Fanfic: O garoto do cachecol vermelho - Vondy | Tema: Vondy
Feche os olhos
A primeira coisa que fiz quando fechei a porta foi subir correndo para o meu quarto. Precisava tirar aquelas roupas rasgadas e tomar um banho. Fiz questão de colocar um dos CDs que Christopher havia me emprestado para tocar enquanto me vestia. O escolhido era do Legião Urbana. Acho que foi o primeiro que lançaram e, se não me engano, se chamava Dois. Ah, sei lá. A capa era amarela. Eu nunca tinha parado para ouvir aquelas músicas. Desde pequena era mais ligada em música clássica. Me ajudava a manter a concentração em qualquer coisa que fazia. Fiquei andando pelo quarto segurando meu toca-CD em forma de panda, que eu tinha desde pequena. Não lembrava da última vez que tinha usado aquele aparelho, já que só ouvia músicas do celular ou da internet, mas ainda funcionava bem.
Aumentei o volume quando uma das faixas me agradou um pouco mais e encarei o guardaroupa aberto por algum tempo. Foi quando me dei conta de que tinha ficado ali durante a música inteira, só prestando atenção na letra, em vez de escolher algo para vestir. Não pude deixar de sorrir, achando engraçada minha distração, enquanto abria uma das gavetas e pegava um moletom qualquer. Eu sei que deveria treinar para perder a camada enorme de gordura que devia ter se acumulado ao redor do meu quadril depois daquele pão de queijo, mas os CDs pareciam ter um significado tão importante para Christopher que eu meio que achei injusto simplesmente deixá-los jogados em cima da cama. Eu queria ouvir o que ele tinha para me “dizer”. O que eu queria dizer? Bom... se ele contou que suas músicas não eram escolhidas ao acaso, então provavelmente tinha um motivo para me emprestar essas canções.
Estava sentada na cama, segurando a xícara de chá que minha empregada trouxe entre um CD e outro, encarando o lado de fora da janela. Apesar de o céu estar razoavelmente limpo quando Christopher me trouxe, agora uma garoa fina caía. Eu gostava do som das gotas batendo contra o vidro. Era... reconfortante. Analisei a palma das minhas mãos, cheia de arranhões. Ainda ardia quando eu fechava os dedos, e os joelhos reclamavam quando eu os dobrava, assim como tinha feito naquele momento.
Mantive o telefone de casa ao meu lado o tempo inteiro, esperando uma ligação que sabia que não iria chegar. Dona Regina devia ter recebido alguma ligação da polícia ou do seguro do carro, já que estava no nome dela. Com certeza devia saber sobre o assalto. Ela deveria se preocupar com minha segurança, poxa. Eu só queria um pouquinho de consideração. Só isso. Quando o telefone tocou, atendi com um salto, por pouco não derrubando o chá em cima de mim.
— Alô?
—Dul? É você? — Era a voz de Fernanda. Ela não estava mais brava comigo?
—Sim — respondi, me perguntando se era a coisa certa a fazer. — O que foi?
—O Chris me contou o que aconteceu! Você está bem? Ele parecia preocupado.
Preocupado? Ele? E... ela o tinha chamado de Chris? Que apelido era aquele? Por que ela o estava chamando por um apelido? Tinham virado amigos? Quando viu que eu não respondi, ela continuou:
—Ele falou que te deixou em casa, mas que não sabia se te largar sozinha era realmente a coisa certa a fazer... Ele está preocupado de verdade.
—Eu tô bem — declarei, finalmente, ainda confusa pelo que ela disse.
Por que ele se importava? Ficamos alguns segundos em silêncio. Um silêncio constrangedor, para dizer o mínimo. Sabia que deveria pedir desculpas pela nossa última conversa, mas não iria fazer isso. E ela sabia.
—Sabe... que tal se a gente deixar pra trás o que aconteceu? Não é novidade que você não espera muito de mim, e eu também estava chata, falando do Christopher o tempo todo. — Ela fez uma pausa. — Nós duas sabemos que eu estava meio a fim dele, então fiquei com um pouco de ciúme do que aconteceu no ensaio aquele dia e acabei te provocando. Mas já passou.
—O que fez passar? — perguntei, levantando uma sobrancelha.
—O tempo. Eu não ia ficar correndo atrás de um cara que não dava mole pra mim. Decidi partir para outra. Por sinal, entraram uns calouros bem bonitinhos este ano, hein?
Eu ri, sentindo que tudo tinha realmente ficado para trás. Fernanda sendo Fernanda. Sempre assim. Nunca interessada no mesmo cara por mais de um mês. Isso era bom para mim, de certa forma. Nunca ficávamos realmente a fim do mesmo cara por causa da “bipolaridade amorosa” dela. Para minha sorte, ou azar, ela continuou:
—E eu acho que não ia ter muita chance perto de você.
—Como assim?! — perguntei, segurando o riso e tentando não demonstrar que estava envergonhada.
—Ah, fala sério, Dul! Se ele não gostasse de você, já teria desistido faz tempo de tentar ser seu amigo... Aliás, ele está olhando pra mim agora. Acho que sabe que eu tô falando com você. — Ela ficou em silêncio por alguns instantes. — Quer falar com ele? — Antes que eu pudesse responder um enorme “não” (afinal, já o tinha visto por tempo demais naquele dia), ouvi Fernanda chamar Christopher.
Praticamente berrei para que ela parasse, mas Fernanda tinha afastado o telefone do ouvido. O que aquela maluca estava fazendo? Murmurou algo do outro lado da linha. O que quer que tenha dito, não foi para mim. Mais alguns segundos, e ela voltou ao telefone, rindo:
—Ele disse que sabe que você não quer falar com ele agora, mas que tem uma coisa importante pra anunciar.
—O que é? — perguntei, tentando achar o motivo pelo qual ela estava rindo.
Imaginei o sorriso babaca no rosto dele enquanto pronunciava as palavras seguintes, que chegaram a mim através da minha amiga:
—Ele não pode contar. Fez uma promessa. Disse que você seria a primeira a saber.
Ponderei por algum tempo a possibilidade de xingá-lo, mas minha amiga iria ouvir e provavelmente daria a mensagem a ele. Preferi pedir que ela passasse o telefone para... o vândalo.
—Eu sabia que você ia querer falar comigo — foi a primeira coisa que Christopher disse.
—De onde eu venho, as pessoas costumam cumprimentar as outras — murmurei. Eu parecia mais nervosa ao conversar com ele por telefone do que pessoalmente.
—Não tente mudar de assunto. Eu tive uma ideia.
—Se for tão genial quanto as anteriores, vou adorar recusar qualquer proposta.
—Não vai. E sabe como eu sei disso? — Foi uma pergunta retórica. — Você está ouvindo um dos CDs que eu te emprestei. Isso significa que está realmente interessada no que eu tenho pra te mostrar. — Decidi apenas abaixar o volume do aparelho, impedindo o garoto de continuar se vangloriando. — Eu passo pra te pegar em... vinte minutos.
Vinte minutos? Ele estava ficando louco? Não daria tempo de eu me arrumar! Christopher deve ter percebido meu desespero, pois começou a rir do outro lado da linha. Perguntei, irritada:
—Quem você pensa que é? Não pode simplesmente avisar que virá me buscar! Ainda mais me dando essa quantidade mínima de tempo para me arrumar!
—Acho melhor você se arrumar em vez de ficar reclamando. Estou saindo daqui. — Antes que eu pudesse retrucar, ele desligou o telefone.
Saltei da poltrona, correndo até o guarda-roupa e pegando vários cabides. Joguei tudo em cima da cama para tentar escolher alguma coisa que prestasse. Acabei colocando um jeans escuro, botas pretas de cano alto, camiseta branca com desenhos abstratos pretos e uma camisa de flanela xadrez verde-escura e preta cuja barra chegava quase aos joelhos. Estava frio lá fora. Me maquiei correndo, não demorando muito nas sombras e no batom, porque ficaria muito exagerado, e enfiei uma touca preta na cabeça para não ter que arrumar o cabelo. Quando fui olhar a hora, ainda tinha cinco minutos. Que ótimo! O desgraçado me apressou para nada. Ou eu tinha me apressado. Não. A culpa era dele. Sempre era culpa dele. Aproveitei o tempo para pegar uma nova bolsa, já que a minha tinha ficado no carro roubado. Desci correndo as escadas para sair de casa quando ouvi Christopher buzinar freneticamente do lado de fora. Enquanto eu trancava a porta, ele continuou. Imbecil inútil. Eu ia arrancar a cabeça dele. Não queria ter mais problemas com os vizinhos. Aqueles que eu tinha arrumado por causa das festas que dava em casa eram suficientes.
—Pronto, pronto! Cheguei! Pode parar de buzinar, por favor?! — falei, enquanto fechava a porta de sua picape com força. O garoto riu, me analisando com atenção. Quando comecei a ficar desconfortável, perguntei: — O que foi? Quer uma foto?
—Não. Só estou vendo o resultado de toda a sua correria. — Ele parou por alguns segundos, levantando as sobrancelhas. — Você podia ter se esforçado mais.
—Incrível, né? Nem sempre as pessoas que achamos atraentes se vestem da forma que esperamos — retruquei, louca para saber qual seria sua resposta.
—Eu te acho atraente? — ele perguntou, visivelmente satisfeito, e deu a partida no carro.
Pensei por algum tempo na resposta. O feitiço virou contra o feiticeiro, então? Ser confiante ou tentar conseguir uma resposta dele? Eu preferia a segunda opção, apesar de não ter problemas
de autoconfiança. Disparei de volta:
—Não sei. Acha?
— Se você não sabe a resposta, não deve tirar conclusões precipitadas.
Voltei o olhar para ele, boquiaberta. Ele estava brincando? Ninguém nunca tinha dito uma coisa dessas para mim. Precisava ser tão... rude? Bati em seu ombro e ele se encolheu um pouco, rindo, apertando os dedos no volante. Continuou a falar, levantando a mão livre:
—Eu não disse que você estava errada. — Olhou para mim mais uma vez, me analisando pelo que devia ser a quadragésima vez em menos de cinco minutos. — Aliás, se quer saber, até que você faz o meu tipo.
—Eu tenho namorado — anunciei, rezando para não ter ficado vermelha e olhando pela janela, evitando qualquer contato visual com ele.
Pelo menos o cara era sincero. Eu gostava muito disso. Quando passamos mais de cinco minutos em silêncio, voltei a olhar para Christopher. Sua expressão era um pouco menos bem-humorada agora. Ele encarava o caminho à frente de maneira meio vaga e pensativa. Disse, finalmente:
—Ter ou não namorado não tem nada a ver com quem faz o meu tipo ou não.
—O que isso significa exatamente?
Christopher abriu um pouco mais o sorriso, mantendo o olhar fixo no caminho. Não recebi resposta. Como sempre, não conversamos muito durante o percurso até onde ele queria me levar. Quando chegamos à faculdade, quase bati a cabeça dele no volante. Quer dizer... ele havia me tirado de casa para aquilo? Para me levar até a faculdade?
—O que nós viemos fazer aqui?
—Eu trouxe você para o ensaio.
—Para o... Você tá brincando?
Sem responder, Christopher saiu do carro batendo a porta. Me mantive no lugar, parada, tentando controlar a vontade de esganá-lo. Abriu a porta para mim (a última coisa que eu esperava que fizesse) e esperou pacientemente até eu decidir sair. Quando o fiz, pegou seu violão no porta-malas e seguiu para o auditório. Avisou, segurando a porta para que eu entrasse:
—Nós estamos atrasados graças à sua insistência em tentar me fazer elevar a sua autoestima em frente à sua casa.
—Se você estava insatisfeito, era melhor ter simplesmente admitido que me acha bonita.
—Não sei como você pode ter tanta certeza disso — sussurrou, piscando para mim, enquanto fechava a porta atrás de si.
Quase todos estavam sentados no palco, afinando seus instrumentos ou tentando achar algum lugar livre para ficar. Enquanto descíamos os degraus em direção a eles, comentei, encarando o chão e tentando ignorar o olhar curioso de Christopher sobre mim:
—Provavelmente é por isso que você não consegue tirar os olhos de mim.
Riu, passando o olhar para a frente graças a meu tom irônico. Ele sabia que tudo o que eu havia dito era verdade. Acho que passava mais tempo me encarando e analisando que falando algo de útil. Chegava a ser engraçado. Paramos em frente aos degraus que davam no palco. Eu estava prestes a sentar em uma das poltronas quando Christopher estendeu a mão em minha direção. Pediu, enquanto eu o examinava com as sobrancelhas juntas:
—Sobe comigo hoje.
—Por quê?!
—Prometo que vai valer a pena. — Foi tudo o que respondeu.
Bufei ao pegar sua mão, deixando que me guiasse até o centro do palco. Todos nos acompanharam com o olhar (ou melhor, a mim, já que era a única estranha ali, e estava de mãos dadas com o... professor? Eu podia chamá-lo assim?). Christopher pegou em um canto o banquinho de madeira no qual sempre sentava durante os ensaios e o colocou no lugar de sempre, no centro de tudo. Anunciou:
—Hoje não posso ficar até o fim. Tenho uma coisa importante pra fazer, e o Enzo vai ficar no meu lugar. — Um garoto que parecia ser do segundo ano levantou os braços, aparentando surpresa. Tinha a pele morena, e o cabelo castanho-escuro mal cortado estava desgrenhado. — Não me olhe desse jeito. É pra isso que eu estou te treinando há dois anos. E... Dulce... — Passou o olhar para mim. — Pode sentar aqui, por favor?
Todos pareceram estranhar vê-lo oferecendo o lugar para mim. Quer dizer... desde que eu tinha começado a assistir a seus ensaios, havia pouco mais de um mês, ninguém havia sequer tocado naquele banco. Acho que era um tipo de “pedestal sagrado” para ele. Christopher ficou de pé ao meu lado, colocando a correia preta do violão por cima do ombro e o posicionando nos braços. Ele tocou algumas notas antes de perguntar se todos tinham estudado as letras e partituras que ele havia indicado. A maioria fez sinal afirmativo com a cabeça. Depois, chamou um dos garotos sentados (que eu não conhecia) para ficar ao seu lado, perguntando se ele havia estudado. Como o carinha disse que sim, Christopher pediu que escolhesse uma das músicas para o pessoal tocar.
Eu, é claro, fiquei em silêncio, me sentindo desconfortável por não ter ideia do que fazer. Ainda mais no segundo lugar de destaque, depois de Christopher, que estava de pé. O garoto acabou escolhendo uma música do Cazuza, e ele mesmo cantou, o que foi uma surpresa. Desde o início dos ensaios (aqueles a que eu havia assistido, pelo menos), era sempre o vândalo quem fazia a voz principal.
—O que foi? — Christopher perguntou aos alunos. — Vocês achavam que só eu ia ter trabalho? Eu estava esperando vocês se familiarizarem uns com os outros. Mas agora acabou a moleza.
Ele tinha razão. Na meia hora seguinte, se limitou a corrigir os erros dos alunos na execução da música. Harmonia, tom, sequenciamento de notas... Fez de tudo, até que se considerou satisfeito. Não pude deixar de me sentir surpresa ao perceber que tínhamos a mania de perfeição em comum. Depois que os estudantes tocaram a mesma música um milhão de vezes, Christopher se voltou na minha direção, e um calafrio subiu pela minha espinha só de imaginar o que queria de mim. Jesus. Tenha piedade. Sinalizou para que eu ficasse de pé e pôs o banco de lado mais uma vez, no canto do palco. Depois, pediu que todos fizessem o mesmo. Deu o violão para o tal Enzo e praticamente berrou, para que todos o ouvissem:
—“Something I Need”, do OneRepublic. Agora! Dispensem a formação. Arrumem um microfone pra ela. Vamos! A Dulce teve um dia ruim e precisa do tratamento de choque! — Arregalei os olhos para ele, que sorriu de um jeito travesso enquanto alguém colocava o microfone nas minhas mãos. O que queria dizer com aquilo? E... o que aquele microfone estava
fazendo ali? Ele não esperava que eu fosse cantar, né? Né?! — Espero que você tenha ouvido a música.
Sim, eu tinha ouvido, mas foi uma vez só. Não tinha decorado a letra nem nada! O que ele estava fazendo?! O pânico começou a me dominar. Eu era uma bailarina, não uma cantora. Se abrisse a boca para soltar qualquer nota, todos cairiam no chão com os tímpanos sangrando!
—O que está esperando? O primeiro verso é a capela — falou, baixo o suficiente para que apenas eu ouvisse.
—Eu não sei a música, seu idiota! — sussurrei de volta, irritada, o que o fez rir.
Pegou o microfone das minhas mãos, murmurando algo como “foi o que eu imaginei”. Depois, antes que eu pudesse agredi-lo por zombar de mim, ele mesmo começou a cantar. De repente eu estava no meio de um turbilhão de pessoas, que me empurravam de um lado para o outro segurando seus instrumentos ou apenas balançando os braços acima da cabeça. Mas Christopher continuava ali, com um braço ao redor do meu, me segurando no lugar. Acho que nunca iria admitir isso para ele, mas até que eu gostava de sua voz. Era rouca, como um ronronar de gato, e suave. O controle sobre as notas era incrível. Conseguia dar uma nota aguda seguida de uma grave com tanta facilidade quanto eu fazia um relevé.
Chegou um trecho na música em que todos cantavam com ele. Christopher aproveitou para desligar o microfone e dar um jeito de colocá-lo no bolso do sobretudo. Me puxou para mais perto, colocando as mãos em meus ombros, e perguntou:
—Ainda pensando se pode confiar em mim?
—Talvez! — tive de gritar para que pudesse me escutar.
—Então eu vou provar definitivamente que você pode — respondeu, se colocando atrás de mim. Gritou, mais alto ainda, sobrepondo-se a todas as vozes do lugar, o que foi impressionante. — Mais alto, pessoal! Ela ainda não está se sentindo melhor!
Colocou as mãos em meus olhos enquanto eu ria, tentando achar a ligação entre uma frase e outra. Eu sentia seu peito quase colado às minhas costas, e, como ele estava inclinado na minha direção, sua respiração quente batia no meu ombro. Em algum momento da música, todos berraram num tom um pouco mais alto: “I know that we’re not the same”. Christopher então sussurrou, tão próximo que seus lábios roçaram meu ouvido:
—Feche os olhos. — E eu obedeci. O que tinha a perder? — Agora, tudo o que precisa fazer é ouvir.
Depois, senti que ele voltou a ficar ao meu lado, passando um braço ao meu redor e me apertando contra si, como num abraço. Todos os instrumentos e vozes pararam, e ele cantou uma parte em que o único som que se podia ouvir além da sua voz era o violão. Naqueles poucos segundos em que tudo havia se acalmado, me perguntei o que ele queria que eu ouvisse. Afinal, era impossível não escutar todas aquelas pessoas. Tentei encontrar um significado poético naquilo tudo, mas não consegui, então decidi apenas fazer o que ele pediu e simplesmente ouvi. A multidão de vozes e instrumentos voltou a se agitar, e fiz o que pude para me concentrar, mesmo que não estivesse enxergando nada. Tinha de admitir que a primeira coisa para a qual me atentei foi seu perfume, já que meu rosto estava contra seu ombro. Era bom. Quase... atraente demais. Depois, prestei atenção na forma como ele se movia e no jeito como pronunciava as palavras quando as cantava. Sua dicção era ótima, mas não foi isso que me chamou atenção: foi o fato de eu saber, de alguma forma misteriosa, que ele estava sorrindo.
Foi impossível prestar atenção nas outras coisas depois, já que estarmos tão próximos assim (quase completamente grudados) era distração suficiente, mas eu consegui, com muito esforço. Já não era mais uma confusão de instrumentos e vozes. Eu podia diferenciar uns dos outros. Qual estava mais próximo, qual se distanciava... Ficou mais fácil depois de alguns segundos praticando. Estavam prolongando a música cada vez mais, repetindo sem parar o que devia ser a antepenúltima e a penúltima estrofes. Mas nada disso importava. Não depois que notei o mais incrível de tudo. Assim como eu sabia que ele e todos ao redor estavam sorrindo, e assim como tinha certeza de que seu perfume era bom (desculpe, era bom de verdade; preciso reforçar isso), também sabia que todos estavam felizes e não permaneciam ali por um motivo egoísta ou porque eram obrigados. Todos cantavam, dançavam e tocavam porque achavam divertido. Mas, principalmente, estavam cantando e agindo daquela forma para me fazer sentir melhor. Tinha sido um pedido de Christopher, é claro, mas... nunca tantas pessoas haviam se juntado única e exclusivamente para fazer uma coisa por mim. Uma coisa boa. Pode até parecer idiota e conversa de criança, mas... talvez eu conseguisse ver a magia naquilo que ele estava fazendo. A tal magia não estava em reunir todas aquelas pessoas que nem me conheciam ou não gostavam de mim para fazer uma boa ação, mas na maneira como aquilo funcionava. Eu estava me sentindo melhor. Não que estivesse mal antes, mas não lembrava da última vez em que tinha me sentido daquele jeito. Tão... Não. Eu não ia dizer aquela palavra que começa com F e termina com Z.
Quando a voz dele voltou a ser a única que podíamos ouvir, no fim da música, o aperto diminuiu. Senti seu olhar analisando meu rosto, que começou a ficar quente. Estava ficando vermelha. Que droga! Ao chegar ao penúltimo verso, Christopher tocou a ponta do meu nariz, como se fosse um sinal para que eu abrisse os olhos, e foi o que fiz. Ele se aproximou, ficando alguns segundos em silêncio. Eu não sabia se a música tinha acabado, se ainda faltava alguma coisa ou se ele tinha esquecido o último verso. Um sorriso tão discreto que acho que fui a única a notar apareceu em seus lábios quando sussurrou, apenas para mim:
“I wanna live with you”.
Todos estavam nos encarando, e provavelmente viram que ele havia cantado o último verso, então começaram a aplaudir. Christopher se afastou, levando embora o seu perfume, e senti um tipo de falta estranha da sua proximidade. Ele não saiu do meu lado, é claro, mas, em vez de continuar com um braço em cima dos meus ombros, deu um passo para o lado e disse, quando todos voltaram a ficar em silêncio:
—Nós temos que ir agora. Enzo, você sabe o que fazer. Provavelmente o garoto sabia, mas Christopher não ficou para ver sua resposta. Ele pegou seu violão das mãos de uma das garotas e me puxou para fora do palco, e então para fora do auditório. Não disse nada enquanto me guiava, segurando a manga da minha camisa, para dentro da faculdade. Perguntei:
—Ei! Ei! Aonde nós vamos?
—Você vai ver — respondeu, enquanto atravessávamos um dos corredores. Virou para a direita de repente e entrou na escada de incêndio.
Eu o segui pelos vários lances de degraus que subimos, e fiquei orgulhosa de mim quando ele perdeu o fôlego antes de mim. Eram dez andares.
Quando chegamos ao último, dei de cara com um enorme terraço. Assobiei, dando uma volta no lugar, para admirar a vista. Alguns prédios altos impediam que tivéssemos uma paisagem completamente limpa, mas nos lugares onde havia apenas casas dava para ver a cidade se estender até onde a vista alcançava. A brisa era fria e o céu ainda estava nublado por causa da garoa que havia caído mais cedo. Tudo isso dava um toque dark bem legal ao ambiente. O chão estava úmido, então não havia onde sentar. Pelo menos não até ele se dirigir a uma lona azul quase grudada no limite do terraço e puxá-la. Embaixo dela estavam duas poltronas bem velhas, de couro marrom desgastado. Christopher fez um gesto para que eu me aproximasse:
—Fique à vontade para sentar, madame.
Foi o que fiz, apesar de estar um pouco desconfortável por sentar numa poltrona velha de cujos antecedentes eu não fazia ideia. Era o que tinha, não? Então, que eu me contentasse!
Christopher se sentou ao meu lado, colocando os pés em cima da mureta que delimitava o terraço e os braços atrás da cabeça, inclinando a poltrona. Respirou fundo, fechando os olhos. Ok. Ele havia me trazido até ali por...? Encarei-o por alguns segundos, esperando que dissesse alguma coisa.
—Pode começar — ele disse, finalmente.
—Começar o quê? — perguntei.
—A revelar os seus segredos mais profundos pra mim — respondeu, dando de ombros, ainda de olhos fechados.
Franzi o cenho, encarando-o com uma mistura de confusão e mais alguma coisa que não havia identificado ainda. Só sabia que não era bom (para ele ou para mim? Não tenho certeza). Cruzei os braços.
—O que te faz pensar que eu confio o suficiente em você pra isso?
Ele sorriu satisfeito, enquanto olhava para as nuvens cinzentas. — Você ouviu, não ouviu? Lá no auditório.
—Ouvi, seja lá o que for, mas... não é motivo para...
—Então não ouviu — sentenciou, se endireitando na poltrona. Pareceu decepcionado de repente.
Eu não estava entendendo aonde Christopher queria chegar. Estava misterioso e enigmático demais para o meu gosto. Eu esperava que não continuasse assim por muito tempo, senão voltaria a perder a paciência com ele.
—É mais do que parece — sussurrou, como se estivesse me revelando o maior segredo do mundo. — Quando você vê, tudo fica óbvio. Um sorriso, um abraço... Mas, quando você ouve, o prazer de estar certo é maior do que qualquer coisa que poderia querer, porque é só ouvindo que se reconhece a verdade. —O que você quer dizer com...?
—Quando fechou os olhos, Dulce, o que foi que você ouviu?
Nós nos encaramos por alguns segundos. Ele esperava uma resposta, e eu procurava uma. Naquele momento eu sabia que tudo era questão de responder o que Christopher queria ouvir, mas não seria justo com nenhum de nós dois. Eu queria realmente tentar estar certa. Queria acreditar nele.
O que eu ouvi? Bom... tinha muitas respostas óbvias, mas seria fácil demais. O que eu ouvi foi muito mais complexo de explicar. Uma coisa que não podia ser vista nem lida. Uma coisa que não daria para descrever com palavras ou imagens. Finalmente, respondi:
—Eu ouvi a felicidade.
—É disso que eu tô falando! — exclamou, levantando da poltrona com um salto e parecendo animado de um segundo para outro. — Exatamente! Agora você está entendendo!
—Na verdade eu não est...
—O que é a felicidade, Dulce? — perguntou, antes que eu pudesse sequer terminar a frase.
Abri a boca para responder, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, mas, quando vi que não era tão simples, voltei a fechá-la. O que é a felicidade? O que eu sabia sobre a felicidade? Era um sentimento, mas como explicar? Christopher se ajoelhou à minha frente no chão molhado e sujo do terraço, pegando minhas mãos. Parecia um pouco maluco naquele momento, mas eu estava caindo na dele. Havia algum sentido no que dizia, e eu tinha de admitir que gostava daquilo. Arregalou os olhos, como se, de repente, tudo fizesse sentido:
—É exatamente isso, Dulce. Você sabe o que eu quero dizer. — Juntei as sobrancelhas, me aproximando um pouco, como se aquele gesto pudesse me ajudar a entender melhor o que ele dizia. — Nós não temos como explicar algumas coisas. Não existem palavras para descrever algumas sensações. E eu não posso explicar por que você pode confiar em mim, mas posso prometer que tudo vai dar certo. Você só tem que fazer como fez há alguns minutos: feche os olhos e escute o que está ao seu redor.
E então eu soube que podia confiar nele.
Autor(a): GrazihUckermann
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A proposta Ficamos conversando no terraço por mais de uma hora.&nbs ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 21
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candy1896 Postado em 01/09/2017 - 18:11:49
CONTINUAA
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candy1896 Postado em 23/08/2017 - 19:55:54
Continuaa
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candy1896 Postado em 22/08/2017 - 10:12:11
CONTINUA
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candy1896 Postado em 14/08/2017 - 18:55:10
Continuaa
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AnazinhaCandyS2 Postado em 03/08/2017 - 22:25:16
Pelo menos ela disse obrigada depois dele ter ajudado ela! Continua!
GrazihUckermann Postado em 07/08/2017 - 18:52:42
Um grande passo para ela kkkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 02/08/2017 - 18:39:44
Dulce ñ baixa essa guarda, Christopher tenta ser legal mas ela ñ coopera. Adorei quando ela viu a 'lata velha' kkkkkk. Continua!!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 01/08/2017 - 19:12:50
Fernanda ta de olho no Christopher *0* Dulce elogiando o Pedro só pq ele é um playboyzinho mas la no fundo ela preferia ta comendo um cachorro quente com o vadalo, nossa viajei aqui kkkk. Continua!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 28/07/2017 - 19:45:51
Huum Dulce pensando no delinquente pichador amo *-* Pedro ñ desiste né, espero que ele ñ faça nd errado! Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:14:28
Tenho uma raiva muito grande por esse Pedro, queria muito que ele não fizesse nada de errado...
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AnazinhaCandyS2 Postado em 26/07/2017 - 18:49:20
Dulce tem que ser mais querida, ela ta muito insensível, acho que o Christopher vai fazer uma grande mudança na vida dela *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:15:31
Ele vai ter que ter muita calma e paciência para mudar a Dulce kkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 24/07/2017 - 18:56:39
Dulce ñ foi mesmo com a cara do Christopher, mas eu adoro esse jeito dele *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 24/07/2017 - 19:01:52
Christopher é um amor, já me apaixonei por ele s2 Como ele consegue ser tão calmo com uma Dulce dessa? kkkkk