas como professora, eu tenho o dever de ensiná-la. Sarah não podia ficar sem ler. A leitura é algo maravilhoso, que ajuda em todos os momentos e faz sua mente se expandir para um mundo além do que se já conhece. Por isso tenho dado aula no vilarejo. Para que as pessoas passem a saber do valor de pegar um livro para ler. Ensinar era uma das poucas coisas humanitárias que eu sabia fazer bem - porque saber costurar, cantar, dançar ou se postar de forma correta não ajudava os outros.
Mas o que eu faço? Convenço-a de ir ao vilarejo ou eu venho dar aulas particulares? Analisei os dois lados.
Se ela for ao vilarejo, ela vai ter mais contato com o que o monstro faz e avisar o conde Edgar. Isso é logico.
Se eu vier até essa mansão alguns dias da semana, eu vou passar minhas informações do vilarejo e passar para ela, além de poder descobrir o segredo do conde, que parece muito suspeito. E também poderei ficar longe da minha família por mais tempo - algo que tenho buscado bastante de uns tempos pra cá - sem que eu me sinta culpada, pois estarei investigando uma pista sobre o meu irmão.
Decidi dar as aulas particulares. Mas como convencer o conde Edgar de me deixar visita-la?
— Angel, o que foi? Está tão calada.
Percebi que estamos de volta à porta do meu quarto.
— Oh, desculpe –sorri – Gostaria de lhe propor um acordo.
Sarah franziu o cenho.
— O quê?
— Eu venho toda semana para te ensinar a ler e você vem me visitar regularmente lá na minha casa.
Sarah me encarou surpresa. Pus a mão na cintura e, sorridente, inclinei o rosto. Eu era cheia de fazer essas propostas esquisitas. Mas fazer o que, eu gostei de Sarah e amaria vê-la na minha casa para conversar. Pelo menos assim, com suas visitas, eu passaria mais horas longe dos meus parentes.
— O que acha?
— Ah... Eu... Hã... – parou e encarou a parede. Depois de pensar, respondeu com um sorriso um pouco inseguro – Tudo bem.
Abracei-a ao ouvir sua resposta, sentindo meu peito saltitando de alegria.
— Obrigada – falei.
— Eu que agradeço. Mas e Edgar?
Voltei a encara-la.
— Eu resolvo isso. Só quero que acalme ele.
Sarah estava com um sorriso enorme.
— Obrigada, obrigada mesmo – me virei para entrar no quarto – Quanto vai custar?
— Nada - disse, mostrando que isso é obvio – não se cobra de amigos. Boa noite.
Ela estava sem fala quando fechei a porta. Peguei no sono rapidamente com a cama macia.
.....||.....
Caminhei tranquilamente, sentindo a brisa gelada, escutando o som das crianças e da fonte e amando o cheiro de pão saindo logo cedo.
O vilarejo de Santa Liberdade estava em mais um daqueles dias pacatos e alegres. Sentei-me feliz na borda da fonte e observei o céu azul e com poucas nuvens.
Então eu vi uma neblina cinzenta dominar o vilarejo e cobrir todos os cantos com uma atmosfera assustadora. Só de senti-la, dava para se perceber o perigo a vista. Mas as pessoas continuaram a caminhar e trabalhar normalmente.
Eu não sabia o porquê de só eu sentir esse perigo ou só eu vir essa neblina, porém, fiquei em alerta.
Um grito desesperado ecoou e todos procuraram a origem. Então eu o vi. Estava a centenas de distância e era tão grande que sua cabeça chegava às nuvens. Seu corpo era humanoide e parecia o de uma enorme estátua preta, revestida em nuvens. Seu punho estava fechado, como se segurasse algo.
Ele devorou o que tinha em suas mãos e os gritos pararam. Quando dei por mim, já estava gritando desesperada apontando para lá. Mas ninguém conseguiu vê-lo, olhavam para todos os cantos procurando-o.
Quando gritei de novo, o monstro me encarou com olhos brilhantes que poderiam ser visto de longe e eu fiquei com tanto medo que meus nervos viraram pó. O diabo estava me encarando com raiva.
Então para meu desespero o vi correr na minha direção. Eram passadas longas e barulhentas, tum tum tum. Demorei longos segundos para criar coragem e mover as pernas.
Corri pela floresta, sentindo os passos dele atrás de mim. Mas eu não conseguia ser rápida, minhas pernas estavam muito pesadas. Tropecei e cai. Ele estava chegando, cada vez mais perto.
Levantei-me e voltei a correr.
— Mexa-se, mexa-se, Angelina – eu gritava.
Minhas pernas começaram a responder. Eu estava mais rápida, o monstro mais distante. Cheguei a um ponto de pensar que estava voando.
Foi então que o chão desapareceu e quando a gravidade ia me puxar para baixo, alguém me segurou pelo braço e me puxou para trás. A única coisa que eu conseguia enxergar quando me virei para encará-lo eram os seus olhos azuis.
— O que faz aqui, senhorita? – ele perguntou sério – Ah, está dormindo.
Puxando minha mão, ele me levou de volta a floresta. O monstro desapareceu. Suspirei tranquila.
.....||.....
Acordei com esse sonho na mente. O que será que ele quis dizer?
Comecei a bolar uma teoria explicativa. Eu sempre fui cheia de inventar teorias, inventava para qualquer coisa - uma vez fiz uma teoria de que as mulheres engravidam quando ficam sozinhas demais com um rapaz - e por causa dessa minha mania, fiquei pensando no motivo deu ter sonhado isso. Eu só conseguiria ficar tranquila quando eu fizesse isso. Conclui que era por causa do meu estado emocional estressado. Aprendi a criar teorias mais maduras, baseadas em experiências comprovadas, desde o dia em que eu soube de onde realmente vem os bebes. Então depois deu ter rodado perdida pela floresta, encontrado uma mansão, conversado com um nobre com caráter e ficado que nem uma retardada tentando impedi-lo de ir se matar, era normal eu ter sonho louco assim.
Levantei-me, tentando esquecer os olhos do monstro, eram sinistros demais. Aprontei-me e fui para fora do quarto. Como estava vazio, andei até o salão e encontrei Sarah lustrando os móveis.
— Bom dia, Sarah.
— Bom dia, Angel. Por que não disse que é sonâmbula? – ela me encarou séria.
— Eu? Como assim? - sorri e pus a mão no peito.
— Edgar disse que a encontrou na beira do corrimão. Se não a tivesse segurado, você teria caído do segundo andar - continuou a lustrar.
— Nossa – é por isso que ele estava no sonho, nem sabia que eu era... – Espera, o conde Edgar voltou?
— Sim e está no escritório.
Mas que ótima notícia!
Autor(a): tslopes
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).