Fanfic: O garoto do cachecol vermelho - Vondy | Tema: Vondy
Sangue e gelo
Já fazia três dias que eu tinha passado mal na faculdade. Por causa dos remédios receitados pelo plantonista, sentia muita sonolência e acabei faltando às aulas. As palavras de Christopher e do médico ficaram na minha cabeça e, com a dor que me impedia de treinar, contribuíram para a decisão que eu tinha tomado. Ia parar com o que estava fazendo havia anos, embora soubesse que não seria fácil. Eu teria que lutar muito contra minha mente, mas venceria. Marcaria o mais rápido possível uma consulta com um nutricionista que pudesse me ajudar a melhorar minha alimentação sem aumentar o peso. Queria muito conseguir a bolsa na Juilliard, e essa minha vontade era maior que qualquer coisa, mas de que adiantaria consegui-la e não ter saúde para usufruir da conquista? Me senti mais disposta e resolvi ir à faculdade. Tomei um banho rápido, me arrumei e desci para a cozinha.
—Vera, me prepara um sanduíche de peito de peru e queijo branco e um suco de maçã, por favor.
—Quem é você e onde está a minha menina? — Vera ironizou, estranhando o fato de não ter que me forçar a comer algo no café da manhã.
—Engraçadinha. Anda logo que eu tenho pouco tempo. — Fingi estar brava.
—A senhorita que manda. Um café da manhã caprichado saindo pra já! — ela respondeu, toda animada.
Consegui comer uma parte do sanduíche e tomar todo o suco, lutando comigo mesma para mantê-los no estômago. A medicação que o dr. Rubens tinha me passado estava ajudando bastante no processo, mas em alguns dias eu teria que lidar com aquilo sozinha e tinha prometido a mim mesma que conseguiria.
Peguei a bolsa e corri para o carro, já em cima da hora. Eu odiava dirigir e tinha sorte por morar próximo da faculdade. Estava parada num dos últimos faróis que pegaria no caminho quando o celular tocou e eu baixei o olhar para ver quem era. Geralmente não recebia ligações àquela hora da manhã, então provavelmente era alguma emergência. Nem tive tempo de pegar o aparelho no bolso. No segundo seguinte, ouvi uma batida forte na janela do carro que me fez dar um salto. Olhei para ver o que era e dei de cara com o cano de uma arma grudado no vidro, apontado para minha cabeça. Um homem alto, com uma barba preta enorme, segurava o revólver. Pude ver que ele tremia e gritava para eu sair. Meu coração descompassou, e o tempo pareceu parar. Eu sabia que havia entrado em choque, e nem pensei no que estava fazendo. Só sei que, no segundo seguinte, estava fora do carro, no chão, com as mãos para cima. O homem havia me puxado pela roupa, me jogando na rua e tomando meu lugar no banco do motorista. Os carros atrás de mim haviam dado ré, e agora o farol estava aberto. Quando ele saiu acelerando, voltei a mim.
Minha respiração começou a se acelerar, e eu praticamente me arrastei para a calçada. Lágrimas encheram meus olhos, rolando pelas bochechas antes que pudesse segurá-las. Foi tão rápido... A imagem daquela arma apontada para mim e a voz grossa daquele homem ecoaram em minha mente. Coloquei as mãos na frente da boca, tentando me acalmar. Todos ao redor ficaram me encarando, esperando para ver minha reação, mas eu estava atônita e não conseguia tirar os olhos do chão. Tudo tão rápido...
—Moça? Moça! — alguém chamou, tocando meu ombro.
Virei a cabeça para ver quem era, ainda sem reação alguma. Era uma mulher de meia-idade vestida com um terninho. Estava com o blazer na mão, por causa do calor, e suava. O cabelo cheio de luzes estava preso em um coque esfarrapado, e ela não usava um pingo de maquiagem para disfarçar as marcas de acne que cobriam seu rosto. Esperei que dissesse alguma coisa, e só depois de alguns segundos ela o fez:
—Você está bem? Precisa de alguma coisa?
—Ah, não... Eu... — comecei, tentando encontrar as palavras certas, como se meu cérebro estivesse reiniciando depois do que havia acontecido. — Eu só... preciso de um tempo.
Antes que ela pudesse perguntar mais alguma coisa, voltei a olhar para a frente, mostrando que não queria conversa, e enxuguei os olhos. Não queria a ajuda de um desconhecido... muito menos de uma mulher como aquela.
Me levantei com dificuldade, sentindo as pernas tremerem. Foi nesse momento que percebi que nem o celular continuava no bolso. Devia ter caído no banco do carro enquanto eu saía... As lágrimas voltaram a encher meus olhos. Durou apenas um segundo, já que percebi que as pessoas continuavam a me encarar. Mandei que cuidassem de suas vidas antes de começar a andar na direção da faculdade. Faltava pouco para chegar lá, mais perto do que a minha casa. Talvez lá eu conseguisse uma carona ou algo assim.
Quando finalmente cheguei, a primeira pessoa com quem pensei em falar foi Pedro, mas logo descartei a ideia. Não iria tirá-lo da aula. Talvez devesse ir à reitoria, mas isso só tornaria aquela situação mais constrangedora. Iriam querer saber o que aconteceu, chamar a polícia, e tudo que eu não queria era um escândalo. Decidi usar o orelhão nojento que ficava na entrada da faculdade, embora duvidasse que minha mãe atenderia uma chamada... a... a cobrar. Meu estômago revirava só de pensar nessa expressão, mas o que eu podia fazer se não tinha um centavo no bolso? Apertei os botões, um de cada vez, tentando engolir o nojo e o orgulho, e esperei que minha mãe me atendesse. Por sorte, ela estava em casa naquela semana, e não num daqueles lugares cheios de gente pobre e ignorante.
—Dulce? — ouvi alguém dizer logo atrás de mim. Reconheci a voz. Christopher.
Fechei os olhos, engolindo em seco enquanto colocava o telefone no gancho. Respirei fundo antes de me voltar para ele, abrindo um lindo sorriso forçado, torcendo para que não notasse que eu havia chorado. Ele se aproximou, apertando os olhos e analisando meu rosto. Perguntou, parecendo preocupado:
—Você está bem?
—Ah... Ah, sim! Estou! — me esforcei para não deixar muito claro que era uma total mentira.
—Estava chorando? Por que não está na aula?
Balancei a cabeça, baixando o olhar, em uma tentativa inútil de esconder a verdade. Por que ele se importava, afinal? Podia simplesmente me deixar em paz. Meu dia já havia sido suficientemente difícil. Eu não queria ter que lidar com mais um idiota. Lágrimas encheram meus olhos mais uma vez quando pensei no meu carro e em tudo o que estava dentro dele. Quer dizer, quanto tempo eu levaria para recuperar tudo? Minha mãe me daria outro ainda melhor? Sem falar que eu quase havia perdido a vida! Era só parar para pensar por um segundo que lembrava do cano daquela arma apontado para a minha cabeça. Cada vez que eu revia o rosto daquele homem, seus olhos cheios de raiva pareciam maiores.
—Ei! — Christopher chamou, me tirando da maré de pensamentos que havia inundado minha mente.
Colocou a mão em meu rosto, me fazendo olhar para ele. Recuei um passo, desviando o olhar. Quem era aquele vândalo para tocar em mim? Quem era ele para... Eu estava cansada dele sempre se intrometendo na minha vida. Primeiro foi no hospital, e agora de novo! Pigarreei, secando as lágrimas que haviam acabado de cair dos meus olhos e segurando as outras. Juntei as sobrancelhas e cruzei os braços, ainda sem olhar para ele, e perguntei:
—Você não devia estar na aula?
—Não. Toda quarta-feira eu tenho permissão para faltar na aula e organizar o cronograma de ensaios, mas... isso não vem ao caso. — Fez uma pausa, voltando a se aproximar. — Quer sentar um pouco? Posso pegar alguma coisa pra você beber... Está bem mesmo? — Ele parecia preocupado.
Muito mais do que deveria. Decidi aceitar. Afinal, preferia isso a ter que ligar para minha mãe. Além disso, apesar de não querer admitir, tudo o que eu precisava naquele momento era sentar um pouco. Segui-o até o auditório e sentei em uma das cadeiras na fileira do meio enquanto esperava que ele me trouxesse um copo de água. Só naquele momento notei que, ao ser empurrada para fora do carro, meu jeans claro havia rasgado bem acima dos joelhos, que estavam arranhados, assim como a palma das minhas mãos.
—Aqui — ele falou, de repente parado ao meu lado. Estendeu uma garrafinha de água na minha direção. Depois que a peguei, se sentou ao meu lado. Segurava algum tipo de pano úmido e perguntou, apontando na direção da minha mão livre: — Será que eu posso...?
Ponderei sobre sua proposta por alguns segundos. Sabia que podia cuidar dos meus machucados sozinha, porque não queria que, depois, ele jogasse na minha cara que havia me ajudado mais uma vez, mas aqueles olhos azuis não queriam nada além de me amparar — e eu tinha de admitir que não estava em condições de recusar. Estendi a mão direita para ele, completamente virado para mim em sua poltrona. Christopher apertou o pano delicadamente sobre um dos arranhões, e ardeu bastante. Me encolhi um pouco, e ele me pediu desculpas. Depois de alguns segundos em silêncio absoluto, tentou mais uma vez:
—Vai me contar onde arranjou isso aqui?
—Fui assaltada no caminho pra cá — respondi, finalmente. — O cara estava armado e me puxou pra fora do carro. Foi rápido demais pra tentar fazer alguma coisa.
—E nem devia. Senão, além do carro você podia ter perdido a vida. — Assenti, concordando.
—Já ligou pra polícia? — Balancei a cabeça. — Era um carro esportivo? — Assenti. Parecíamos estar num jogo de perguntas e respostas em que eu só podia concordar ou discordar balançando a cabeça. — Bom... então ele já deve estar longe. E você provavelmente não lembra do rosto do cara.
— Só sei que ele tinha uma barba enorme — murmurei, logo desviando o olhar. — Sei lá, eu só...
As lágrimas voltaram pela milésima vez no dia, e dessa vez, assim como das outras, não consegui segurá-las. Meu carro... meu celular... minha bolsa... O que eu iria fazer?! Coloquei as mãos na frente do rosto, tentando esconder meu choro descontrolado. É claro que não funcionou, e senti seus braços me envolverem na mesma hora, me apertando contra ele enquanto passava as mãos pelas minhas costas.
—Está tudo bem. Você está segura agora.
—Não é isso, seu idiota — balbuciei em meio ao choro. — Como eu vou recuperar tudo que aquele... cara roubou?
—Isso é sério? — perguntou, se afastando o suficiente para analisar o meu rosto. — Você está bem, e é isso o que importa! Tenho certeza de que pode comprar de novo tudo o que perdeu. Isso não é um problema. Existem mais coisas na vida do que... bens materiais.
—O que você sabe sobre isso, seu... vândalo?
Christopher riu, se afastando, e quase lamentei por isso. Nós nos encaramos por alguns segundos. Eu esperava uma resposta, e ele apenas sorria como um idiota que tem um sorriso maravilhoso. Aquele inútil sabia que era lindo, e sabia usar isso muito bem quando queria. Como sempre, Christopher usava um de seus cachecóis vermelhos (sei lá... ele sempre aparecia com um diferente. Parecia ter uma coleção!). O clima de outono já anunciava o frio, por isso ele usava um sobretudo preto e uma camiseta vinho bem escura. A calça jeans era escura e ele calçava os mesmos All Stars surrados de sempre. O cachecol vermelho-escuro quadriculado com preto pendia dos dois lados do pescoço, como se ele apenas o tivesse jogado por cima dos ombros. Sua feição se tornou curiosa, e inclinou a cabeça um pouco para o lado. Parecia tentar me entender, e não estar pensando em uma resposta à altura. Ele não queria brigar; não dessa vez. Na verdade, acho que nem eu mesma queria isso naquele momento. Perguntou:
—Você existe mesmo?
—Pareço algum tipo de projeção holográfica, por acaso? — devolvi a pergunta, sorrindo um pouco enquanto tentava ignorar o significado por trás daquilo.
—Quer dizer... — Ele ignorou completamente o que eu havia dito. — Você é a pessoa mais estressada, preconceituosa, egoísta, materialista e antipática que eu já conheci. — Estava prestes a dar um tapa nele ou berrar algum xingamento quando Daniel continuou, para minha surpresa: — E mesmo assim eu gosto de você. Gosto do tipo: ei, ela merece uma chance de se redimir, não é? Posso tentar ajudar! Ok.
Eu precisava digerir aquilo. Christopher havia me xingado de cinco coisas diferentes na minha cara, e depois tinha dito que gostava de mim e queria me ajudar. Que tipo de pessoa faz isso? Aliás, por que ele achava que eu precisava de ajuda? Não era a primeira vez que dava a entender uma coisa daquelas, e, apesar de estar irritada, decidi que queria saber o motivo. Mal abri a boca para perguntar quando ele me surpreendeu de novo.
—Eu sei o que você vai perguntar — falou, dando de ombros. — E acho que a resposta está implícita. Eu sei que tem algo de errado aí, que você não está feliz. Aliás, acho que a palavra certa não é “está”, mas “é”. Você não é feliz e, se quiser, pode me contar por quê.
—Por que eu deveria confiar em você? — questionei, de repente pensando em sua proposta.
Aquilo era muito estranho. Normalmente eu já teria começado uma briga com ele ou ido embora. Talvez fosse a situação traumática pela qual havia acabado de passar ou o fato de ele ter
me ajudado e consolado quando precisei mesmo depois de tudo, e essa não era a primeira vez que tinha feito isso. Havia algo de diferente naquele vândalo inconsequente. Talvez, se eu desse as respostas que ele queria, tivesse direito a fazer algumas perguntas também.
—Isso só você pode responder — ele disse, num tom pretensioso, com uma felicidade contida no olhar, antes de se levantar. — E eu vou facilitar um pouco as coisas. — Ajoelhou-se à minha frente, me deixando com um pouco de medo do que viria a seguir. Um pedido de casamento não era o que eu esperava naquele momento. — Dulce Maria, aceita sair deste auditório e me deixar levá-la para um lugar de localização secreta para que eu possa, de alguma forma, provar a você que pode confiar em mim?
Encarei-o por alguns segundos, desconfiada. Não o conhecia bem o suficiente para deixá-lo me levar a um lugar desconhecido. E se ele me matasse e jogasse o meu corpo no rio Tietê? Ninguém nunca iria me encontrar, e eu seria dada como desaparecida. Minha família me procuraria pelos anos seguintes... Já era a minha bolsa na Juilliard. Mas o que eu tinha a perder? Alguma coisa naquele garoto me intrigava, me desafiava a desvendar seus mistérios. A descobrir quem ele era e o que queria comigo.
—Se tentar alguma coisa... — comecei.
—Confie em mim — sussurrou.
—Tá. Vamos sair daqui — respondi, revirando os olhos.
Nossa primeira providência foi ir para a delegacia e fazer um boletim de ocorrência, apesar dos meus protestos. Eu não queria entrar num lugar daqueles, mas fui obrigada. Depois? Depois ele me levou para um lugar completa, total e majestosamente comum: o Starbucks que ficava na rua da faculdade. Quer dizer... todo aquele discurso sobre confiança e localizações secretas para irmos a um lugar a pouco menos de dez minutos de distância? Aquilo meio que me irritou.
Entramos na fila de pedidos depois de ele me convencer de que queria me pagar alguma coisa. Se encostou no balcão de madeira avermelhada, cruzando os braços enquanto me observava analisar o cardápio pendurado no teto. Tudo ali, com certeza, tinha mais calorias do que eu podia consumir.
—Viu? — falou, finalmente. — Consegui te surpreender sem mostrar nada surpreendente. E o melhor: não te ataquei no caminho. Que tal?
Apenas o ignorei, preocupada demais com a quantidade de gordura daqueles alimentos. Não queria comer... Mas sabia que, se dissesse isso, teríamos mais uma discussão, ainda mais depois de ele ter ficado sabendo do meu “probleminha” aquele dia no hospital. Com certeza, se eu me recusasse a comer qualquer coisinha, ouviria um sermão, e isso era tudo o que eu não precisava. Além do mais, ele estava me fazendo um favor, tentando me provar alguma coisa. Decidi pedir um chá de frutas vermelhas e um pão de queijo.
—Se quiser, pode começar — ele disse.
—Começar o quê? — perguntei, enquanto ele usava seu cartão de crédito para pagar o nosso pedido.
—As suas perguntas — concluiu, como se fosse óbvio. — Você está esperando para fazer essas perguntas desde que a gente se conheceu.
Em parte era verdade. Enquanto nos sentávamos um de frente para o outro nas enormes poltronas verde-escuras, pensei no que deveria perguntar primeiro. Bebi um gole do meu chá antes de começar:
—Qual é a dos cachecóis vermelhos?
Ele sorriu (algo que fazia muito) e tomou um gole de seu cappuccino. Não precisou pensar muito antes de responder, já que simplesmente ficou em silêncio. Esperei longos minutos por uma resposta, mas não ouvi nada, nem mesmo um “sei lá”. — Não vai responder?!
—Essa não é uma pergunta da qual você deva saber a resposta. Não ainda. — Fez uma pausa, encarando o roll de canela que havia comprado. — Ainda não é relevante. Próxima.
Bufei, pensando. Esperava que ele respondesse daquela vez. De que adiantava me deixar perguntar coisas se não as responderia? Qual era a lógica? Se ele queria saber mais de mim, era melhor facilitar as coisas.
—Por que você é o responsável por treinar todos os seus colegas de classe, como se fosse o dono de tudo? Você usa as vantagens de ser filho da reitora?
—Que tal fazer essa pergunta mais uma vez sem todo esse sarcasmo e desdém? — sugeriu, ainda encarando aquele maldito roll, como se não quisesse realmente comê-lo.
—Por que é você quem coordena os ensaios dos seus colegas de classe? — questionei, em tom exageradamente gentil, para que ele soubesse que eu não estava feliz com aquilo.
—Foi uma votação. Você saberia disso se tivesse participado do seu trote no ano passado — comentou, antes de suspirar, visivelmente entediado. — Quando os alunos participam do show de talentos, são colocados em uma lista, voluntariamente, para coordenar os ensaios. Como todo ano nós fazemos uma apresentação, precisamos ser ensaiados e estar em harmonia. O aluno considerado o mais talentoso ou capaz é eleito para ajudar nos dois primeiros anos como aprendiz e, a partir do terceiro, é ele quem manda em tudo. Essa eleição só acontece de dois em dois anos, pra que cada um possa passar metade do tempo do curso como aprendiz e metade como instrutor. Eu só dei a sorte de entrar no ano certo.
Eu ainda estava pensando se acreditava no que Christoher havia dito quando ele FINALMENTE decidiu comer o que havia comprado. Era cômica a imagem dele encarando aquilo com o maior desgosto. Eu só me perguntava o porquê de ter comprado se não queria comer... Mas o que realmente importava era o que ele havia respondido. Aluno mais talentoso? Eu estava sentada diante de um garoto prodígio?
—Então você pretende ser o próximo Mozart? — Ele estava prestes a responder quando continuei: — Não... Espera... Beethoven? Bach? Debussy?
—Seu conhecimento em música clássica me surpreende, senhorita — respondeu, parecendo mais surpreso do que deveria.
—Sou bailarina, seu idiota. Você esperava o quê? — falei, como se fosse óbvio, e só naquele momento notei que não era.
Nunca havia dito isso a ele. Christopher sorriu, satisfeito por ter conseguido sua primeira resposta. Muito esperto. Eu deveria tomar mais cuidado nas próximas vezes. Ele teria sua vez de perguntar em breve. Ficamos em silêncio por algum tempo, até que ambos terminamos de comer e beber tudo o que ele havia comprado.
—E você, senhor Aluno Mais Talentoso ou Capaz? Pretende vandalizar obras públicas profissionalmente quando terminar a faculdade? Ou vai fazer alguma coisa mais importante da sua vida? — perguntei, em tom de sarcasmo.
Ele riu. Acho que eu tinha de admitir que gostava de fazê-lo rir. Me fazia sentir realmente engraçada, ainda mais por saber que não era apenas uma piada idiota que o agradava, mas uma boa dose de sarcasmo e ironia. Coisas que eu sabia usar muito bem.
—Não exatamente — respondeu, levantando uma sobrancelha. — Uma coisa mais... divina, digamos assim.
—Divina como? Obras de arte sobre a Bíblia pintadas na parede de algum refeitório, Leonardo Da Vinci?
—Quem sabe? Talvez eu não chegue a tanto. — Ele deu de ombros. — Restaurações fazem mais o meu tipo.
—Boa escolha — comentei. — Melhor do que sair pichando tudo o que vê pela frente.
O garoto revirou os olhos, e seu sorriso diminuiu um pouco. Parecia pensativo. Eu não conseguia entender muito bem a aura de mistério que o envolvia. Quer dizer, por que ele não falava dos cachecóis? Por que nunca dava uma resposta clara e objetiva? E, finalmente: por que havia cismado que eu precisava de ajuda daquela forma? Decidi que era uma boa hora para perguntar.
—Próxima pergunta — anunciei, tirando-o de sua maré de pensamentos. E acrescentei: — Prometo que vai ser a última.
—Graças a Deus! Eu estava começando a suar frio e a imaginar quando esse interrogatório iria partir para a tortura. — Ele me fez rir. A primeira vez que conseguia.
— Por que eu? — Decidi ir direto ao ponto.
Ele mordeu o lábio inferior, analisando meu rosto com paciência antes de responder. Talvez estivesse procurando algum sinal de hesitação. Não. Eu queria uma resposta, e, se Christopher não a tinha, então não havia motivo algum para seguir em frente com aquela... bobagem, para dizer o mínimo. Só naquele momento percebi que, com minha pergunta, havíamos voltado a ser nós mesmos: ele com sua vontade inexplicável de me ajudar, e eu, relutante e irritada.
—Me diga você — ele falou, se inclinando sobre a mesa.
Não estávamos tão próximos, e mesmo assim eu conseguia sentir o que parecia ser uma lembrança do cheiro de seu perfume (que era maravilhoso, por sinal).
—Por que eu te escolhi?
Foi a minha vez de encará-lo. Estava próximo, mas não tanto, e ainda assim eu conseguia ver nitidamente cada ondulação no azul de seus olhos. O jogo havia virado. Agora era a vez dele de me perguntar o que quisesse, mesmo que eu ainda não tivesse descoberto tudo o que queria sobre ele. Suspirei, desviando o olhar e me levantando da poltrona. Não sabia se estava confortável o suficiente com nossa recente “amizade de interesses”. Precisava de mais provas. Christopher entendeu o recado, se levantando também. Ergueu o braço na direção da porta, como se quisesse que eu tomasse a frente. Encarei-o, um pouco indecisa, mas passei por ele e me dirigi à saída.
Chegando à calçada, paramos um em frente ao outro. Eu esperava que ele tivesse mais algum plano sobre o que fazer a seguir, mas Christoher ficou lá, me encarando pensativo por um tempo. Aquilo era estranho, mas decidi encará-lo de volta, por via das dúvidas. Pelo menos até decidir fazer algo mais útil.
—Quer que eu te leve pra casa? — ele perguntou, finalmente.
—Por quê?
—Porque eu não tenho mais nenhuma ideia do que fazer, por enquanto — Christoher respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, dando de ombros. — Quando eu tiver
alguma, prometo que você vai ser a primeira a saber.
Abri a boca para responder, mas, como nada saiu além de ar, fechei novamente. Estava surpresa demais para falar alguma coisa. Quer dizer, o cara havia se ajoelhado, implorado para eu deixar que ele me levasse a algum lugar que iria me surpreender, respondeu um monte de perguntas da forma mais misteriosa possível e agora, depois de um tempão me encarando em silêncio, decidiu que queria me levar para casa? Então agora eu não era mais interessante o suficiente e ele havia desistido de mim?!
Eu me limitei a assentir, tentando não deixar transparecer o sentimento de confusão misturado com raiva que havia tomado meus pensamentos. Vândalo idiota. Fomos até o carro dele, e, em silêncio, coloquei o cinto. Depois de fechar a porta, Christopher se inclinou em minha direção, abrindo o porta-luvas e tirando um amontoado de CDs de lá. A maioria era do OneRepublic e do Legião Urbana. Com todo o cuidado do mundo, colocou alguns no meu colo e disse:
—Fica com estes aqui.
—Como assim?!
—Emprestados — ele falou. — Ouve e depois me devolve. Talvez te ajude com alguma coisa.
Aceitei, hesitante, tentando imaginar como aquilo me ajudaria. Mais uma vez o vândalo pensando que sabia o que era bom para mim. Contei até dez mentalmente, evitando deixar a irritação me dominar. Pela delicadeza ao lidar com os CDs, eles deviam ter muita importância para ele. Talvez fossem suas bandas preferidas.
Não trocamos muitas frases no caminho para minha casa. Ainda eram dez da manhã, por mais surpreendente que parecesse. Havíamos passado pouco mais de duas horas juntos sem brigar, e isso era um milagre divino. Eu também não duvidava de que, se passássemos mais dez minutos perto um do outro, acabaríamos discutindo. Era meio... imprevisível, se essa era a palavra certa.
Quando finalmente chegamos, achei um jeito de segurar os sete CDs com uma mão só e abri a porta, saindo enquanto murmurava um “obrigada” baixinho. Não me dei o trabalho de escutar a resposta antes de fechá-la. Quase como se fosse rotina, Christopher saiu do carro e me abordou, mais uma vez, quando eu estava abrindo a porta de casa (por um milagre do destino eu havia deixado a chave no bolso da calça, senão o bandido teria levado também). Me virei para ele, encostando na porta ainda fechada para ouvir o que tinha a dizer.
—Os CDs — começou. — Não te emprestei à toa. E eu sempre tenho um motivo pra cantar alguma música que esteja aí.
—Tá — respondi, tentando disfarçar a curiosidade.
Ele se virou mais uma vez em direção ao carro, caminhando até o meio do jardim antes de parar de novo e se voltar repentinamente para mim. Falou, alto o suficiente para que eu o escutasse bem àquela distância:
—E... obrigado!
—Pelo quê? — perguntei.
—Por confiar em mim. — Depois de responder, ele correu para o carro, entrou e deu a partida.
Eu sorri enquanto olhava o carro descer a rua. Apenas quando já tinha virado a esquina, entrei em casa.
As coisas estão boas, por enquanto.
Alguém ai também quer saber Qual é a dos cachecois vermelhos???
Esse capitulo era para ter saido ontem, mas quando eu estava quase terminando de editar o site bugou. Ai fiquei com preguiça de editar de novo kkk
Mas ai esta. Espero que tenham gostado.
Autor(a): GrazihUckermann
Este autor(a) escreve mais 3 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
Feche os olhos A primeira coisa que fiz quando fechei a porta foi &nbs ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 21
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candy1896 Postado em 01/09/2017 - 18:11:49
CONTINUAA
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candy1896 Postado em 23/08/2017 - 19:55:54
Continuaa
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candy1896 Postado em 22/08/2017 - 10:12:11
CONTINUA
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candy1896 Postado em 14/08/2017 - 18:55:10
Continuaa
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AnazinhaCandyS2 Postado em 03/08/2017 - 22:25:16
Pelo menos ela disse obrigada depois dele ter ajudado ela! Continua!
GrazihUckermann Postado em 07/08/2017 - 18:52:42
Um grande passo para ela kkkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 02/08/2017 - 18:39:44
Dulce ñ baixa essa guarda, Christopher tenta ser legal mas ela ñ coopera. Adorei quando ela viu a 'lata velha' kkkkkk. Continua!!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 01/08/2017 - 19:12:50
Fernanda ta de olho no Christopher *0* Dulce elogiando o Pedro só pq ele é um playboyzinho mas la no fundo ela preferia ta comendo um cachorro quente com o vadalo, nossa viajei aqui kkkk. Continua!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 28/07/2017 - 19:45:51
Huum Dulce pensando no delinquente pichador amo *-* Pedro ñ desiste né, espero que ele ñ faça nd errado! Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:14:28
Tenho uma raiva muito grande por esse Pedro, queria muito que ele não fizesse nada de errado...
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AnazinhaCandyS2 Postado em 26/07/2017 - 18:49:20
Dulce tem que ser mais querida, ela ta muito insensível, acho que o Christopher vai fazer uma grande mudança na vida dela *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:15:31
Ele vai ter que ter muita calma e paciência para mudar a Dulce kkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 24/07/2017 - 18:56:39
Dulce ñ foi mesmo com a cara do Christopher, mas eu adoro esse jeito dele *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 24/07/2017 - 19:01:52
Christopher é um amor, já me apaixonei por ele s2 Como ele consegue ser tão calmo com uma Dulce dessa? kkkkk