Fanfics Brasil - O Diário de Luana

Fanfic: O Diário de Luana | Tema: Drama, Romance, Amizade


Capítulo: 1? Capítulo

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Domingo, 1 de março de 1992



Querido Diário,



Deixe-me apresentar. Meu nome é Luana. Nome completo: Luana Elizabeth Adamski Bertolini. Hoje eu completei onze anos de idade. Foi uma sorte meu aniversário ter caído no domingo. Ganhei este diário da mamãe. Um caderno bonito, de capa dura, junto com um estojo quadrado, com uma caneta azul dentro. Mas não é qualquer caneta, não. É uma caneta de marca, bem bonita. Foi meu tio Alfredo quem me deu. Deve ter custado uma nota. Só por isso vou cuidar muito bem dessa caneta, para que dure bastante tempo. Foi o último presente que eu abri e mal podia esperar para contar tudo sobre mim, minha vida e minha família.



Prometo contar tudo o que acontece. Mas não quero apenas contar o meu dia a dia, ou colocar frases, palavras bonitas como muitas garotas fazem. Quero que esse diário seja meu amigo mais próximo e da minha maior confiança, a quem eu possa contar absolutamente tudo, o que não sinto capaz de contar a mais ninguém. Quero contar tudo o que penso e sinto, e guardo dentro do meu peito.



Eu preciso desabafar, colocar tudo para fora. Até porque acho perigoso ficar me abrindo com qualquer pessoa. Nunca se sabe se a outra pessoa vai guardar segredo, ou se vai falar mal de mim pelas costas. Sinto que não sou bem compreendida. Não do jeito que eu gostaria. Nem todo mundo me entende, por isso não vejo como as pessoas podem me ajudar. Eu até converso com minhas amigas, mas não conto todos os meus segredos para elas. E não é que eu não tenha confiança nelas. Na maior parte do tempo, só consigo conversar com minhas amigas sobre coisas banais. E nem sempre as pessoas têm tempo ou paciência para me ouvir, mesmo que sejam minhas melhores amigas. Por isso prefiro desabafar com umas folhas de papel, porque sei que o papel não vai me julgar. E também não vai criar pernas e sair por aí contando coisas da minha vida para outras pessoas.



 Pretendo esconder bem o meu diário, para que ninguém encontre. Não quero que ninguém mais leia além de mim. Nem mesmo minhas amigas, ou meus irmãos. Minha irmã também escreve em um diário, mas não me deixa ler. Sempre esconde, e leva o diário aonde quer que vá. Uma vez ela brigou comigo por estar mexendo em seu diário. Então resolvi que também não vou deixá-la ler o meu. Pensando bem, é até melhor assim, porque eu quero mais é que respeitem a minha privacidade.



Vou começar falando da minha casa e da minha família. Minha mãe, Heloísa, é professora. Dá aulas de português e literatura para o primeiro e segundo graus, em escolas públicas, do nosso bairro e em bairros próximos, e também em uma escola particular, no bairro São Lourenço. Além de dar aulas, mamãe também é revendedora de uma marca de produtos de beleza, e de outra marca, de potes e outras coisas que se usam na cozinha. São produtos muito bons. Mamãe vende bastante para suas amigas, vizinhas, até para as mães de seus alunos. Ela faz isso para ganhar mais dinheiro e ajudar em casa. Meu pai, Henrique, é contador. Passa o dia inteiro fazendo contas, lidando com números. Trabalha na tesouraria do mesmo colégio particular onde minha mãe trabalha, além de atender alguns clientes particulares. Tenho o maior orgulho dos meus pais. Eles são maravilhosos. Durante a vida toda meus pais sempre fizeram de tudo para nos dar o melhor que pudessem.



Meus pais não ganham muito, apenas o suficiente para o nosso sustento. Não somos ricos, mas também não somos assim tão pobres. Sempre vivemos no maior aperto, mas apesar das dificuldades, nós nunca passamos nenhuma necessidade. Meus pais nunca deixaram faltar nada que fosse essencial, como eles mesmos vivem repetindo. Mas o que eles ganham mal dá para pagar as contas da casa. Quem vive reclamando disso é minha irmã, porque nem sempre sobra dinheiro para comprar um disco, uma roupa nova, ou para sair com as amigas. Mas o que se pode fazer, não é mesmo? Meus pais vivem dizendo que precisamos economizar, que não podemos ficar gastando, pois precisamos pagar as prestações da casa.



Eu moro com meus pais e meus irmãos em uma casa simples, no bairro Santa Cândida. A casa foi pintada recentemente e já foi reformada pelo menos umas duas vezes, desde que nos mudamos para cá. Mesmo depois de anos, continua em bom estado. Não é luxuosa, mas em minha opinião continua sendo bonita. A casa é espaçosa, tem sala, cozinha, lavanderia, dois banheiros, varanda, garagem com churrasqueira e quatro quartos: um para meus pais, um para mim e minha irmã Verônica, outro para meus irmãos Jorge e Julinho e um quarto para hóspedes.



Na frente da casa há uma mangueira que papai plantou há tempos. Uma mangueira enorme, que dá umas mangas deliciosas. Meus irmãos e eu costumamos subir na mangueira para pegar fruta. Adoro subir na árvore e ficar olhando lá de cima, com os pensamentos longe, observando o céu, as nuvens, a lua e as estrelas. Ultimamente eu não tenho subido na árvore. Há um bom tempo, aliás, desde que fiquei doente. Agora estou bem, estou curada, mas o médico disse que eu não posso fazer muito esforço físico. Ainda estou me recuperando da cirurgia. Por algum tempo não vou poder participar das aulas de educação física, porque não posso forçar muito e não posso me arriscar, deixar a bola bater na minha barriga. Você nem deve estar entendendo o que estou dizendo, meu diário. Mas eu explico depois. Estou desviando do assunto. Deixa-me terminar de descrever minha casa.



Também temos o nosso jardim. O nosso jardim, que a mamãe plantou, é simples, mas bonito, cheio de flores de várias cores e tamanhos diferentes: cravos, begônias, gérberas, peônias, onze horas e margaridas (mamãe me ensinou os nomes de todas as flores do jardim). Há também uma pequena horta, no lado direito da casa, onde meus pais plantam legumes e verduras. Plantam não apenas para nós comermos, como também para vender e ganhar algum dinheirinho a mais.



No fundo do quintal há um canil, onde ficam os nossos cães: Nico, o vira-lata, Hanna, um pastor alemão e Pepita, um poodle. Além deles tem os passarinhos de papai. Todo mundo pensa que somos loucos com tantos bichos. Ainda mais porque meu pai e minha irmã sofrem de rinite alérgica, e Julinho tem asma. Os médicos já disseram que era melhor não termos animais em casa. Mas a minha família gosta de animais e eu também. É claro que tomamos todo o cuidado para não piorar a asma de Julinho, ou a alergia do papai e da Verônica. Nossos cães ficam no canil, jamais entram dentro de casa. E a casa está sempre limpa. Não usamos tapetes e cortinas, porque sempre juntam muita poeira. Eu gostaria de ter um gato, mas infelizmente isso não é possível. Só podemos ter cachorros porque eles ficam fora.



De certa forma, posso dizer que sou feliz. Levo uma vida tranquila, e o mais normal possível. Minha vida é ir para escola, voltar para a casa, cuidar das tarefas domésticas e dos meus estudos. Verônica, Jorge e eu dividimos as tarefas da casa, até porque meus pais não têm condições de pagar uma empregada. Não é só por isso. Meus pais sempre fizeram questão de que nós aprendêssemos desde cedo a ter responsabilidades. É Verônica quem faz a faxina aqui em casa. Todo dia ela varre, passa aspirador de pó, limpa o chão e lustra os móveis. Algumas vezes por semana ela ajuda a mamãe a lavar a roupa. E é ela quem faz o almoço, pois a mamãe vive na maior correria, não para em casa. A mamãe só faz o jantar, quando chega em casa, depois de trabalhar o dia todo. Eu lavo, seco e guardo a louça, deixo a cozinha toda arrumada, levo o lixo para fora, rego e podo as flores do jardim e ainda preparo pequenos lanches (estou aprendendo a cozinhar, mas o melhor que sei fazer são sanduíches). O Jorge ajuda o papai a lavar o carro, além de varrer as folhas do pátio, cortar a grama, lavar a calçada e o canil. O Julinho, como ainda é pequeno, apenas ajuda Jorge a varrer o pátio, recolhe o lixo, põe e tira os pratos da mesa, além de arrumar o seu quarto, sempre guardando os livros e brinquedos no devido lugar.



Esse ano está tendo um monte de novidades para mim. Como se eu estivesse entrando em uma nova fase. De certa forma, posso dizer que sim. Eu estou na quinta série. Não tenho mais uma só professora, como na escola primária. Agora tenho vários professores, um para cada matéria. O colégio é novo, também. Quero dizer, novo para mim, porque o colégio já existe há um tempão, antes de eu nascer. Meus irmãos e eu agora estudamos no mesmo colégio particular onde nossos pais trabalham. É um dos mais antigos e mais caros de Curitiba. Meus pais conseguiram bolsas de estudos para mim e para meus irmãos. O colégio costuma reservar algumas vagas a estudantes pobres, principalmente filhos de funcionários. Mesmo assim meus irmãos e eu tivemos que passar pelo teste de admissão.



 Ainda estou tentando me acostumar com tudo o que está acontecendo, mas não está sendo nada fácil. Principalmente porque minhas amigas já não estudam na mesma escola que eu. Acho que vai ser muito difícil para mim não vê-las todos os dias. A única amiga que vai comigo para a escola é a Mariana. Mariana é filha do professor Afonso, de matemática. Ele também é funcionário do colégio, colega e antigo amigo dos meus pais. Tomara que a Mariana estude na mesma turma que eu. Do contrário, vou me sentir sozinha. Nunca fui de fazer amizades assim tão facilmente. Sempre fui muito tímida. Mamãe sempre diz que sou fechada como uma concha. Vai levar um tempo até eu fazer novas amizades. E sempre tive poucas amigas. Nunca fui exatamente popular como a minha irmã. Conheço minhas amigas desde que me entendo por gente, porque sempre moramos perto uma da outra. Moramos no mesmo bairro, e por muito tempo frequentamos as mesmas escolas e a mesma igreja. Sempre fomos muito unidas, inseparáveis mesmo.



Agora eu só vejo as minhas outras duas amigas, a Priscila e a Yasmin, nas aulas de catecismo. Nós vamos à catequese todos os domingos, depois da missa. Nós fizemos a primeira comunhão no ano passado, mas continuamos na catequese, até fazer a crisma. Hoje minhas amigas foram à minha festa de aniversário.



As aulas começam logo depois da quarta-feira de cinzas. Está a maior folia no centro da cidade, com o carnaval. Verônica já saiu algumas vezes com as amigas. Minha irmã está aproveitando ao máximo o finalzinho das férias e os feriados. Ela adora passear no shopping, e quando sobra algum dinheiro, vai ao cinema com as amigas. Gosta de ir às festas também. Jorge também foi algumas vezes nas casas de seus amigos. Julinho está sempre brincando com os amiguinhos, que moram na rua detrás da nossa. Mas hoje meus irmãos não saíram. Afinal, é meu aniversário. Eu não gosto muito do carnaval. Na verdade, minha família nunca participou do carnaval, pois nunca gostamos muito de folia. Nesses dias eu prefiro ficar em casa mesmo. Ultimamente não ando me sentido muito bem. Estou me sentindo um pouco enjoada, por causa dos remédios que estou tomando. O médico já tinha avisado que isso podia acontecer, e que eu podia inclusive sentir dor de barriga, dor de cabeça e não sei o que mais. Mas ainda assim não está sendo nada fácil. Amanhã tenho consulta com o médico. Quero ver o que ele vai dizer.



Hoje eu acordei às seis horas da madrugada. Uma hora mais cedo do que de costume. Acontece que eu estava ansiosa demais, por causa do meu aniversário. Ontem à noite, a mãe estava toda ocupada preparando a torta de morango, a minha preferida. Há tempos ela não fazia essa torta. Dessa vez mamãe não colocou os morangos sobre a torta porque eu ainda não posso comer frutas que não podem ser descascadas. Ela só colocou a gelatina de morango encima da torta. Achei que sem os morangos a torta ficaria meio sem graça, mas fazer o que se o médico não permitiu? Mesmo assim, depois que experimentei, vi que a torta estava gostosa.



Mamãe também preparou bandejas com um monte de coisas gostosas. Ela não encomendou salgadinhos como quibe, pasteizinhos, rissole e coxinhas. Em vez disso, preparou pequenos sanduíches, canapés e torradas. Tudo bem fresquinho. Eu não posso mais comer comida muito gordurosa, por causa dos remédios que eu tomo, que fazem com que aumente a pressão, e também a gordura e o açúcar no meu sangue. Eu devo comer comida saudável. Não corro o risco de ficar muito gorda. Sempre tive dificuldade para engordar. Sempre fui magrinha, desde pequena. Mas o aumento do açúcar e da gordura no sangue é um problema, pelo menos é isso que o médico disse. Ele me explicou tudo tintim por tintim, de uma maneira que eu pudesse entender. Por isso preciso ter o maior cuidado com a comida.



Eu fui a primeira a acordar. Ninguém mais tinha acordado. Então eu fiquei esperando, deitada na cama. Mas não aguentei muito tempo, então eu resolvi me levantar. A primeira coisa que eu fiz foi uma oração (é um costume da minha família, católica, rezar antes de acordar, antes de cada refeição e antes de dormir). Depois fui ao banheiro tomar banho, como faço todos os dias. Sempre gostei de sentir a água morninha na pele e, além do mais, só mesmo um banho para espantar o sono. Ainda mais para uma pessoa como eu, que sempre tenho dificuldades de me levantar pela manhã. Posso até perder o sono, mas normalmente não sinto vontade de levantar. A não ser em dias como hoje. Bom, cada um com suas manias e nem sempre é preciso entender, não é mesmo? Tomei um banho demorado, escovei os dentes e troquei de roupa: vesti uma blusa bege com rendas, saia comprida marrom e calcei um par de tamancos. De volta ao quarto, penteei meus cabelos, deixando-os soltos e coloquei meus óculos. A essa altura, Verônica já tinha se levantado e estava esperando que eu saísse do banheiro. Notei que ela estava impaciente.



— Demorou demais. Achei que você tinha morrido no banheiro. — ela disse.



— Essa casa tem dois banheiros. Por que não usou o outro? — perguntei.



— Porque o Jorge também resolveu tomar banho, e é outro que demora horas e horas. Acontece que os dois banheiros estão quase sempre ocupados quando eu acordo, o que acho incrível. Todo santo dia é a mesma coisa. Dificilmente consigo ser a primeira a usar qualquer um dos banheiros. — Verônica reclamou.



Eu não disse mais nada. Já estou acostumada com as implicâncias de Verônica. Não que eu não me dê bem com ela. Nós nos adoramos, apesar de brigarmos de vez em quando. Acontece que somos completamente diferentes. Tanto que nem parecemos irmãs. Às vezes, eu não entendo como duas irmãs, filhas dos mesmos pais, podem ser tão diferentes. Eu sou mais calma e tranquila, enquanto a Verônica sempre foi muito geniosa. Ela se irrita facilmente, por pouca coisa. Nunca fomos muito de conversar. Talvez por causa da nossa diferença de idade. Verônica é quatro anos mais velha do que eu, e me considera uma pirralha.



Tomei a primeira dose dos remédios, como sempre faço agora, pela manhã. Mais uma mudança na minha vida. E o pior é saber que nunca vou me livrar dos remédios. E devo tomá-los direitinho, na hora certa, como o médico mandou. Não posso jamais esquecer de tomá-los. Ainda estou tentando me acostumar, mas está difícil. Mas ainda assim é melhor do que depender de uma máquina, como antes.



Acho melhor explicar, para que você entenda o que está acontecendo. Eu fiz um transplante de rim há pouco tempo. Foi em dezembro do ano passado. Vai fazer três meses, na verdade. Depois de pouco mais de dois anos dependendo de hemodiálise, foi um alívio para mim. Não quero mais saber de ficar indo ao hospital.



Quando eu era pequena, vivia tendo problemas com infecção urinária. Isso acontecia pelo menos umas três vezes por ano. Os médicos não descobriam a causa dessas infecções todas. Só mais tarde descobriram que eu tinha uma espécie de refluxo, um defeito de nascença (a mamãe uma vez disse o nome do tal refluxo, mas é tão complicado que nem sei repetir). Quando os médicos descobriram, meus rins já não funcionavam direito. Eu passei a depender da hemodiálise, pois não havia mais chance de meus rins se recuperarem. Não adiantaria tomar remédio algum.



Até pouco tempo atrás, eu ia ao hospital três vezes por semana e passava de três a quatro horas presa a uma máquina, com uma espécie de agulha no meu braço. A máquina fazia o papel do rim, o de filtrar o sangue. Eu não podia mais brincar como antes, e até comer era complicado, porque tinha de fazer uma dieta muito chata e sem graça. Ainda por cima, tinha de tomar pouco líquido. Queria poder comer as coisas que gostava, e beber água à vontade, mas não podia. Passava muito mal durante as sessões de hemodiálise e quando voltava para casa não tinha vontade de fazer nada. Só queria descansar e ficar perto dos meus pais e dos meus irmãos.



Foi assim durante pouco mais de dois anos. Como estava muito doente, quase não frequentava a escola. Para a minha sorte, minhas professoras do primário sempre procuraram me ajudar. Tenho um carinho especial por minha professora da quarta série, Miriam, uma amiga da minha mãe. Ela se preocupava comigo. Sempre aparecia depois das aulas para me passar as lições. Fez de tudo para que eu não perdesse o ano. Ela ensinava com tanto amor que eu aprendia e me superava tanto quanto meus colegas de turma. Quando passei para a quinta série, eu me despedi dela com lágrimas nos olhos. Não vou mais vê-la, o que é uma pena.



Agora o local da cirurgia está bem cicatrizado. Antes eu precisava tomar ainda mais cuidado na hora de me deitar ou me levantar (não podia ser de um modo brusco, ligeiro, tinha de ser devagarinho) e tinha que me deitar do lado contrário ao da cirurgia. Muitas vezes eu precisava pedir ajuda para me levantar. No primeiro mês, eu não pude receber muitas visitas, e mesmo as pessoas que vinham me visitar tinham que usar máscaras de proteção, para prevenir infecções. A casa tinha que estar sempre bem limpa e arejada. No começo eu tinha que ir ao médico toda semana. Não podia chegar perto dos meus bichos de estimação. Mesmo hoje meu pai implica, me dá a maior bronca quando me vê com a Pepita no colo. Um saco!



Agora as visitas estão liberadas, mas não descuidamos da limpeza. Inclusive na questão da comida. Eu não posso comer qualquer coisa fora de casa sem saber de onde vem. Desde que fui operada, estou tomando remédios contra a rejeição. O médico me disse que vou ter que tomar esses remédios pelo resto da vida, para não perder o rim novo, que eu recebi do meu tio Alberto, irmão do meu pai. Nos primeiros tempos devo tomar os remédios em doses altas, mas com o passar do tempo, as doses vão sendo ajustadas. Se fosse apenas os remédios contra a rejeição, tudo bem. Mas também tenho que tomar remédios contra o aumento da pressão e da gordura no sangue, contra infecções, além de remédios para o estômago.



Ainda estou tentando me acostumar com a ideia de tomar um monte de comprimidos por dia. Eu mal consigo tomar os remédios, porque ando com dores de barriga, enjoo. O médico avisou que isso podia acontecer, e que era para avisá-lo caso acontecesse. A mãe marcou uma consulta para amanhã. De qualquer forma, de agora em diante eu vou ter que ir ao especialista ao menos uma vez por mês, para fazer exames. E vai ser assim durante seis meses, pelo menos. Depois disso terei de ir ao médico a cada três meses. Estou vendo que isso não vai acabar nunca. As consultas vão fazer parte da minha rotina pelo resto da vida.



Mas agora chega de falar da minha vida de transplantada renal. Quero mesmo é falar do meu aniversário, contar como foi o meu dia. Apesar de não estar passando muito bem por causa dos remédios, meu dia até que foi bom. Adorei cada momento. Logo depois do café da manhã, nós fomos para a missa, como sempre fazemos aos domingos. Mamãe fez um almoço caprichado. Meu pai assou um frango com batatas coradas. Minha mãe fez arroz, farofa de ovo e bacon, e salada de alface, pepino e tomate. Eu não estava com a menor vontade de comer. Só comi porque meus pais insistiram muito e ainda assim, vomitei tudo depois.



A festa começou às três horas da tarde. Vieram todos os parentes mais próximos, que moram na cidade. Além dos meus tios e primos, também vieram minhas amigas e os amigos dos meus irmãos. Todos trouxeram algum prato doce ou salgado, ou um refrigerante. Meus avós maternos, Marta e Haroldo, vieram de Cerro Azul. Faz algumas semanas que meus avós estão em Curitiba. Primeiro visitaram a tia Amélia, irmã de mamãe, depois acabaram se hospedando na casa da tia Beatriz, que é outra irmã de mamãe e esposa do meu tio Alfredo. Meus avós queriam ter vindo antes, quando fui operada, mas não puderam. Então vieram me ver hoje. Quando chegaram, me encontraram deitada no sofá da sala, assistindo à fita de um dos meus filmes favoritos. Vovó me deu um beijo no rosto.



— Parabéns, minha querida. Você está ficando mocinha. — disse a vovó. Não sei por que pessoas mais velhas têm mania de fazer esse tipo de comentário. Como se fosse coisa de outro mundo. Claro que estou crescendo. Não tem como ser criança para sempre. O tempo não para. Além do mais, é horrível ouvir isso, porque já me considero moça. Sou quase adolescente. Mas fiquei quieta, não disse nada.



— Feliz aniversário, meu bem. — disse o vovô, apertando minha mão.



— Obrigada. — eu disse, dando um sorriso meio tímido. 



— Como você está? — perguntou a vovó, sentando-se na ponta do sofá.   



— Estou bem. Quer dizer, mais ou menos. — admiti. — Estou com dor de barriga, enjoo e agora está começando a doer minha cabeça.



— Está tão magrinha! Será que você anda comendo direito?



— Eu sempre fui magra, vó. Não sou do tipo que engorda fácil. — eu disse. — É que está difícil comer, ainda mais com esses remédios que estou tomando. Por mais que eu tente, não consigo comer direito, porque logo vomito tudo.



— Se você anda vomitando, não me admira que tenha perdido uns quilinhos.



— A Luana ainda está se adaptando aos remédios, mãe. — mamãe explicou. — No começo é assim mesmo. Não precisa se preocupar. Eu vou levá-la ao médico amanhã. Vamos ver se vai ser preciso ajustar as doses. Mas ela está bem. Não houve rejeição nem nenhuma infecção, como poderia ter acontecido.



— Eu trouxe alguns doces. — disse a vovó. — Vamos ver se você se alegra.



Essa é a minha avó Marta. Sempre acha que comer bem, como ela sempre diz, é sinal de saúde. Vovó é uma doceira de mão cheia. Não faz apenas doces, como também salgadinhos maravilhosos. Ela acha que comer um doce é o melhor remédio do mundo. Sempre que vem nos visitar, traz bolachas, geleias, queijo e tijolos de goiabada. Só que nunca posso comer os doces que ela prepara. Sempre tenho que controlar. Meus irmãos é que se fartam. Hoje meus avós decidiram passar uma semana aqui em casa. Pretendem voltar para Cerro Azul no domingo que vem.



O dia foi tranquilo. As minhas amigas assistiram filme ao meu lado e depois jogamos damas, xadrez e dominó. Queria ter aproveitado e jogado pingue-pongue, já que o tio Alfredo havia trazido a mesa e colocado na varanda, mas não estava com ânimo nem para me levantar. Verônica ficou fofocando com as amigas no quarto. Jorge e Julinho jogaram pingue-pongue e brincaram com os meninos da vizinhança e com nossos primos até cansarem. Os adultos ora ficavam na sala, ora na garagem. Uma hora todos se juntaram e ficaram conversando e tomando chimarrão. Hoje a casa ficou realmente cheia de gente. Eu não comi muito. Só um sanduíche e um pedaço da torta. É muito chato tomar remédio, mas prefiro mil vezes me entupir de remédios a voltar a fazer hemodiálise. Mamãe disse que é porque estou tomando remédios em dose alta, mas com o tempo as doses vão diminuir e eu vou me sentir melhor. Tomara que mamãe esteja certa.



O melhor ainda está por vir. Como se não bastasse meus avós, Mariana também vai passar uns dias conosco. Pelo menos até o carnaval acabar. Os pais dela vão viajar para visitar um parente adoentado. Como eles vão dar carona para alguns parentes, não poderão levar os filhos, pois não há espaço no carro. Então a Mariana e o Murilo, irmão dela, vão passar uns dias com a gente, até os pais voltarem de viagem. O Jorge está feliz. Ele e o Murilo são grandes amigos, andam sempre juntos. Murilo vai dormir com ele e Julinho no quarto. Já Mariana vai dormir comigo e com Verônica. Nós temos colchões a mais. Meus avós ficarão no quarto de hóspedes.



Faltam dez minutos para as nove horas da noite agora. Meus tios, primos e vizinhos já foram embora há algum tempo. Vovó está ajudando mamãe a preparar o jantar na cozinha. Papai e vovô estão assistindo à televisão na sala. Jorge, Julinho e Murilo estão jogando videogueime no quarto. Mariana está tomando banho. Como se já não bastasse ter fofocado com as amigas a tarde inteira, Verônica ainda está no portão, conversando com a vizinha que mora na casa ao lado. Não sei do que tanto falam. Nem me interessa, porque ao contrário da minha irmã, não sou dada a fofocas. Outro dia eu escrevo mais, e prometo que não vou demorar. Minha mão já está até doendo, de tanto que eu escrevi. Agora Mariana já saiu do banho e a mãe já veio chamar para o jantar. Por hoje é só. Tenho que te esconder.



Com carinho, Luana.




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Autor(a): criscris

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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