Fanfics Brasil - Capítulo 35 A promessa da rosa

Fanfic: A promessa da rosa | Tema: Herroni


Capítulo: Capítulo 35

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     Maite se dirigia a toda velocidade para Edimburgo. Viajavam aproveitando a escura e gelada noite. Dava a impressão de que ia nevar. No ar formavam nuvens de vapor procedentes do fôlego de suas montarias. O passo da escolta da princesa escocesa era implacável. Mantinham aos esgotados cavalos ao galope como se os perseguisse o exército normando, quando o certo era que ambos os exércitos ficavam agora muito atrás. A jovem suspeitava que tinham recebido ordens de deixá-la sã e salva o quanto antes possível e de se reunir com as tropas imediatamente. Não lhe importava. Cada passo que a aproximava do lar de sua infância, também a aproximava de seu desgraçado destino.


     Encontrava-se intumescida pelo cansaço depois de ter estado cavalgando todo o dia e grande parte da noite, embora não o suficiente para deixar de sentir uma dilaceradora dor no peito pelo cruel rechaço de seu pai. Mas aquilo mal tinha importância, tendo em conta que estavam arrebatando das mãos o controle de seu próprio destino para conduzi-la ao desastre e à dor enviando-a para Edimburgo. Deveria ir a caminho de Alnwick, o lugar ao qual pertencia. Alnwick era agora seu lar. Deveria estar ali quando Alfonso retornasse da guerra. E entretanto, levavam-na ao mais profundo do coração escocês, à praça forte dos inimigos de


Alfonso, inimigos aos que muito em breve enfrentaria em combate mortal.


     Desta vez, pensou, não o entenderia, desta vez sabia que não a perdoaria jamais.


     Maite não queria dirigir-se para o norte. Enquanto galopavam pressionando a suas montarias além dos limites da extenuação, a jovem sentiu uma e outra vez a necessidade de atirar com força das rédeas, obrigar a sua égua a dar a volta e correr para sua casa. Era uma loucura. Talvez pudesse despistar a sua escolta, mas seu cavalo não poderia percorrer todo o caminho de volta Alnwick, e embora o valente animal conseguisse fazê-lo, seria um suicídio correr para uma guerra que estava a ponto de começar.


     Ao amanhecer, no momento em que várias milhas ao sul soavam as cornetas que anunciavam a batalha e chocavam as primeiras espadas, quando o sol começava a romper o céu cinza com uma luz branca e fantasmal, Edimburgo apareceu ao longe. A próxima e escura vila de madeira e pedra antiga estava assentada sobre a mesma colina escarpada do castelo, uma elevação levantada de pedra que tinha protegido de qualquer possível invasão a fortificação desde tempos imemoriais. Por cima do povo, a fortaleza do rei escocês, tão escura e negra como a formação rochosa sobre a qual estava assentada, erguia-se orgulhosamente para o céu. A premonição de um destino fatal voltou a apoderar de Maite. Atravessaram a vila, passaram por uma mulher que puxava um carro carregado de lenha, adiantaram a dois meninos que vendiam arenques defumados e a um grupo de cães que remexia entre o lixo, e por fim, alcançaram o caminho íngreme e congelado que levava ao castelo. As portas estavam totalmente abertas e em questão de instantes, a jovem se viu dentro dos muros que deviam resultar familiares e reconfortantes. Entretanto, quando a grade fechou atrás dela, a pele arrepiou. A sensação de estar encerrada dentro de uma prisão era inconfundível.


     Mas aquilo não era uma prisão, era sua casa, disse-se, incapaz de sacudir o desânimo. Deslizando do cavalo e mal podendo se manter em pé, Maite deu graças aos dois fornidos homens que tinham sido sua escolta. Não fazia falta que perguntasse por sua mãe. A essas horas, Margarida estaria ainda na capela assistindo à missa da primeira hora da manhã. A jovem correu para ali com toda a pressa que lhe permitiu seu corpo extenuado.


     A visão que a recebeu resultou tranqüilizadora. A forma esbelta e elegante de Margarida ajoelhada diante o altar orando em silêncio, já que a missa havia obviamente terminado, fez que Maite parasse de repente. Respirou fundo, sentindo-se perigosamente próxima às lágrimas. Se havia alguém a quem necessitasse naquele momento, pensou, era a sua mãe. Precisava ter a oportunidade de lhe contar tudo: Como a tinha interpretado mal Alfonso, como tinha saído de Alnwick com a esperança de evitar uma guerra, e quanto perigava seu matrimônio naquele momento. Também precisava lhe contar o espantoso encontro que tinha tido com seu pai e que ia ser avó. Secando uma lágrima furtiva da bochecha, a jovem avançou impulsivamente e se sentou ao lado de sua mãe. Margarida não a reconheceu, mas Maite tampouco tinha contado com isso. Inclinou a cabeça e rezou.


     Rezou por um rápido final da guerra e rezou por uma paz duradoura. Rezou para que Alfonso, seu pai e seus irmãos retornassem sãs e salvos. Derramou outra lágrima. Vacilou. Não lhe parecia bem pedir a Deus ajuda para seus próprios problemas quando nunca antes tinha sido devota nem obediente. Entretanto, via


Deus como um ser benevolente e pormenorizado, não como uma deidade a que comprava com bom comportamento. Respirou fundo e fez a petição mais importante de todas:      — Querido Deus, por favor, guia Alfonso para que veja a verdade — orou em voz alta. E logo acrescentou: — Por favor, permita que me ame.


     Maite ficou de joelhos comprido momento, com a bênção de não pensar.


Sentia-se de algum jeito mais ligeira e aliviada. Estava mais cansada que nunca em toda sua vida e agradecia o fato de não se mover. O corpo doía depois das intermináveis horas que tinha passado aquele dia a cavalo, e tinha a mente, por fim, intumescida. Mas quando viu que sua mãe ficava de pé, ela também se levantou. Seus músculos protestaram pelo esforço.


     Margarida tinha os olhos emoldurados por grandes olheiras, como se tivesse passado várias noites sem dormir, e também estavam obscurecidos pela preocupação. Maite abriu a boca, mas não falou, porque sua mãe não estava só obviamente cansada, a não ser mais magra que nunca e o bastante pálida como para que a jovem pensasse se não teria estado doente.      — Mãe. — Maite a abraçou. — Estiveste doente?


     — Não. — Margarida falou com voz entrecortada. — O que está fazendo aqui?


     — Fui uma autêntica estúpida — confessou a jovem. — Tentei convencer ao rei que se retirasse desta guerra. E Edward considerou que era muito perigoso que retornasse a Alnwick, assim que me enviou aqui.


     Margarida a pegou pela mão.


     — Bom, me alegro de vê-la, querida. Desta vez, estar aqui só com minhas damas esperando notícias... Não posso suportá-lo. — Os olhos da rainha encheram de lágrimas e a mão com que apertava a de sua filha tremeu.      — Mãe, o que ocorre? — Se Margarida não tinha estado doente, ou o estava agora ou se encontrava terrivelmente angustiada.


     — Não posso me libertar desta espantosa sensação de desastre que me invade.


Não tinha tido tanto medo em toda minha vida. — Tremeu ligeiramente a boca e fechou os olhos um instante. — Tenho muito medo pelo Malcolm e por meus filhos.      Maite apertou a mão de Margarida, mas também seu coração pulsava com muita força. Reconheceu o sentimento que estava experimentando a rainha como terror.


Acaso não tinha tido ela essa mesma premonição?


     — Estarão bem, mãe — assegurou com ânimo. — Seu marido é o melhor guerreiro destas terras. Sabe que é invencível. E meus irmãos são como ele. Não tenha medo. Está te preocupando sem necessidade.


     — Oxalá tenha razão — conseguiu dizer Margarida em um fio de voz.


     A jovem nunca tinha visto sua mãe assim. A rainha escocesa era tranqüila por natureza, serena e aprazível, não uma mulher que alcançasse aquelas cotas de angústia. A jovem teria gostado de desafogar-se e confessar tudo a sua mãe, mas percebeu que não podia fazê-lo naqueles momentos. Mais tarde, disse-se. Quando a guerra tiver terminado e nossa família esteja a caminho de casa, terei todo o tempo do mundo para lhe contar meus problemas.      Maite sorriu a sua mãe com alegria forçada.


     — Vamos jantar. Não sei você, mas eu estou faminta.


*******


     Margarida passou todo o dia sentada em sua cadeira ao lado do fogo na sala das mulheres, movendo mecanicamente a agulha por uma delicada peça de encaixe, a espera de notícias do resultado da primeira batalha. E quando chegou um mensageiro aquela noite sob uma tormenta de neve, as notícias foram encorajadoras. Ao menos para Escócia.


     O exército escocês não tinha feito nenhum progresso em seu esforço por recuperar Carlisle, mas isso já não parecia significativo. Porque enquanto escoceses e normandos se enfrentavam brutalmente na Cumbria, outro contingente, liderado pelo próprio Malcolm, deslizou ao redor de Carlisle em direção ao extremo oeste de Northumberland, para logo entrar no coração do feudo. Alnwick estava agora sob assédio.


     Houve grande regozijo na sala entre as servas e as damas. Mas Margarida não sorriu nenhuma só vez. Seu rosto era a viva imagem do medo. Maite tampouco se alegrou. Estava tão impactada que não pôde permanecer de pé e se deixou cair na cadeira.


     Alnwick estava sitiado.


     Seu primeiro pensamento foi para Dulce e a condessa. Oh Deus, oxalá estivessem bem! Maite fechou os olhos, presa da angústia. A condessa era uma mulher forte e decidida. Se alguém podia manter Alnwick unido frente a um ataque, era ela.      E justo naquele momento Maite percebeu onde estavam suas lealdades. Não sentia simpatia pelos atacantes, mas sim pelos assediados. Só pelos Herrera. Malcolm, seu pai, tinha atacado Alnwick... O lar de sua própria filha. Sua vingança não conhecia limites.


     Mas já não era sua filha, verdade? Tinha-a repudiado.


     Maite olhou ao mensageiro, um homem baixo e fornido que, apesar do cansaço, estava muito entusiasmado para sentar-se. Estava tranqüilizando a Margarida, dizendo que Malcolm e seus filhos se encontravam bem.      — É possível que possam tomar Alnwick? — Perguntou a jovem.


     — É só questão de tempo.


     — Mas não há tempo. Quando meu marido se inteire de que sua casa está sendo ameaçada, cavalgará com seus homens de volta a Alnwick para resgatá-la.      O homem a olhou de frente com as pernas algo abertas e a atitude de alguém disposto à batalha.


     — Seu marido, lady Herrera, está agora mesmo encetado em uma batalha que não pode deixar tão facilmente. E a menos que alguém de Alnwick se atreva a atravessar as linhas do exército de seu pai com a esperança de enviar uma mensagem, passará muito tempo antes que se inteire do assédio. — O mensageiro sorriu. — Assim planejou Malcolm.


     Maite estava horrorizada. Mas o soldado tinha razão. Alfonso estava no meio da batalha e ninguém em Alnwick teria maneira de fazer chegar a notícia de sua desesperada situação. Se não tivesse estado sentada, sem dúvida teria desabado.      Que inteligente tinha sido Malcolm, pensou a jovem com fúria. De repente, foi consciente do silêncio que havia no salão. Todos os presentes, exceto sua mãe que observava sem ver o fogo, olharam-na fixamente com olhos acusadores e cheios de ódio. Sem poder resisti-lo, Maite ficou em pé e saiu a toda pressa dali.


     Aquela noite a neve começou a cair pesadamente e o vento soprou com tanta força que era impossível dormir. A jovem escutou aquele aterrador som e pensou em sua mãe, tão angustiada que sem dúvida se encontrava doente, e em seus irmãos, lutando na batalha, talvez formando parte inclusive do assédio. Tratou de não pensar em seu pai, mas resultou impossível. Tinha repudiado-a e tinha atacado Alnwick. Durante um instante experimentou uma quebra de onda de ódio, mas em seguida passou, deixando-a débil, esgotada e intumescida.


     Certamente Alfonso ainda não sabia de sua fuga de Alnwick. Mas isso apenas lhe servia de alívio. Tinha cometido um terrível engano partindo sem sua permissão. Sua missão tinha fracassado, e quando Alfonso se inteirasse de seus atos a tacharia uma vez mais de traidora. Depois da visita de Edward a Alnwick acreditaria que sua fuga se devia a um plano preconcebido, pensaria que o tinha abandonado para correr para seu inimigo. Mas a grande ironia consistia em que durante sua fuga se topou com uma verdade indisputável... Por muito que amasse a sua gente e a seu país, por muito que amasse a Escócia, seu lar era Alnwick e sua lealdade estava com a rosa vermelha de Northumberland.


     Maite sabia que sua própria vida dependia de convencer Alfonso de sua inocência. E quanto mais tempo transcorresse, mais difícil seria que acreditasse nela. Apesar da desconfiança de seu marido, a jovem o amava de coração, pertencia-lhe e sempre seria dele, queria estar com ele do modo em que tinha estado antes. Se a mandava ao exílio não poderia suportá-lo. Maite recordava com total claridade quão explícita foi sua ameaça naquele sentido. Tinha que retornar a casa imediatamente, mas, como? Quanto tempo duraria aquela guerra? Se Malcolm tinha êxito, pensou com súbito horror, a guerra nunca teria fim.


Alfonso, seu pai e outros normandos lutariam até morrer para vingar a destruição de Alnwick.


     Sentou-se na cama e estremeceu, sentindo que sua única esperança residia em uma rápida derrota de Malcolm. Depois de seu terrível rechaço não lhe devia nenhuma lealdade, e entretanto não era capaz de encontrar em seu coração o desejo de vê-lo cair. Tinha sido sua filha durante muitos anos.


     Maite escutou o agudo uivo do vento. No exterior, a noite parecia branca devido à tempestade de neve. Estava o suficientemente louca para subir em um cavalo e tentar retornar sozinha a Alnwick? Não, não estava louca, mas amava Alfonso o suficiente para arriscar sua vida por ele se tivesse que fazê-lo. Entretanto, esse momento não tinha chegado ainda, com sorte não teria nunca lugar. Esperaria que passasse a tormenta e os caminhos estivessem viáveis. Se para então a guerra não tinha terminado ainda, partiria sozinha para casa, e nada nem ninguém poderiam impedir-lhe.     


     Quando dormitou finalmente com a decisão tomada, sentiu-se melhor, esperançosa inclusive. Embora ao levantar no dia seguinte, teve suas dúvidas a respeito de poder sair dali logo.


     Tinha deixado de nevar, e também cessou o enlouquecedor vento, mas o mundo exterior estava coberto por uma capa branca de dois metros. E o que era mais importante, a donzela de Margarida havia dito que sua mãe tinha passado outra noite sem dormir. Tinha ido a meia-noite à capela para a celebração da madrugada e ficou ali até o amanhecer. Apenas tinha tomado um pouco de água e comido dois pequenos pedaços de pão. Então Maite já sabia que sua mãe mal tinha comido nem dormido desde que Malcolm partiu de Edimburgo, fazia já uma semana. Estava claro que à rainha a perseguiam seus próprios e terríveis demônios. E nada do que sua filha fizesse ou dissesse poderia convencê-la para comer nem para dormir. Angustiada, Maite contemplou a possibilidade de drogá-la para que enfim descansasse.


     O segundo dia resultou interminável. Margarida voltou a ocupar seu lugar frente ao fogo da lareira, mas Maite não pôde fazer outra coisa que percorrer a sala uma e outra vez. Sabia que estava deixando loucas às demais mulheres, mas não se atreveram a dizer nada. A manhã se converteu em meio-dia. Ninguém comeu. O entardecer caiu sobre elas sem que tivessem chegado notícias. Sem dúvida, a grande nevada fazia impossível as comunicações. Mas quando caiu a noite, contrastando com o lago branco e coberto de gelo que havia sob a fortaleza, receberam a notícia de que tinha chegado outro mensageiro.      — Digam que entre — ordenou Margarida com voz apenas audível. Estava tão pálida como a neve que cobria os ramos das árvores do exterior.


     Maite foi instintivamente para o lado de sua mãe, pondo uma mão no ombro dela a modo de consolo. Seu medo ia em aumento. Teria que ter obrigado a


Margarida a comer algo ao meio dia.


     O mensageiro entrou e sacudiu a neve do manto. Era um homem jovem. Trazia as botas cobertas de barro congelado e um braço em tipóia com as ataduras manchadas de sangue. Estava muito sério e sua expressão denotava esgotamento. Maite o olhou e ficou imóvel, era evidente que os escoceses tinham sofrido uma perda terrível aquele dia.


     — O rei morreu — anunciou.


     A jovem acreditou ter escutado mau e abriu a boca para protestar. Sem dúvida não tinha entendido bem suas palavras.      — Malcolm morreu — repetiu o jovem. Desta vez um soluço engasgou suas palavras.


     — Não — começou a dizer Maite, incrédula. — Não pode... — Suas palavras ficaram interrompidas por um ruído surdo e forte. A jovem girou e viu Margarida no chão. Tinha os olhos fechados e o rosto tão pálido como o de uma morta. —


Mãe!


     Todas as mulheres se formaram redemoinhos em torno da rainha. Maite segurou o rosto de sua mãe entre as mãos e sentiu o frágil fio de sua respiração. Então, apoiou o ouvido contra seu peito e escutou seu batimento do coração, fraco, mas constante. Imediatamente, os olhos encheram de lágrimas de alívio.      — Tragam panos gelados para que possa reanimá-la. Depressa! Só desmaiou pela comoção! — Ordenou, elevando a vista.


     Várias donzelas apressaram em obedecer, enquanto Maite tentava reviver brandamente a sua mãe. Sacudiu-a e lhe falou, mas não conseguiu nada. Começou a se desesperar. Era muito consciente do estranho estado mental de Margarida e de sua débil condição física. O alívio que havia sentido se desvaneceu imediatamente. A saúde da rainha era muito frágil. Desesperada, Maite a esbofeteou e, por fim, sua mãe abriu os olhos.


     — Graças a Deus! — Gritou a jovem.


     Margarida olhou a sua filha enquanto as lágrimas escorriam por suas bochechas em um fluxo contínuo. Depois, fechou os olhos e se aconchegou no chão sem emitir nenhum som.      Pálida pelo terror, Maite estreitou entre seus braços a sua mãe, embalandoa enquanto chorava em silêncio.      — Tragam-me vinho e valeriana — disse com uma calma que não sentia. — E vão em busca de dois homens, temos que colocar à rainha na cama.      Transcorrido um tempo que Maite não soube determinar, Margarida abriu os olhos e olhou diretamente a Maite.      — Sabia — disse com voz rouca.


     Suas palavras mal resultaram audíveis. Maite tinha estado tão preocupada com sua mãe que não tinha tido tempo de assimilar a notícia da morte de seu pai. Desesperada, agarrou com firmeza as mãos de Margarida e se inclinou sobre ela, que estava estendida na cama.      — Deve ser forte, mamãe. Tem que comer um pouco da papa que preparou Jeanne. Por favor.


     — Tenho que rezar. Ajude-me a levantar. Devo rezar pela alma de seu pai.


     Maite soube então que sua mãe pretendia ir à capela.


     — Não, mãe — negou com firmeza. — O padre Joseph virá vê-la. Está lá embaixo.


     Ao ouvir aquilo, Margarida se deixou cair de novo sobre os travesseiros com os olhos fechados, movendo os lábios em silenciosa prece. Maite correu para a porta, onde esperavam as pálidas e ansiosas damas da corte. Todas e cada uma delas amavam a sua rainha, igual a todos os que a conheciam. A um gesto da jovem, lady Matilda correu escada abaixo para ir em busca do sacerdote. Depois, Maite retornou ao lado de sua mãe e caiu de joelhos. Negava-se a pensar na morte de seu pai nas mãos do exército de seu marido. Não podia. Não devia. Tinha que cuidar de sua mãe. Decidida, separou de si aqueles pensamentos com vontade de ferro.      Só se levantou quando o padre Joseph, mentor e amigo pessoal da rainha, entrou apressadamente no quarto.


     — Recebeu as últimas benções? — Perguntou Margarida abrindo os olhos.


     Maite leu a crua realidade nos olhos do sacerdote quando mentiu à rainha para tranqüilizar sua angústia.


     Mais tarde, enquanto sua mãe e o sacerdote rezavam, a jovem abandonou em silêncio o quarto. Uma vez fora, apoiou-se contra a parede e as damas de sua mãe aproveitaram para rodeá-la, bombardeando-a com perguntas sussurradas.


     A jovem se separou delas, consciente de que sua preocupação era genuína, que todas e cada uma delas estavam mortas de angústia por sua rainha, mas não respondeu nem a uma só de suas perguntas. Não tinha respostas. Baixou correndo as escadas e se dirigiu em busca do emissário. Encontrou-o sentado à mesa do grande salão, comendo com avidez e se deixou cair no banco que tinha ao lado. A visão da comida lhe provocou náuseas.      — Como pode ser verdade? — Conseguiu dizer com voz rouca. — Como pode ser que o rei esteja morto?


     O jovem deixou de lado a adaga. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.


     — Atacaram seu exército pelas costas e conseguiram separá-lo de seus homens. — O mensageiro afastou a vista. — Não deveria ter acontecido.      Maite lhe agarrou o braço com uma força que não sabia que possuía.


     — Que exército foi?


     — O de Northumberland.


     Ao escutar a terrível verdade, a jovem enjoou, a mesa dava voltas diante dela. Tinha liderado Alfonso o ataque que matou Malcolm? Tinha sido ele?      — Princesa — murmurou o mensageiro com voz rouca. — Ainda há mais.


     Maite esfregou os olhos com a esperança de clarear a visão. A mesa parou de girar, mas tudo a seu redor se tornou um borrão.      — Não — disse. — Não pode haver mais.


     Ele umedeceu os lábios.


     — Feriram Edward.


     — Não! — Maite agarrou à mesa para evitar cambalear, para não cair. — Não estará...


     — É grave. Mas quando eu saí seguia vivo.


     — Sobreviverá — assegurou ela com certeza. Fechou os olhos, enjoada agora de alívio. — Nenhum maldito normando pode matar Ed — sussurrou, lutando contra o súbito tremor que sobreveio. Não podia se deixar levar pela histeria naquele momento. — E Alnwick?


     — Têm-nos feito retroceder de novo a Cumbria. Nossa sorte mudou. Estamos quase onde começamos — confessou o moço com tristeza. — A batalha prossegue com fúria em Carlisle, mas sem Malcolm nem Edward...      Maite fechou os olhos.


     — Edmund é um grande soldado. E outros lideres...


     — Os chefes brigam entre eles, princesa, Malcolm era o único o suficientemente forte para mantê-los unidos. Além disso — o emissário vacilou — nem todos os homens confiam em Edmund.


     Maite não foi capaz de responder a isso, sabia que seu irmão não seria um bom líder. Mas com Edward ferido e Malcolm morto... Imediatamente separou de sua mente seus pensamentos. Não queria pensar em seu pai, não o faria. Em troca, rezaria por Edward.      Nem tampouco devia pensar em Alfonso, naquele momento não, não quando seus homens tinham matado a seu pai e ferido a seu irmão... Não devia.


     — Mãe, por favor, beba um pouco disto. É sua infusão especial — Suplicou Maite.


     Margarida não respondeu, parecia como se não a tivesse ouvido sequer. A rainha tinha caído em um estado de semi-inconsciencia depois da partida de padre


Joseph muitas horas atrás. Não a podia despertar. Se Maite não tivesse sido capaz de perceber sua débil respiração, a teria dado por morta. A jovem levava dias sem dormir, mas não se atrevia a deixar a sua mãe por medo de que morresse.


Estava decidida. Não a deixaria morrer. Não o faria. Mas, o que podia fazer?


     Tinha tomado as mãos geladas de sua mãe entre as suas para esquentá-las energicamente, quando uma forte chamada à porta distraiu sua atenção.      Atônita, viu como Edgar entrava no quarto. O tinha visto pela última vez três noites atrás, justo antes da primeira batalha nos subúrbios de Carlisle.


     Estava irreconhecível. Pálido e exausto, com as sombras escuras que circundavam seus olhos, parecia um homem amadurecido e esgotado, não o alegre moço que sempre tinha sido.      — O que lhe passou? — Perguntou com voz rouca, olhando primeiro a sua irmã e depois a sua mãe. — Abaixo dizem que está às portas da morte.


     Maite ficou em pé. Tinha os joelhos terrivelmente doloridos pelas largas horas que tinha passado ajoelhada ao lado de sua mãe. De fato lhe doía todo o corpo, mas isso não era nada comparado com a pena que albergava no peito.


     — Afetou-lhe muito a morte de nosso pai — murmurou Maite com voz tremente.


A aparição de Edgar ameaçava acabar com seu prezado controle emocional, assim respirou profundamente para acalmar-se e seguiu falando: — Quando cheguei me assustou muito o estado em que a encontrei. Levava dias sem comer nem dormir por causa da preocupação. Ao parecer — a voz quebrou — tinha o pressentimento de que nosso pai ia morrer.


     Os olhos de Edgar encheram de lágrimas.


     — Teve a morte de um soldado. Morreu como desejava fazê-lo, como todos os homens esperam morrer, no fragor da batalha, com orgulho e valentia.


     Maite estremeceu e abraçou a si mesma em um intento de acalmar-se. Não devia pensar em seu pai naqueles momentos, não devia. Amanhã, quando Margarida estivesse melhor, poderia entregar se à dor.


     — Edward morreu — anunciou seu irmão interrompendo seus pensamentos.


     Maite gritou e Edgar cruzou rapidamente o pequeno dormitório para estreitála entre seus braços. A jovem fechou os olhos com força e lágrimas ardentes amontoaram nas pálpebras lutando por derramar. Edward não, Edward não, seu irmão mais velho, seu querido amigo, seu herói! Não acreditava, não acreditaria!


     Edgar lhe falou ao ouvido enquanto acariciava as costas com uma mão. Edgar, que nunca a tinha abraçado abertamente nem tinha demonstrado seu carinho. Edgar, o moço que se converteu em um homem amadurecido.      — A ferida era mortal. Perdeu muita sangue. Graças a Deus morreu enquanto dormia, sem sofrimento.      Edward estava morto.


     — Não posso... — começou a dizer Maite com voz rouca.


     — Seu marido os liderava — espetou, deixando de abraçá-la e afastando-se dela. Maite se levantou diante suas palavras. — É invencível! Atravessou nossas filas solitário em repetidas ocasiões expondo-se à morte uma e outra vez... Mas ninguém pode aproximar-se dele sem cair vítima de sua espada. Abate a todos os que cruzam seu caminho. Dizem que está possuído. Ou isso ou é a personificação da Morte.


     Dito aquilo, Edgar fez de repente um esforço por manter a calma.


     Maite estava imobilizada pelo medo. Estava segura de que Alfonso soube de algum jeito de sua escapada. Não tinha nenhuma dúvida. Não estava possuído pelo diabo, mas sim por uma raiva desumana.


     — Jurou semear um atalho de destruição a sua porta, Maite — anunciou ao mesmo tempo em que a agarrava pelo braço. — Libertou um dos prisioneiros para que nos fizesse chegar essa mensagem. Suas palavras exatas foram que quer que retorne, mas não apesar de sua traição... a não ser precisamente por ela.


     — Quer me castigar — sussurrou tremendo.


     — Suponho que o que quer é te matar — murmurou Edgar. — Vi de passada seu rosto em Alnwick e inclusive me aterrorizou.       Maite gemeu. Odiaria-a tanto Alfonso para desejar matá-la? Desejaria vê-la morta?


*******


     A rainha da Escócia morreu dois dias depois. Maite estava intumescida, chocada, exausta. De repente, percebeu que ainda seguia ajoelhada ao lado do corpo de sua mãe, sujeitando suas mãos rígidas. Quanto tempo levava naquela posição? Obrigou seu corpo a obedecer a mente, e conseguiu ficar torpe e dolorosamente em pé.


     O som de uns soluços angustiados, um som que tinha dado começo um tempo atrás, ressonou pelo quarto. Era a maneira que tinham os escoceses de manifestar abertamente sua dor, sem restrições. A jovem escutou os lamentos das damas de Margarida que estavam justo do outro lado da porta, aos homens e às mulheres do salão da planta baixa, que também soluçavam e gemiam, e aos servos que se reuniram à entrada do castelo. Aquele lamento comum e esmigalhado golpeou uma e outra vez contra ela até que a dor finalmente começou a atravessar a comoção de Maite.


     Sentiu como a dor crescia e crescia no interior de seu peito deixando-a sem ar. Afogava-se.      Morta. Maite afogou um grito. Morta. Deus, era uma palavra tão definitiva... Olhou a Margarida, tão serena na morte como tinha sido em vida. Morta. Não parecia possível. Não, sua mãe não! Queria gritar e chorar, tal e como estavam fazendo as mulheres no salão, entretanto, tentou se conter. Devia controlar sua dor um pouco mais. Agora devia pensar em seus irmãos. Necessitariam-na para atravessar aquele terrível momento de perda. Mas a realidade da morte de sua mãe a venceu.


     — Mãe, amo muito você!



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Autor(a): taynaraleal

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 11



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  • Beatriz Herroni Postado em 23/03/2018 - 15:37:22

    Pq postou tudo de vez?Fica um pouco ruim de ler assim

    • taynaraleal Postado em 24/03/2018 - 15:57:33

      Oi Beatriz, então eu postei tudo de uma vez, pois tenho novas adaptações vindo por ai, e como essa eu só estava repostando pq havia sido apagada eu resolvi finalizar toda de uma vez, sei que fica ruim de ler, mas foi a unica forma de me dedicar as outras, pois meu tempo é minimo. Espero que consiga ler essa, e as outras que estão por vir

  • maite_portilla Postado em 03/08/2017 - 17:24:36

    Agora sim a mai vai ter que dizer tudo pro poncho... Dulce melhor pessoa kkkk... Coninua logo <3<3<3

    • taynaraleal Postado em 08/02/2018 - 18:13:27

      Ainda está ai? vou continuar e com maratonaaaaa, espero que goste

  • Postado em 03/08/2017 - 17:22:18

    Ai Deus, acho que agora sim a mai vai revelar a vdd pro poncho... Adorei a Dulce kkkk... Continua logooo

  • maite_portilla Postado em 24/07/2017 - 17:56:39

    eita, agora a mai nao tem mais para onde fugir. coitada, ate eu fiquei com um pouco de medo desse alfonso. sera que ele vai descobrir quem ela é de vdd? continua... to amando

  • maite_portilla Postado em 22/07/2017 - 00:57:58

    Adorei a historia... Continua <3

  • lunnagomes Postado em 19/07/2017 - 21:04:10

    Estou apaixonada pela história... continua

    • taynaraleal Postado em 08/02/2018 - 18:14:06

      Desculpa pelo sumiço, vou continuar e com maratona, se ainda estiver por ai, e quiser voltar, os comentários me estimulam muito


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