Fanfics Brasil - Capítulo 2 O Diário de Luana

Fanfic: O Diário de Luana | Tema: Drama, Romance, Amizade


Capítulo: Capítulo 2

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Terça-feira, 24 de março de 1992



Querido Diário,



Estou me sentindo bem melhor agora. Os efeitos dos remédios diminuíram. O médico diminuiu um pouco as doses e fez as mesmas recomendações de sempre, como tomar os remédios sempre na mesma hora e jamais me esquecer de tomá-los, enfim, aquela chatice toda. Só me aconselhou a tomar depois de comer, pois assim os efeitos diminuiriam bastante e eu poderia absorver melhor os medicamentos. Palavras do doutor, não minhas. Apenas repeti o que ele falou (até porque não tenho costume de falar palavras difíceis, como “absorver” e “medicamento”. Eu sempre digo “remédio”). Ao menos não estou vomitando mais nem tive dor de cabeça, nada. Ainda bem, porque as aulas já começaram. E eu não queria ter de faltar logo nos primeiros dias. Apenas estou com a garganta um pouco irritada e o nariz escorrendo, o que significa que estou no comecinho de uma gripe. Não esperava por outra coisa. Estamos no início do outono e a temperatura já baixou bastante, como é comum aqui em Curitiba. Mamãe sempre manda meus irmãos e eu vestirmos casacos e colocarmos toucas para irmos à escola.



O colégio até que é bom. É um colégio católico, um dos mais antigos e tradicionais de Curitiba. É enorme, com um pátio interno coberto e todo iluminado, oito quadras cobertas, salas de aula espaçosas e arejadas, salas para balé, dança, judô e várias outras atividades. A escola tem também piscinas cobertas e aquecidas, laboratórios de química, física e ciências, uma biblioteca enorme, um anfiteatro onde dá para entrar mais de mil pessoas, uma capela e um grande bosque. E como não poderia deixar de ser, a grande maioria dos alunos do colégio é de família rica.



Seria tudo maravilhoso se eu não fosse nova no colégio. Como já disse, tudo está sendo uma novidade para mim. São professores e colegas novos. Eu já sou tímida, mas no primeiro dia de aula me retraí mais ainda. Fiquei muito ansiosa, como sempre acontece quando vou a um lugar onde não conheço ninguém. Nunca me sinto à vontade perto de pessoas estranhas. Só fiquei mais tranquila quando vi que Mariana estava na minha turma. Dei graças a Deus por isso. Pelo menos alguém conhecido. Fiz questão de sentar perto da minha amiga. A maioria nem se importou muito com a minha presença. A não ser um garoto que se senta atrás de mim.



O nome dele é Nicolas. Deve ter mais ou menos a minha idade, tem o cabelo castanho-escuro, um tanto comprido e os olhos verdes. Estava usando calça jeans, a camiseta do uniforme do colégio e jaqueta preta. Usava também um boné, virado para trás. Mas não fui com a cara dele. Ele fez uma cara estranha quando me viu. Ele me olhou de um jeito que me fez perguntar a mim mesma se tinha alguma coisa crescendo no meu nariz. O que podia haver de errado comigo? Será que meus óculos estavam tortos? Ou o problema era minha roupa? Na verdade, eu não estava desarrumada. Minha roupa não estava amassada, nem suja. Meus cabelos estavam muito bem penteados, não havia um fio fora do lugar. Meu cabelo nunca foi exatamente liso. Se bem que muitas vezes as pessoas se confundem, porque meu cabelo sempre foi lisinho na raiz e forma ondas leves nas pontas. Na verdade, não é liso nem cacheado. Meu cabelo é comprido, vai até um pouco abaixo dos ombros. Todo mundo diz que tenho o cabelo bonito, dourado. Eu penteei minha franja mais para os lados da testa, justamente para ela não cair em meus olhos.



Eu sabia que a maioria dos alunos do colégio costumava se vestir bem. Mas eu também não estava exatamente malvestida. Eu estava usando o uniforme do colégio: uma camiseta azul-claro, casaco e saia azul-marinho, meia-calça branca e sandálias pretas. Estava usando também o gorro azul-escuro de crochê que a vovó Marta havia feito para mim e me dado de presente de aniversário. Olhei em volta. Pelo que eu vi, havia mais meninos que meninas, e a sala estava bem misturada. Havia gente de todo tipo: a maioria tinha o cabelo e os olhos castanho-escuros, mas alguns tinham olhos verdes ou azuis, o cabelo loiro claro, e pelo menos duas meninas, descendentes de japoneses (os olhos puxados diziam tudo) tinham o cabelo que parecia quase azul de tão preto. Havia meninas altas, baixinhas, de estatura média. Algumas eram gordinhas, outras magras, mas fortes. Mas a maioria das meninas tinha o corpo mais desenvolvido que o meu.



Logo vi que eu sou a única magricela, desengonçada e sardenta da sala. Pensando bem, não sou a única que tem sardas. Mariana também tem. Mas sou a única que usa óculos. Mariana é um pouco mais alta que eu, é magra, tem os cabelos cacheados e ruivos e tem bem mais sardas. Eu só tenho sardas no nariz. A Mariana tem sardas espalhadas no corpo todo. Logo vi que nós duas seríamos tratadas como se fôssemos ETs, por sermos diferentes das outras meninas. Com certeza nós ganharemos um monte de apelidos. Desde quando eu era pequena, sempre me chamaram de copo-de-leite, quatro olhos, polaca sardenta e não sei o que mais.  Sempre chamaram a Mariana de vassoura (por ser magrinha e ter os cabelos cacheados), cabelo de fogo, palito de fósforo, Pica-Pau, onça pintada, e tudo o mais que se possa imaginar. Acho que não vai ser diferente no colégio novo.



Na hora do recreio, eu levei o meu lanche, um sanduíche feito pela mamãe, embrulhado num guardanapo. Um sanduíche natural, de pão integral, sardinha, pepino, cenoura, cebolinha, milho verde, alface e tomate. Como já disse, não posso comer comida muito gordurosa. Por isso vou sempre trazer lanche de casa, em vez de comer na lanchonete do colégio. Não somente por isso, também porque os lanches da escola são muito caros. Meus pais procuram sempre economizar o máximo que podem, e preferem não ficar nos dando dinheiro para o lanche. Meus irmãos também trazem lanche de casa. Só que enquanto eles comem bolachas, batatas chips, hambúrgueres, cachorro-quente e outras coisas mais, eu como sanduíche natural, ou alguma fruta. Claro que eu adoro tudo quanto é porcaria, e morro de vontade de comer os lanches que meus irmãos levam, mas não posso comer nada com muita gordura, muito sal ou muito açúcar. O médico proibiu. Mariana é outra que trouxe lanche de casa. Ela trouxe um misto-quente.



Nós estávamos conversando e lanchando na cantina, quando o Nicolas chegou, trazendo uma bandeja com batatas fritas, dois sanduíches e um milk-shake de chocolate. Eram dois sanduíches enormes, com presunto, queijo, bacon, ovo, alface e tomate. Eu me perguntei se ele ia mesmo conseguir comer tudo aquilo. Eu sempre comi pouco. Não conseguiria comer mais do que um sanduíche. Só de imaginar ter que comer tudo aquilo me embrulha o estômago. Eu bebi um gole do meu chá gelado, enquanto Nicolas dava duas mordidas enormes em seu primeiro sanduíche, sem dificuldades. O sanduíche ficou pela metade. Eu olhei para ele, pasma. O garoto comia mesmo. Eu jamais podia imaginar que um menino tão magrinho tivesse tanto apetite. Mas não tinha como eu saber, logo no primeiro dia de aula, que ele era nadador e judoca. Eu só soube disso dias depois. Ele ofereceu:



— Querem um pedaço? É um dos melhores sanduíches dessa cantina.



— Não, obrigada. Já tenho o meu. — eu disse, dando outra mordida no meu sanduíche, que a essa altura já estava quase no fim. Mariana também não quis.



Ele olhou para o meu sanduíche e fez uma cara de quem não experimentou e mesmo assim não gostou, e não está nem um pouco interessado em provar.



— Tem certeza de que não quer um pedaço do meu? — ele perguntou. — Você é muito novinha para comer sanduíche natural e tomar chá.



Eu olhei para o sanduíche dele e engoli em seco. Confesso que minha vontade era provar daquele sanduíche, do milk-shake e das batatas fritas. Desviei os olhos e apenas o observei comer. Notei que Nicolas comia rápido, mas sem se sujar ou bagunçar a sua bandeja. Eu no lugar dele já teria me atrapalhado toda, do jeito que sou estabanada. Ele não. Não havia um pingo de milk-shake em sua camiseta. É completamente limpo, todo asseado. Era o que se podia esperar de um mauricinho metido como ele. De qualquer maneira, eu não estava a fim de me explicar, de falar que os lanches da cantina são muito caros, ou que sou transplantada. Mesmo porque ele não tinha nada a ver com isso, não é da conta de ninguém.



— Não existe idade certa para comer sanduíche natural. Além do mais, eu gosto de chá e sanduíche de sardinha. Pelo menos não engordam. — eu respondi.



— Tá bom, já que você diz. — disse o Nicolas, dando de ombros. — Já vi que você é diferente das outras meninas. Se fosse qualquer outra garota, estaria tomando refrigerante e comendo cachorro-quente, xis-salada ou hambúrguer.



— Acontece que eu não sou como as outras garotas. — eu disse.



A conversa não foi muito além. Mariana e eu terminamos de comer e fomos dar um passeio pela escola. Depois nós encontramos o Nicolas no bosque com seus amigos, o Gustavo, o Vinícius e o Danilo. A próxima aula foi de educação física. A mãe já tinha explicado ao professor André sobre a minha situação. A verdade é que, como eu já disse, ainda não posso fazer muito esforço, nem deixar a bola bater na minha barriga. Só vou poder participar das aulas de natação e olhe lá, mas no primeiro dia de aula a turma jogou handebol. O médico me disse que aos poucos vai me liberando para praticar esportes, mas que por enquanto preciso ter cuidado. De qualquer forma, eu nunca fui das melhores em educação física. Eu fiquei jogando xadrez com alguns colegas, em uma das salas de atividades complementares perto da biblioteca. A Mariana, assim como eu, nunca se destacou em nenhum esporte. O que ela melhor sabe fazer é nadar. E de vez em quando joga queimada com a turminha da rua onde moramos. Ela jogou um pouco de handebol, depois ficou me fazendo companhia, e me olhando jogar xadrez. Eu ganhei umas duas partidas. Não sou grande coisa no xadrez, mas até que estou melhorando bastante.



Eu acabei me matriculando nas aulas de xadrez do colégio. Vou ter aulas duas vezes por semana. Me matriculei também nas aulas de coral. O colégio tem seu próprio coral infanto-juvenil (dos onze aos catorze anos) e o coral jovem (dos quinze aos dezessete anos). Pelo que eu soube, os dois corais se preparam todos os anos para se apresentarem nas festas de fim de ano do colégio. Eu quero muito cantar no coral da nossa paróquia, participar da equipe de liturgia e canto. Por isso mesmo quero melhorar a minha voz. Um dia eu ainda vou cantar na Igreja. As aulas são pagas, mas filhos de funcionários ganham desconto, pagando apenas metade do valor da mensalidade. E ainda assim, nossos pais resolveram nos matricular nos cursos mais baratos. Verônica passou a ir nas aulas de vôlei, que ela adora. Minha irmã também queria fazer aulas de dança, mas meus pais acharam melhor ela terminar as aulas de vôlei primeiro. Julinho se interessou pela natação e Jorge pelo basquete. Já que estamos em uma escola particular, com um ensino ótimo, meus pais querem que nós aproveitemos ao máximo tudo o que a escola oferece.



Nos primeiros dias, até que foi tranquilo. Adorei os professores e as aulas. Apesar de ter percebido que Nicolas não tira os olhos de mim. Ele sempre acompanha cada passo que eu dou. Eu sempre sinto o olhar dele, quando está sentado atrás de mim. Sinceramente, não consigo entender esse garoto. Ele simplesmente cismou comigo. Nicolas não falou mais comigo depois da única vez em que lanchamos juntos na cantina. Mas parece que hoje ele resolveu me provocar. Praticamente se plantou na minha frente antes que eu entrasse na sala de aula.



— Oi. — disse o Nicolas, com aquele sorrisinho sacana. Logo vi que ele estava querendo aprontar alguma coisa para cima de mim.



— Oi. — eu disse, apenas. A aula já ia começar, por isso não dava tempo para conversar. Mas ele não queria me deixar entrar. — Vai me deixar entrar ou não?



­— Vou. Mas antes de entrar terá que dizer a senha. ­— disse ele.



— Senha? Que senha? ­— Ainda perguntei, sem entender nada.



­— Aperte minha mão. ­— pediu ele. — Esta é a senha.



Não sei por que fui entrar no jogo dele. Apertei sua mão e senti um choque tremendo, que me fez derrubar os livros que havia pego da biblioteca da cidade alguns dias antes. O idiota tinha um aparelho, uma espécie de brinquedo de dar choque em sua mão e eu nem tinha percebido. Toda sem graça, eu fui juntar os livros, enquanto os amigos do Nicolas davam risadinhas. Nicolas, apesar de ter sido o causador da situação, foi me ajudar a recolher os livros. Nem olhei para a cara dele depois disso, tamanha a raiva que sentia. Fui para a minha carteira e assisti à aula. Que idiota! Bobão, palhaço! Eu não sei como, mas ainda me vingo dele.



Será que nunca vou ter paz? Será que vai sempre ter alguém me perseguindo, me provocando, me enchendo a paciência? Na escola onde eu estudava antes, era a mesma coisa. Havia um menino que vivia me perturbando, me perseguindo de todas as maneiras. Ele e a turma dele. O menino se chamava Lucas, e se sentava na carteira ao meu lado. Ele vivia puxando o meu cabelo, colando chiclete mastigado na minha cadeira, ou quebrando a ponta do meu lápis de propósito. Agora que me livrei do Lucas, aparece o Nicolas para atormentar minha vida.



Bom, mas chega de falar dele. Não quero nem pensar naquele imbecil. Só de falar nele, me dá um ódio! As aulas mal começaram e eu já estou cheia de tarefas para fazer. A professora de português, Vanda, mandou ler e resumir um livro. Vamos ter que ler pelo menos um livro por mês, durante todo o ano. A maioria dos meus colegas não gostou nada disso. Um monte de gente acha isso um suplício, mas para ser sincera, não me importo nem um pouco. Sempre gostei de ler e de escrever. O que achei legal foi a professora ter deixado os alunos escolherem os livros que vão ler. Agora vou ler o livro que escolhi, e tratar de fazer logo o resumo. O mês já está acabando, e o resumo tem de estar pronto até o dia 31, na próxima terça-feira. Qualquer outro dia eu volto para te contar mais novidades.



Com carinho, Luana.



 




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Autor(a): criscris

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